21.01.2015 Views

8. Noç˜oes básicas sobre cardinalidade de conjuntos

8. Noç˜oes básicas sobre cardinalidade de conjuntos

8. Noç˜oes básicas sobre cardinalidade de conjuntos

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

1<br />

<strong>8.</strong> Noções <strong>básicas</strong> <strong>sobre</strong> <strong>cardinalida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>conjuntos</strong><br />

A utilização da noção <strong>de</strong> aplicação bijectiva entre <strong>conjuntos</strong> é a abordagem apropriada<br />

para comparar o “tamanho” <strong>de</strong> dois <strong>conjuntos</strong>. Esta abordagem foi introduzida por<br />

Cantor e, surpreen<strong>de</strong>ntemente, conduz à existência <strong>de</strong> diferentes tamanhos infinitos.<br />

Definição <strong>8.</strong>1 Sejam A e B dois <strong>conjuntos</strong>. Diz-se que:<br />

(i) A e B têm o mesmo cardinal se existe uma aplicação bijectiva <strong>de</strong> A para B<br />

(ou, equivalentemente, <strong>de</strong> B para A); diz-se também, neste caso, que A e B são<br />

equipotentes e escreve-se A ∼ B.<br />

(ii) A tem cardinal menor ou igual que B se existe uma aplicação injectiva <strong>de</strong> A<br />

para B (o que equivale a dizer que existe uma aplicação bijectiva <strong>de</strong> A para um<br />

subconjunto <strong>de</strong> B) e escreve-se A < ∼ B.<br />

O cardinal <strong>de</strong> um conjunto A é representado por #(A).<br />

As relações enunciadas em (i) e (ii), na Definição <strong>8.</strong>1, <strong>de</strong>notam-se respectivamente<br />

por #(A) = #(B) e #(A) ≤ #(B).<br />

Diz-se ainda que o cardinal <strong>de</strong> A é (estritamente) menor que o cardinal <strong>de</strong> B, e<br />

escreve-se #(A) < #(B), se #(A) ≤ #(B) e #(A) ≠ #(B).<br />

O seguinte importante teorema exten<strong>de</strong> a cardinais quaisquer, uma conhecida proprieda<strong>de</strong><br />

dos cardinais finitos.<br />

Teorema <strong>8.</strong>2 (Schrö<strong>de</strong>r-Bernstein) Sejam A e B dois <strong>conjuntos</strong>.<br />

Se #(A) ≤ #(B) e #(B) ≤ #(A), então #(A) = #(B).<br />

✷<br />

Um conjunto diz-se infinito se tem o mesmo cardinal que um seu subconjunto<br />

próprio, e diz-se finito caso contrário.<br />

Por exemplo, N é infinito pois tem o mesmo cardinal que o subconjunto 2N dos<br />

seus números pares. De facto, a aplicação f : N → 2N <strong>de</strong>finida, para cada n ∈ N, por<br />

f(n) = 2n é claramente uma aplicação bijectiva.<br />

O cardinal <strong>de</strong> um conjunto finito A é i<strong>de</strong>ntificado com o número <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong> A.<br />

Assim, #(∅) = 0 e #({1, 2, {3, 4}}) = 3. O cardinal <strong>de</strong> N é representado por ℵ 0 .<br />

Definição <strong>8.</strong>3 Um conjunto A diz-se numerável se tem o mesmo cardinal que N, e<br />

diz-se enumerável se é finito ou numerável.<br />

É claro que N é um conjunto numerável e, como vimos acima, o conjunto dos naturais<br />

pares também é numerável. Note-se que um conjunto A é numerável se existe uma<br />

bijecção f <strong>de</strong> N para A, o que significa que os elementos <strong>de</strong> A po<strong>de</strong>m ser “listados”<br />

como<br />

f(1), f(2), f(3), . . .<br />

<strong>de</strong> tal forma que cada elemento <strong>de</strong> A aparece exactamente uma vez na lista. Por exemplo,<br />

o conjunto Z dos números inteiros po<strong>de</strong> ser listado <strong>de</strong>sta forma. Portanto Z é um<br />

conjunto numerável.


2<br />

Exemplo <strong>8.</strong>4 Um outro exemplo, menos imediato, <strong>de</strong> conjunto numerável é N × N, o<br />

conjunto dos pares or<strong>de</strong>nados <strong>de</strong> números naturais. Para mostrar a veracida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta<br />

afirmação comecemos por representar os elementos <strong>de</strong>ste conjunto na forma <strong>de</strong> tabela,<br />

conforme sugerido na seguinte figura.<br />

(1, 1) (1, 2) ✲(1, 3) (1, 4) ✲(1, 5) · · ·<br />

❄ ✒ <br />

<br />

✠ ✒ <br />

<br />

✠<br />

(2, 1) (2, 2) (2, 3) (2, 4) (2, 5) · · ·<br />

<br />

<br />

✠ ✒ <br />

<br />

✠<br />

(3, 1) (3, 2) (3, 3) (3, 4) (3, 5) · · ·<br />

❄ ✒ <br />

✠<br />

<br />

(4, 1) (4, 2) (4, 3) (4, 4) (4, 5) · · ·<br />

<br />

<br />

✠<br />

(5, 1) (5, 2) (5, 3) (5, 4) (5, 5) · · ·<br />

.<br />

.<br />

.<br />

.<br />

.<br />

As setas representadas na figura sugerem uma maneira <strong>de</strong> escrever N × N na forma<br />

<strong>de</strong> lista:<br />

(1, 1), (2, 1), (1, 2), (1, 3), (2, 2), (3, 1), (4, 1), (3, 2), (2, 3), (1, 4), (1, 5), . . . .<br />

Portanto N × N é um conjunto numerável.<br />

Seja Q o conjunto dos números racionais e sejam Q + e Q − os <strong>conjuntos</strong> dos racionais<br />

positivos e negativos, respectivamente. Dado que cada número racional positivo se<br />

po<strong>de</strong> escrever como uma fracção <strong>de</strong> dois naturais, um procedimento análogo ao do<br />

exemplo anterior mostra que Q + é numerável (naturalmente, <strong>de</strong>ve-se ter em conta que na<br />

construção da lista não se po<strong>de</strong> incluir duas fracções que representam o mesmo número).<br />

Simétricamente, Q − é numerável e, daí, é imediato concluir que Q é numerável.<br />

Facto <strong>8.</strong>5 O cardinal ℵ 0 dos <strong>conjuntos</strong> numeráveis é o menor cardinal infinito, pois<br />

cada conjunto infinito A tem uma parte numerável.<br />

Demonstração. Para provar esta afirmação, basta começar por escolher um elemento<br />

a 1 <strong>de</strong> A. Depois, assumindo que para cada n ∈ N já foram escolhidos elementos<br />

a 1 , a 2 , . . . , a n <strong>de</strong> A, escolhe-se um elemento a n+1 do conjunto A \ {a 1 , a 2 , . . . , a n }, que<br />

é não vazio pois A é infinito. O subconjunto B = {a i | i ∈ N} <strong>de</strong> A é claramente<br />

numerável e, portanto, ℵ 0 ≤ #(A). É assim correcto pensar em cada conjunto infinito<br />

não numerável como sendo “maior” do que qualquer conjunto numerável. Uma outra


3<br />

proprieda<strong>de</strong> útil dos <strong>conjuntos</strong> numeráveis, e que é uma consequência imediata do exposto<br />

acima e do Teorema <strong>de</strong> Schrö<strong>de</strong>r-Bernstein, é que toda a parte <strong>de</strong> um conjunto<br />

numerável é finita ou é numerável (ou seja, é enumerável).<br />

✷<br />

Eis algumas proprieda<strong>de</strong>s dos <strong>conjuntos</strong> enumeráveis, cuja <strong>de</strong>monstração é <strong>de</strong>ixada<br />

como exercício.<br />

Teorema <strong>8.</strong>6 Sejam A, B, A 1 , A 2 , . . . <strong>conjuntos</strong>.<br />

(i) Se A e B são enumeráveis, então A × B é enumerável.<br />

(ii) Se A e B são enumeráveis, então A ∪ B é enumerável.<br />

(iii) Se A 1 , A 2 , . . . são numeráveis, então ∪ ∞ i=1A i é numerável.<br />

(iv) Se A é numerável, então P fin (A) = {X ⊆ A | X é finito} é numerável.<br />

(v) Se A não é enumerável e B ⊆ A é enumerável, então A \ B não é enumerável.✷<br />

Temos vindo a falar <strong>de</strong> <strong>conjuntos</strong> infinitos não numeráveis mas ainda não provamos a<br />

sua existência. Mostraremos no próximo teorema que, <strong>de</strong> facto, tais <strong>conjuntos</strong> existem.<br />

Compare este resultado com a alínea (iv) do teorema anterior.<br />

Teorema <strong>8.</strong>7 Se A é um conjunto numerável, então o conjunto P(A) das partes <strong>de</strong> A<br />

não é enumerável.<br />

Demonstração: Basta provar que P(N) não é enumerável, pois se existe uma bijecção<br />

<strong>de</strong> N para A, também existe uma bijecção <strong>de</strong> P(N) para P(A). A prova faz-se por<br />

redução ao absurdo. Suponhamos que P(N) é enumerável. Então P(N) é numerável,<br />

pois é infinito, e os seus elementos po<strong>de</strong>m ser escritos numa lista N 1 , N 2 , N 3 , . . .. Seja B<br />

o seguinte subconjunto <strong>de</strong> N<br />

B = {i ∈ N | i ∉ N i }.<br />

Dado que B ∈ P(N), B = N i para algum i ∈ N. Será que o número i pertence a N i <br />

Como N i = B, tem-se por <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> B, i ∈ N i se e só se i ∉ N i . Isto é um absurdo e,<br />

portanto, a suposição <strong>de</strong> que P(N) é enumerável é falsa. Logo P(N) não é enumerável.✷<br />

A <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>ste último resultado <strong>de</strong>ve-se a Cantor e utiliza um argumento<br />

<strong>de</strong> “diagonalização” na <strong>de</strong>finição do conjunto B. Para obter mais pormenores <strong>sobre</strong><br />

esta técnica <strong>de</strong> diagonalização recomenda-se a consulta <strong>de</strong> qualquer livro <strong>de</strong> teoria <strong>de</strong><br />

<strong>conjuntos</strong>. Este tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração foi também usado por Cantor para provar que o<br />

conjunto R dos números reais não é enumerável. O cardinal <strong>de</strong> R é representado por c<br />

e é chamado o cardinal do contínuo. Como se po<strong>de</strong> mostrar, o conjunto P(N) tem<br />

o cardinal do contínuo. Logo, o Teorema <strong>8.</strong>7 po<strong>de</strong> ser reescrito com mais precisão da<br />

seguinte forma.<br />

Teorema <strong>8.</strong>8 Se A é um conjunto numerável, então o conjunto P(A) tem o cardinal<br />

do contínuo.<br />

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!