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A pedagogia de Rui Barbosa - Fundação Casa de Rui Barbosa

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Eis aí um segundo e interessante problema resultante do confronto entre o pensamento<br />

original dos pareceres, na educação, e as fontes <strong>de</strong> filosofia geral neles referidas<br />

Não lia, em tudo isso, antinomias e antíteses flagrantes<br />

Certo que existem, e é por isso que <strong>Rui</strong> procura para elas uma solução dialética<br />

na obra <strong>de</strong> Fichte O apreço pelo autor alemão está, aliás, expresso nestas palavras muito<br />

claras do segundo parecer: “Fichte não se iludiu Meio século bastou para dar a suas predições<br />

a confirmação mais espantosa”<br />

Mas, entenda-se, não propriamente a confirmação <strong>de</strong> todas as teses políticas<br />

dos Discursos à nação alemã, mas as premissas <strong>de</strong>sse trabalho, seus fundamentos mais<br />

amplos ou aqueles segundo os quais o pensamento <strong>de</strong>sse autor se liga ao <strong>de</strong> Kant<br />

No texto dos pareceres, esse elo não está, porém, <strong>de</strong>clarado Note-se que o nome<br />

<strong>de</strong> Kant só uma vez é aí referido, e em questão <strong>de</strong> pequena monta, o do valor que ele dava<br />

ao estudo da geografia como introdução necessária à compreensão das ciências naturais 21<br />

Não há em todo o texto dos pareceres referência expressa a qualquer das obras <strong>de</strong> Kant<br />

Não obstante, o âmago da filosofia <strong>de</strong> <strong>Rui</strong> é kantiano, através do i<strong>de</strong>alismo objetivo<br />

<strong>de</strong> Fichte, mais amplo que o seu i<strong>de</strong>alismo institucional, fórmula <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> circunstâncias<br />

políticas ocasionais É bem sabido que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> haver escrito Crítica da razão pura,<br />

em que <strong>de</strong>monstra a espontaneida<strong>de</strong> do pensamento e da ação humana, Kant compôs Crítica<br />

da razão prática, para explicar que uma e outra <strong>de</strong>ssas formas racionais <strong>de</strong>stinam-se a produzir<br />

a harmonia social, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a vonta<strong>de</strong> as inspire no “sentimento do <strong>de</strong>ver” Era nesse<br />

núcleo <strong>de</strong> idéias que encontrava as bases para enten<strong>de</strong>r a pessoa humana como “um fim em<br />

si mesmo”, princípio voluntarista, que as concepções da educação em geral aceitavam, como<br />

ainda agora, aliás, aceitam sob modalida<strong>de</strong>s as mais diversas<br />

Ora, como anteriormente vimos, é nesse esquema que o pensamento social <strong>de</strong><br />

<strong>Rui</strong>, sua teoria política e filosofia <strong>de</strong> educação encontram razões <strong>de</strong> harmonia e coerência<br />

O homem ganha po<strong>de</strong>r pelo conhecimento e, para que a ativida<strong>de</strong> seja eficaz, através <strong>de</strong><br />

conhecimento positivo Mas só se torna realmente livre pela consciência do <strong>de</strong>ver, pela<br />

compreensão dos valores sociais e morais, alvo final <strong>de</strong> todo o trabalho educativo Assim,<br />

as socieda<strong>de</strong>s não se <strong>de</strong>senvolvem apenas pela difusão da ciência e suas aplicações, mesmo<br />

porque não apresentam elas um programa <strong>de</strong> vida: esse programa terá <strong>de</strong> provir <strong>de</strong><br />

elevação espiritual, que só o sentimento do <strong>de</strong>ver vem a criar e a <strong>de</strong>senvolver<br />

Nessa base é que <strong>Rui</strong> admite o conhecimento positivo, a concepção evolucionista<br />

e a própria idéia <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, em cada homem apenas limitada pelo exercício <strong>de</strong> igual liberda<strong>de</strong><br />

nos <strong>de</strong>mais cidadãos Na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>la é que caberá a ação do Estado, tanto mais necessária<br />

quanto, por mudanças da vida econômica, esse exercício po<strong>de</strong> vir a ser ameaçado<br />

Assim, <strong>de</strong>pois do <strong>de</strong>bate filosófico, <strong>de</strong> que nem sempre todos os elos estão<br />

expressos, <strong>Rui</strong> retorna ao plano <strong>de</strong> pensamento político Então, passa a utilizar outras fontes,<br />

as que pregam a reforma das instituições, nelas compreendidas as do ensino público,<br />

as da educação popular pelo Estado, e que não só viessem a ensinar a ciência, mas a cultivar<br />

nos cidadãos o sentimento do <strong>de</strong>ver<br />

Três autores então aparecem, Robert Owen, menor número <strong>de</strong> vezes, John Bright<br />

e Richard Cob<strong>de</strong>n, referidos, respectivamente, 13 e 14 vezes<br />

Não são estes, vale a pena salientar, representantes <strong>de</strong> um sistema filosófico <strong>de</strong>finido,<br />

mas reformadores do pensamento social, que procuravam novos esquemas, combinando<br />

conclusões <strong>de</strong> nascentes investigações nos domínios da economia e do direito público 22<br />

Assim, <strong>Rui</strong> vem a encontrar-se <strong>de</strong> novo no terreno <strong>de</strong> sua formação original, a<br />

<strong>de</strong> jurista, terreno em que as cogitações <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m social e política se misturavam na tentativa<br />

<strong>de</strong> encontrar bases <strong>de</strong> justiça, através da ação do Estado<br />

21 Essa citação figura nas Obras completas, v X, t II, p 292<br />

22 Cob<strong>de</strong>n, Richard Questions of public affairs Londres, 1880; Bright, John Public address Londres, 1789<br />

As fontes dos pareceres 109

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