A casa portuguesa: Cristãos conquistadores em O último suspiro do ...
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História, imag<strong>em</strong> e narrativas<br />
N o 4, ano 2, abril/2007 – ISSN 1808-9895<br />
Aurora. Inaugura-se, então, com a falência <strong>do</strong> poder patriarcal, o <strong>do</strong>mínio f<strong>em</strong>inino. Sob esse<br />
<strong>do</strong>mínio, encena-se a metáfora da “<strong>casa</strong> dividida”.<br />
Do la<strong>do</strong> paterno, Flory Zogoiby, avó <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r, mantém a sete chaves os segre<strong>do</strong>s<br />
de família. Quan<strong>do</strong> seu mari<strong>do</strong>, Salomon Castile, judeu de orig<strong>em</strong> espanhola, <strong>em</strong>barca, no<br />
mar da Arábia, para outras terras, ela assume a função de zela<strong>do</strong>ra de uma sinagoga, cargo<br />
antes atribuí<strong>do</strong> ao mari<strong>do</strong>. Seu ódio a mouros e cristãos faz<strong>em</strong>-na esconder uma parte de sua<br />
história, que o filho a faz encarar quan<strong>do</strong>, apaixona<strong>do</strong> por Aurora, decide enfrentar a mãe:<br />
“to<strong>do</strong> judeu que t<strong>em</strong> nome árabe e segre<strong>do</strong>s inconfessáveis devia pensar duas vezes antes de<br />
chamar alguém de mouro.” (RUSHDIE, 1996, p. 81)<br />
A mãe de Abraham é descendente bastarda de Boabdil el Zogoiby, que entregou, s<strong>em</strong><br />
a menor resistência, as chaves da fortaleza vermelha <strong>do</strong> Alhambra aos reis Fernan<strong>do</strong> e Isabel.<br />
O último sultão andaluz é ti<strong>do</strong> como um fraco, pois não lutou por seu reino. Em uma pequena<br />
propriedade ao sul da Península, cedida pelos reis católicos, Boabdil vive como um rei s<strong>em</strong><br />
corte, ou melhor, um bobo da corte: “Terminou morren<strong>do</strong> no campo de batalha, lutan<strong>do</strong> sob a<br />
bandeira de um outro régulo.” (RUSHDIE, 1996, p. 90) Sua amante judia foge com as<br />
relíquias <strong>do</strong> reina<strong>do</strong> desse sultão e um filho no ventre. Na Índia, muitas gerações se<br />
originaram desse filho. A bastardia é, assim, algo intrínseco à própria história da família, fruto<br />
de inúmeros ventres, cuja ascendência não se conhece ou para a qual são elaboradas inúmeras<br />
versões. Configura-se, a partir de uma operação metafórica, a bastardia <strong>do</strong> texto literário.<br />
Até se chegar a essa versão da história, tanto o narra<strong>do</strong>r quanto o leitor sab<strong>em</strong> da<br />
existência de inúmeras outras versões: o acontecimento histórico; sua transformação <strong>em</strong><br />
substância narrativa; a versão registrada num livreto pela judia, amante de Boabdil,<br />
encontra<strong>do</strong> junto às relíquias <strong>do</strong> sultão, na sinagoga; a versão <strong>do</strong> velho merceeiro e a de Flory.<br />
Diante de tantas camadas textuais, não é função n<strong>em</strong> <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r n<strong>em</strong> <strong>do</strong> leitor chegar à<br />
suposta orig<strong>em</strong> <strong>do</strong>s fatos, mas compreender esse processo de sobreposição. Nesse<br />
<strong>em</strong>baralhamento de versões, não seria lícito questionar a autoria <strong>do</strong>s relatos, mas quais<br />
reflexões seu entrecruzar suscita no espaço literário cont<strong>em</strong>porâneo.<br />
Existe um preceito bíblico que afirma: “To<strong>do</strong> reino dividi<strong>do</strong> contra si mesmo é<br />
devasta<strong>do</strong>; e toda cidade, ou <strong>casa</strong>, dividida contra si mesma não subsistirá.” (MATEUS, 1982,<br />
12:25, p. 1254) Tanto Epifânia quanto Flory têm uma genealogia cindida. Ambas carregam<br />
consigo o estranho hábito de passar um risco <strong>em</strong> tu<strong>do</strong> e de s<strong>em</strong>pre estabelecer divisões que<br />
serão processadas ao longo da narrativa: território, <strong>em</strong>presa, <strong>casa</strong>, língua, nomes; Oriente e<br />
Ocidente; cristãos e não-cristãos; ingleses e indianos; indianos e portugueses; e o próprio<br />
http://www.historiaimag<strong>em</strong>.com.br<br />
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