20.01.2015 Views

A casa portuguesa: Cristãos conquistadores em O último suspiro do ...

A casa portuguesa: Cristãos conquistadores em O último suspiro do ...

A casa portuguesa: Cristãos conquistadores em O último suspiro do ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

História, imag<strong>em</strong> e narrativas<br />

N o 4, ano 2, abril/2007 – ISSN 1808-9895<br />

utilizadas para se livrar<strong>em</strong> de situações <strong>em</strong>baraçosas, como o episódio <strong>em</strong> que Veloso<br />

consegue escapar à morte (canto IV). Já a pertinácia se liga à capacidade <strong>do</strong>s heróis de, a cada<br />

adversidade, se propor<strong>em</strong> novas <strong>em</strong>preitadas, s<strong>em</strong> deixar esmorecer os ânimos. Há também as<br />

qualidades coletivas, que são projeções <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> ou <strong>do</strong> futuro, extraídas <strong>do</strong>s acontecimentos<br />

gloriosos. Assim, a identidade <strong>portuguesa</strong> só se constitui na medida <strong>em</strong> que o espelho que t<strong>em</strong><br />

diante de si reflete o reverso de sua auto-imag<strong>em</strong>. Esse reflexo garante o avanço <strong>do</strong>s lusitanos<br />

como povo escolhi<strong>do</strong> para a subordinação política <strong>do</strong> mouro, o que valida o <strong>em</strong>preendimento<br />

da viag<strong>em</strong>. (GIL, s.d., p. 13)<br />

Através da subversão <strong>do</strong> sinal designativo <strong>do</strong>s barões assinala<strong>do</strong>s, Rushdie<br />

desconstrói a imposição teleológica <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e a torna provisória. Realiza também um<br />

deslocamento <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e substitui os barões assinala<strong>do</strong>s e seus feitos, que se tornam<br />

contraditórios; desaloja as continuidades, que passam a ser ocupadas pelas muitas redes<br />

discursivas da cultura.<br />

Como Camões, o Mouro cumpre seu destino na diáspora – a Península Ibérica –<br />

onde, arrastan<strong>do</strong>-se pelas vielas, espalha os manuscritos de seu livro. Como um D. Sebastião<br />

– último representante da dinastia de Avis –, desaparece. Entretanto, <strong>do</strong> Mouro, ninguém<br />

aguarda o regresso. À maneira de um herdeiro de Camões, nessa trajetória, colhe como<br />

resulta<strong>do</strong> um livro. Camões salva os manuscritos de sua obra de um naufrágio e funda uma<br />

tradição; o Mouro, último baluarte <strong>do</strong> bar<strong>do</strong> português, ao espalhar os manuscritos de seu<br />

livro pelas cercas e pelos postes da província de Benengeli, dispersa essa tradição, retira-a da<br />

imobilidade, pois o que resta da grandeza de outrora é só literatura. Vasco da Gama, o grande<br />

herói lusitano, é transforma<strong>do</strong> não apenas no ascendente primeiro dessa mistura apimentada<br />

entre europeus e indianos, mas também na personag<strong>em</strong> Vasco Miranda, que figura, no<br />

romance, como algoz <strong>do</strong> Mouro. Esse jogo genealógico é uma especiaria que se manifesta, no<br />

contexto cont<strong>em</strong>porâneo, como uma das maneiras para se t<strong>em</strong>perar e garantir o sabor de uma<br />

identidade que se constitui e t<strong>em</strong> consciência de que faz parte de um nó diaspórico e poroso.<br />

Além da presença expressiva de Vasco da Gama como ascendente genealógico da<br />

família de Aurora, um eco camoniano reverbera não somente no nome <strong>do</strong> avô materno <strong>do</strong><br />

narra<strong>do</strong>r – Camões da Gama –, mas também numa espécie de irreverência no que respeita às<br />

questões sociopolíticas e culturais de seu t<strong>em</strong>po. Nesse senti<strong>do</strong>, Francisco e Camões da Gama<br />

partilham certo mal-estar no mun<strong>do</strong> e têm, na escrita, uma forma de manifestar suas opiniões,<br />

o que, aliás, é herda<strong>do</strong> pelo narra<strong>do</strong>r. Traço evidente nessas três personagens é, também, uma<br />

verve quixotesca, razão pela qual, por oposição à racionalidade f<strong>em</strong>inina que percorre to<strong>do</strong> o<br />

http://www.historiaimag<strong>em</strong>.com.br<br />

108

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!