20.01.2015 Views

A casa portuguesa: Cristãos conquistadores em O último suspiro do ...

A casa portuguesa: Cristãos conquistadores em O último suspiro do ...

A casa portuguesa: Cristãos conquistadores em O último suspiro do ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

História, imag<strong>em</strong> e narrativas<br />

N o 4, ano 2, abril/2007 – ISSN 1808-9895<br />

equivalente à que enaltece, <strong>em</strong> Os Lusíadas: as armas e as letras. Aqui, o poeta reivindica um<br />

estatuto heróico s<strong>em</strong>elhante ao daqueles a qu<strong>em</strong> elege como tais. E, na medida <strong>em</strong> que o faz,<br />

Camões deixa entrever que a aventura maior <strong>do</strong>s portugueses não foi a viag<strong>em</strong>, senão a sua<br />

transposição <strong>em</strong> po<strong>em</strong>a épico, que confere imortalidade a seus agentes históricos, e<br />

principalmente a si, que soube cantá-los com engenho e arte. São esses barões, ungi<strong>do</strong>s com o<br />

sinal de Cristo, desbrava<strong>do</strong>res de mares e terras ignotos, que fundam o que se pode chamar, a<br />

partir <strong>do</strong> épico lusitano, a identidade <strong>portuguesa</strong>.<br />

Contu<strong>do</strong>, esse canto de louvor aos feitos portugueses, ao triunfo da fé e <strong>do</strong> império<br />

está intimamente relaciona<strong>do</strong> aos mouros e à sua “falsa religião”, de tal forma que Os<br />

Lusíadas não poderiam ser concebi<strong>do</strong>s s<strong>em</strong> a presença desses. Caso contrário, “as armas e os<br />

barões assinala<strong>do</strong>s” não teriam finalidade.<br />

No transcurso da narrativa épica, o mouro é s<strong>em</strong>pre apresenta<strong>do</strong> com atributos<br />

negativos. Há um traço de rebeldia que impregna sua imag<strong>em</strong>, como d<strong>em</strong>onstram alguns<br />

ex<strong>em</strong>plos: “desumano”, “astuto”, “bárbaro”, “venenoso”, “belicoso”, “ardiloso”. Esses<br />

adjetivos, entre outros, d<strong>em</strong>onstram a imperiosa necessidade que têm os portugueses de<br />

eliminá-lo. Se o mouro fosse bom, aos olhos portugueses, seria subserviente, assimilaria o<br />

cristianismo, modelo religioso civiliza<strong>do</strong>r.<br />

Esse sentimento repulsivo <strong>em</strong> relação ao mouro não é gratuito, seja ele de orig<strong>em</strong><br />

otomana, turca, árabe, visto que essa cultura, <strong>em</strong> fins da Idade Média e início de Idade<br />

Moderna, se espalhava pelos continentes africano, asiático e europeu. A diss<strong>em</strong>inação desse<br />

povo leva para as novas terras o islamismo. Como, economicamente, os “estrangeiros”<br />

ofereciam melhores condições de vida, os camponeses acabavam trabalhan<strong>do</strong> para os mouros<br />

e, conseqüent<strong>em</strong>ente, se convertiam ao islã. Enquanto os povos islâmicos abriam as portas<br />

para o outro, os cristãos fechavam-nas. No século XVI, o me<strong>do</strong> aos muçulmanos se apodera<br />

<strong>do</strong>s europeus.<br />

Ciente desse contexto, a Igreja inculca nos fiéis o me<strong>do</strong> de que o cristianismo esteja<br />

sitia<strong>do</strong>. Mas a insistência no me<strong>do</strong> também está relacionada ao fato de a Igreja sentir a inércia<br />

das populações. O me<strong>do</strong>, como diz Jean Delumeau, “inerente a nossa natureza, é uma defesa<br />

essencial, uma garantia contra os perigos, um reflexo indispensável que permite ao organismo<br />

escapar provisoriamente à morte.” (DELUMEAU, 1993, p.19) O avanço otomano sobre a<br />

Europa desencadeia esse me<strong>do</strong>, que os europeus compararam a uma epid<strong>em</strong>ia, à fome, ao<br />

fogo e a inundações. Até os sermões religiosos estavam impregna<strong>do</strong>s desse me<strong>do</strong> e pintavam<br />

o inimigo com as cores da crueldade e da barbárie. Além <strong>do</strong> mais, eram considera<strong>do</strong>s<br />

http://www.historiaimag<strong>em</strong>.com.br<br />

105

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!