A TRIBUTAÇÃO, A ORDEM ECONÔMICA E O ... - Milton Campos

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96 [...] tentativa de se estabelecer critérios para uma justiça pública, relativos à estrutura básica da sociedade, a qual somente pode ser aplicável a uma sociedade bem ordenada (com regras institucionalizadas democraticamente). Caracteriza-se por ser um teoria contratualista, determinando que os princípios fundamentais de justiça devem ser pactuados, em uma posição original de igualdade, por pessoas racionais e razoáveis, as quais, protegidas por um véu de ignorância, estariam aptas a estabelecer, na posição original, dois princípios distintos: um que garantisse as liberdades fundamentais a todos e outro que previsse que as desigualdades entre os homens somente seriam justas na medida em que beneficiassem os menos favorecidos, e que as oportunidades sociais e econômicas deveriam ser isonomicamente acessíveis 287 . No trabalho desenvolvido por RAWLS, estabelece-se os meandros de uma teoria de justiça distributiva, já que tem por diretriz a distribuição dos bens da coletividade entre todos os indivíduos, de forma igualitária, para que todos possam gozar de oportunidades iguais e almejarem posições socialmente benéficas, como esboça Sérgio André R. G. da Silva 288 . A partir destas bases teóricas, a Teoria da Justiça de RAWLS empresta importantíssimo fundamento ao Direito Tributário, a exemplo da faceta extrafiscal do Imposto de Renda, e serve para distribuir essas riquezas. 5.2.2.1 Correlação entre neutralidade fiscal e justiça fiscal É cediço que um princípio enuncia uma conformação da interpretação e aplicação do direito. E que no ordenamento jurídico, sobretudo o inaugurado pela Carta de 1988, existe uma gama de princípios cuja efetividade requer sua garantia preservada, e que, como peças de um sistema coeso e sustentável, todos esses princípios, a rigor, devem coexistir harmonicamente. A neutralidade fiscal persegue uma eficiência econômica através da não interferência dos tributos sobre a formação dos preços e, em escala maior, na própria estruturação dos mercados. A justiça fiscal, por outro lado, visa promover a isonomia com a redistribuição dos bens entre a coletividade. Para que isso seja possível, deverá agir sobre a concentração da riqueza promovendo-lhe a redistribuição de maneira mais igualitária, equânime, permitindo com que todos ou a maior parte da população menos favorecida tenha acesso e gozo aos bens da vida. Trava-se aqui um duelo entre valores: de um lado, a neutralidade fiscal, que é um valor que prega a não interferência estatal por meio dos tributos. Do outro, a justiça fiscal, que 287 SILVA, Sérgio André R. G. da. Ética, moral e justiça tributária. In:______ Revista Tributária e de Finanças Públicas, nº 51. Ano 11, jul./ago..2003. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 118. 288 SILVA, Sérgio André R. G. da. Ética, moral e justiça tributária. In:______ Revista Tributária e de Finanças Públicas, nº 51. Ano 11, jul./ago..2003. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 118-119.

97 impõe a interferência estatal, por meio da imposição tributária, para realizar o princípio da isonomia material. Diante disto, CALIENDO dispõe que: Esses dois princípios irão garantir ordem (consistência) e unidade (coerência) ao sistema jurídico tributário. A justiça fiscal irá tratar da correta relação do cidadão (parte) com a esfera pública (todo), permitindo identificar a correta forma de contribuição que o indivíduo deve realizar à manutenção de uma esfera pública de liberdade e igualdade. O princípio da justiça fiscal volta-se aqui à promoção do sentido público da tributação e de seus valores essenciais. O princípio da neutralidade fiscal volta-se a encontrar a correta correlação entre a tributação e a busca pela prosperidade (eficiência). Trata-se aqui de encontrar a correta relação do contribuinte entendido como agente econômico, e a esfera pública econômica (ordem econômica), permitindo identificar em que medida a tributação se insere no contexto econômico e social. O princípio da neutralidade fiscal volta-se aqui à promoção do sentido privado da tributação, como um valor essencial 289 . Entre a neutralidade fiscal e justiça fiscal, resta evidenciado que ambos (neutralidade e justiça), numa visão preliminar, trafegam em caminhos opostos, ou melhor dizendo, almejam objetivos divergentes 290 . A medida exata para preservar-lhes o funcionamento e a efetividade é, uma vez mais, seu sopesamento, já que a busca pela justiça nem sempre é a solução mais eficiente, economicamente falando, ao passo que a conquista da eficiência do sistema econômico não resiste em suplantar, por diversas vezes, os ideais de justiça. 5.3 Da competência para legislar sobre Direito Econômico e da Concorrência Para possibilitar a eventual adoção de uma ou outra leitura do art. 146-A da Constituição da República de 1988, conforme exporemos a seguir, é necessário esclarecer as 289 SILVEIRA, Paulo Antônio Caliendo Velloso da. Direito tributário e análise econômica do direito: uma visão crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 117. 290 “Existem quatro visões a respeito do entendimento sobre a justiça e a eficiência: i) autonomia; ii) primado iii) contradição e iv) conexão. A primeira visão é de que justiça e eficiência possuem racionalidades diversas e se aplicam a campos distintos da realidade. Poderíamos dizer que a racionalidade jurídica é fundada na justiça (formal ou material) e a racionalidade econômica é dirigida pela idéia de eficiência; contudo, trata-se de dois conceitos distintos e aplicáveis separadamente, cada um em seu setor. A segunda posição parte do entendimento de que a justiça poder ser explicada pela eficiência ou vice-versa, ou seja, um sistema justo é um sistema eficiente ou o sistema eficiente é um sistema justo. Esta compreensão prevê a prevalência de um conceito sobre o outro. Tendem alguns autores a entender que a eficiência é o conceito adequado de justiça. Um terceira posição, segundo Casamiglia, seria considerar-se a existência de contradição entre a justiça e a eficiência, ou seja, uma relação inversa (trade off) entre estes dois conceitos, no sentido que quando a distribuição fosse eqüitativa a eficiência seria prejudicada e quando o sistema privilegiasse a eficiência poderia conduzir a resultados injustos. Para Casamiglia, contudo, existe uma relação de conexão (quarta visão) entre a justiça e a eficiência em pelo menos cinco sentidos: 1º) uma sociedade idealmente justa é uma sociedade eficiente; 2º) uma sociedade justa eqüitativa dificilmente será uma sociedade que desperdiça, não utiliza ou sub-utiliza recursos; 3º) a eficiência é um componente da justiça, embora não seja nem o único, nem o principal critério de justiça; 4º) a eficiência, entendida como processo de maximização da riqueza social, exige intervenções regulatórias, corretivas ou estratégicas do Estado no mercado e 5º) existe uma utilidade em observar se os mecanismos jurídicos de controle são eficientes na produção de riqueza social. (SILVEIRA, Paulo Antônio Caliendo Velloso da. Direito tributário e análise econômica do direito: uma visão crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 75-76).

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[...] tentativa de se estabelecer critérios para uma justiça pública, relativos à<br />

estrutura básica da sociedade, a qual somente pode ser aplicável a uma sociedade<br />

bem ordenada (com regras institucionalizadas democraticamente). Caracteriza-se<br />

por ser um teoria contratualista, determinando que os princípios fundamentais de<br />

justiça devem ser pactuados, em uma posição original de igualdade, por pessoas<br />

racionais e razoáveis, as quais, protegidas por um véu de ignorância, estariam aptas<br />

a estabelecer, na posição original, dois princípios distintos: um que garantisse as<br />

liberdades fundamentais a todos e outro que previsse que as desigualdades entre os<br />

homens somente seriam justas na medida em que beneficiassem os menos<br />

favorecidos, e que as oportunidades sociais e econômicas deveriam ser<br />

isonomicamente acessíveis 287 .<br />

No trabalho desenvolvido por RAWLS, estabelece-se os meandros de uma teoria de<br />

justiça distributiva, já que tem por diretriz a distribuição dos bens da coletividade entre todos<br />

os indivíduos, de forma igualitária, para que todos possam gozar de oportunidades iguais e<br />

almejarem posições socialmente benéficas, como esboça Sérgio André R. G. da Silva 288 . A<br />

partir destas bases teóricas, a Teoria da Justiça de RAWLS empresta importantíssimo<br />

fundamento ao Direito Tributário, a exemplo da faceta extrafiscal do Imposto de Renda, e<br />

serve para distribuir essas riquezas.<br />

5.2.2.1 Correlação entre neutralidade fiscal e justiça fiscal<br />

É cediço que um princípio enuncia uma conformação da interpretação e aplicação do<br />

direito. E que no ordenamento jurídico, sobretudo o inaugurado pela Carta de 1988, existe<br />

uma gama de princípios cuja efetividade requer sua garantia preservada, e que, como peças de<br />

um sistema coeso e sustentável, todos esses princípios, a rigor, devem coexistir<br />

harmonicamente.<br />

A neutralidade fiscal persegue uma eficiência econômica através da não interferência<br />

dos tributos sobre a formação dos preços e, em escala maior, na própria estruturação dos<br />

mercados. A justiça fiscal, por outro lado, visa promover a isonomia com a redistribuição dos<br />

bens entre a coletividade. Para que isso seja possível, deverá agir sobre a concentração da<br />

riqueza promovendo-lhe a redistribuição de maneira mais igualitária, equânime, permitindo<br />

com que todos ou a maior parte da população menos favorecida tenha acesso e gozo aos bens<br />

da vida.<br />

Trava-se aqui um duelo entre valores: de um lado, a neutralidade fiscal, que é um<br />

valor que prega a não interferência estatal por meio dos tributos. Do outro, a justiça fiscal, que<br />

287 SILVA, Sérgio André R. G. da. Ética, moral e justiça tributária. In:______ Revista Tributária e de Finanças Públicas, nº<br />

51. Ano 11, jul./ago..2003. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 118.<br />

288 SILVA, Sérgio André R. G. da. Ética, moral e justiça tributária. In:______ Revista Tributária e de Finanças Públicas, nº<br />

51. Ano 11, jul./ago..2003. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 118-119.

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