A TRIBUTAÇÃO, A ORDEM ECONÔMICA E O ... - Milton Campos

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94 filosofia clássica como no pensamento jurídico, e a sua trajetória será fundamental para o desenvolvimento do pensamento ocidental 281 . Não é demais assinalar que o princípio da isonomia é, verdadeiramente, uma garantia ao contribuinte, sendo repreensível qualquer tentativa de impor o pagamento de tributos não previstos ou cujo fato gerador não abrace determinadas situações não descritas na lei, respaldada tal iniciativa na interpretação desta norma: Cabe, por fim, anotar que a igualdade é uma garantia do indivíduo e não do Estado. Assim, se diante de duas situações que merecem igual tratamento, a lei exigir tributo somente na primeira situação, não cabe à administração fiscal, com base no princípio comentado, tributar ambas as situações; compete ao indivíduo que se ligue à situação tributada contestar o gravame que lhe esteja sendo cobrado com desrespeito ao princípio constitucional. Não pode a analogia ser invocada pela administração para exigir o tributo na situação não prevista (CTN, art. 108, § 1º) 282 . O exercício do poder de tributar, em face do sistema vigente pela atual Ordem Jurídica brasileira, gera um visível desequilíbrio na dosagem da carga tributária, experimentado nas relações jurídicas estabelecidas entre o Fisco e os contribuintes. Percebese ainda que, além do descumprimento de princípio essencial do Estado Democrático de Direito, o desnivelamento dos encargos tributários traz, no nicho dos mercados, a violação de princípios específicos do subsistema social econômico, inclusive o da livre concorrência, desencadeando uma série de danosos resultados. O Constituinte derivado, sensível a isto, explicita, através do art. 146-A, inserido pela EC nº 42/2003, a possibilidade de uma lei complementar, a ser elaborada, para estabelecer “critérios especiais de tributação” tendentes a “prevenir desequilíbrios de concorrência”. O disposto no art. 146-A da CR/1988, apesar de ser comando normativo que provoca um rearranjo legislativo e social 283 , para adequar de forma satisfatória a realidade ao modelo constitucional proposto, deixa ainda grandes dúvidas quanto à sua materialização. O texto inserido pelo art. 146-A da CR/1988 passeia por duas áreas do conhecimento - Direito e Economia - que até a pouco tempo atrás eram inconciliáveis sob o ponto de vista do modelo do civil law, como já foi possível analisar. Ocorre que o nascimento prematuro do 281 SILVEIRA, Paulo Antônio Caliendo Velloso da. Direito tributário e análise econômica do direito: uma visão crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 280. 282 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 14 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 200, p. 136-137. 283 “No Brasil, criou-se a cultura de dizer que, para um negócio ter bons resultados, é preciso ‘dar um jeito’ ou buscar um atalho, pois seria impossível ficar dentro das regras, das boas práticas e, ainda assim, obter resultados positivos. Falso dilema! [...] Segundo estudos de uma consultoria americana (A.T.Kearney), as empresas-modelo nas práticas voltadas à sustentabilidade tiveram performance financeira melhor do que as demais, mesmo na crise (... ou sobretudo na crise)” (BARBOSA, Fábio. “Sobre jovens e valores”. Jornal Folha de São Paulo, São Paulo, 15 de agosto de 2010. Caderno Mercado, B9.)

95 art. 146-A 284 trouxe muitíssimas dúvidas. Mas o passo inicial – e talvez o mais importante – já foi dado, que é o reconhecimento ostensivo, pelo Direito positivo, de uma situação concreta que gera consequências nocivas à sociedade. Partindo do pressuposto de que a tributação, sob o ponto de vista econômico, almeja a “concretização de uma determinada visão política sobre justiça econômica e distributiva”, a tributação, em conformidade com esses meios ideais de justiça: [...] deve responder a duas exigências fundamentais: equidade vertical e equidade horizontal. A equidade vertical representa os critérios para a definição da repartição de encargos fiscais entre pessoas de rendas distintas, enquanto a equidade horizontal determina os critérios na justiça de distribuição entre pessoas de mesma renda. 285 Assim como a Justiça é o pano de fundo do Direito, o é a Justiça fiscal em relação ao Direito Tributário, como tradução específica do princípio geral da justiça afeta às questões fiscais. O princípio da justiça fiscal está para o princípio geral de justiça assim como o princípio da capacidade contributiva está para o princípio da isonomia. Pode-se definir o princípio da justiça fiscal da seguinte forma: [...] a justiça fiscal irá atuar como um critério seletor de proposições normativas possíveis de compor a estrutura sintática da norma jurídica. O conceito de justiça fiscal possuirá duas características: intransitividade e coerência semântica. O sentido de justiça será essencialmente variável a época e a sociedade, contudo existirá um mínimo de sentido a que a noção de justiça fiscal irá se reportar 286 . Discorre Sérgio André R. G. da Silva que o princípio da justiça fiscal ganhou um enorme contributo da teoria da Justiça formulada por John Rawls. Esta teoria consiste numa: 284 “Apesar das referências à questão do desequilíbrio concorrencial provocado pelos diferentes regimes tributários relativos ao ICMS e da competição desleal gerada por práticas sonegatórias, não constava da PEC 41/03, qualquer tipo de alteração concreta do texto constitucional que se assemelhasse ao artigo 146-A. [...] Não obstante rápidas menções à questão concorrencial nos trabalhos legislativos de discussão da reforma, nem nos projetos apensados, nem nas emendas, houve qualquer referência a dispositivo parecido com o artigo 146-A. O artigo 146-A tomou forma em 03 de setembro de 2003, por ocasião da discussão e votação, em primeiro turno, na Câmara dos Deputados, da Emenda Aglutinativa Substitutiva Global de Plenário nº 27, concluída às duas horas e dez minutos do dia seguinte, após acaloradas discussões em torno do trâmite então adotado para votação de alterações legislativas de tamanha importância. Após 20 dias, ocorreram a votação e a aprovação do projeto em segundo turno na Câmara dos Deputados, sem qualquer discussão especial em torno do artigo 146-A. No trâmite da matéria no Senado Federal, o parecer proferido pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania também não teceu qualquer consideração sobre o artigo 146-A [...]. Após aprovação pelo Senado Federal, em primeiro e segundo turnos, nos dias 11 e 17 de dezembro de 2003, respectivamente, a versão final do projeto de emenda foi finalmente promulgada, dando nascimento à EC 42/03, cuja feição final acabou bastante distinta do texto originalmente proposto pelo Poder Executivo, na PEC 41/03. (BRAZUNA, José Luis Ribeiro. Defesa da concorrência e tributação - à luz do artigo 146-A da Constituição – Série Doutrina Tributária Vol. II. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 57-59). 285 SILVEIRA, Paulo Antônio Caliendo Velloso da. Direito tributário e análise econômica do direito: uma visão crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 270. 286 SILVEIRA, Paulo Antônio Caliendo Velloso da. Direito tributário e análise econômica do direito: uma visão crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 113.

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art. 146-A 284 trouxe muitíssimas dúvidas. Mas o passo inicial – e talvez o mais importante – já<br />

foi dado, que é o reconhecimento ostensivo, pelo Direito positivo, de uma situação concreta<br />

que gera consequências nocivas à sociedade.<br />

Partindo do pressuposto de que a tributação, sob o ponto de vista econômico, almeja<br />

a “concretização de uma determinada visão política sobre justiça econômica e distributiva”, a<br />

tributação, em conformidade com esses meios ideais de justiça:<br />

[...] deve responder a duas exigências fundamentais: equidade vertical e equidade<br />

horizontal. A equidade vertical representa os critérios para a definição da repartição<br />

de encargos fiscais entre pessoas de rendas distintas, enquanto a equidade horizontal<br />

determina os critérios na justiça de distribuição entre pessoas de mesma renda. 285<br />

Assim como a Justiça é o pano de fundo do Direito, o é a Justiça fiscal em relação ao<br />

Direito Tributário, como tradução específica do princípio geral da justiça afeta às questões<br />

fiscais. O princípio da justiça fiscal está para o princípio geral de justiça assim como o<br />

princípio da capacidade contributiva está para o princípio da isonomia. Pode-se definir o<br />

princípio da justiça fiscal da seguinte forma:<br />

[...] a justiça fiscal irá atuar como um critério seletor de proposições normativas<br />

possíveis de compor a estrutura sintática da norma jurídica. O conceito de justiça<br />

fiscal possuirá duas características: intransitividade e coerência semântica. O<br />

sentido de justiça será essencialmente variável a época e a sociedade, contudo<br />

existirá um mínimo de sentido a que a noção de justiça fiscal irá se reportar 286 .<br />

Discorre Sérgio André R. G. da Silva que o princípio da justiça fiscal ganhou um<br />

enorme contributo da teoria da Justiça formulada por John Rawls. Esta teoria consiste numa:<br />

284 “Apesar das referências à questão do desequilíbrio concorrencial provocado pelos diferentes regimes tributários relativos<br />

ao ICMS e da competição desleal gerada por práticas sonegatórias, não constava da PEC 41/03, qualquer tipo de<br />

alteração concreta do texto constitucional que se assemelhasse ao artigo 146-A. [...] Não obstante rápidas menções à<br />

questão concorrencial nos trabalhos legislativos de discussão da reforma, nem nos projetos apensados, nem nas emendas,<br />

houve qualquer referência a dispositivo parecido com o artigo 146-A. O artigo 146-A tomou forma em 03 de setembro de<br />

2003, por ocasião da discussão e votação, em primeiro turno, na Câmara dos Deputados, da Emenda Aglutinativa<br />

Substitutiva Global de Plenário nº 27, concluída às duas horas e dez minutos do dia seguinte, após acaloradas discussões<br />

em torno do trâmite então adotado para votação de alterações legislativas de tamanha importância. Após 20 dias,<br />

ocorreram a votação e a aprovação do projeto em segundo turno na Câmara dos Deputados, sem qualquer discussão<br />

especial em torno do artigo 146-A. No trâmite da matéria no Senado Federal, o parecer proferido pela Comissão de<br />

Constituição, Justiça e Cidadania também não teceu qualquer consideração sobre o artigo 146-A [...]. Após aprovação<br />

pelo Senado Federal, em primeiro e segundo turnos, nos dias 11 e 17 de dezembro de 2003, respectivamente, a versão<br />

final do projeto de emenda foi finalmente promulgada, dando nascimento à EC 42/03, cuja feição final acabou bastante<br />

distinta do texto originalmente proposto pelo Poder Executivo, na PEC 41/03. (BRAZUNA, José Luis Ribeiro. Defesa da<br />

concorrência e tributação - à luz do artigo 146-A da Constituição – Série Doutrina Tributária Vol. II. São Paulo: Quartier<br />

Latin, 2009, p. 57-59).<br />

285 SILVEIRA, Paulo Antônio Caliendo Velloso da. Direito tributário e análise econômica do direito: uma visão crítica. Rio<br />

de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 270.<br />

286 SILVEIRA, Paulo Antônio Caliendo Velloso da. Direito tributário e análise econômica do direito: uma visão crítica. Rio<br />

de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 113.

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