A TRIBUTAÇÃO, A ORDEM ECONÔMICA E O ... - Milton Campos

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72 5 A INTRODUÇÃO DO ARTIGO 146-A PELA EMENDA CONSTITUCIONAL 42/2003 Chegou-se ao ponto em que se fará uma argumentação teórica, em conjugação com a análise de dois casos concretos, justificando não apenas a pertinência do estudo das interfaces entre o Direito Tributário e a Economia, mas, especialmente, a razão de ser da norma contida no art. 146-A da CR/1988. Impõe o retro mencionado dispositivo: Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) Como já frisado, a inserção do art. 146-A na Constituição Federal, além de positivar expressamente o princípio da neutralidade tributária, deixou cristalina a vontade constitucional de utilização da tributação para a realização dos princípios das livres concorrência e iniciativa, basilares da ordem econômica. Para Hamilton Dias de Souza: O objetivo da norma é o de deixar clara, ao legislador (quanto à União Federal, basta lei ordinária, enquanto se exige quorum complementar para os demais entes públicos), a possibilidade de fixação de critérios especiais de tributação a determinados setores, como forma de assegurar a manutenção do regime de livre concorrência, que se erige como princípio fundamental da ordem econômica. 208 A legislação tributária é parte do subsistema social jurídico, de interação com o todo constitucional. Dentre as especificidades internas deste ramo do Direito, isto é, princípios e regras particulares, está a obrigatoriedade na adequação destes e das demais normas correspondentes à correlação com os outros subsistemas (i.e., o econômico) e, sobretudo, com as regras e princípios constitucionais fundamentais, tributários e não tributários. É mister reiterar que o subsistema tributário brasileiro encontra-se impregnado na Carta Política de 1988, com contornos amplamente definidos, fazendo deste diploma o pilar da ordem jurídica tributária, como aponta Sacha Calmon Navarro Coelho 209 . É para COÊLHO também que a Constituição Tributária está dividida em três grandes grupos temáticos, a saber: i) repartição de competências tributárias entre os entes federados; ii) princípios tributários e 208 SOUZA, Hamilton Dias de (coord.). Tributação específica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 245. 209 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 47.

73 limitações ao poder de tributar e; iii) repartição do produto da arrecadação de impostos entre os entes tributantes 210 . COÊLHO prepara o seu raciocínio da base sólida de Constituição do Estado republicano, democrático e federalista. A república, no seu mais básico conceito, reflete que o povo é senhor da coisa pública. Os governantes não passam de meros administradores, em exercício do mandato, pelo povo e para o povo. A democracia predica e prescreve a participação ativa na vida política do Estado por seus administrados. O federalismo, forma de Estado, reproduz a descentralização política, administrativa e financeira 211 , conduzindo ao estabelecimento de três esferas de governo. É sob o trinômio qualificador do Estado brasileiro, apontado acima, que se assenta o modelo de ordenamento jurídico tributário. O princípio republicano cristaliza o princípio da isonomia, da igualdade de todos perante à lei, que, em matéria tributária, veda a distinção injustificável entre contribuintes, capaz de proporcionar favores fiscais e discriminações incompatíveis com o espírito da Constituição cidadã. A democracia representativa 212 garante a participação popular, pela manifestação da maioria na escolha dos seus representantes e na definição dos rumos do Estado, das diretrizes de atuação. Mesmo assim, este sistema de representação popular não garante os desmandos e as violações de direitos e garantias fundamentais, como explica COÊLHO 213 . Isto porque a maioria faz a força, conforme ilações de Geraldo Ataliba e Misabel Derzi, citados por COÊLHO 214 , ainda que baseada em um suposto interesse de todos. E aí que está o papel do Poder Judiciário para garantir a retidão da atuação do Estado nas ações dos Poderes Legislativo e Executivo, seja no controle de constitucionalidade de atos concretos, seja no controle de constitucionalidade da lei e demais instrumentos normativos infralegais, tutelando a proteção de núcleo rígido de direitos fundamentais da minoria. É possível dizer então que o Poder Judiciário é a garantia de proteção de todos contra todos e, sobretudo, de alguns contra todos. 210 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 48. 211 De acordo com COÊLHO, “na federação ocorrem quatro ordens de descentralização: A) a Legislativa – produção de normas jurídicas; B) a Administrativa – administração própria; C) a Política – formação dos poderes e autogoverno; e D) a Judiciária – aparato jurisdicional próprio”. (Curso de direito tributário brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 62) 212 “A democracia representativa, tal como proposta pela República Francesa, em certo sentido perdeu vitalidade. Nas modernas sociedades de massa do mundo ocidental, de cuja cultura política e jurídica fazemos parte, a representação política sofre tremendos poderes do “esterco do diabo” (o dinheiro), do egoísmo social e da mídia. Assim sendo, não se pode dizer que as pessoas se fazem fielmente representar nos governos e nos parlamentos”. (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 50). 213 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 51. 214 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 51-52.

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limitações ao poder de tributar e; iii) repartição do produto da arrecadação de impostos entre<br />

os entes tributantes 210 .<br />

COÊLHO prepara o seu raciocínio da base sólida de Constituição do Estado<br />

republicano, democrático e federalista. A república, no seu mais básico conceito, reflete que o<br />

povo é senhor da coisa pública. Os governantes não passam de meros administradores, em<br />

exercício do mandato, pelo povo e para o povo. A democracia predica e prescreve a<br />

participação ativa na vida política do Estado por seus administrados. O federalismo, forma de<br />

Estado, reproduz a descentralização política, administrativa e financeira 211 , conduzindo ao<br />

estabelecimento de três esferas de governo. É sob o trinômio qualificador do Estado<br />

brasileiro, apontado acima, que se assenta o modelo de ordenamento jurídico tributário.<br />

O princípio republicano cristaliza o princípio da isonomia, da igualdade de todos<br />

perante à lei, que, em matéria tributária, veda a distinção injustificável entre contribuintes,<br />

capaz de proporcionar favores fiscais e discriminações incompatíveis com o espírito da<br />

Constituição cidadã.<br />

A democracia representativa 212 garante a participação popular, pela manifestação da<br />

maioria na escolha dos seus representantes e na definição dos rumos do Estado, das diretrizes<br />

de atuação. Mesmo assim, este sistema de representação popular não garante os desmandos e<br />

as violações de direitos e garantias fundamentais, como explica COÊLHO 213 . Isto porque a<br />

maioria faz a força, conforme ilações de Geraldo Ataliba e Misabel Derzi, citados por<br />

COÊLHO 214 , ainda que baseada em um suposto interesse de todos. E aí que está o papel do<br />

Poder Judiciário para garantir a retidão da atuação do Estado nas ações dos Poderes<br />

Legislativo e Executivo, seja no controle de constitucionalidade de atos concretos, seja no<br />

controle de constitucionalidade da lei e demais instrumentos normativos infralegais, tutelando<br />

a proteção de núcleo rígido de direitos fundamentais da minoria. É possível dizer então que o<br />

Poder Judiciário é a garantia de proteção de todos contra todos e, sobretudo, de alguns contra<br />

todos.<br />

210 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 48.<br />

211 De acordo com COÊLHO, “na federação ocorrem quatro ordens de descentralização: A) a Legislativa – produção de<br />

normas jurídicas; B) a Administrativa – administração própria; C) a Política – formação dos poderes e autogoverno; e D)<br />

a Judiciária – aparato jurisdicional próprio”. (Curso de direito tributário brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006,<br />

p. 62)<br />

212 “A democracia representativa, tal como proposta pela República Francesa, em certo sentido perdeu vitalidade. Nas<br />

modernas sociedades de massa do mundo ocidental, de cuja cultura política e jurídica fazemos parte, a representação<br />

política sofre tremendos poderes do “esterco do diabo” (o dinheiro), do egoísmo social e da mídia. Assim sendo, não se<br />

pode dizer que as pessoas se fazem fielmente representar nos governos e nos parlamentos”. (COÊLHO, Sacha Calmon<br />

Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 50).<br />

213 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 51.<br />

214 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 51-52.

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