A TRIBUTAÃÃO, A ORDEM ECONÃMICA E O ... - Milton Campos
A TRIBUTAÃÃO, A ORDEM ECONÃMICA E O ... - Milton Campos A TRIBUTAÃÃO, A ORDEM ECONÃMICA E O ... - Milton Campos
34 Trata-se da “constituição econômica”, que materialmente consiste no “conjunto de normas fundamentais que estabelecem juridicamente os elementos estruturais de uma forma concreta de um determinado sistema econômico; se é, portanto, uma estrutura de relações sociais de produção traduzida em normas jurídicas, então a constituição econômica, neste sentido jurídico-material, existe em toda e qualquer formação social. Em todos os Estados existe uma determinada ordem jurídica, seja diretamente pela constituição, seja por institutos fundamentais do direito privado e administrativo 77 . A opção do texto constitucional, embora não diga expressamente, é pelo capitalismo e a apropriação privada dos meios de produção, com alguns preceitos apontando para uma socialização, sem contudo, comprometer a essência do sistema 78 . E ainda: O constituinte de 1988, no Capítulo I do Título VII da Constituição, denominado “Da Ordem Econômica e Financeira”, definiu os “princípios gerais da atividade econômica”. Por meio dos princípios, adiante enumerados, a atividade econômica, ora inserida no texto constitucional, na categoria de “ordem econômica constitucional”, teve a sua finalidade definida no caput do artigo 170: assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Essa Ordem Econômica possui dois fundamentos: a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, que são fundamentos também da República Federativa do Brasil, nos termos do disposto no inciso IV do artigo 1º da Constituição, da mesma forma que a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição). O atribuir um objetivo, uma finalidade à ordem econômica, indica o diferencial entre uma ordem econômica liberal e uma ordem capitalista dotada de conotação social, como é o caso do brasileiro. Falou-se, no início, em constitucionalização da atividade econômica, à medida que as constituições passaram a conter dispositivos ordenadores do processo produtivo, reunidos em títulos ou capítulos denominados ordem econômica 79 . Como esclarece Eros Roberto Grau, o artigo 170 da CR/1988 deixa evidente que o Constituinte fez clara opção pela substituição do modelo econômico característico do liberalismo, por um modelo econômico intervencionista, no sentido de dar contornos e limites reais sobre o que deve a Ordem Econômica propiciar à sociedade, sobre os reflexos benéficos que a Ordem Econômica deve garantir 80 . Indícios dos reais propósitos deste novo modelo podem ser apontados a seguir: A ordem econômica (mundo do dever ser) produzida pela Constituição de 1988 consubstancia um meio para a construção do Estado Democrático de Direito que, segundo o art. 1º do texto, o Brasil constitui. Não o afirma como Estado de Direito Social – é certo – mas a consagração dos princípios da participação e da soberania 77 78 79 80 MOREIRA. Economia e Constituição, p. 69 apud CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 16ª ed., rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 1471. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 16ª ed., rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey. 2010, p. 1471. VAZ, Isabel. Aspectos da constituição econômica na ordem constitucional em vigor. (p. 247 a 265) In:______ Estudos de direito constitucional: homenagem ao Prof. Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza. Coordenação: de Adhemar Ferreira Maciel, et. al. – Belo Horizonte, Del Rey, 2009, p. 252. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 12ª ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 312.
35 popular, associada ao quanto se depreende da interpretação dos princípios que a conformam (a ordem econômica), aponta no sentido dele 81 . Além disso, “a ordem econômica na Constituição de 1988 – digo-o – postula um modelo de bem-estar” 82 . Levando-se em consideração algumas conclusões de Perry Anderson, expostas na obra de GRAU 83 , vemos que, para a ordem social, o liberalismo só fez alargar as desigualdades existentes, não se podendo descartar as consequências da exclusão social por ele provocada. A experiência firma o entendimento que não se pode atribuir ao mercado o poder de dirigir a si mesmo, vez que “a apologia ideológica do mercado é produzida em função exclusivamente do interesse do investidor, que é o de baixar custos que oneram a empresa (os salários, os tributos e as cargas sociais)” 84 . Os objetivos fundamentais do Estado brasileiro dão novas diretrizes para, definitivamente, enraizar a imprestabilidade do modelo econômico do Estado liberal para os repaginados compromissos estatais assumidos diante da instauração de uma nova ordem jurídica, que se coaduna, evidentemente, com as mais modernas e abrangentes concepções de sociedade organizada e seus interesses pulsantes. Isabel Vaz esclarece alguns pontos sobre o funcionamento do modelo econômico: Todos os fatores de produção e todas as etapas do processo produtivo, quer se desenvolvam na cidade ou no campo, sofreram a incidência de princípios [...] de modo a conformar o exercício das atividades econômicas, vale dizer, da Ordem Econômica, a cumprimento das finalidades que lhe foram atribuídas pelo constituinte. A Ordem Econômica deixa de ser uma ordem espontânea, conduzida por uma regulação endógena, como queriam os pensadores liberais clássicos, e passa a ser uma ordem construída, de fora para dentro, permeada de normas, de princípios e de regras que irão estabelecer até mesmo os fins da atividade econômica. Este é o sentido da expressão constitucionalização da ordem econômica: a conformação de todas as etapas do processo produtivo e da exploração dos fatores de produção e de todos os serviços aos ditames constitucionais 85 . Mas é bom deixar claro que a análise apartada da Ordem Econômica e Financeira não perde o seu aspecto integrador. A Ordem Econômica e Financeira, enquanto subsistema 81 82 83 84 85 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 12ª ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 313. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 12ª ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 314. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 12ª ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 48. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 12ª ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 48-49. VAZ, Isabel. Aspectos da constituição econômica na ordem constitucional em vigor. In:______ Estudos de direito constitucional: homenagem ao Prof. Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza. Coordenação: de Adhemar Ferreira Maciel, et. Al. – Belo Horizonte, Del Rey, 2009, p. 253.
- Page 1 and 2: FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS
- Page 3 and 4: 3 P436 t PEREIRA, Luiz Augusto da C
- Page 5 and 6: 5 Aos meus pais, com gratidão. Aos
- Page 7 and 8: 7 “Mestre não é quem ensina, me
- Page 9 and 10: 9 ABSTRACT This study has the aim t
- Page 11 and 12: 11 5.6.1 Descumprimento reiterado d
- Page 13 and 14: 13 Hoje, o constitucionalismo vê a
- Page 15 and 16: 15 riquezas pela economia subterrâ
- Page 17 and 18: 17 2 INTERFACES DO DIREITO COM A EC
- Page 19 and 20: 19 Por uma visão panorâmica, o en
- Page 21 and 22: 21 [...] para Marx, a história é
- Page 23 and 24: 23 Naquilo que é mais representati
- Page 25 and 26: 25 O criador de toda a cultura, eco
- Page 27 and 28: 27 alocação de recursos para a re
- Page 29 and 30: 29 Antes disso, na Constituição d
- Page 31 and 32: 31 Constituições brasileiras até
- Page 33: 33 a compor o que, desde as experi
- Page 37 and 38: 37 3.1 Princípios estruturantes da
- Page 39 and 40: 39 A expressão Ordem Econômica de
- Page 41 and 42: 41 Feitas estas considerações, pa
- Page 43 and 44: 43 exercício aos interesses do cor
- Page 45 and 46: 45 nítido caráter econômico”.
- Page 47 and 48: 47 Pela regra contida no art. 23, X
- Page 49 and 50: 49 Mas não há de ser para toda e
- Page 51 and 52: 51 funcionamento destas máximas fu
- Page 53 and 54: 53 produção. Os itens a, b e c de
- Page 55 and 56: 55 A livre concorrência e a livre
- Page 57 and 58: 57 econômico, despindo-se daquelas
- Page 59 and 60: 59 fortes, ou que, quando tal hegem
- Page 61 and 62: 61 Em relação ao papel do agente
- Page 63 and 64: 63 4 A TRIBUTAÇÃO E A INTERVENÇ
- Page 65 and 66: 65 seguros, o certo que deverá o i
- Page 67 and 68: 67 No concernente ao ii) controle d
- Page 69 and 70: 69 Com efeito, o tributo impacta no
- Page 71 and 72: 71 da neutralidade (quer por meio d
- Page 73 and 74: 73 limitações ao poder de tributa
- Page 75 and 76: 75 Segundo José Afonso da Silva, s
- Page 77 and 78: 77 distúrbios concorrenciais, deve
- Page 79 and 80: 79 necessariamente não pode dar ca
- Page 81 and 82: 81 O princípio da neutralidade fis
- Page 83 and 84: 83 Na segunda, serão respeitados
34<br />
Trata-se da “constituição econômica”, que materialmente consiste no “conjunto de<br />
normas fundamentais que estabelecem juridicamente os elementos estruturais de<br />
uma forma concreta de um determinado sistema econômico; se é, portanto, uma<br />
estrutura de relações sociais de produção traduzida em normas jurídicas, então a<br />
constituição econômica, neste sentido jurídico-material, existe em toda e qualquer<br />
formação social. Em todos os Estados existe uma determinada ordem jurídica, seja<br />
diretamente pela constituição, seja por institutos fundamentais do direito privado e<br />
administrativo 77 .<br />
A opção do texto constitucional, embora não diga expressamente, é pelo capitalismo<br />
e a apropriação privada dos meios de produção, com alguns preceitos apontando<br />
para uma socialização, sem contudo, comprometer a essência do sistema 78 .<br />
E ainda:<br />
O constituinte de 1988, no Capítulo I do Título VII da Constituição, denominado<br />
“Da Ordem Econômica e Financeira”, definiu os “princípios gerais da atividade<br />
econômica”. Por meio dos princípios, adiante enumerados, a atividade econômica,<br />
ora inserida no texto constitucional, na categoria de “ordem econômica<br />
constitucional”, teve a sua finalidade definida no caput do artigo 170: assegurar a<br />
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Essa Ordem<br />
Econômica possui dois fundamentos: a valorização do trabalho humano e a livre<br />
iniciativa, que são fundamentos também da República Federativa do Brasil, nos<br />
termos do disposto no inciso IV do artigo 1º da Constituição, da mesma forma que a<br />
dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição).<br />
O atribuir um objetivo, uma finalidade à ordem econômica, indica o diferencial entre<br />
uma ordem econômica liberal e uma ordem capitalista dotada de conotação social,<br />
como é o caso do brasileiro.<br />
Falou-se, no início, em constitucionalização da atividade econômica, à medida que<br />
as constituições passaram a conter dispositivos ordenadores do processo produtivo,<br />
reunidos em títulos ou capítulos denominados ordem econômica 79 .<br />
Como esclarece Eros Roberto Grau, o artigo 170 da CR/1988 deixa evidente que o<br />
Constituinte fez clara opção pela substituição do modelo econômico característico do<br />
liberalismo, por um modelo econômico intervencionista, no sentido de dar contornos e limites<br />
reais sobre o que deve a Ordem Econômica propiciar à sociedade, sobre os reflexos benéficos<br />
que a Ordem Econômica deve garantir 80 .<br />
Indícios dos reais propósitos deste novo modelo podem ser apontados a seguir:<br />
A ordem econômica (mundo do dever ser) produzida pela Constituição de 1988<br />
consubstancia um meio para a construção do Estado Democrático de Direito que,<br />
segundo o art. 1º do texto, o Brasil constitui. Não o afirma como Estado de Direito<br />
Social – é certo – mas a consagração dos princípios da participação e da soberania<br />
77<br />
78<br />
79<br />
80<br />
MOREIRA. Economia e Constituição, p. 69 apud CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 16ª ed., rev.,<br />
atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 1471.<br />
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 16ª ed., rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey. 2010, p.<br />
1471.<br />
VAZ, Isabel. Aspectos da constituição econômica na ordem constitucional em vigor. (p. 247 a 265) In:______ Estudos de<br />
direito constitucional: homenagem ao Prof. Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza. Coordenação: de Adhemar Ferreira<br />
Maciel, et. al. – Belo Horizonte, Del Rey, 2009, p. 252.<br />
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 12ª ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores,<br />
2007, p. 312.