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DOLO BILATERAL - Academia Brasileira de Direito Processual Civil

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<strong>DOLO</strong> <strong>BILATERAL</strong>: ART. 129 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL<br />

Keila Reichert<br />

Pós-graduada em <strong>Direito</strong> <strong>Processual</strong> <strong>Civil</strong> pela ABDPC–<br />

<strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> <strong>Brasileira</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Processual</strong> <strong>Civil</strong><br />

Advogada.<br />

RESUMO<br />

A idéia <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong> da prestação jurisdicional a partir <strong>de</strong> conduta processual<br />

socialmente exigível fixou-se <strong>de</strong> forma pontual e inegável no <strong>Direito</strong> Brasileiro. O<br />

<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> colaboração está <strong>de</strong>finido <strong>de</strong> forma absoluta como sendo <strong>de</strong> todos, partes<br />

ou não, no entanto, ainda é comum a malícia, a frau<strong>de</strong>, o uso <strong>de</strong> artimanhas em<br />

busca <strong>de</strong> um justo pessoal e ímprobo. De forma doutrinária e pragmática, o presente<br />

trabalho enfrenta uma das formas da má-conduta, questão relevante na prática<br />

forense, à chamada frau<strong>de</strong> processual. Procura-se i<strong>de</strong>ntificar e analisar <strong>de</strong> que<br />

forma ocorrem os conluios, exemplificando-os, bem como as sanções processuais<br />

correspon<strong>de</strong>ntes e suas conseqüências.<br />

INTRODUÇÃO<br />

O direito concedido às pessoas <strong>de</strong> levar os inevitáveis conflitos <strong>de</strong><br />

interesse à apreciação judicial surge, para as partes, como uma esperança <strong>de</strong><br />

encontrar uma expressão <strong>de</strong> seus direitos nas <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> um magistrado. Para<br />

tanto, se faz imprescindível que essas mesmas partes, para estarem em juízo,<br />

procedam com lealda<strong>de</strong> e boa fé e, como norma punitiva, a proibição <strong>de</strong> conduzir-se<br />

com o objetivo <strong>de</strong> prejudicar ou <strong>de</strong> lesar.<br />

No plano das relações em juízo o comportamento ético é condição<br />

primeira, estabelecida pelo art. 14 do CPC, ao enunciar que “são <strong>de</strong>veres das partes<br />

e <strong>de</strong> todos aqueles que <strong>de</strong> qualquer forma participam do processo: I – expor os fatos<br />

em juízo conforme a verda<strong>de</strong>; II – proce<strong>de</strong>r com lealda<strong>de</strong> e boa-fé”.<br />

Segundo a ética, o homem, vivendo em socieda<strong>de</strong>, tem o <strong>de</strong>ver moral<br />

<strong>de</strong> agir <strong>de</strong> boa-fé, enquanto, segundo o <strong>Direito</strong>, o homem tem obrigação legal <strong>de</strong> não<br />

agir <strong>de</strong> má-fé.<br />

O uso <strong>de</strong>sleal do processo civil seja pelas partes, por seus advogados,<br />

pelos juízes ou por qualquer outra pessoa que direta ou indiretamente participe dos<br />

processos judiciais é uma preocupação constante existente nos mais diversos<br />

sistemas processuais.<br />

O Ministro aposentado do STJ Sálvio <strong>de</strong> Figueiredo Teixeira como<br />

intérprete das leis e guardião da boa-fé e da moralida<strong>de</strong> que foi diz que “o processo<br />

não é um jogo <strong>de</strong> esperteza, mas instrumento ético da jurisdição para a efetivação<br />

dos direitos da cidadania” (STJ – 4ª T. – Resp. 65.906 – j. 25.11.1997 – DJU<br />

02.03.1998, p.93).<br />

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Para a escolha do tema <strong>de</strong>ste trabalho leva-se em conta, <strong>de</strong>ntre outras<br />

coisas, que diferentemente do que acontecem com os institutos processuais que<br />

visam a coibir os atos <strong>de</strong> litigância <strong>de</strong> má-fé, o art. 129 do Código <strong>de</strong> Processo <strong>Civil</strong><br />

conce<strong>de</strong> ao juiz um instrumento capaz <strong>de</strong> impedir que as partes se utilizem do<br />

processo civil para a prática <strong>de</strong> ato simulado, ou para conseguir um fim proibido por<br />

lei (frau<strong>de</strong>).<br />

Quer-se dizer aqui que o art. 129 permite que o juiz <strong>de</strong> ofício investigue<br />

– amparado nos po<strong>de</strong>res gerais <strong>de</strong> iniciativa probatória conferidos pelo art. 130 – a<br />

utilização do processo para a simulação ou para a frau<strong>de</strong>.<br />

1. CONCEITO DE SIMULAÇÃO<br />

Do latim simulatio (fingimento ou artifício), é a <strong>de</strong>claração fictícia da<br />

vonta<strong>de</strong>, em qualquer ato, com a concordância <strong>de</strong> ambas as partes, com a<br />

finalida<strong>de</strong>, geralmente, <strong>de</strong> fugir <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados imperativos legais. Traduz também<br />

má-fé, como o dolo. A única diferença é que, enquanto no dolo a má fé é <strong>de</strong> uma<br />

parte contra a outra, na simulação a má-fé é <strong>de</strong> ambas as partes contra um terceiro,<br />

que po<strong>de</strong> ser, inclusive, o Estado.<br />

Pela simulação, na prática <strong>de</strong> um ato ou na execução <strong>de</strong> um contrato,<br />

por meio <strong>de</strong> artifício ou fingimento, tem-se a intenção <strong>de</strong> enganar, dando aparência<br />

<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iro ao que é por si só falso.<br />

A simulação nasce com o próprio ato, uma vez que se tenha agido com<br />

a intenção <strong>de</strong> ludibriar. O vício po<strong>de</strong> aparecer no instrumento escrito, mas já se<br />

vislumbra na convenção verbal. Ten<strong>de</strong>, geralmente, a prejudicar terceiros por conluio<br />

<strong>de</strong> ambas as partes.<br />

2. SIMULAÇÃO VISANDO OBTER FIM PROIBIDO EM LEI<br />

Para melhor análise do assunto necessário se faz a transcrição do<br />

artigo constante do Código <strong>de</strong> Processo <strong>Civil</strong>, tema <strong>de</strong>ste trabalho:<br />

“Art. 129. Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, <strong>de</strong> que<br />

autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim<br />

proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos da parte”.<br />

Ressalta-se que o art. 15 do Código <strong>de</strong> Processo <strong>Civil</strong> <strong>de</strong> 1939 já trazia<br />

este preceito o qual em muito pouco foi alterado em sua redação atual 1 . Ainda, no<br />

art. 252, dispunha que ela podia ser provada por indícios e circunstâncias. Apesar<br />

<strong>de</strong> não repetido atualmente o artigo, seus princípios não <strong>de</strong>sapareceram, dada à<br />

1 CPC/39: “Art. 115. Quando as circunstâncias o convencerem <strong>de</strong> que o autor e réu se serviram do processo para realizar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei,<br />

o juiz proferirá <strong>de</strong>cisão que obste esse objetivo.”<br />

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liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> apreciação das provas que o art. 131 2 confere ao juiz, tema este que<br />

veremos mais adiante.<br />

significa:<br />

Servir-se do processo para praticar ato simulado, segundo DIAS<br />

Há processo simulado quando as partes, sem a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

aproveitar-se do resultado da <strong>de</strong>manda e sem interesse em<br />

obter os efeitos jurídicos advindos da prestação jurisdicional,<br />

simulam a existência <strong>de</strong> li<strong>de</strong> entre elas, com o fim <strong>de</strong> prejudicar<br />

terceiros ou mesmo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sviar o processo <strong>de</strong> sua finalida<strong>de</strong><br />

constitucional e ontológica <strong>de</strong> servir <strong>de</strong> instrumento à paz<br />

social. No processo simulado objetiva-se resultado ilícito,<br />

sendo, em essência, fraudulento. 3<br />

Esta forma <strong>de</strong> atuação é tratada por LUSO SOARES 4 como “dolo das<br />

partes bilateral ambissingular”, em que pese à forma ornamentada encontrada pelo<br />

autor a expressão significa nada mais do que a existência <strong>de</strong> agentes dolosos em<br />

cada extremida<strong>de</strong> da relação processual.<br />

Para que fique caracterizada a hipótese constante do art. 129, é<br />

necessária a configuração da bilateralida<strong>de</strong>, ou seja, que autor e réu estejam<br />

envolvidos, servindo-se ou tentando servir-se do processo para a prática <strong>de</strong> ato<br />

simulado ou para conseguir fim proibido em lei.<br />

Esta modalida<strong>de</strong> surge em juízo com freqüência, e da qual são<br />

lembrados muitos exemplos: a ação <strong>de</strong> anulação <strong>de</strong> casamento, em conluio das<br />

partes para suprir a falta <strong>de</strong> divórcio, caso em que a frau<strong>de</strong> é em prejuízo da lei; a<br />

ação <strong>de</strong>liberadamente mal conduzida pela mãe do filho ilegítimo, com intuito <strong>de</strong><br />

perdê-la, porque recebeu compensação pecuniária do pai ou <strong>de</strong> seus her<strong>de</strong>iros 5 ,<br />

<strong>de</strong>vedor insolvente que, estando nesta situação, simula uma contenda com um<br />

amigo ou interessado, que, antecipando-se aos legítimos credores, promove a<br />

execução e arrematação <strong>de</strong> todos os bens do <strong>de</strong>vedor, com o intuito <strong>de</strong> lesar e<br />

fraudar credores 6 , e outros casos assemelhados.<br />

A simulação fere os princípios fundamentais do processo. Atinge não<br />

apenas interesses particulares, mas também a função jurisdicional, utilizada para<br />

produzir o efeito contrário <strong>de</strong> seus fins elevados.<br />

Na doutrina <strong>de</strong> GOMES encontra-se o seguinte conceito:<br />

A simulação existe quando em um contrato se verifica, para<br />

enganar a terceiro, intencional divergência entre a vonta<strong>de</strong> real<br />

2 Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, aten<strong>de</strong>ndo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas <strong>de</strong>verá indicar, na<br />

“<br />

sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento. ”<br />

3 Ronaldo Brêtas <strong>de</strong> Carvalho Dias. Frau<strong>de</strong> no Processo <strong>Civil</strong>. 2000, p.67.<br />

4 Fernando Luso Soares A Responsabilida<strong>de</strong> <strong>Processual</strong> <strong>Civil</strong>. 1987, p. 275.<br />

5 Exemplos retirados da obra <strong>de</strong>: BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código <strong>de</strong> Processo <strong>Civil</strong>. 1998, p. 396.<br />

6 Sérgio Fachione Fa<strong>de</strong>l Código <strong>de</strong> Processo <strong>Civil</strong> Comentado. 2004, p. 178.<br />

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e a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>clarada pelas partes. Com a simulação, visa-se<br />

a alcançar fim contrário à lei. São casos <strong>de</strong> simulação:<br />

a) celebrar um contrato oneroso para mascarar um contrato<br />

gratuito; uma venda para disfarçar uma doação;<br />

b) estipular um contrato com uma pessoa que não é a parte<br />

verda<strong>de</strong>ira, como doar à concubina figurando outrem como<br />

donatário;<br />

c) atribuir a um contrato outro nomem juris para fraudar o<br />

Fisco, ou <strong>de</strong>clarar dados falsos;<br />

d) fraudar os credores fingindo alienar um bem. 7<br />

Nessa linha, verifica-se, agora, a função do juiz ao <strong>de</strong>parar-se com<br />

situações <strong>de</strong> conluio processual <strong>de</strong>monstradas neste próximo tópico.<br />

3. O JUIZ FRENTE AO ATO PROCESSUAL SIMULADO<br />

A lei outorga ao juiz o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> obstar ao objetivo das partes que se<br />

conluiaram (art. 129 do CPC). Para tanto, é necessário que ele use <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

fiscalização processual <strong>de</strong> prevenir e reprimir ato contrário à dignida<strong>de</strong> da Justiça.<br />

Se o Juiz, no curso da <strong>de</strong>manda, verificar, pelo procedimento das<br />

partes, que o escopo é prejudicar os terceiros legitimamente interessados, proferirá<br />

sentença impedindo essa frau<strong>de</strong>.<br />

O momento a<strong>de</strong>quado para a prolação <strong>de</strong>ssa sentença é o da fase final<br />

do processo, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> encerrada a instrução da causa, quando ele terá condições<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir se as partes utilizaram a justiça para obter fim simulado ou ilícito.<br />

Trata-se <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r oficial concedido ao juiz. Não necessita ele, por<br />

óbvio, <strong>de</strong> provocação da parte. No entanto, o terceiro que po<strong>de</strong> vir a ser prejudicado<br />

pela simulação, tem legitimida<strong>de</strong> para intervir no processo, <strong>de</strong>nunciando a existência<br />

da li<strong>de</strong> aparente e pleiteando ao juiz que seja proferida sentença que obste a<br />

pretensão anormal das partes.<br />

Segundo lição <strong>de</strong> PONTES DE MIRANDA nesse caso o juiz não <strong>de</strong>ci<strong>de</strong><br />

obe<strong>de</strong>cendo à <strong>de</strong>limitação do pedido das partes, como é a regra geral no direito<br />

positivo e ainda assim, tal <strong>de</strong>cisão não po<strong>de</strong> ser reputada nula, ou seja, “ao juiz é<br />

dado proferir <strong>de</strong>cisão sobre matéria não pedida”. . 8<br />

Em face <strong>de</strong> estar caracterizado ato contrário à dignida<strong>de</strong> da justiça,<br />

conforme rege o art. 125, III do CPC 9 , impõe-se, por razões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública, que<br />

o juiz <strong>de</strong>cida fora dos limites da discussão travada nos autos, proferindo sentença<br />

que obste aos objetivos das partes, reprimindo tal situação.<br />

7 Orlando Gomes. Introdução ao <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong>, 1995 .<br />

8 Francisco Cavalcanti Pontes <strong>de</strong> Miranda. Comentários ao CPC. T. 2, ano, p. 371 (a)<br />

9 “Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições <strong>de</strong>ste Código, competindo-lhe: (...); III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignida<strong>de</strong> da justiça”.<br />

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A vinculação do juiz ao pedido, neste diapasão, fica em segundo plano,<br />

sendo que obstar a frau<strong>de</strong> é fator que se impõe já que o processo está sendo usado<br />

fora <strong>de</strong> suas finalida<strong>de</strong>s.<br />

Para atingir esse <strong>de</strong>sígnio obstativo do uso fraudulento do processo,<br />

tem o juiz, conforme o caso e circunstâncias, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> julgar, extinguindo o<br />

processo sem apreciação do mérito, ou extinguindo o processo com apreciação do<br />

mérito.<br />

4. A SENTENÇA NO PROCESSO FRAUDULENTO<br />

Reza o artigo 129 do Código <strong>de</strong> Processo <strong>Civil</strong> que se convencendo<br />

pelas circunstâncias da causa <strong>de</strong> que o autor e réu se serviram do processo o juiz<br />

proferirá sentença que obste aos objetivos das partes. Depreen<strong>de</strong>-se daí que há<br />

processo simulado quando as partes simulam a existência <strong>de</strong> li<strong>de</strong> entre elas, com o<br />

fim <strong>de</strong> prejudicar terceiros e <strong>de</strong>sviar o processo <strong>de</strong> sua finalida<strong>de</strong> ontológica, qual<br />

seja a paz social.<br />

É requisito para a avaliação <strong>de</strong> tal dispositivo legal a convicção do juiz<br />

no sentido da simulação, convicção necessariamente <strong>de</strong>rivada das circunstâncias da<br />

causa, vez que a frau<strong>de</strong> raramente surge <strong>de</strong> forma clara. Neste sentido o Código <strong>de</strong><br />

1939, no art. 252, dispunha que a frau<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria ser provada por indícios e<br />

circunstâncias. Embora o Código atual não tenha repelido verbalmente tal preceito, o<br />

artigo 131 confere ampla liberda<strong>de</strong> ao juiz para a apreciação das provas.<br />

Compete ao julgador à análise dos indícios que circundam a causa,<br />

ponto <strong>de</strong> partida para presunções. 10<br />

Havendo elementos probatórios suficientes, o juiz po<strong>de</strong>rá julgar extinto<br />

o processo com julgamento <strong>de</strong> mérito, oportunida<strong>de</strong> em que os efeitos da coisa<br />

julgada impedirão a reincidência das partes na simulação ou frau<strong>de</strong>. Não existindo<br />

elementos <strong>de</strong> convicção que <strong>de</strong>monstrem a procedência da ação ou sua<br />

improcedência, o juiz extinguirá o processo sem julgamento do mérito, pondo fim ao<br />

processo <strong>de</strong> forma meramente terminativa.<br />

O que não se po<strong>de</strong> negar é que a arma conferida ao juiz ou a terceiros<br />

prejudicados com o ato simulado ou fraudulento é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> conveniência para o<br />

processo <strong>de</strong> resultados.<br />

Se a simulação foi <strong>de</strong>tectada pelo próprio condutor do feito ou por<br />

<strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> algum interessado, isso é irrelevante diante da colusão. Vale citar:<br />

É <strong>de</strong>ver do magistrado obstar aos objetivos das partes, quando<br />

se convencer que elas querem se servir do processo para a<br />

prática do ato simulado [...] 11<br />

10 Moacir Amaral dos Santos.Prova Judiciária no Cível e Comercial. 1968, p. 398.<br />

11 1º TARJ, 1ª Câm. Cível, Ap. 95.677, j. em 22.11.83, in “O Processo <strong>Civil</strong> à luz da jurisprudência”, vol. X, p. 138, verbete nº. 22.210.<br />

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Convencendo-se o juiz, pelas circunstâncias da causa, <strong>de</strong> que<br />

as partes se servem do processo para a prática <strong>de</strong> ato<br />

simulado, cabe-lhe proferir sentença que obstaculize tal<br />

objetivo [...] 12<br />

Positivada a simulação, por se ter engendrado dívida fictícia<br />

pela subscrição <strong>de</strong> nota promissória por falso <strong>de</strong>vedor,<br />

ensejando cobrança executiva em prejuízo <strong>de</strong> terceiro, tal<br />

expediente constitui, inegavelmente, ato atentatório à<br />

dignida<strong>de</strong> da Justiça, que cumpre ser reprimido [...] 13<br />

A hipótese em que há acordo entre as partes no usar do<br />

processo para a obtenção <strong>de</strong> fim proibido em lei, como no<br />

conluio para prejudicar credores, é prevista pela lei formal no<br />

seu art. 129. O código autoriza o juiz a proferir sentença que<br />

obste aos objetivos das partes. O primeiro requisito é a<br />

convicção do juiz, que <strong>de</strong>ve ser haurida das circunstâncias da<br />

causa. A frau<strong>de</strong> raramente surge <strong>de</strong> forma clara, <strong>de</strong> modo que<br />

o Código <strong>de</strong> 1939, no art. 252, dispunha que ela podia ser<br />

provada por indícios e circunstâncias. Apesar <strong>de</strong> não repetido<br />

atualmente o artigo, seus princípios não <strong>de</strong>sapareceram, dada<br />

a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> apreciação das provas que o art. 131 confere ao<br />

juiz. Como o juiz tem iniciativa probatória, na forma do art. 130,<br />

po<strong>de</strong>rá diligenciar nesse sentido e até mesmo terminar<br />

proferindo sentença <strong>de</strong> mérito, na qual realizará a finalida<strong>de</strong> do<br />

artigo. O po<strong>de</strong>r do juiz para a repressão da frau<strong>de</strong> é amplo,<br />

cabendo-lhe velar pela dignida<strong>de</strong> da Justiça nos termos do<br />

item III do art. 125. Usando <strong>de</strong>le, dará a solução que as<br />

circunstâncias aconselharem em cada caso <strong>de</strong> processo<br />

simulado ou fraudulento. Em tese, pois, o magistrado sempre<br />

po<strong>de</strong>, num processo, <strong>de</strong>terminar a sua suspensão, para a<br />

tomada <strong>de</strong> medidas cabíveis, em face da norma do art.<br />

129 14 (grifo não original).<br />

Cumpre ressaltar que a questão sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> julgar o<br />

mérito da <strong>de</strong>manda não é pacífica. Entendimentos existem no sentido <strong>de</strong> que a<br />

sentença <strong>de</strong>verá julgar extinto o processo sem julgamento <strong>de</strong> mérito, com a<br />

<strong>de</strong>claração da nulida<strong>de</strong> dos atos praticados no processo. 15 - 16<br />

No caso concreto, não se faz necessária a prova da simulação,<br />

bastando indícios da mesma. As circunstâncias a serem analisadas são <strong>de</strong><br />

diferentes or<strong>de</strong>ns, havendo as materiais, atinentes à existência, ao valor, à forma e<br />

ao modo <strong>de</strong> constituição do título, bem como à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> dos seus principais<br />

participantes. Há também as <strong>de</strong> cunho processual, que dizem com as condutas das<br />

12 1º TA <strong>Civil</strong>-SP, 2ª Câm., Ap. 362.314, j. em 1º.10.86, obra citada, verbete nº 22.211.<br />

13 1º TA <strong>Civil</strong>-SP, 6ª Câm., Ap. 367.162, j. em 30.12.86, obra citada, verbete nº 22.211-A<br />

14 1º TA <strong>Civil</strong>-SP, 2ª Câm., Agravo 370.232-8, j. em 18.3.87, obra citada, verbete nº 22.211-B.<br />

15 José Carlos Barbosa Moreira. Comentários ao código <strong>de</strong> processo civil. 1998, p. 125; e<br />

16 Antônio Dall’ Agnol . Comentários ao <strong>de</strong> processo civil código. 2000, p. 130<br />

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partes e auxiliares do processo, indicativas <strong>de</strong> colusão, confusão <strong>de</strong> interesses e<br />

atuação conjunta movida pela mesma finalida<strong>de</strong>.<br />

Os indícios <strong>de</strong>correntes das circunstâncias interiores ao juízo, daquelas<br />

exteriores ao processo e, sobretudo a conduta das partes, extraídos a partir <strong>de</strong><br />

cuidadosa e rica análise conjunta dos autos, são fatores conclusivos para se apontar<br />

a simulação ou frau<strong>de</strong> processual.<br />

5. AÇÃO RESCISÓRIA NO PROCESSO FRAUDULENTO<br />

Verifica-se no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ste trabalho ser a colusão matéria <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />

pública e por este motivo é passível <strong>de</strong> ação rescisória.<br />

TEIXEIRA FILHO aduz:<br />

E prossegue:<br />

Continua:<br />

Do latim ‘collusio’, a palavra colusão é indicativa do conluio, do<br />

acordo fraudulento realizado em prejuízo <strong>de</strong> terceiro. Não é<br />

diversa sua acepção no campo processual, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>signa a<br />

frau<strong>de</strong> praticada pelas partes, seja com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> causar<br />

prejuízos a outrem, seja para frustrar a aplicação da norma<br />

legal.<br />

Para que seja possível, portanto, o aforamento da rescisória<br />

com fulcro no inc. III, segunda parte, do art. 485, do CPC, é<br />

indispensável que: a) a colusão tenha sido realizada pelas<br />

partes (omissis); b) o pronunciamento jurisdicional reflita a<br />

influência nele exercida pela colusão; c) esta haja sido posta<br />

em prática com o objetivo <strong>de</strong> fraudar a lei.<br />

É irrelevante, para esse fim, saber se a colusão é expressa ou<br />

tácita, se foi urdida antes ou <strong>de</strong>pois do ingresso em juízo. É <strong>de</strong><br />

presumir-se que, no geral, ela não se manifeste sob a forma<br />

expressa, circunstância que dificulta, sobremaneira, a prova<br />

em juízo, <strong>de</strong> sua existência: haverão <strong>de</strong> atuar amplamente,<br />

nessa hipótese, os indícios e as presunções. De igual modo,<br />

na maioria dos casos em que pô<strong>de</strong> ser constatada, a colusão<br />

antece<strong>de</strong>u ao processo em que se instalou: este, na verda<strong>de</strong>,<br />

esteve a serviço daquela. Nada impe<strong>de</strong>, porém, que em<br />

situações excepcionais, o ato colusivo seja praticado ou<br />

i<strong>de</strong>alizado quando o processo já se encontrava em curso. A<br />

medida - inarredável medida - <strong>de</strong> tudo será sempre o fato <strong>de</strong> a<br />

colusão haver obtido êxito em seu escopo <strong>de</strong> fraudar a lei<br />

(omissis). 17<br />

17 Manuel Antonio Teixeira Filho. Ação Rescisória no Processo do Trabalho, 1998, p. 233-236. (a)<br />

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Cumpre <strong>de</strong>stacar que, na espécie, não há confissão das partes acerca<br />

do intuito <strong>de</strong> lesar terceiros e fraudar a lei, o que implica na verificação dos indícios e<br />

presunções provocados pelo ato jurídico, buscando-se extrair, dos efeitos originados<br />

pelo ato, em relação às partes e contra terceiros, a causa eficiente, estabelecendo,<br />

como verda<strong>de</strong> e até prova em contrário, a <strong>de</strong>dução obtida.<br />

De acordo com a doutrina <strong>de</strong> PONTES DE MIRANDA<br />

A colusão entre as partes em frau<strong>de</strong> à lei é o acordo, ou<br />

concordância, entre as partes, para que, com o processo, se<br />

consiga o que a lei não lhe permitiria, ou não permita, ou não<br />

permitia, o que tem por base simulação, ou outro ato que<br />

frau<strong>de</strong> a lei. (...) Não é preciso que só a utilização do processo<br />

pu<strong>de</strong>sse dar às partes o atingimento do fim que elas querem;<br />

basta que tenha sido o meio empregado. Nem é <strong>de</strong> exigir-se<br />

que o que se colima seja <strong>de</strong> interesse das duas partes, - basta<br />

que, sendo o interesse <strong>de</strong> uma (“a fortiori” , das duas partes),<br />

haja a concordância. O art. 485, III, 2ª parte, <strong>de</strong>u a solução<br />

a<strong>de</strong>quada, porque, se ocorreu o que se prevê no art. 129 e o<br />

juiz não proferiu sentença que obstasse os objetivos das<br />

partes, estaria trânsita em julgado a que se publicou, e só a<br />

ação rescisória <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ria a própria lei que se fraudou. 18<br />

Assim, também, a doutrina <strong>de</strong> TEIXEIRA FILHO quando ressalta ser<br />

irrelevante saber se a colusão é expressa ou tácita, se foi urdida antes ou <strong>de</strong>pois do<br />

ingresso em juízo, sobretudo quando afirma que:<br />

É <strong>de</strong> presumir-se que, no geral, ela não se manifesta sob<br />

forma expressa, circunstância que dificulta, sobremaneira, a<br />

prova, em juízo, <strong>de</strong> sua existência: haverão <strong>de</strong> atuar,<br />

amplamente, nessa hipótese, os indícios e as presunções. 19<br />

Da pesquisa realizada, verifica-se que o caso mais comum é a colusão<br />

das partes serem alegada por terceiro juridicamente prejudicado, enten<strong>de</strong>ndo-se<br />

como tal também aquele que é vítima da simulação.<br />

CONCLUSÃO<br />

O <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> lealda<strong>de</strong> é inerente ao processo, compreen<strong>de</strong>ndo postura<br />

ética, honesta, franca, <strong>de</strong> boa-fé, a ser observada pelas partes. As razões a serem<br />

sustentadas <strong>de</strong>vem estar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>stes requisitos. Ser leal é ser digno, proce<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

forma correta, lisa, sem se valer <strong>de</strong> artimanhas.<br />

A lealda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser um <strong>de</strong>ver a ser observado pelo jurisdicionado. Está<br />

intimamente ligada ao princípio da probida<strong>de</strong> processual, segundo o qual cabem as<br />

partes sustentarem suas razões <strong>de</strong>ntro da ética e da moral.<br />

18 Francisco Cavalcanti Pontes <strong>de</strong> Miranda. Tratado da Ação Rescisória das Sentenças e <strong>de</strong> outras Decisões. 1976, p. 237 – 238. (b)<br />

19 Manuel Antonio Teixeira Filho. Ação Rescisória no Processo do Trabalho. 1976, p. 216 e 217 (b)<br />

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Os atos atentatórios a dignida<strong>de</strong> da justiça <strong>de</strong>vem ser reprimidos,<br />

assim estipula claramente o art. 125, III do diploma processual. No momento que<br />

vivemos, é inadmissível que o juiz atue como mero espectador do processo, mas<br />

sim como verda<strong>de</strong>iro administrador, conduzindo a li<strong>de</strong> para que <strong>de</strong>la se obtenha o<br />

resultado mais justo. É evi<strong>de</strong>nte que o maior prejudicado é o Estado já que ele é o<br />

prestador da ativida<strong>de</strong> jurisdicional<br />

Infelizmente, o mau uso do processo não é hábito recente, muito<br />

menos exclusivida<strong>de</strong> nacional, mas infelizmente, é flagrante que a falta <strong>de</strong> atenção<br />

às regras <strong>de</strong> boa conduta processual nascem, muitas vezes, não dá vonta<strong>de</strong> dos<br />

litigantes, mas sim da direta atuação <strong>de</strong> seus advogados.<br />

Há <strong>de</strong> se investir na prevenção à má conduta processual, a frau<strong>de</strong>, ao<br />

conluio por meio da boa formação dos advogados, no estudo sério da ética. O <strong>de</strong>ver<br />

<strong>de</strong> respeitar o processo, para os advogados, se esten<strong>de</strong> também ao respeito ao<br />

exercício da profissão.<br />

A <strong>de</strong>slealda<strong>de</strong> coloca em risco a correção da manifestação<br />

jurisdicional, à medida que, além <strong>de</strong> protelar o <strong>de</strong>sfecho da li<strong>de</strong>, po<strong>de</strong> iludir, mal<br />

orientar ou burlar a atuação do Estado no seu propósito <strong>de</strong> fazer justiça e preservar<br />

a legalida<strong>de</strong>.<br />

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