03.01.2015 Views

CONTOS DE FADAS: FONTES DE CULTURA Guaraci de Santana ...

CONTOS DE FADAS: FONTES DE CULTURA Guaraci de Santana ...

CONTOS DE FADAS: FONTES DE CULTURA Guaraci de Santana ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Anais do Seminário Nacional Literatura e Cultura<br />

Vol. 1, agosto <strong>de</strong> 2009 – ISSN 2175-4128<br />

06 e 07 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2009<br />

UFS – São Cristóvão, Brasil<br />

1<br />

<strong>CONTOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>FADAS</strong>: <strong>FONTES</strong> <strong>DE</strong> <strong>CULTURA</strong><br />

<strong>Guaraci</strong> <strong>de</strong> <strong>Santana</strong> Marques 1 (UFS)<br />

INTRODUÇÃO<br />

Tendo como base a pesquisa <strong>de</strong>senvolvida por Coelho (1998, p. 32), parece não haver<br />

mais dúvida <strong>de</strong> que os primeiros contos <strong>de</strong> fadas surgiram entre os celtas – povos bárbaros que,<br />

submetidos pelos romanos, fixaram-se principalmente nas Gálias, Ilhas Britânicas e Irlanda.<br />

Nasceram como poemas que revelavam amores fortes, fatais e eternos e <strong>de</strong>stinavam-se para o<br />

prazer dos adultos, somente com o tempo foram adaptados ao público infantil. “A criança era<br />

vista como um adulto em miniatura” (COELHO, 1997, p. 26).<br />

Os contos <strong>de</strong> fadas são narrativas que estão envolvidas no maravilhoso e partem <strong>de</strong><br />

uma situação real para tratar <strong>de</strong> conteúdos essenciais, próprios da natureza humana. Há,<br />

porém, uma dupla face a respeito da temática dos contos <strong>de</strong> fadas clássicos, como os <strong>de</strong> Hans<br />

Christian An<strong>de</strong>rsen, pois por um lado, está a crítica às situações crueis vistas nas narrativas e<br />

por outro, está a importância <strong>de</strong> discutir com a criança assuntos que fazem parte dos conflitos<br />

da vida real.<br />

A partir do momento em que a criança passa a buscar uma concepção simbólica <strong>de</strong><br />

mundo, torna-se fundamental transmitir experiências comuns à vida da criança. Assim, o<br />

mundo infantil, inocente e puro, será interligado à realida<strong>de</strong>, e jamais será isolado, fechado em<br />

1 * Aluna da graduação do curso <strong>de</strong> Letras Português diurno do 6º período da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Sergipe.<br />

Pesquisadora da área <strong>de</strong> Literatura Infanto-juvenil.


si mesmo, distante das dificulda<strong>de</strong>s do dia-a-dia, que por sinal, são tão naturais e essenciais<br />

para o amadurecimento do homem.<br />

EM QUE MOMENTO TRABALHAR O CONTO <strong>DE</strong> <strong>FADAS</strong><br />

A leitura é uma peça indispensável à educação, visto que, é a ponte responsável pelo<br />

contato entre o homem e o conhecimento. No entanto, para que a leitura seja eficaz, é<br />

necessário selecionar o livro a<strong>de</strong>quado para cada categoria <strong>de</strong> leitor. Segundo Coelho (1997, p.<br />

28) os estágios psicológicos da criança correspon<strong>de</strong>m a cinco categorias <strong>de</strong> leitor: pré-leitor,<br />

leitor iniciante, leitor-em-processo, leitor fluente e leitor crítico.<br />

Caso o leitor adulto tenha receio <strong>de</strong> contar <strong>de</strong>terminado conto <strong>de</strong> fadas, é preferível<br />

que escolha uma outra história ou espere o momento a<strong>de</strong>quado para contá-lo, porém que não<br />

mu<strong>de</strong> ou reconte o conto, mudar a natureza <strong>de</strong> uma obra alheia é <strong>de</strong>srespeitar o autor e retirar<br />

a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> e o significado íntimo <strong>de</strong> tal obra. O i<strong>de</strong>al é manter a integrida<strong>de</strong> do conto, pois<br />

caso ocorra adaptações, o adulto estará limitando a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreensão da criança.<br />

Abramovich (1995, p. 121) afirma “cada elemento dos contos <strong>de</strong> fadas tem um papel<br />

significativo, importante e, se for retirado, suprimido ou atenuado, vai impedir que a criança<br />

compreenda integralmente o conto”.<br />

Os contos <strong>de</strong> fadas lidam com emoções que qualquer criança vive ou já viveu, falam<br />

<strong>de</strong> medo, carências, auto<strong>de</strong>scoberta, enfim, experiências reais que são <strong>de</strong>senvolvidas com a<br />

participação <strong>de</strong> elementos mágicos que atuam no sentido <strong>de</strong> criar um clima <strong>de</strong> encanto e<br />

fantasia. Este é o gran<strong>de</strong> motivo do conto <strong>de</strong> fadas atrair a atenção do leitor infantil.<br />

A infância é um período em que a mente infantil está aberta, disponível, em busca <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scoberta e aprendizagem. Cada gesto, palavra ou atitu<strong>de</strong> diante <strong>de</strong> uma criança possui um<br />

significado e po<strong>de</strong> gerar consequências. Além disso, é válido aproveitar a disponibilida<strong>de</strong><br />

2


infantil para <strong>de</strong>senvolver a imaginação e a criativida<strong>de</strong> da criança. Coelho afirma “esse aspecto<br />

fantasista e imaginoso das crianças <strong>de</strong>ve ser inteligentemente explorado”.<br />

UMA CRÍTICA AOS <strong>CONTOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>FADAS</strong><br />

Há uma leitura sobre os contos <strong>de</strong> fadas clássicos, que faz uma crítica a <strong>de</strong>terminados<br />

contos por serem consi<strong>de</strong>rados absurdos e, em alguns casos, por contradizerem os valores<br />

morais e éticos estabelecidos pela socieda<strong>de</strong>. A crítica parte do pressuposto <strong>de</strong> que a criança<br />

ainda não atingiu o nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo necessário para o entendimento<br />

a<strong>de</strong>quado e completo do texto.<br />

Em relação a esse assunto, Tavares (1996, p. 404) apresenta uma opinião <strong>de</strong> Teobaldo<br />

Miranda Santos, o qual afirma que “não é aconselhável contar às crianças histórias grosseiras<br />

que <strong>de</strong>spertam tendências anti-sociais ou que suscitem sentimentos amorais”.<br />

É preciso reconhecer que os momentos <strong>de</strong> alegria e <strong>de</strong>scontração em An<strong>de</strong>rsen, são<br />

poucos. No entanto, nota-se uma preocupação com os menos favorecidos, o que po<strong>de</strong><br />

valorizar e resgatar aqueles que estão à margem da socieda<strong>de</strong>.<br />

Em An<strong>de</strong>rsen, predomina, em geral, um ar <strong>de</strong> tristeza ou dor... Em compensação, ...<br />

seus contos enfatizam não só a injustiça do po<strong>de</strong>r explorador como também a<br />

superiorida<strong>de</strong> humana do explorado, expressando assim a consciência <strong>de</strong>mocrática e<br />

cristã <strong>de</strong> que todos os homens <strong>de</strong>vem ter direitos iguais, i<strong>de</strong>al básico do<br />

Romantismo. (COELHO, 1998, p. 77)<br />

Diante <strong>de</strong>ssa perspectiva dos contos <strong>de</strong> fadas clássicos, vale a pena <strong>de</strong>stacar a<br />

importância dos mesmos para a socieda<strong>de</strong>. Pois, segundo Abramovich (1995, p.121) “os<br />

contos <strong>de</strong> fadas são tão ricos que têm sido fontes <strong>de</strong> estudo para psicanalistas, sociólogos,<br />

antropólogos, psicólogos, cada qual dando sua interpretação e se aprofundando em seu eixo<br />

<strong>de</strong> interesse”. O certo é que os contos <strong>de</strong> fada, <strong>de</strong> uma forma ou <strong>de</strong> outra, exercem papel<br />

significativo para a crítica literária e são <strong>de</strong> extrema relevância para o método <strong>de</strong> ensino.<br />

3


A IMPORTÂNCIA DOS <strong>CONTOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>FADAS</strong> PARA A <strong>CULTURA</strong><br />

Os contos <strong>de</strong> fadas representam instrumentos importantes para o processo educativo,<br />

visto que, são indispensáveis à formação integral do homem, às práticas <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lagem da<br />

personalida<strong>de</strong> do indivíduo e <strong>de</strong> construção do conhecimento. Segundo Tavares (1996, p.<br />

404), “cabe aos pais e educadores a mais importante das missões humanas, que é a <strong>de</strong> plasmar<br />

a personalida<strong>de</strong> da criança”.<br />

Dessa forma, após a leitura <strong>de</strong> uma história, é importante que o educador crie um<br />

momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate com os alunos a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixá-los à vonta<strong>de</strong> para questionar, opinar e<br />

refletir, pois não basta ler a narrativa, é preciso interpretá-la e saber analisar os diferentes<br />

pontos <strong>de</strong> vista.<br />

Não se po<strong>de</strong> esquecer que os contos <strong>de</strong> fadas são capazes <strong>de</strong> transformar os pequenos<br />

em futuros leitores, ou melhor, em pessoas que têm se<strong>de</strong> <strong>de</strong> saber, que buscam a realização<br />

pessoal na leitura. É possível perceber o efeito eficaz <strong>de</strong> um livro infantil na vida do homem,<br />

pois a leitura é <strong>de</strong> extrema relevância para o <strong>de</strong>senvolvimento intelectual do indivíduo. Esse é<br />

o gran<strong>de</strong> mérito da literatura estar presente em todas as áreas do conhecimento e ser capaz <strong>de</strong><br />

tornar o ser humano em ser pensante.<br />

A leitura <strong>de</strong> textos poéticos à criança em fase <strong>de</strong> alfabetização, não só aproxima ao<br />

livro como fonte <strong>de</strong> conhecimento e prazer, como exerce papel importante na<br />

formação da expressão verbal. (CA<strong>DE</strong>MARTORI,19986, p. 71)<br />

Existe a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> oferecer espaço à literatura infantil para que essa através da<br />

poesia, música, contos <strong>de</strong> fadas, possa agir na mente humana e, sendo assim, o ensino <strong>de</strong>verá<br />

dar aos alunos a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construírem seu próprio saber. Esse é o método que po<strong>de</strong><br />

libertar o indivíduo da imposição do conhecimento pré-formado e po<strong>de</strong> estimular o senso<br />

crítico e a imaginação da criança.<br />

4


Ca<strong>de</strong>martori (1986, p. 23) analisa que “a literatura infantil se configura não só como<br />

instrumento <strong>de</strong> formação conceitual, mas também <strong>de</strong> emancipação da manipulação da<br />

socieda<strong>de</strong>”.<br />

Os contos <strong>de</strong> fadas representam a possibilida<strong>de</strong> das crianças esquecerem a realida<strong>de</strong><br />

para experimentar uma vida melhor, em um mundo maravilhoso e mágico. A criança po<strong>de</strong><br />

conhecer o encanto e a pureza que na vida real não encontra, e <strong>de</strong>sse modo, o livro infantil<br />

permite ao leitor mergulhar nas aventuras dos personagens e saborear um pouco do mundo<br />

fantástico.<br />

Tavares (1996, p. 403) ressalta que “a literatura infantil reveste-se <strong>de</strong> inestimável<br />

importância e o seu estudo se impõe por se tratar <strong>de</strong> matéria indispensável e básica no campo<br />

da cultura e da educação”.<br />

QUEM SÃO AS <strong>FADAS</strong><br />

É interessante <strong>de</strong>stacar o papel das fadas nos contos, visto que assumem papel<br />

fundamental na literatura infantil. Coelho (1998, p. 31) consi<strong>de</strong>ra que o termo fada vem do<br />

latim fatum, que significa <strong>de</strong>stino. A fada é uma personagem que apesar dos séculos e da<br />

mudança <strong>de</strong> costume continua mantendo seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> atração sobre as crianças.<br />

O homem, limitado pela materialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu corpo e do mundo em que vive, enxerga<br />

nas fadas a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alcançar a realização <strong>de</strong> seus sonhos, aspirações e fantasias. Assim,<br />

Coelho (1998, p.10) acredita que “o homem <strong>de</strong>ve ter sentido a presença <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res muito<br />

maiores do que sua própria vonta<strong>de</strong>”. Por isso, tentou ultrapassar os limites da condição<br />

humana.<br />

A partir dos estudos realizados por Coelho, po<strong>de</strong>-se concluir que as fadas são seres<br />

dotados <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>s positivas e po<strong>de</strong>res sobrenaturais, que interferem na vida dos homens,<br />

para auxiliá-los em situações difíceis quando já nenhuma solução natural po<strong>de</strong>ria resolver.<br />

5


Possuem características comuns, como beleza e bonda<strong>de</strong>, entretanto, a partir do momento em<br />

que assumem comportamento negativo, transformam-se em bruxas.<br />

Segundo Coelho (1997, p. 31) as fadas tornaram-se conhecidas como seres<br />

imaginários, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> beleza, que se apresentam sob forma <strong>de</strong> mulher. Vulgarmente se diz<br />

que fada e bruxa são formas simbólicas da eterna dualida<strong>de</strong> da mulher ou da condição<br />

feminina.<br />

Embora a fada já seja das personagens re-inventadas com maior felicida<strong>de</strong> pela<br />

literatura infantil atual, não há dúvidas <strong>de</strong> que é um filão a ser ainda muito<br />

explorado pelos escritores. (COELHO, 1997, p.159)<br />

É importante permitir que a criança acredite em po<strong>de</strong>res sobrenaturais, em<br />

personagens fictícios, como o Papai Noel ou o Super-Homem. Deixar que os pequenos<br />

acreditem no impossível é criar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formar crianças que possuem fé e esperança,<br />

que confiam no homem e acreditam na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construir um mundo melhor.<br />

AS DIVERSAS TEMÁTICAS DOS <strong>CONTOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>FADAS</strong><br />

Os contos <strong>de</strong> fadas abordam uma série <strong>de</strong> temas, que <strong>de</strong>senvolvem o pequeno leitor<br />

na medida em que tratam da realida<strong>de</strong>. Essa é uma das competências da literatura que<br />

correspon<strong>de</strong> à capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar uma nova interpretação para a vida a partir do mundo<br />

fantástico.<br />

Querer saber mais sobre aflições, tristezas, dificulda<strong>de</strong>s, conflitos, dúvidas,<br />

sofrências, <strong>de</strong>scobertas que outros enfrentam, para po<strong>de</strong>r compreen<strong>de</strong>r melhor as<br />

suas próprias, faz parte das interrogações <strong>de</strong> qualquer ser humano em crescimento...<br />

(ABRAMOVICH, 1995, p. 98)<br />

O fato dos contos <strong>de</strong> fadas discutirem sobre assuntos diversos po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado<br />

um fator positivo, visto que, é necessário preparar a criança para as situações difíceis da vida.<br />

É importante que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância, exista o contato da criança com a realida<strong>de</strong>, pois no<br />

6


momento em que esta <strong>de</strong>parar-se com os problemas do cotidiano, saberá ter equilíbrio, ser<br />

forte e capaz <strong>de</strong> superar as situação mais complexas da vida.<br />

O PERSISTENTE SOLDADINHO <strong>DE</strong> CHUMBO<br />

Entre tantos contos infantis, é interessante <strong>de</strong>stacar O persistente soldadinho <strong>de</strong><br />

chumbo, uma das histórias mais conhecidas <strong>de</strong> Hans Christian An<strong>de</strong>rsen. Soldadinho era um<br />

simples brinquedo que tornara-se especial por sua característica particular: tinha apenas uma<br />

perna, por isso, i<strong>de</strong>ntificou-se com a bailarina, pois esta erguia uma <strong>de</strong> suas pernas e<br />

sustentava-se em apenas uma, o que dava a impressão <strong>de</strong> que ela, assim como ele, tinha apenas<br />

uma perna.<br />

O soldadinho apaixonou-se pela bailarina e ao longo <strong>de</strong> sua história precisou enfrentar<br />

muitos obstáculos, o ar da rua, as águas da correnteza, as profun<strong>de</strong>zas da terra no bueiro, e<br />

por último, o fogo da lareira. Cumpre-se, então, segundo Vera Teixeira <strong>de</strong> Aguiar, doutora em<br />

Letras, um ciclo vital completo.<br />

Após ser queimado, o soldadinho transforma-se em um coração <strong>de</strong> chumbo e da<br />

bailarina, restou-lhe apenas a lantejoula. Um simples brinquedo representa um exemplo <strong>de</strong><br />

perseverança, pois segundo a professora Vera Teixeira, o soldadinho não é um herói que<br />

vence ao final, ao contrário, torna-se invencível por sua força e sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não<br />

enfraquecer diante dos obstáculos. O soldadinho é forte, corajoso e o amor tornou-se sua<br />

fonte <strong>de</strong> persistência.<br />

Vera Teixeira <strong>de</strong> Aguiar explica o <strong>de</strong>sfecho do conto da seguinte forma:<br />

Como metal pesado, o chumbo simboliza a matéria impregnada <strong>de</strong> força espiritual<br />

capaz <strong>de</strong> transmutar-se em corpos diversos ou transformar suas qualida<strong>de</strong>s em<br />

qualida<strong>de</strong>s do espírito... No contato com o fogo, avulta a essência da personagem:<br />

sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> amar, sua força interior. (AN<strong>DE</strong>RSEN, 1995, p. 28)<br />

7


É fácil perceber a forte influência dos contos <strong>de</strong> fadas no processo educativo, contos<br />

esses que vistos sob diferentes formas tem levado às crianças, através dos tempos, lições <strong>de</strong><br />

vida como essa <strong>de</strong> O persistente soldadinho <strong>de</strong> chumbo.<br />

PELE <strong>DE</strong> ASNO: UM EXEMPLO <strong>DE</strong> CORAGEM<br />

Além <strong>de</strong> An<strong>de</strong>rsen, é interessante citar Charles Perrault, um escritor e arquiteto<br />

francês, autor <strong>de</strong> vários livros para adultos, tornando-se célebre por seu único volume <strong>de</strong><br />

contos para crianças. Suas histórias são recolhidas junto ao povo e <strong>de</strong>ve ser respeitado o que<br />

há <strong>de</strong> cruel, <strong>de</strong> moral própria e <strong>de</strong> poético. Vale <strong>de</strong>stacar o conto <strong>de</strong> fadas Pele <strong>de</strong> Asno, uma<br />

história que trata <strong>de</strong> um amor incestuoso, em que um rei viúvo <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> casar-se com a própria<br />

filha. A rainha antes <strong>de</strong> morrer pediu ao rei que se casasse com uma mulher que fosse mais<br />

bonita do que ela, porém, o rei só enxergava beleza na filha.<br />

Então, a fada madrinha <strong>de</strong>u à princesa a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> propor condições ao para aceitar<br />

casar-se, que seriam pedidos quase impossíveis. Assim, a princesa pediu um vestido da cor do<br />

tempo, <strong>de</strong>pois outro da cor da lua e, por fim, pediu um da cor do sol. A partir <strong>de</strong> uma análise,<br />

po<strong>de</strong>-se interpretar que cada vestido possui um significado, o primeiro aparece como um<br />

símbolo da solução, pois o tempo é capaz <strong>de</strong> resolver muitas situações; o segundo representa<br />

um satélite da terra, como um elemento do universo que pu<strong>de</strong>sse lhe trazer refúgio; e por<br />

último, o vestido da cor do sol que po<strong>de</strong> simbolizar um astro luminoso que po<strong>de</strong>ria conce<strong>de</strong>rlhe<br />

a luz que buscava. No entanto, o rei realizou a todos os seus pedidos.<br />

Vale ressaltar que o título do conto retoma ao asno, que o rei, a pedido da princesa,<br />

mandara matá-lo. Esse asno torna-se especial, na medida em que, possui a função <strong>de</strong> proteger<br />

a princesa, visto que, na tentativa <strong>de</strong> escon<strong>de</strong>r sua própria beleza, a princesa <strong>de</strong>cidiu viver<br />

coberta com a pele <strong>de</strong>ste asno. Não é a toa que o mesmo torna-se um asno encantado.<br />

8


Ao final do conto, o príncipe da cida<strong>de</strong> conhece a princesa e encantado com sua<br />

beleza <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> casar-se. O conto possibilita uma reflexão acerca da luta contra um amor entre<br />

pai e filha, pois a jovem precisa renunciar a si mesma para fugir do amor incestuoso. É um<br />

exemplo <strong>de</strong> pureza e humilda<strong>de</strong>, visto que ela precisou abandonar a riqueza do seu reino para<br />

morar em uma simples cabana, sozinha e isolada <strong>de</strong> todos.<br />

Além disso, a princesa tinha que escon<strong>de</strong>r sua própria beleza atrás <strong>de</strong> uma pele <strong>de</strong><br />

asno, enfrentando a discriminação e sendo humilhada. É interessante analisar que o rei amava<br />

<strong>de</strong> tal modo a rainha que, para ele, a filha era um reflexo da mãe, e somente casando com ela<br />

não trairia a rainha. Por fim, o conto é uma mistura <strong>de</strong> fantasia e realida<strong>de</strong>, que tematiza a<br />

dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma jovem que <strong>de</strong>monstrou coragem e humilda<strong>de</strong> para impedir um amor<br />

incestuoso, do qual somente consegue libertar-se com o auxílio <strong>de</strong> elementos mágicos.<br />

CONCLUSÃO<br />

Diante das diferentes faces dos contos <strong>de</strong> fadas, guarda-se a certeza <strong>de</strong> que cada<br />

história infantil é uma semente plantada na mente da criança, cujo crescimento acontece<br />

gradativamente e os frutos são refletidos ao longo da vida. O que significa que os contos <strong>de</strong><br />

fadas não po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong> mero entretenimento, ao contrário, representam ricas fontes <strong>de</strong><br />

cultura, pois transmitem i<strong>de</strong>ias e valores morais e éticos, capazes <strong>de</strong> preparar a criança para os<br />

conflitos da vida.<br />

Portanto, assumem extrema importância para o processo educativo no sentido <strong>de</strong><br />

atuar na formação do caráter do indivíduo. Esse é o gran<strong>de</strong> segredo dos contos <strong>de</strong> fadas<br />

encantarem os corações dos pequenos e sobreviverem até os dias atuais.<br />

“A literatura infantil é, antes <strong>de</strong> tudo, literatura; ou melhor, é arte: fenômeno <strong>de</strong><br />

criativida<strong>de</strong> que representa o Mundo, o Homem, a Vida, através da palavra. Fun<strong>de</strong><br />

os sonhos e a vida prática; o imaginário e o real; os i<strong>de</strong>ais e sua possível/impossível<br />

realização...” (COELHO, 1997, p. 24)<br />

9


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1995.<br />

p. 97-135.<br />

AN<strong>DE</strong>RSEN, Hans Christian. O persistente soldadinho <strong>de</strong> chumbo. Porto Alegre: Kuarup,<br />

1995.<br />

COELHO, Nelly Novaes. O conto <strong>de</strong> fadas. Ática: São Paulo, 1998.<br />

COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. Ática: São Paulo, 1997.<br />

p. 11-60<br />

PERRAULT, Charles. Pele <strong>de</strong> Asno. Scipione: São Paulo, 1991.<br />

TAVARES, Hênio Último da Cunha. Teoria literária. Belo Horizonte-Rio <strong>de</strong> Janeiro: Villa<br />

Rica, 1996. p. 401-419.<br />

10

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!