Circuitos Práticos - Saber Eletrônica
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opinião<br />
Quem sabe<br />
faz a hora...<br />
Eu quero que a França continue a ser<br />
um país da produção, eu quero manter<br />
as nossas fábricas”. Esta declaração de<br />
Nicolas Sarkozy é o retrato da preocupação<br />
de um governante com o futuro de<br />
seu país. Feita em um momento de profunda<br />
incerteza para a Zona do Euro - cujo crescimento<br />
previsto oscila entre meio e um por<br />
cento para este ano - traduz de forma nua e<br />
crua o espectro que paira sobre o continente<br />
europeu e envolve também nações mais ricas,<br />
no caso Alemanha e França.<br />
Ao anunciar uma série de medidas para<br />
elevar a competitividade da indústria francesa,<br />
o governo Sarkozy asseverou que a elevada<br />
contribuição previdenciária dos empregados,<br />
recolhida pelas empresas, reduz a competitividade<br />
da produção local que acaba se deslocando<br />
para outras regiões do mundo. Para além de<br />
uma intrincada ação macroeconômica, com<br />
suas lógicas de equilíbrio orçamentário e fiscal,<br />
o governo francês adotou uma clara iniciativa<br />
em defesa da indústria nacional.<br />
Afinal, se a geração de riqueza e de empregos<br />
de qualidade, a integração de cadeias<br />
produtivas, a inovação e o desenvolvimento<br />
tecnológico, as externalidades criadas em<br />
outros setores econômicos e o alcance do<br />
bem-estar social são fatores que orientam o<br />
planejamento e a ação governamental para<br />
além de uma retórica repetitiva e amorfa, o<br />
governo, seja qual for o seu perfil ideológico,<br />
não pode jamais abrir mão da sua indústria.<br />
O Brasil, como país do avesso, segue lógica<br />
distinta. Por aqui, se não bastassem a complexa<br />
carga tributária, a excessiva valorização da<br />
moeda, o elevado custo da mão de obra e a<br />
eterna insegurança jurídica (como já foi dito:<br />
“O Brasil é o único país do mundo em que até<br />
o passado é incerto”), conseguimos inventar<br />
algo genuíno: a desoneração dos produtos<br />
importados. Pelo visto, de tudo fazemos por<br />
aqui para desestimular o crescimento da<br />
indústria. Em que pese os esforços emoldurados<br />
no Plano Brasil Maior, e em políticas<br />
industriais anteriores, continuamos a léguas de<br />
66 I SABER ELETRÔNICA 459 I 2012<br />
distância de uma política governamental que<br />
se identifique fortemente com os interesses<br />
e objetivos da indústria local.<br />
Pois bem, à revelia da legislação constitucional<br />
e infraconstitucional, alguns governos<br />
estaduais passaram a conceder, sob a modalidade<br />
de crédito presumido ou deferimento,<br />
incentivo fiscal no âmbito do ICMS para<br />
empresas, escritórios e até “bibocas” (em<br />
certos casos, vale) que promovam o ingresso<br />
de mercadorias através de seus portos.<br />
Claramente, a redução do imposto torna<br />
o produto importado mais barato que o<br />
nacional. Como afirma documento da CNI: “é<br />
como se cada estado pudesse arbitrar a sua<br />
taxa de câmbio para importação, tornando-a<br />
ainda mais valorizada”. Ou seja, voltamos aos<br />
tempos da Velha República.<br />
O fato é que o produto importado é<br />
presenteado com um benefício fiscal que não é<br />
oferecido ao produto nacional. O tratamento<br />
tributário mais favorável ao importado é não<br />
isonômico, injusto, inconstitucional e, portanto,<br />
inaceitável. Vale lembrar, também, que esses<br />
benefícios não são aprovados pelo Conselho<br />
Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) -<br />
órgão constitucionalmente responsável pela<br />
construção do pacto federativo nesta matéria<br />
tributária. As empresas que produzem no Brasil<br />
pagam o ICMS sem incentivo e a diferença<br />
do custo fiscal pode chegar a 9% em relação<br />
aos importados. Estima-se que essa prática<br />
diminuiu a capacidade do país gerar 771 mil<br />
empregos desde 2010 e que o PIB deixou de<br />
crescer R$ 18,9 bilhões. Tal anomalia ocorre<br />
em meio a uma crise mundial, quando os países<br />
lá fora brigam para não perder empregos.<br />
É desconhecida situação semelhante em<br />
outros países. Pois aí está a nossa criatividade<br />
em meio a um fracassado pacto federativo!!!<br />
Em que pese a decisão dos estados de procurar<br />
atrair e gerar emprego e renda em seus territórios,<br />
o interessante é que tal medida afeta<br />
o próprio potencial industrial daqueles que<br />
concedem os incentivos e gera desestímulos<br />
ao desenvolvimento da indústria aqui instalada.<br />
Humberto Barbato<br />
Presidente da ABINEE<br />
Não há, portanto, razões que justifiquem<br />
a “guerra fiscal nos portos”. Entre outras<br />
razões, ela é prejudicial porque retira competitividade<br />
do produto nacional, reduz a<br />
geração potencial de riqueza e de empregos<br />
no País, estimula as importações de forma<br />
desproporcional ao PIB dos estados que a<br />
fomentam e aumenta a receitas dos estados<br />
que concedem os incentivos em detrimento<br />
da arrecadação dos demais.<br />
Cerrando fileiras com a CNI, federações<br />
estaduais e várias associações setoriais, a<br />
ABINEE está apoiando a aprovação do Projeto<br />
de Resolução nº 72/2011, de autoria do<br />
Senador Romero Jucá, que fixa alíquotas do<br />
ICMS nas operações interestaduais para bens<br />
e mercadorias trazidas do exterior. Ao apoiar<br />
o Projeto, o objetivo principal da indústria e<br />
de seus representantes é eliminar a nefasta<br />
guerra dos portos, que oferta privilégios ao<br />
produto final importado em detrimento do<br />
bem fabricado no País.<br />
É possível que alguns julguem a nossa<br />
posição. O setor eletroeletrônico, certamente,<br />
apresenta o maior déficit comercial<br />
do complexo industrial brasileiro. Em 2011,<br />
a diferença entre as nossas importações e<br />
exportações atingiu a casa dos US$ 32 bilhões.<br />
Para este ano, esperamos déficit de cerca de<br />
US$ 38 bilhões. Assim, poder-se-ia levantar a<br />
hipótese de que o setor é forte beneficiário<br />
das vantagens oferecidas às importações<br />
nesses Estados. De fato, isto até pode estar<br />
ocorrendo. Questionamos, todavia, o quanto<br />
deste volume importado, em condições favorecidas,<br />
não está representado pelo ingresso<br />
de tudo que é tipo de “bugiganga chinesa”.<br />
Antes de mais nada, a nossa luta consiste<br />
na defesa da indústria instalada no país. Acima<br />
de interesses individuais e localizados, devem<br />
pairar os interesses da nação brasileira.<br />
Renda e empregos precisam ser gerados<br />
aqui e por isso incentivos fiscais deveriam<br />
contemplar a produção feita no País. E que,<br />
um dia, possamos aprender com o exemplo<br />
dado pelo governo francês!<br />
E