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cursos de licenciatura: possíveis caminhos para ressignificar na ...

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CURSOS DE LICENCIATURA: POSSÍVEIS CAMINHOS PARA RESSIGNIFICAR NA<br />

AVALIAÇÃO NA ÁREA DE PRÁTICAS DE ENSINO E ESTÁGIOS<br />

Zelir Salete Lago Busato<br />

UPF<br />

RESUMO<br />

Neste trabalho, <strong>de</strong>senvolvo proposições no campo da avaliação, no sentido <strong>de</strong> apontar<br />

alguns <strong>caminhos</strong>, <strong>para</strong> que com outros sujeitos, em outros tempos, em outros espaços,<br />

possamos redimensio<strong>na</strong>r, vivenciar, construir, garantir processos <strong>de</strong> avaliação que<br />

possam colaborar <strong>para</strong> a ressignificação permanente <strong>de</strong> práticas pedagógicas, no<br />

contexto da Área <strong>de</strong> Práticas <strong>de</strong> Ensino e Estágios. Minha experiência profissio<strong>na</strong>l,<br />

aliada a compreensões e teorizações, configura-se como sistematização e reflexão da<br />

minha própria prática pedagógica, o que aponta <strong>para</strong> a perspectiva <strong>de</strong> o profissio<strong>na</strong>l da<br />

educação compreen<strong>de</strong>r a avaliação como momento privilegiado <strong>de</strong> questio<strong>na</strong>r e<br />

questio<strong>na</strong>r-se em torno do que faz, pensa, produz, sente. Para isso, faz-se necessário<br />

compreen<strong>de</strong>r a avaliação numa perspectiva mediadora, dialógica, emancipatória,<br />

assegurando um trabalho sistemático <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> conhecimento, no qual os<br />

sujeitos se assumem <strong>de</strong> forma crítico-reflexiva. Nesse processo, consi<strong>de</strong>ro<br />

fundamentais quatro momentos: a) o cotidiano e a prática docente como pontos <strong>de</strong><br />

partida e <strong>de</strong> chegada da ação profissio<strong>na</strong>l; b) a observação sistemática da prática; c) o<br />

registro escrito da prática; d) a teorização e o replanejamento coletivo da ação<br />

pedagógica como indispensáveis <strong>na</strong> caminhada. Reitero, ainda, que é preciso não<br />

ape<strong>na</strong>s modificar meios, técnicas, métodos em avaliação, mas rever princípios<br />

epistemológicos, teorias do conhecimento, compreen<strong>de</strong>ndo o processo <strong>de</strong> avaliação<br />

como um dos elementos <strong>na</strong> totalida<strong>de</strong> do currículo.<br />

Palavras-chave: avaliação, prática pedagógica, reflexão, ressignificação.<br />

Este trabalho <strong>de</strong> pesquisa adveio <strong>de</strong> minhas constantes dúvidas, inseguranças,<br />

medos ao avaliar, enquanto professora <strong>de</strong> prática <strong>de</strong> ensino e supervisora <strong>de</strong> estágios<br />

<strong>de</strong> língua portuguesa do Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Huma<strong>na</strong>s (IFCH) da<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Passo Fundo (UPF/RS). Para isso, procurei recuperar parte <strong>de</strong> minha<br />

trajetória profissio<strong>na</strong>l, discutindo possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma avaliação


2<br />

emancipatória no espaço em que atuo, também como coor<strong>de</strong><strong>na</strong>dora, <strong>na</strong> Área <strong>de</strong><br />

Práticas <strong>de</strong> Ensino e Estágios da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação (Faed) da UPF.<br />

A discussão em torno da avaliação há muito vem suscitando novos <strong>caminhos</strong>,<br />

novas práticas, nesta área tão refratária a mudanças. Tor<strong>na</strong>da objeto <strong>de</strong> repressão, <strong>de</strong><br />

terror <strong>para</strong> estudantes em escolas, universida<strong>de</strong>s, con<strong>cursos</strong> públicos, alguns <strong>de</strong> seus<br />

elementos, como provas, testes, entre outros, contribuem, muitas vezes, <strong>para</strong> mensurar<br />

o que os alunos armaze<strong>na</strong>ram ou <strong>de</strong>coraram em um <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do período.<br />

Per<strong>de</strong>ndo seu caráter processual, mediador, dialógico, interativo, transformador,<br />

emancipatório, a avaliação, não só <strong>na</strong>s universida<strong>de</strong>s, mas em diferentes contextos em<br />

que ocorre, passou a <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar, quase que exclusivamente, uma pedagogia <strong>de</strong><br />

exames e <strong>de</strong> provas.<br />

Como prática cotidia<strong>na</strong>, estamos sempre avaliando. Avaliamos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a roupa<br />

que usamos, seja <strong>para</strong> trabalhar, <strong>para</strong> passear, dormir, ir a uma festa; o livro que vamos<br />

ler ou comprar; a compreensão que fazemos do que escrevemos, do que lemos, do que<br />

dizemos; o nosso <strong>de</strong>sempenho em aula; a nossa reação à crítica, ao elogio; o atraso às<br />

reuniões, enfim, nossa vida está permeada pelo ato <strong>de</strong> avaliar. Nesse sentido, o<br />

entendimento do mundo, do conhecimento, do sujeito, da socieda<strong>de</strong> como algo não<br />

estático, não linear, pressupõe, pois, o exercício permanente da dialética como a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação-reflexão-ação em torno do que praticamos e pensamos.<br />

Desse modo, <strong>na</strong> Área <strong>de</strong> Práticas <strong>de</strong> Ensino, e Estágios/Faed/UPF, a questão <strong>de</strong><br />

investigação volta-se não a qualquer ato <strong>de</strong> avaliar, mas à tentativa <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construir, vivenciar, garantir processos <strong>de</strong> avaliação que possam<br />

colaborar <strong>para</strong> a ressignificação das práticas pedagógicas dos sujeitos envolvidos e, ao<br />

mesmo tempo, <strong>para</strong> a construção crítica e significativa <strong>na</strong> produção do conhecimento.<br />

Entre as questões <strong>para</strong> as quais proponho alter<strong>na</strong>tivas, encontram-se: Que<br />

concepção <strong>de</strong> avaliação po<strong>de</strong>mos assumir, coletivamente Que <strong>caminhos</strong> construir<br />

em avaliação, <strong>na</strong> Área <strong>de</strong> Práticas <strong>de</strong> Ensino e Estágios no contexto dos <strong>cursos</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>licenciatura</strong> da UPF Que processo metodológico <strong>de</strong>senvolver, implementar Em que<br />

condições <strong>de</strong> trabalho, po<strong>de</strong>mos organizar um processo <strong>de</strong> avaliação E a formação<br />

dos profissio<strong>na</strong>is, como organizá-la


3<br />

Numa ótica tradicio<strong>na</strong>l, conservadora <strong>de</strong> avaliação, reforçam-se ape<strong>na</strong>s<br />

processos seletivos, classificatórios, quantitativos. Os instrumentos mais comuns <strong>para</strong><br />

mensurar a aprendizagem têm sido provas, testes. Luckesi (2000) a <strong>de</strong>finiu como a<br />

“pedagogia dos exames”; Paulo Freire (1987), como a “pedagogia bancária”; outros<br />

teóricos a <strong>de</strong>finiram como a “pedagogia da repetência”, do “fracasso escolar”, do<br />

“insucesso”.<br />

Se enten<strong>de</strong>mos educação como processo <strong>de</strong> permanente libertação; se<br />

compreen<strong>de</strong>mos os seres humanos como i<strong>na</strong>cabados, inconclusos; se o nosso<br />

compromisso político com o social faz parte <strong>de</strong> nossa luta cotidia<strong>na</strong>; se a<br />

aprendizagem se <strong>de</strong>senvolve e se constrói ao longo <strong>de</strong> toda a vida; se<br />

acreditamos <strong>na</strong> avaliação como construção, como ressignificação <strong>de</strong> um<br />

processo, não po<strong>de</strong>mos, jamais, vivenciá-la <strong>de</strong> forma autoritária, impositiva, como<br />

predomi<strong>na</strong> <strong>na</strong> educação bancária, <strong>de</strong>nunciada por Freire (1987) já <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos<br />

sessenta.<br />

Tradicio<strong>na</strong>lmente, a avaliação tem sido entendida como sinônimo <strong>de</strong> reprovação<br />

ou <strong>de</strong> aprovação. Entretanto, como Hoffmann (2003; 1999; 1998) vem reiterando, é<br />

preciso que ela assuma outras direções, outros horizontes. Avaliação, segundo a<br />

autora, po<strong>de</strong>ria ser substituída por aprendizagem, apropriação do conhecimento.<br />

Desse modo, não <strong>de</strong>veria servir <strong>para</strong> reprovar, mas <strong>para</strong> promover, <strong>para</strong> construir<br />

processos <strong>de</strong> aprendizagem, nos quais um dos nossos papéis como educadores<br />

(professores – orientadores, estagiários) vem a ser o <strong>de</strong>, minimamente, criar condições<br />

<strong>para</strong> que a aprendizagem se processe dialogicamente.<br />

Romper, transformar o que a avaliação, em geral, tem proporcio<strong>na</strong>do em muitas<br />

escolas e universida<strong>de</strong>s, requer, <strong>de</strong>sse modo, o esforço conjunto <strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>is<br />

comprometidos com a justiça e com a luta social. É um esforço pela mudança <strong>de</strong><br />

concepção educacio<strong>na</strong>l, pela mudança da atual estrutura seletiva, ainda fortemente<br />

presente no contexto da educação. É um esforço, também, pela mudança<br />

epistemológica, política, pedagógica.<br />

Nesse sentido, acredito que um dos eixos da avaliação <strong>de</strong>ve se constituir <strong>na</strong><br />

investigação permanente da ação político-pedagógica dos sujeitos envolvidos. Uma<br />

investigação que pressupõe espaços, tempos, metodologia própria, grupo <strong>de</strong> trabalho,


4<br />

coor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção, condições concretas <strong>para</strong> efetivação <strong>de</strong> um processo crítico-significativoemancipatório<br />

<strong>na</strong> produção do conhecimento e no redimensio<strong>na</strong>mento da nossa ação<br />

docente como profissio<strong>na</strong>is envolvidos, tanto no contexto das salas <strong>de</strong> aula, quanto <strong>na</strong><br />

orientação/supervisão <strong>na</strong> Área <strong>de</strong> Práticas <strong>de</strong> Ensino e Estágios.<br />

A implementação <strong>de</strong>sse processo <strong>de</strong> investigação requer, tanto da universida<strong>de</strong>,<br />

quanto <strong>de</strong> nós profissio<strong>na</strong>is, a construção e a garantia <strong>de</strong> procedimentos teóricometodológicos,<br />

no intuito <strong>de</strong> manter e vivenciar uma rigorosida<strong>de</strong> metodológica <strong>na</strong><br />

construção <strong>de</strong> outros saberes, <strong>de</strong> novos sentidos pedagógicos <strong>para</strong> as práticas que<br />

estamos <strong>de</strong>senvolvendo. Que procedimentos po<strong>de</strong>ríamos, assim, assegurar nesse<br />

processo educacio<strong>na</strong>l-formativo-mediador Como superar, transformar a lógica do<br />

professor-orientador que vai à sala <strong>de</strong> aula, observa o estudante-estagiário, faz<br />

anotações <strong>na</strong> ficha <strong>de</strong> observação, mas não reflete, não teoriza sobre a sua própria<br />

prática<br />

Buscando apontar algumas alter<strong>na</strong>tivas <strong>de</strong> ação <strong>para</strong> as inquietações<br />

apresentadas, penso ser fundamental o envolvimento dos sujeitos num processo <strong>de</strong><br />

reflexão, <strong>de</strong> teorização <strong>de</strong> suas práticas. Para tanto, discuto que o cotidiano e a ação<br />

docente sejam pontos <strong>de</strong> partida no processo <strong>de</strong> ressignificação das práticas<br />

pedagógicas. Aliando-se a esse processo, a esses pontos <strong>de</strong> partida, situo o registro<br />

escrito e a memória, assim como o replanejamento coletivo da ação docente como<br />

elementos teórico-metodológicos fundamentais no processo educacio<strong>na</strong>l, que se<br />

pretenda dialógico, mediador, emancipatório.<br />

No processo <strong>de</strong> acompanhamento dos estudantes-estagiários, a avaliação<br />

precisa, pois, assumir um caráter <strong>de</strong> processualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> construção da autonomia<br />

profissio<strong>na</strong>l, <strong>de</strong> ressignificação <strong>de</strong> saberes construídos no cotidiano da ação<br />

pedagógica. Os <strong>de</strong>sejos, as necessida<strong>de</strong>s dos sujeitos envolvidos no processo são<br />

parte também das ce<strong>na</strong>s pedagógicas. É <strong>de</strong>les que <strong>de</strong>vemos partir, <strong>de</strong>sses saberes<br />

<strong>de</strong> experiência feitos, <strong>de</strong>sses saberes produzidos ao longo da vida <strong>de</strong> cada um,<br />

<strong>de</strong>sses saberes que apresentam sentidos, significados. É com base neles que<br />

po<strong>de</strong>mos <strong>ressignificar</strong>, (re)construir outras práticas pedagógicas, práticas essas<br />

fortemente enraizadas <strong>na</strong>s falas, nos ditos, nos não-ditos, <strong>na</strong>s expressões, nos<br />

gestos, nos olhares, <strong>na</strong> diversida<strong>de</strong>, <strong>na</strong>s diferenças dos sujeitos. A explicitação


5<br />

<strong>de</strong>sses saberes requer, por sua vez, a efetivação <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> trabalho, <strong>de</strong> coletivos<br />

constituídos por estudantes-estagiários, professores-orientadores, coor<strong>de</strong><strong>na</strong>dores,<br />

todos envolvidos no ritmo cultural, ético-político <strong>de</strong> produzir conhecimentos <strong>de</strong><br />

maneira crítica, investigativa, respeitando-os em seus ritmos e tempos <strong>de</strong><br />

aprendizagem.<br />

Superar, transformar essa perspectiva <strong>de</strong> investigação da prática docente exige<br />

<strong>de</strong> nós, como sujeitos comprometidos com uma educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, a construção<br />

<strong>de</strong> outros <strong>caminhos</strong> pedagógicos, que não reduzam o trabalho dos sujeitos da escola<br />

ao simples ato <strong>de</strong> reproduzir, repetir, copiar fórmulas mágicas <strong>para</strong> o contexto da sala<br />

<strong>de</strong> aula. Que <strong>caminhos</strong> po<strong>de</strong>ríamos, então, construir, coletivamente<br />

De Carr e Kemmis (1988) <strong>de</strong>preendo que é <strong>de</strong> suma importância o entendimento<br />

<strong>de</strong> que todos nós, nesse processo educacio<strong>na</strong>l, somos sujeitos <strong>na</strong> construção do<br />

conhecimento. Como ponto <strong>de</strong> partida da investigação pedagógica, está a prática<br />

docente, os saberes produzidos no cotidiano das relações político-pedagógicas. Não<br />

são os saberes <strong>de</strong> fora que <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>m o que iremos estudar, pesquisar, mas são as<br />

vivências cotidia<strong>na</strong>s, as práticas cotidia<strong>na</strong>s <strong>de</strong> cada um, <strong>na</strong> diversida<strong>de</strong> das relações<br />

estabelecidas, que po<strong>de</strong>rão apontar eixos, núcleos <strong>de</strong> investigação pedagógica, análise<br />

da própria prática. Nesse contexto, os sujeitos são também compreendidos em sua<br />

inteireza, em sua totalida<strong>de</strong>, enquanto sujeitos <strong>de</strong> conhecimento, afetivos,<br />

cognoscitivos, políticos, i<strong>de</strong>ológicos, culturais, estéticos, sociais, históricos.<br />

Assim, o processo <strong>de</strong> formação crítico-reflexiva pressupõe a <strong>de</strong>limitação <strong>de</strong><br />

elementos metodológicos capazes <strong>de</strong> sistematizar, a<strong>na</strong>lisar, registrar, teorizar a prática<br />

político-pedagógica, visando a <strong>ressignificar</strong> o processo <strong>de</strong> avaliação <strong>na</strong> Área <strong>de</strong><br />

Práticas <strong>de</strong> Ensino e Estágios. Esses elementos metodológicos serão tratados a seguir.<br />

a) Observação sistemática da ação<br />

Avaliar também significa observar, olhar atentamente. Observamos, em nosso<br />

dia-a-dia, o que fazemos, o que dizemos, o que comemos, assim como po<strong>de</strong>mos<br />

avaliar por que fizemos <strong>de</strong>sse e não <strong>de</strong> outro modo, por que comemos isso e não


6<br />

aquilo, por que dissemos aquela expressão e não esta, enfim, po<strong>de</strong>mos observar e, ao<br />

mesmo tempo, avaliar, a<strong>na</strong>lisar o que fazemos, pensamos, sentimos. Desse processo<br />

<strong>de</strong> observação, po<strong>de</strong>mos abstrair aprendizagens, razões, justificativas <strong>para</strong> as ações<br />

<strong>de</strong>senvolvidas, <strong>para</strong> as atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adas, <strong>para</strong> os gestos realizados, <strong>para</strong> as<br />

expressões anunciadas. Também po<strong>de</strong>mos compreen<strong>de</strong>r o que não foi dito, o que ficou<br />

subjacente ao cotidiano das relações construídas.<br />

O ato <strong>de</strong> observar sistematicamente a ação docente, em nossos <strong>caminhos</strong> <strong>de</strong><br />

busca pela ressignificação do processo <strong>de</strong> avaliação <strong>na</strong> Área <strong>de</strong> Práticas <strong>de</strong> Ensino e<br />

Estágios, assume uma perspectiva intencio<strong>na</strong>l, transformadora, já que não se trata <strong>de</strong><br />

qualquer ato <strong>de</strong> observação, mas sim <strong>de</strong> um ato sobre um <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do objeto <strong>de</strong><br />

estudo, no caso, a própria prática docente. Assim como Carr e Kemmis (1988), acredito<br />

que não po<strong>de</strong>mos observar a nossa ação, a nossa prática <strong>de</strong> qualquer jeito, como se<br />

um simples olhar pu<strong>de</strong>sse traduzir os significados construídos no contexto concreto <strong>de</strong><br />

vivência da prática pedagógica.<br />

A observação a que me refiro pressupõe, <strong>de</strong>ssa forma, o entendimento <strong>de</strong> que<br />

somos seres históricos, em permanente construção, somos seres do mundo, no mundo,<br />

<strong>para</strong> o mundo. Observar o que o estudante-estagiário <strong>de</strong>senvolve, constrói, no contexto<br />

da sala <strong>de</strong> aula, requer, portanto, a compreensão <strong>de</strong> que cada um, <strong>na</strong>s condições<br />

possíveis, com outros sujeitos dialógicos, produz diferentes saberes, transforma-se e<br />

transforma realida<strong>de</strong>s. Concordo com Benincá et al. (1998, p.133) quando afirmam que<br />

“a observação, concebida como elemento metodológico, difere da observação cotidia<strong>na</strong><br />

porque é intencio<strong>na</strong>da, ou seja, selecio<strong>na</strong> tema e objeto <strong>para</strong> observar”.<br />

b) Registro escrito da prática<br />

Documentar, registrar, escrever as observações realizadas também é outra<br />

atitu<strong>de</strong> necessária <strong>para</strong> a ressignificação do processo <strong>de</strong> avaliação. À medida que<br />

registramos a nossa ação e a ação observada, que a transformamos em documento<br />

não significa que a constituiremos ape<strong>na</strong>s em arquivos. Entendo que a documentação,<br />

o registro da nossa prática e da prática observada se tor<strong>na</strong>m necessários pelo fato <strong>de</strong>


7<br />

objetivar a ação pedagógica, <strong>de</strong> colocá-la <strong>para</strong> fora, <strong>de</strong> transformá-la em objeto <strong>de</strong><br />

estudo, <strong>de</strong> análise, <strong>de</strong> reflexão, <strong>de</strong> teorização. De acordo com Benincá (2002, p. 174):<br />

O registro é a documentação <strong>de</strong> um olhar “<strong>para</strong> <strong>de</strong>ntro”. É a<br />

observação da ação pedagógica não enquanto objeto externo da<br />

consciência, mas enquanto consciência da construção da relação<br />

educador-educando. Por isso, o registro, como instrumento <strong>de</strong><br />

observação, transforma-se num documentário <strong>de</strong> um momento <strong>de</strong><br />

nossa vida. Objetiva um momento subjetivo; permite o<br />

distanciamento necessário <strong>para</strong> que se possa observar e a<strong>na</strong>lisar a<br />

consciência, enquanto ação educativa.<br />

O distanciamento da ação pedagógica, da prática que <strong>de</strong>senvolvemos é<br />

fundamental, no intuito <strong>de</strong> construir, <strong>de</strong> <strong>ressignificar</strong> a nossa consciência-ação, a nossa<br />

prática. Transformada em registro, a observação que, num primeiro momento, estava<br />

ape<strong>na</strong>s no nível subjetivo, num segundo, passa <strong>para</strong> um nível público, objetivo, exterior.<br />

Tanto eu quanto outros sujeitos po<strong>de</strong>mos juntos ler o que está escrito, questio<strong>na</strong>r,<br />

refletir sobre. Mas o que, <strong>de</strong> fato, é o registro Utilizando-me <strong>de</strong> Nascimento (2001, p.<br />

9), digo:<br />

[...] É um procedimento que favorece ao professor mais que o<br />

exercício permanente <strong>de</strong> sua competência escritora, pois, em<br />

especial, possibilitará ao mesmo a reflexão da ação e sobre a ação<br />

por ele e por suas crianças vivida, tendo como principal inspiração<br />

<strong>para</strong> esse registro a diversida<strong>de</strong>, a beleza, o movimento, a<br />

novida<strong>de</strong>, a roti<strong>na</strong> do dia-a-dia docente. É o registro pensado,<br />

questio<strong>na</strong>do, problematizado, do processo formativo do trabalho<br />

<strong>de</strong>senvolvido [...]. Trabalho costurado, no mínimo, por expectativas,<br />

fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s, objetivos, conteúdos, ativida<strong>de</strong>s e estratégias<br />

metodológicas. É uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o professor se permitir<br />

passar da simples anotação do que foi observado, significativo,<br />

diferente e espontâneo, ocorrido durante as aulas, <strong>para</strong> uma<br />

reflexão escrita <strong>de</strong> todas essas ce<strong>na</strong>s que compõem a<br />

complexida<strong>de</strong> da docência, até alcançar uma produção escrita <strong>de</strong><br />

autoria própria, teorizada, dialogada com a prática e com a<br />

literatura. É uma opção <strong>para</strong> a autoformação em serviço.


8<br />

Embora o registro seja importante, constitui-se no estágio inicial da escrita, o<br />

qual po<strong>de</strong> ir se produzindo enquanto os professores estão em movimento, em sala <strong>de</strong><br />

aula, no momento do <strong>de</strong>senvolvimento da experiência pedagógica. A memória, por<br />

sua vez, é uma produção posterior ao registro, à observação, é uma produção mais<br />

teorizada, construída a partir do distanciamento epistemológico necessário <strong>na</strong><br />

elaboração do saber.<br />

Aliar registro escrito e memória po<strong>de</strong>m ser, <strong>de</strong>sse modo, alter<strong>na</strong>tivas<br />

metodológicas no processo <strong>de</strong> ressignificação da avaliação <strong>na</strong> Área <strong>de</strong> Práticas <strong>de</strong><br />

Ensino e Estágios. Ambos os instrumentos <strong>de</strong> sistematização da prática possibilitam<br />

olhar retrospectivamente <strong>para</strong> o que fizemos, <strong>para</strong> como fizemos, <strong>para</strong> o que <strong>de</strong>ixamos<br />

<strong>de</strong> fazer e também <strong>para</strong> o que ainda preten<strong>de</strong>mos fazer, <strong>na</strong> perspectiva <strong>de</strong> projetar<br />

novas ações, novas construções.<br />

Avaliar, <strong>na</strong> perspectiva <strong>de</strong> acompanhar sistematicamente o que cada sujeito está<br />

produzindo, construindo, pressupõe, como afirma Hoffmann (2002, p.71), “anotações<br />

significativas sobre o que se observa do aluno ao longo do processo”. Esse é um<br />

processo <strong>de</strong> diálogo com a nossa própria prática, com interesses dos estudantes, com<br />

expectativas, <strong>de</strong>sejos do grupo. Um processo que nos permite teorizar a ação, refletir<br />

sobre ela e a partir <strong>de</strong>la, buscando outras alter<strong>na</strong>tivas, outras estratégias <strong>de</strong> ação <strong>para</strong><br />

retor<strong>na</strong>r, organizadamente, ao contexto <strong>de</strong> atuação profissio<strong>na</strong>l, nele intervindo sempre<br />

que necessário.<br />

c) Teorização e replanejamento da ação<br />

Tendo a observação, o registro, a memória como princípios <strong>de</strong> trabalho, um outro<br />

aspecto <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância nessa prática <strong>de</strong> ressignificação, <strong>de</strong> qualificação, <strong>de</strong><br />

transformação do quefazer político-pedagógico encontra-se no processo <strong>de</strong> teorização<br />

e <strong>de</strong> replanejamento da ação.


9<br />

Nesse ponto <strong>de</strong> vista, entendo que teorizar, questio<strong>na</strong>r, investigar as<br />

manifestações, os saberes construídos e em <strong>de</strong>senvolvimento no contexto da prática<br />

pedagógica tor<strong>na</strong>-se indispensável. Assim, ao teorizarmos as nossas ações, passamos<br />

a compreendê-las melhor, i<strong>de</strong>ntificando condicio<strong>na</strong>mentos, implicações no contexto do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do aprendizado. Teorizar, então, “permite elevar os níveis <strong>de</strong><br />

compreensão, sem per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista o ponto <strong>de</strong> partida, mas complexificando-o cada vez<br />

mais” (BENINCÁ et al., 1998, p.135). Chizzotti (2002, p.109) contribui com a<br />

perspectiva do professor reflexivo, do professor que fundamenta, teoriza a sua própria<br />

prática, nos seguintes termos: “Um professor que reflita sobre sua ativida<strong>de</strong> é sempre<br />

um crítico <strong>na</strong>to <strong>de</strong> sua prática, mas po<strong>de</strong> a<strong>de</strong>nsar sua acuida<strong>de</strong> crítica com a recolha <strong>de</strong><br />

informações mais consistentes e alcançar maior fundamentação <strong>para</strong> reorientar sua<br />

ativida<strong>de</strong> docente”.<br />

Apesar <strong>de</strong> saber que a prática <strong>de</strong> trabalhar em grupo não é simples, se<br />

quisermos modificar, transformar nossas ações, é necessário elimi<strong>na</strong>r atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

ilhamento, <strong>de</strong> individualismo ainda muito presentes em escolas, em universida<strong>de</strong>s e em<br />

outros espaços socioeducacio<strong>na</strong>is. A prática <strong>de</strong> grupo mobiliza os sujeitos, provoca<br />

rupturas, mexe em concepções, tor<strong>na</strong> possível, em uma comunida<strong>de</strong> crítico-reflexiva,<br />

<strong>de</strong>svelar saberes, experiências, conhecer outros sujeitos, outras práticas. É por isso,<br />

que juntos, em grupo, po<strong>de</strong>remos alterar, <strong>ressignificar</strong> processos não só <strong>de</strong> avaliação,<br />

mas outros, mais amplos, processos político-educacio<strong>na</strong>is com uma direção <strong>de</strong> projeto<br />

<strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> mais justa, huma<strong>na</strong>, igualitária, frater<strong>na</strong>. Os sonhos, os <strong>de</strong>sejos, as<br />

utopias são possíveis quando nos tor<strong>na</strong>mos mais humanizados, mais gente<br />

apren<strong>de</strong>ndo a conviver com outras gentes. Se esses sonhos, no contexto da Área <strong>de</strong><br />

Práticas <strong>de</strong> Ensino e Estágios da UPF, ainda não se concretizaram, ao menos,<br />

po<strong>de</strong>mos continuar acreditando, continuar insistindo, continuar dialogando com outros<br />

sujeitos, com outros movimentos, com outros grupos que acreditam, assim como eu,<br />

em uma educação comprometida e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>para</strong> todos: uma educação que não<br />

silencia, mas liberta, estimula a emancipação, faz-se emancipatória; uma educação<br />

sempre a favor da vida, da esperança, da ética, da solidarieda<strong>de</strong>.<br />

Nesse processo <strong>de</strong> ressignificação que <strong>de</strong>fendo, todos os sujeitos se assumem<br />

como pesquisadores, como observadores <strong>de</strong> si mesmos <strong>na</strong>s relações estabelecidas


10<br />

com diferentes contextos e sujeitos. A prática pedagógico-social <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les é<br />

objeto permanente <strong>de</strong> investigação. Suas falas, suas expressões, suas ações, seus<br />

dizeres, seus fazeres também são objeto <strong>de</strong> constante avaliação, <strong>de</strong> auto-avaliação.<br />

Esse, sem dúvida, é também um movimento <strong>de</strong> formação, <strong>de</strong> autoformação, <strong>de</strong><br />

construção <strong>de</strong> consciências mais críticas, mais reflexivas, mais propositivas, ao<br />

consi<strong>de</strong>rar e partir sempre do cotidiano cultural no qual se produzem sentidos e<br />

significados <strong>para</strong> a prática pedagógica.<br />

Tal processo <strong>de</strong> formação, acredito, não po<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolver “por <strong>de</strong>creto”,<br />

não po<strong>de</strong> ser impositivo. Precisa ser construído a partir das necessida<strong>de</strong>s, dos <strong>de</strong>sejos<br />

dos sujeitos. A constituição <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> estudos, <strong>de</strong> equipes permanentes <strong>de</strong> trabalho<br />

po<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ssa forma, ser uma das alter<strong>na</strong>tivas <strong>para</strong> a ressignificação do saber e do<br />

processo <strong>de</strong> avaliação exclu<strong>de</strong>nte, meramente classificatório, impreg<strong>na</strong>do em boa parte<br />

<strong>de</strong> escolas e universida<strong>de</strong>s do Brasil. Esse processo também precisa levar em<br />

consi<strong>de</strong>ração o contexto concreto em que po<strong>de</strong>rá ser realizado. In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong><br />

ser no interior da escola, da sala <strong>de</strong> aula (ou fora <strong>de</strong>la), no interior dos <strong>cursos</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>licenciatura</strong>, um processo <strong>de</strong> ressignificação da avaliação exigirá <strong>de</strong> nós que pensemos<br />

juntos em como, concretamente, <strong>de</strong>senvolvê-lo, organizá-lo. Precisamos, pois,<br />

consi<strong>de</strong>rar também as peculiarida<strong>de</strong>s, as singularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada contexto.<br />

Entendo, assim, que o processo <strong>de</strong> teorização, <strong>de</strong> replanejamento sistemático<br />

da ação político-pedagógica aponta <strong>para</strong> perspectivas permanentes <strong>de</strong> imersão crítica<br />

em leituras, em interpretações das manifestações reveladas no cotidiano pedagógico. É<br />

preciso passar a ler, a compreen<strong>de</strong>r contradições, conflitos presentes no quefazer<br />

educacio<strong>na</strong>l.<br />

Embora tenha clareza da relevância do ensino como prática reflexiva, do<br />

professor como sujeito do processo <strong>de</strong> construção do conhecimento, do cotidiano como<br />

ponto <strong>de</strong> partida e <strong>de</strong> chegada dos saberes construídos, da reflexão, do registro, da<br />

memória, do processo <strong>de</strong> teorização e <strong>de</strong> replanejamento em grupo, não posso <strong>de</strong>ixar<br />

<strong>de</strong> indagar: “Que tipo <strong>de</strong> reflexão tem sido realizada pelos professores As reflexões<br />

incorporam um processo <strong>de</strong> consciência das implicações sociais, econômicas e<br />

políticas da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensi<strong>na</strong>r Que condições têm os professores <strong>para</strong> refletir”<br />

(PIMENTA, 2002, p.22).


11<br />

Como elemento fundamental nesse processo <strong>de</strong> busca da ressignificação da<br />

avaliação <strong>na</strong> Área <strong>de</strong> Práticas <strong>de</strong> Ensino e Estágios, partindo da observação da prática,<br />

da sua documentação (em forma <strong>de</strong> registro e <strong>de</strong> memória), da sua teorização, do seu<br />

replanejamento, está o diálogo problematizador, crítico. Para Paulo Freire (1987, p.<br />

127):<br />

O diálogo é uma espécie <strong>de</strong> postura necessária, <strong>na</strong> medida em<br />

que os seres humanos se encontram <strong>para</strong> refletir sobre sua<br />

realida<strong>de</strong> tal como a fazem e refazem. [...] Através do diálogo,<br />

refletindo juntos sobre o que sabemos e não sabemos, po<strong>de</strong>mos,<br />

a seguir, atuar criticamente <strong>para</strong> transformar a realida<strong>de</strong>.<br />

Essa característica dialógica, transformadora da avaliação também é apontada<br />

por Saul (2001), Hoffmann (2002; 2001; 1998), Luckesi (2000), Demo (1999; 1995) e<br />

Esteban (2001). Para esses autores, a prática <strong>de</strong> avaliação precisa consi<strong>de</strong>rar as<br />

diferentes vozes dos sujeitos <strong>na</strong> produção do saber, do contrário, tor<strong>na</strong>r-se-á impositiva,<br />

antidialógica, transformada em atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> opressão, <strong>de</strong> medo, <strong>de</strong> estag<strong>na</strong>ção do<br />

conhecimento.<br />

Entre as alter<strong>na</strong>tivas <strong>de</strong> avaliação processual, mediadora, Hoffmann (1998,<br />

1999) aponta o acompanhamento da construção da aprendizagem a partir da tarefa <strong>de</strong><br />

cada estagiário elaborar relatórios sema<strong>na</strong>is e individuais <strong>de</strong> estágio. Segundo ela, o<br />

principal objetivo dos relatórios é contribuir <strong>para</strong> que ela mesma, como coor<strong>de</strong><strong>na</strong>dora<br />

<strong>de</strong> estágio, possa constantemente acompanhar o agir e o pensar sobre o agir dos<br />

estagiários, posto as visitas realizadas às salas <strong>de</strong> aula serem episódicas e po<strong>de</strong>rem<br />

não apontar elementos importantes <strong>para</strong> auxiliar os estagiários nos aspectos teóricos e<br />

práticos. Desses relatórios, a autora retira indicadores <strong>para</strong> serem discutidos nos<br />

encontros com os estagiários e, com eles, construir outras alter<strong>na</strong>tivas <strong>para</strong> repensarem<br />

as práticas pedagógicas.<br />

Os relatórios sema<strong>na</strong>is e individuais <strong>de</strong> estágio, propostos por Hoffmann <strong>para</strong><br />

acompanhar a aprendizagem dos estagiários, aproximam-se das memórias a que me<br />

referi anteriormente. Das memórias, em grupos <strong>de</strong> estudo, também po<strong>de</strong>mos retirar os


12<br />

indicativos teórico-práticos <strong>para</strong> discutir com os estagiários, buscando sempre melhorar,<br />

otimizar o processo em <strong>de</strong>senvolvimento. Nesse sentido, acredito que é possível<br />

elaborar, vivenciar, garantir um processo <strong>de</strong> avaliação que possa <strong>ressignificar</strong>,<br />

permanentemente, as nossas práticas e, ao mesmo tempo, construir <strong>de</strong> forma críticosignificativa<br />

a aprendizagem.<br />

No contexto dos <strong>cursos</strong> <strong>de</strong> <strong>licenciatura</strong> da UPF, o memorial <strong>de</strong> estágio (incluindo<br />

aqui as <strong>na</strong>rrativas autobiográficas, as memórias <strong>de</strong> aula) e a ficha <strong>de</strong> observação<br />

constituem-se nos elementos <strong>de</strong> avaliação que <strong>de</strong>finimos, como grupo <strong>de</strong> trabalho, <strong>para</strong><br />

acompanhar o estágio junto aos graduandos-estagiários. O olhar que tenho feito sobre<br />

eles, nesse momento <strong>de</strong> investigação que me propus realizar, tem evi<strong>de</strong>nciado que<br />

seria necessário reorganizá-los, sem, necessariamente, excluí-los.<br />

Com os graduandos, por exemplo, po<strong>de</strong>mos assegurar o memorial <strong>de</strong> estágio<br />

(ou, como outros preferem, relatório <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> todo o estágio), consi<strong>de</strong>rando a<br />

seguinte seqüência das produções a ele pertencentes: a) <strong>na</strong>rrativa autobiográfica; b)<br />

problematização e contextualização do espaço <strong>de</strong> atuação profissio<strong>na</strong>l; c) produção<br />

sema<strong>na</strong>l <strong>de</strong> memórias individuais a partir <strong>de</strong> cada prática <strong>de</strong>senvolvida, tecendo<br />

reflexões sobre o processo <strong>de</strong> conhecimento <strong>de</strong>senvolvido com e pelos educandos.<br />

Com o grupo <strong>de</strong> professores-supervisores das diferentes <strong>licenciatura</strong>s, em vez<br />

<strong>de</strong> ape<strong>na</strong>s construirmos as fichas <strong>de</strong> observação, po<strong>de</strong>mos assumir a memória como<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> passar a refletir o nosso acompanhamento pedagógico e não<br />

simplesmente falar das problemáticas dos estagiários, dos problemas <strong>de</strong> pontuação, <strong>de</strong><br />

organização da aula, <strong>de</strong> planejamento incoerente, <strong>de</strong> prática <strong>de</strong>scontextualizada.<br />

Junto a esses sujeitos, certamente, é necessário constituir um trabalho<br />

organizado <strong>para</strong> que possamos ler as memórias e <strong>de</strong>las retirar elementos importantes<br />

<strong>para</strong> discutir, a<strong>na</strong>lisar, teorizar, <strong>ressignificar</strong> as práticas pedagógicas com os sujeitos<br />

envolvidos. Para isso, é necessário que realizemos sempre encontros entre<br />

coor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção da Área <strong>de</strong> Práticas <strong>de</strong> Ensino e Estágios com os supervisores <strong>de</strong>sses<br />

<strong>cursos</strong> e, por conseguinte, que cada equipe <strong>de</strong> supervisores dos <strong>cursos</strong> <strong>de</strong> <strong>licenciatura</strong><br />

realize também encontros entre eles próprios e com os estagiários. O trabalho com os<br />

estudantes-estagiários incluiria, além dos encontros sema<strong>na</strong>is já garantidos <strong>na</strong> carga


13<br />

horária das <strong>licenciatura</strong>s, encontros individuais entre professor-supervisor e estudanteestagiário.<br />

O trabalho, as <strong>de</strong>cisões, as construções em grupo, no meu ponto <strong>de</strong> vista, são<br />

aqueles que melhores resultados po<strong>de</strong>m apresentar. Desse modo, é importante, nesse<br />

processo <strong>de</strong> busca da ressignificação do processo <strong>de</strong> avaliação <strong>na</strong> Área <strong>de</strong> Práticas <strong>de</strong><br />

Ensino e Estágios, que todos possamos participar, através da organização <strong>de</strong> coletivos<br />

permanentes <strong>de</strong> trabalho, <strong>de</strong> estudo sistemático <strong>de</strong> fundamentação teórica, <strong>de</strong><br />

princípios metodológicos bem <strong>de</strong>finidos e vivenciados no cotidiano da prática. Para que<br />

a avaliação se constitua em processo mediador-emancipatório, este não <strong>de</strong>ve ser<br />

construído por <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> alguém, mas precisa ser fruto, resultado <strong>de</strong> discussões,<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>finições, <strong>de</strong> construções coletivas, a partir da realida<strong>de</strong> concreta dos<br />

<strong>cursos</strong>/entorno social <strong>na</strong> construção do conhecimento, garantindo espaços e tempos <strong>de</strong><br />

formação continuada junto aos professores-supervisores, estudantes-estagiários,<br />

coor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção, escolas-campo, sistemas público e privado <strong>de</strong> ensino, Área <strong>de</strong> Práticas<br />

<strong>de</strong> Ensino e Estágios, Área <strong>de</strong> Fundamentos Pedagógicos da Educação,<br />

Coor<strong>de</strong><strong>na</strong>doria das Licenciaturas, Vice-Reitoria <strong>de</strong> Graduação.<br />

O papel <strong>de</strong> coor<strong>de</strong><strong>na</strong>r, sem dúvida, não é o <strong>de</strong> impor as <strong>de</strong>cisões ao coletivo <strong>de</strong><br />

trabalho, mas mobilizar, suscitar a criação <strong>de</strong> condições, necessida<strong>de</strong>s no grupo, <strong>para</strong><br />

que possamos avançar nos estudos, <strong>na</strong>s fundamentações teóricas, <strong>na</strong>s construções<br />

coletivas, <strong>na</strong> ressignificação da prática. Hurtado (1993, p.82-85), discutindo o<br />

significado <strong>de</strong> coor<strong>de</strong><strong>na</strong>r, ratifica:<br />

Coor<strong>de</strong><strong>na</strong>r é conduzir o grupo <strong>na</strong> busca dos objetivos propostos;<br />

coor<strong>de</strong><strong>na</strong>r é saber animar e integrar o grupo; coor<strong>de</strong><strong>na</strong>r é saber<br />

<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar e propiciar a participação; coor<strong>de</strong><strong>na</strong>r é saber<br />

perguntar, saber o que perguntar e saber quando tem que<br />

perguntar; coor<strong>de</strong><strong>na</strong>r é saber opi<strong>na</strong>r e saber calar.<br />

Desejar que o nosso processo <strong>de</strong> avaliação mediador-emancipatório seja<br />

diferente da lógica <strong>de</strong> avaliação exclu<strong>de</strong>nte, silenciadora, classificatória significa


14<br />

(re)construir formas emancipatórias <strong>de</strong> avaliar em processo, consi<strong>de</strong>rando a totalida<strong>de</strong><br />

das relações pedagógicas e não fatos isolados. É preciso, <strong>para</strong> isso, envolver o maior<br />

número possível <strong>de</strong> sujeitos <strong>na</strong> construção e <strong>na</strong> <strong>de</strong>finição dos diversos instrumentos e<br />

critérios <strong>de</strong> avaliação das práticas <strong>de</strong> ensino, o que implicará, sem dúvida, maior<br />

comprometimento <strong>de</strong> todos. E ainda: é necessário repensar não ape<strong>na</strong>s os<br />

fundamentos, as teorias que tratam da avaliação, mas é preciso avançar <strong>na</strong> discussão<br />

sobre as teorias do conhecimento, uma vez que avaliação, conhecimento, aprendizado<br />

não po<strong>de</strong>m ser dicotomizados, dissociados. Hoffmann (2003, p.147) corrobora com<br />

essa assertiva ao expressar que “os fundamentos <strong>de</strong> uma ação avaliativa mediadora<br />

ultrapassam estudos sobre teorias <strong>de</strong> avaliação e exigem o aprofundamento em teorias<br />

<strong>de</strong> conhecimento bem como estudos referentes a áreas específicas <strong>de</strong> trabalho do<br />

professor”.<br />

Encarar a avaliação nessa lógica é um permanente <strong>de</strong>safio, exigindo <strong>de</strong> nós<br />

“ação coletiva e consensual, concepção investigativa e reflexiva, proposição <strong>de</strong><br />

conscientização das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais e culturais, postura cooperativa entre os<br />

elementos da ação educativa, privilégio à compreensão, consciência crítica e<br />

responsável <strong>de</strong> todos sobre o cotidiano” (HOFFMANN, 1998, p. 113).<br />

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