Janeiro 2010 com o trabalho público que exercem, e que dificulta, portanto, a consciência de classe capaz de pôr obstáculo à sanha da exploração do trabalho. O próprio Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) reconhece a dificuldade de conscientização desses trabalhadores quanto aos seus direitos e quanto às condições de trabalho às quais estão sujeitos. Quando um funcionário terceirizado começa a se conscientizar de seus direitos ou reclama de alguma situação, “os encarregados das empresas arrumam meios de puni-lo”, observa Aníbal Cavalli, diretor do Sintusp (Informativo <strong>Adusp</strong> 276). A situação de espoliação salarial se expressa na degradação do rendimento do trabalho dos trabalhadores públicos terceirizados. A convenção do Sindicato dos Trabalhadores de Empresas de Prestação de Serviços de Asseio e Conservação e Limpeza Urbana de SP (Siemaco) estipula que o piso salarial, para a função de auxiliar de serviços gerais (e correlatas) é de R$ 437,72 em 2008/2009 — menos do que o salário mínimo paulista, que está em R$ 450,00. Já o Sindicato das Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica, Serviços de Escolta e Cursos de Formação do Estado de São Paulo (Sesvesp) indica que para um vigilante em jornada de doze horas, sem gratificação de função, o salário é de R$ 836,62. O processo de terceirização amplia, no âmbito do setor público, a espoliação salarial, na medida em que não respeita o princípio da isonomia salarial, que determina que a trabalho 18 igual corresponde salário igual. Um auxiliar de serviços gerais contratado como celetista pela USP recebe R$ 1.067,00, salário superior ao dobro do que ganha um terceirizado. A precariedade extrema na atividade do trabalho expõe a condição de proletariedade do corpo de trabalhadores públicos terceirizados — estão imersos na aguda intermitência laboral e recebem rendimentos salariais degradados, às vezes, inferiores ao salário mínimo; além disso, estão submetidos ao despotismo de chefias autocráticas que “O sigilo oculta a situação de precariedade salarial extrema que atinge a parcela de trabalhadores públicos terceirizados da USP. Eles vivem a intermitência salarial aguda que impede qualquer identificação com o trabalho que exercem” exercem vigilância cotidiana, reprimindo qualquer manifestação de cidadania salarial. Além disso, vivem uma situação extrema de “invisibilidade social”, pois nem são notados pelos demais trabalhadores públicos do mundo do trabalho da USP. É curioso que esta situação de escravidão assalariada ocorra no espaço público da mais renomada instituição de ensino e pesquisa do Brasil. Além disso, os trabalhadores públicos terceirizados são cassados, pela Justiça do Trabalho, no direito de representação sindical legítima: uma sentença da Justiça do Trabalho proíbe o Sintusp Revista <strong>Adusp</strong> de atuar em favor dos terceirizados. O Siemaco recorreu ao princípio da unicidade sindical para mover e vencer uma ação contra o Sintusp: “Por qualquer ação que envolva o Sintusp em causa dos terceirizados, temos que pagar uma multa de 5 mil reais” (Aníbal Cavalli ao Informativo <strong>Adusp</strong> 276). Enfim, a ampliação da presença de trabalhadores terceirizados no setor público é a plena manifestação da corrosão do espaço público que caracteriza o capitalismo neoliberal. No plano da instituição pública, é expressão de sua privatização endógena, contribuindo tanto para a degradação dos serviços prestados quanto para a usurpação de direitos trabalhistas. No tocante ao trabalho vivo, é a exacerbação da alienação em sua forma extrema, fragmentando coletivos de trabalho pelo constrangimento de mercado. Mas a terceirização possui um conteúdo político: além de ser mera técnica de administração de recursos ou estratégia de redução de custos, é principalmente uma arma política da luta de classes que reestrutura coletivos do trabalho, criando as bases para novas formas de “dessubjetivação de classe”. Por isso, ela surge no bojo do binômio crise-reestruturação produtiva, sendo um dos elementos impulsionadores, em sua materialidade específica, da crise do sindicalismo de classe que, devido à sua estrutura organizativa verticalizada imposta pela legislação trabalhista (sob o amparo da Justiça do Trabalho), não consegue lidar a contento com a nova materialidade do capital constituída pelas novas estratégias de subcontratação ampliada.
Revista <strong>Adusp</strong> A R T I G O Janeiro 2010 Terceirização na Administração Pública é prática inconstitucional Jorge Luiz Souto Maior Juiz titular da 3 a Vara do Trabalho de Jundiaí. Professor da Faculdade de Direito da USP 19