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N.R.P. BARTOLOMEU DIAS - Marinha de Guerra Portuguesa

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PIRATARIA MARÍTIMA – UMA PERSPECTIVA ACTUAL<br />

Pirataria – um combate difícil<br />

“Na costa da Somália, o navio <strong>de</strong><br />

guerra actuou, evitando um<br />

ataque <strong>de</strong> piratas sobre um navio<br />

mercante, os presumíveis piratas ren<strong>de</strong>ram-se,<br />

foram <strong>de</strong>sarmados e, após i<strong>de</strong>ntificação,<br />

foram colocados em liberda<strong>de</strong>”.<br />

Esta e outras afirmações semelhantes têm<br />

sido lidas e ouvidas com muita frequência<br />

nos órgãos <strong>de</strong> comunicação social. À<br />

perplexida<strong>de</strong> provocada pelo crescimento<br />

do fenómeno da pirataria em pleno século<br />

XXI, juntam-se inúmeras interrogações sobre<br />

os factos e o seu enquadramento<br />

legal, e que aqui, <strong>de</strong> uma forma<br />

necessariamente sucinta, nos propomos<br />

abordar.<br />

Os longos 3025 Km da costa da<br />

Somália, on<strong>de</strong> se inclui o golfo <strong>de</strong><br />

Adém, uma das mais importantes<br />

rotas comerciais do mundo, têm<br />

sido patrulhados por cerca <strong>de</strong> 40<br />

navios <strong>de</strong> guerra pertencentes à<br />

União Europeia (Operação Atalanta),<br />

à NATO, a uma força internacional<br />

(CTF 151) li<strong>de</strong>rada pelos EUA<br />

e a diversos países como a Rússia,<br />

a Índia, a China, a Malásia e o Japão,<br />

entre outros. Portugal comanda<br />

a força NATO, da qual a fragata<br />

N.R.P. “Corte-Real” é o navio-chefe.<br />

Estes navios têm a sua actuação enquadrada,<br />

essencialmente, pelo Direito<br />

Internacional (DI), para além<br />

da legislação nacional. Com efeito,<br />

<strong>de</strong> acordo com a Convenção<br />

das Nações Unidas sobre o Direito<br />

do Mar (CNUDM), constitui pirataria<br />

todo o acto ilícito <strong>de</strong> violência<br />

ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção, ou todo o acto <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>predação (pilhagem) cometido,<br />

para fins privados, pela tripulação<br />

ou pelos passageiros <strong>de</strong> um navio,<br />

e dirigidos contra um navio em alto<br />

mar ou pessoas ou bens a bordo dos mesmos.<br />

Ainda conforme esta Convenção, o<br />

comandante do navio <strong>de</strong> guerra tem legitimida<strong>de</strong><br />

para actuar, quando na presença<br />

<strong>de</strong> um acto <strong>de</strong> pirataria, e existe um <strong>de</strong>ver<br />

<strong>de</strong> todos os Estados cooperarem na repressão<br />

<strong>de</strong>ste ilícito.<br />

Neste contexto, po<strong>de</strong> afirmar-se que o<br />

DI conce<strong>de</strong> aos Estados legitimida<strong>de</strong> para<br />

punir actos <strong>de</strong> pirataria, consi<strong>de</strong>rada uma<br />

ofensa hedionda. No entanto, a Convenção<br />

não os <strong>de</strong>clara criminosos, pelo que a<br />

competência permitida pelo DI tem <strong>de</strong> ser<br />

legislada internamente. Neste sentido, é<br />

necessário que o crime <strong>de</strong> pirataria esteja<br />

tipificado como tal na legislação penal nacional<br />

e que seja consi<strong>de</strong>rado <strong>de</strong> jurisdição<br />

universal, i.e. que permita julgar estes actos,<br />

on<strong>de</strong> quer que eles ocorram, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

<strong>de</strong> estar um cidadão nacional<br />

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ARQUITECTURA INDO-PORTUGUESA na região <strong>de</strong> Cochin e Kerala – Hel<strong>de</strong>r Carita<br />

envolvido como agente ou como vítima.<br />

Ora, em gran<strong>de</strong> parte dos países europeus,<br />

incluindo Portugal, o acto <strong>de</strong> pirataria não<br />

está tipificado como crime no or<strong>de</strong>namento<br />

jurídico interno, pelo que só po<strong>de</strong>mos<br />

punir se os actos praticados pelos piratas<br />

po<strong>de</strong>rem ser subsumidos a outros tipos <strong>de</strong><br />

crime: captura ou <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> navio, crime<br />

contra a segurança <strong>de</strong> transporte, homicídio,<br />

ofensas à integrida<strong>de</strong> física, roubo,<br />

rapto, entre outros. Neste caso, com a dificulda<strong>de</strong><br />

acrescida <strong>de</strong> nenhum dos crimes<br />

Representação <strong>de</strong> piratas “NOUTA QUE SÃO LADRÕES QUE ANDÃO<br />

ARROBAR PELO MAR”.<br />

Biblioteca Casanatense <strong>de</strong> Roma, Códice 1889, Fol. 36. Séc. XVI.<br />

ser <strong>de</strong> jurisdição universal, o que tem como<br />

consequência que só po<strong>de</strong>mos julgar se o<br />

ilícito se concretizar a bordo <strong>de</strong> um navio<br />

<strong>de</strong> pavilhão Português, ou se um cidadão<br />

Português for agente ou vítima do crime.<br />

Como referido, não estando em causa a<br />

legitimida<strong>de</strong> para actuar que <strong>de</strong>corre, não<br />

só da CNUDM, como da própria figura da<br />

legítima <strong>de</strong>fesa, que nos permite <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />

quando estamos na presença <strong>de</strong> uma<br />

agressão ilícita, em execução ou iminente,<br />

contra nós ou contra terceiro, há contudo<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar ferramentas jurídicas<br />

para que se possam julgar os piratas. As dificulda<strong>de</strong>s<br />

resultantes do escasso enquadramento<br />

penal <strong>de</strong>sta matéria reflectem-se no<br />

acto da <strong>de</strong>tenção do agente. Assim, se não<br />

estiver em causa um cidadão português ou<br />

factos praticados a bordo <strong>de</strong> um navio <strong>de</strong><br />

pavilhão português, a <strong>de</strong>tenção só se po<strong>de</strong>rá<br />

efectuar se: (1) For possível extraditar<br />

para um país que tenha legitimida<strong>de</strong> para<br />

julgar (caso tenha sido atacado um seu nacional<br />

ou um navio com o seu pavilhão);<br />

(2) Forem utilizados shipri<strong>de</strong>rs - transporte<br />

a bordo <strong>de</strong> uma equipa <strong>de</strong> polícia do Estado<br />

costeiro, que aborda e <strong>de</strong>tém os piratas,<br />

entregando-os ao seu país; (3) For celebrado<br />

um Acordo Internacional para entrega<br />

dos <strong>de</strong>tidos a um Estado que se disponibilize<br />

para os julgar (caso do Quénia com o<br />

Reino Unido, EUA e União Europeia – só<br />

para navios que integram a Operação<br />

Atalanta); (4) For criado um<br />

tribunal internacional ad hoc que<br />

julgue os agentes <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> crime.<br />

Sobra-nos ainda a hipótese <strong>de</strong>,<br />

após a actuação que evite a concretização<br />

do crime, a <strong>de</strong>tenção<br />

ser efectuada por um navio próximo,<br />

cujo país tenha jurisdição universal<br />

relativa ao crime <strong>de</strong> pirataria<br />

ou Acordo Internacional com um<br />

país da região.<br />

Por fim, resta mencionar duas<br />

questões significativas: a actuação<br />

dos navios <strong>de</strong> guerra no mar territorial<br />

(MT) da Somália e o uso da<br />

força. Como já foi referido, os actos<br />

<strong>de</strong> pirataria só ocorrem em alto mar,<br />

pelo que os actos similares, <strong>de</strong>signados<br />

por “assalto à mão armada<br />

contra navios”, praticados <strong>de</strong>ntro<br />

do MT <strong>de</strong> um Estado são da competência<br />

das autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sse Estado<br />

costeiro. No caso da Somália,<br />

com a concordância do seu Transitional<br />

Fe<strong>de</strong>ral Government, foram<br />

aprovadas quatro Resoluções do<br />

Conselho <strong>de</strong> Segurança das Nações<br />

Unidas (RCSNUs - 1816 (2JUN),<br />

1838 (7OUT), 1846 (2DEZ) e 1851<br />

(16DEZ), todas <strong>de</strong> 2008) que permitem<br />

a entrada no MT da Somália para<br />

reprimir este tipo <strong>de</strong> actos.<br />

No que diz respeito ao uso da força, esta<br />

<strong>de</strong>ve ser empregue em conformida<strong>de</strong> com<br />

o DI. Os princípios da necessida<strong>de</strong> e proporcionalida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>rados,<br />

tendo sempre em atenção que os meios<br />

usados terão <strong>de</strong> ser a<strong>de</strong>quados aos fins,<br />

empregando o método disponível menos<br />

lesivo, mas eficaz, evitando-se excessos<br />

durante a intervenção. Os militares têm directivas<br />

sobre a utilização da força (regras<br />

<strong>de</strong> empenhamento), enquadradas pelo DI<br />

e pelas RCSNUs, que lhes permitem tomar<br />

todas as medidas necessárias em conformida<strong>de</strong><br />

com o Direito Internacional Humanitário<br />

e com os Direitos Humanos.<br />

<br />

A. Neves Correia<br />

CFR<br />

Revista da Armada • JULHo 2009 23

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