25.12.2014 Views

Identidade-Diferença na contemporaneidade - História - imagem e ...

Identidade-Diferença na contemporaneidade - História - imagem e ...

Identidade-Diferença na contemporaneidade - História - imagem e ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

História, <strong>imagem</strong> e <strong>na</strong>rrativas<br />

N o 7, ano 3, setembro/outubro/2008 – ISSN 1808-9895 - http://www.historia<strong>imagem</strong>.com.br<br />

<strong>Identidade</strong>-Diferença <strong>na</strong> <strong>contemporaneidade</strong> – uma visão pós-moder<strong>na</strong><br />

Any Leal Ivo<br />

Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia -<br />

PPGAU<br />

anybivo@hotmail.com<br />

Fábio Velame<br />

Doutorando do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia -<br />

PPGAU<br />

Fabio.velame@hotmail.com<br />

Resumo: Tendo como referencia os autores o STUART HALL e ZYGMMUNT BAUMAN esse texto objetiva<br />

abordar a questão da identidade <strong>na</strong> atualidade, trançando os motivos que levam à relevância dessa temática nos<br />

discursos e produções contemporâneas. Ademais, busca demonstrar a transposição dessa temática – a questão da<br />

identidade ou, podemos dizer da diferença - ao campo do pensamento urbanístico e da cidade enquanto<br />

representações das relações huma<strong>na</strong>s. Para tanto, terá como suporte além das obras desses autores, outras<br />

perspectivas que auxiliam o enfrentamento dessa temática: Heidegger, Nietzsche, Deleuze, são alguns dos<br />

autores que nos permitem enfrentar o desafio de pensar a <strong>Identidade</strong>-diferença hoje. No campo urbanístico<br />

abordaremos os escritos de autores como Otilia Arantes, Rem Koolhaas, Jane Jacob entre outros.<br />

Palavras-chave: <strong>Identidade</strong>, Diferença, Urbanismo, Cidade, Modernidade e Pós modernidade.<br />

1


<strong>Identidade</strong>-Diferença <strong>na</strong> <strong>contemporaneidade</strong><br />

Tomando como base os livros “IDENTIDADE CULTURAL NA PÓS-<br />

MODERNIDADE’’ de STUART HALL e “IDENTIDADE” de ZYGMMUNT BAUMAN<br />

esse texto objetiva abordar, mesmo que de forma prévia, a questão da identidade <strong>na</strong><br />

atualidade. Busca também traçar as razões pelas quais essa temática vem tendo destaque nos<br />

discurso e <strong>na</strong> produção contemporânea. Para tanto, terá como suporte além das obras desses<br />

autores, outras perspectivas que auxiliam o enfrentamento dessa temática: Heidegger,<br />

Nietzsche, Deleuze, são alguns dos autores que nos permitem enfrentar o desafio de pensar a<br />

<strong>Identidade</strong>-diferença.<br />

Stuart Hall em seu livro “A <strong>Identidade</strong> Cultural <strong>na</strong> Pós-Modernidade’’ defende a<br />

tese central de que: “as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo<br />

social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o individuo<br />

moderno, até aqui visto como um sujeito unificado’’ (HALL, 2006, p.07). O autor delimita a<br />

chamada “crise de identidade’’ como parte integrante de um processo mais amplo de<br />

mudanças que esta deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades moder<strong>na</strong>s da<br />

era industrial fordista e abalando os quadros de referências que davam aos indivíduos uma<br />

ancoragem estável no mundo social.<br />

Na defesa de sua tese, Stuart Hall, estabelece como objetivo principal a tentativa<br />

de explorar algumas questões sobre a identidade cultural, circunscrita à identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>na</strong><br />

modernidade tardia ou pós-modernidade e avaliar se existe uma “’crise de identidade’’, em<br />

que ela consiste e em que sentido e direção esta indo.<br />

Para tanto o autor estabelece o argumento central de que as identidades moder<strong>na</strong>s<br />

estão sendo “descentradas’’, isto é, deslocadas ou fragmentadas pelo processo de<br />

globalização. Seu propósito é explorar essa afirmação, ver no que ela implica, qualificá-la e<br />

discutir quais podem ser suas prováveis conseqüências. Estabelece a problemática a partir da<br />

idéia de deslocamento, descentralização e fragmentação, a partir da segunda metade do<br />

século XX, em contraponto a um sujeito fixo e centrado da modernidade:<br />

Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades moder<strong>na</strong>s<br />

no fi<strong>na</strong>l do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe,<br />

gênero, sexualidade, etnia, raça e <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lidade, que, no passado, nos tinha<br />

fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão<br />

também mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós<br />

próprios como sujeitos integrados. Esta perda de um ‘’sentido de si’’ estável é<br />

chamada, algumas vezes, de deslocamento - descentração dos indivíduos tanto de<br />

seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos – constitui uma ‘’crise de<br />

identidade’’ para o indivíduo (HALL, 2006, p.09).


Todavia, o autor não problematiza filosoficamente os conceitos de diferença e<br />

identidade. Para Hall a diferença é ape<strong>na</strong>s uma pluralidade de identidades. Assim, a diferença<br />

é a identidade no plural: identidade(s). Essa interpretação do conceito traz problemas <strong>na</strong><br />

argumentação visto que Hall opera com questões de hibridismo, do outro, do diverso e do<br />

plural aonde a identidade contraditoriamente conduz ao igual, ao idêntico, ao uno forjado no<br />

homogêneo.<br />

O livro se organiza em duas grandes partes. A Primeira parte do livro, capítulos 1<br />

e 2, lidam com as mudanças históricas referentes às mudanças nos conceitos de identidade e<br />

de sujeito. A segunda parte do livro, os capítulos 3 a 6, o autor desenvolve o argumento<br />

central, do descentramento-fragmentação do sujeito moderno, com relação às identidades<br />

culturais, segundo Hall: ‘’aqueles aspectos de nossas identidades que surgem de nosso<br />

‘’pertencimento’’ a culturas étnicas, raciais, lingüísticas, religiosas e, acima de tudo,<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is’’ (Hall, 2006, p.).<br />

No primeiro e segundo capítulos o autor, com claras inspirações Foucaultia<strong>na</strong>s<br />

realiza uma arqueologia dos conceitos de identidade e de noções de sujeitos em três<br />

momentos: o sujeito do iluminismo; o sujeito sociológico; e o sujeito pós-moderno.<br />

O sujeito do iluminismo, segundo Hall, é o sujeito clássico da modernidade,<br />

aquele sujeito uno, centrado, indivisível, soberano, independente, individualista no sentido da<br />

autonomia. É o sujeito Cartesiano fundado <strong>na</strong> oposição entre um eu e a <strong>na</strong>tureza, sendo esse<br />

eu mental o portador de um núcleo, que possui uma essência que lhe atribui sua liberdade de<br />

ação centrada <strong>na</strong> Razão. É sempre o mesmo, idêntico e imutável conforme a posição de<br />

Locke.<br />

O sujeito sociológico, segundo Hall, corresponde ao primeiro deslocamento e<br />

descentramento do sujeito moderno cartesiano, onde a liberdade e autonomia das ações dos<br />

homens, regido pela razão, estariam limitadas e sempre em correlação com as estruturas<br />

existentes. Surgiu uma concepção mais social do sujeito, onde ele estaria mais inserido dentro<br />

dessas grandes estruturas constitutivas da sociedade moder<strong>na</strong>. Esse primeiro descentramento<br />

do sujeito surge em virtude da biologia darwinia<strong>na</strong> e <strong>na</strong> sociologia no fi<strong>na</strong>l do século XIX e<br />

ao longo da primeira metade do século XX. Todavia, a sociologia mantivera o dualismo de<br />

Descartes, <strong>na</strong> problematização sempre relacio<strong>na</strong>ndo a duas polarizações: o indivíduo (interior)<br />

e a sociedade (exterior).


O Sujeito do pós-modernismo 1 , segundo Hall, corresponde ao segundo<br />

deslocamento do sujeito moderno cartesiano, deslocando-o, descentrando-o e fragmentandoo.<br />

Esses descentramento e deslocamento se deram em virtude de cinco pontos e<br />

acontecimentos: as tradições do pensamento Marxista de Marx a Althusser; a ‘’descoberta’’<br />

do inconsciente coletivo por Freud e seu desenvolvimento em Lacan; a Linguística em<br />

Saussure; a relações entre saber/poder/ processos de subjetivação-individuação em Foucault; e<br />

os movimento dos anos de 1960 como as revoltas estudantis, os movimentos juvenis,<br />

contraculturais e antibeliscistas, as lutas pelos direitos civis, os movimentos de libertação do<br />

terceiro mundo, os movimentos pela paz, os ecologistas, a liberdade sexual, e principalmente<br />

o feminismo que teve um forte impacto <strong>na</strong>s estruturas sociais moder<strong>na</strong>s. Tendo como<br />

novidade <strong>na</strong> are<strong>na</strong> política o Jogo de <strong>Identidade</strong>s, o uso e o manejo das identidades conforme<br />

as circunstâncias dadas.<br />

O autor coloca a questão de como este ‘’sujeito fragmentado’’ é colocado em<br />

termos de suas identidades culturais. Sendo a identidade cultural particular com a qual o autor<br />

irá se debruçar é a identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Pois essa modalidade de identidade, segundo o autor,<br />

catalisa todas as demais (étnicas, religiosas, lingüísticas...). Hall questio<strong>na</strong> a idéia de que as<br />

identidades <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is tenham sido alguma vez tão unificadas ou homogêneas quanto fazem<br />

crer as representações que delas se fazem.<br />

1 David Havey em a ''Condição Pós-moder<strong>na</strong>'' defende que o pós-modernismo surgiu com a crise do capitalismo<br />

entre 1973 e 1975 e a subseqüente recessão de 1979 e 1981, oriundas da passagem do capitalismo fordista para o<br />

capitalismo de acumulação flexível informacio<strong>na</strong>l. O mundo moderno constituía um mundo estável e seguro,<br />

onde valores e padrões de comportamentos e estilos de vida estavam bem definidos assim como os papeis<br />

desempenhados pela tríplice aliança (estado-capital-trabalho). No pós-modernismo há a substituição da produção<br />

de massa por novas formas de gerenciamento, organização e flexibilidade de atividades, ‘’fim dos empregos’’,<br />

redefinição de fluxos, espaços produtivos e consumo, rompimento do contrato social entre o capital-trabalhoestado,<br />

desintegração das bases econômicas e desestabilização das instituições burocráticas do Estado-Nação-<br />

Democrático. Define ainda o pós-modernismo como seqüência de argumentos e conceitos edificados em virtude<br />

da compressão espaço-tempo, cuja busca de uma identidade produz uma diversidade de ofertas em todos os<br />

campos do convívio social. O pós-modernismo cria um espaço e tempo fútil, efêmero, superficial e cenográfico<br />

em lugar d o espaço seguro e estável moderno. O passado, a história, a tradição e a memória transformaram-se<br />

em meras mercadorias solidificadas em simulacros, e a <strong>imagem</strong> tornou-se estandarte da ''cultura'' pós-moder<strong>na</strong>.


A identidade cultural <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, para Hall, é um sistema de representação cultural,<br />

ou seja, um sistema simbólico, um conjunto de significados, um discurso, um modo de<br />

construir e operar sentidos que influenciam e organizam tanto nossas ações quanto a<br />

concepção que temos de nós mesmos em uma ‘’comunidade imagi<strong>na</strong>da’’ que visa à<br />

homogeneização e enquadramento sob o teto político do estado <strong>na</strong>ção.<br />

O estado <strong>na</strong>ção é uma comunidade simbólica imagi<strong>na</strong>da que visa a centralização,<br />

a homogeneização, a idéia do uno indivisível, imutável que se ergue enquanto representação<br />

<strong>na</strong> existência constante de cinco pilares: <strong>na</strong>rrativa da <strong>na</strong>ção; ênfase <strong>na</strong>s origens, <strong>na</strong><br />

continuidade, <strong>na</strong> tradição e <strong>na</strong> intemporalidade; <strong>na</strong> invenção da tradição; um mito<br />

fundacio<strong>na</strong>l; a idéia de um povo puro, origi<strong>na</strong>l.<br />

Hall salienta ainda que a unidade do estado <strong>na</strong>ção e sua perpetuação esta<br />

alimentada por três elementos: a posse em comum de um rico legado de memórias; o desejo<br />

de viver em conjunto; e a vontade de perpetuar, de uma forma indivisa, a herança que se<br />

recebe.<br />

O estado <strong>na</strong>ção possui como estratégia de administração e agenciamentos das<br />

diferenças tor<strong>na</strong>r a cultura <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e a esfera política congruentes, sempre no sentido de<br />

unificar e homogeneizar os seus diversos membros para representá-los todos como<br />

pertencendo à mesma e grande família <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />

A identidade cultural <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l também é um sistema de poder cultural tendo a<br />

homogeneização da pluralidade, multiplicidade e diferença como principio básico que<br />

possuem as seguintes características: as unificações culturais das <strong>na</strong>ções se deram por longos<br />

processos de conquistas violentas; as <strong>na</strong>ções, todavia, são sempre compostos de diferentes<br />

classes sociais e diferentes grupos étnicos e de gênero; as <strong>na</strong>ções ocidentais moder<strong>na</strong>s foram<br />

também os centros de impérios ou de esferas neo-imperiais de influência, exercendo uma<br />

hegemonia cultural sobre as culturas dos colonizados; dispositivo discursivo que representa a<br />

diferença como unidade ou identidade através da <strong>imagem</strong> de um ‘’único povo’’.<br />

Todavia, o autor não aborda a gênese no pensamento Ocidental das formas com<br />

que o estado no ocidente foi moldado de Platão a Hegel, como a representação apoiada no<br />

conceito de identidade foi desenvolvida ao longo dos séculos, atingindo a maturidade <strong>na</strong><br />

modernidade do século XIX, no sentido de tudo agenciar (conteúdos e forma de expressão),<br />

desterritorializando as diferenças, reterritorializando-as sob o julgo do uno, do homogêneo, do


indivisível. O projeto do estado <strong>na</strong>ção atinge uma configuração e potência homogeneizante<br />

em Hegel que estabelece que a sociedade é uma ‘’evolução’’ da família onde a família é a<br />

base, a célula, da sociedade de irmãos fraternos sob a liderança, chefia de um pai - um líder<br />

político. Isso está <strong>na</strong> base da formação dos estados <strong>na</strong>ções modernos, notadamente, do estado<br />

alemão com o slogan dos generais prussianos durante a unificação da Alemanha no século<br />

XIX, ‘’um sangue e uma terra’’, potencializada durante o Nacio<strong>na</strong>l-Socialismo do Terceiro<br />

Reich de Hitler: ‘’um único líder (Fuher), um único povo (wolk), um único espaço vital<br />

(Lebensraum).’’<br />

O autor aborda ainda o deslocamento das identidades <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is no fi<strong>na</strong>l do século<br />

XX, <strong>na</strong> pós-modernidade, argumentando que esse fenômeno se dá por um complexo de<br />

processos e forças de mudanças, que, por conveniência, pode ser sintetizado sob o termo<br />

‘’globalização’’. A globalização é entendida por Hall conforme McGrew (1992), como sendo:<br />

‘’aqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessam as fronteiras <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is,<br />

integrando e conectando comunidades e organizações em novas combi<strong>na</strong>ções de espaçotempo,<br />

tor<strong>na</strong>ndo o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado’’.<br />

Entretanto o argumento do autor colocando a globalização como o elemento único<br />

do deslocamento das identidades <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is é restrito, limitador em um único motivo em um<br />

processo extremamente complexo. Hall, nesse momento, deixa de lado as transformações<br />

sociais, culturais, artísticas que ocorreram a partir dos anos de 1960 e 1970.<br />

Também foram elementos de deslocamento, descentramento das identidades<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, além da globalização, os movimentos de defesa étnica e social, com os direitos<br />

civis, as lutas feministas, dos homossexuais e direitos da liberdade sexual, contracuturais,<br />

estudantis, pacifistas, ambientalistas, de libertação dos países africanos e asiáticos. O autor<br />

não articula, nesse momento, o fenômeno de globalização com esses acontecimentos <strong>na</strong><br />

esteira de 1968.<br />

Apesar do autor não problematiza de forma mais contundente a globalização<br />

numa perspectiva do aperfeiçoamento da técnica (produção, tecnologia, comunicação,<br />

informação...), dentro da transformação do próprio sistema capitalista da passagem de uma<br />

forma fordista e taylorista de produção e consumo <strong>na</strong> modernidade para uma produção e<br />

consumo flexível e perso<strong>na</strong>lizada <strong>na</strong> pós-modernidade, apresenta quatro conseqüências desse<br />

processo: as identidades <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is estão se desintegrando; as identidades <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e outras


identidades locais estão sendo reforçadas pela resistência a globalização; e as identidades<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is estão em declínio, mas novas identidades – hibridas estão tomando o seu lugar.<br />

Além disso, elenca três efeitos sobre as identidades: ao lado da tendência em<br />

direção a homogeneização global, há também uma fasci<strong>na</strong>ção com a diferença e com a<br />

mercantilização da etnia e da alteridade, nichos de mercado <strong>na</strong> diferenciação local; a<br />

globalização é muita desigualmente distribuída ao redor do globo, entre regiões e entre<br />

diferentes estratos da população constituindo uma geometria do poder; o que a globalização<br />

afeta, uma vez que a direção do fluxo é desequilibrada, e que continuam a existir relações<br />

desiguais de poder cultural entre o Ocidente e o ‘’resto’’ criando defensividades e resistências<br />

dos países ocidentais com formação de ‘’novas’’ identidades.<br />

Por fim, Hal trata do movimento contraditório entre tradição e tradução<br />

(transição), num quadro mais amplo e global, e perguntará o que isso nos diz sobre o modo<br />

como as identidades devem ser conceitualizadas. A tradição, segundo ele, apóia-se em dois<br />

pilares: o <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo (pureza étnica racial, ortodoxia), e no fundamentalismo religioso,<br />

ambos vinculados a noções e conceitos como identidade, puro, coesão, fechamento, uno. A<br />

tradução (transição) vincula-se a tudo que é hibrido diverso, mistura, transformação, e criação<br />

do novo, do inesperado e inusitado.<br />

Apesar de convergir e constatar a fragmentação do sujeito contemporâneo,<br />

Zygmunt Baumam apresenta uma abordagem distinta e complementar à de Hall. No livro<br />

“<strong>Identidade</strong>s” e de certa maneira, nos livros “Modernidade e ambivalência”, “Mal estar <strong>na</strong> pós<br />

modernidade” e “Modernidade Líquida” ele traz como eixo fundamental da sua produção a<br />

tese de que pela falência do Estado e das instituições referenciais ao sujeito, pelo processo de<br />

globalização, pelo neo-liberalismo e a conseqüente liberdade/insegurança do “mundo<br />

líquido”, os sujeitos encontram-se à deriva: desamparados, livres a novas escolhas e<br />

roupagens num mundo em constante transformação. Razões pelas quais a questão da<br />

identidade se coloca como uma questão aberta, sem podermos buscar nos pais e escritores da<br />

sociologia moder<strong>na</strong> as respostas ou modelos ou códigos ao enfrentamento desse tema.<br />

É nisso que nós, habitantes do líquido mundo moderno, somos diferentes.<br />

Buscamos, construímos e mantemos as referências comu<strong>na</strong>is de nossas identidades<br />

em movimento – lutando para nos juntarmos à grupos igualmente móveis e velozes<br />

que procuramos, construímos e tentamos manter juntos por um momento, mas não<br />

há muito tempo. (BAUMAN, 2005, p.26)


É sob essa perspectiva que ele irá abordar a questão da identidade. Associa a<br />

<strong>Identidade</strong> à idéia de pertencimento e, <strong>na</strong> medida em que a “metaidentidade” 2 , ou seja, a<br />

“identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l 3 ” construída e criada <strong>na</strong> modernidade fracassa juntamente com a<br />

soberania do Estado, os sujeitos passam a usufruir e vivenciar a “ambivalência da<br />

modernidade” num mundo líquido.<br />

A idéia de “identidade” <strong>na</strong>sceu da crise do pertencimento e do esforço que esta<br />

desencadeou no sentido de transpor a brecha entre o “deve” e o “é” e erguer a<br />

realidade ao nível dos padrões estabelecidos pela idéia - recriar a realidade à<br />

semelhança da idéia. (BAUMAN, 2005,p.26)<br />

Afirma ainda,<br />

A idéia de “identidade”, e particularmente de “identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”, não foi<br />

<strong>na</strong>turalmente gestada e incubada <strong>na</strong> experiência huma<strong>na</strong>, não emergiu dessa<br />

experiência como “fato da vida” auto-evidente. Essa idéia foi forjada a entrar <strong>na</strong><br />

Lebenswelt de homens e mulheres modernos – e chegou como uma ficção.<br />

(BAUMAN, 2005, p.26)<br />

Assim, com o enfraquecimento e transmutação do papel do Estado hoje a<br />

“fragilidade e a condição eter<strong>na</strong>mente provisória da identidade não podem mais ser<br />

ocultadas” 4 . Então o sujeito se apresenta fragmentado, inseguro e “desnorteado” e num<br />

estado de não pertencimento ou possibilidade de pertencimento a infinitas identidades.<br />

Pode-se reclamar de todos esses desconfortos e, em desespero, buscar a redenção, ou<br />

pelo menos o descanso, num sonho de pertencimento. Mas também se pode fazer<br />

desse fato de não ter escolha uma vocação, uma missão, um destino conscientemente<br />

escolhido – ainda mais pelos benefícios que tal decisão pode trazer para os que a<br />

tomam e a levam a cabo, e pelos prováveis benefícios que estes podem então<br />

oferecer a outras pessoas. (BAUMAN, 2005, p.20)<br />

Segundo Bauman, como resultado à falência da “metaidentidade” há o surgimento<br />

de movimentos comunitários-culturais identitários: “(o Estado) declarando neutralidade em<br />

relação às opções culturais e se eximindo do caráter cada vez mais “multicultural” da<br />

sociedade que administra, não surpreende que visões ditas “culturais” da identidade estejam<br />

voltando à moda entre os grupos que buscam abrigos estáveis e seguros em meio às marés de<br />

2 Ver: BAUMAN, 2005, p.42<br />

3 Faz-se relevante esclarecer que Hobsbawn apresenta fundamentalmente dois caminhos ao entendimento da<br />

idéia de <strong>Identidade</strong> Nacio<strong>na</strong>l: a primeira, que é a usada por Bauman como base à idéia da “metaidentidade”,<br />

associa o Estado-Nação à <strong>Identidade</strong> e assim o território e o lugar de <strong>na</strong>scimento são determi<strong>na</strong>ntes; numa<br />

segunda perspectiva, a idéia de <strong>na</strong>ção está intimamente ligada à idéia de povo e cultura – Bauman, de certa<br />

forma também faz referencia a essa perspectiva, <strong>na</strong> medida em que trata o surgimento de sentimentos de<br />

Nacio<strong>na</strong>lidade adormecidos – para ele são construções da idéia de comunidade em substituição ou possibilidade<br />

de enfrentamento à <strong>Identidade</strong> Nacio<strong>na</strong>l hierarquicamente domi<strong>na</strong>nte e abrangente.<br />

4 Ver:BAUMAN, 2005, p.23


mudança incerta.” 5 No entanto o autor alerta que, as associações comunitárias também são<br />

associações ambíguas, pois ao mesmo tempo que são escolhas podem ser prisões frente a<br />

liberdade e efemeridade do mundo contemporâneo.<br />

As “<strong>Identidade</strong>s” flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas outras<br />

infladas e lançadas pelas pessoas em nossa volta, e é preciso estar em alerta constate<br />

para defender as primeiras em relação às ultimas. (BAUMAN, 2005, p.19)<br />

Apesar de trazer a idéia da fragmentação do sujeito, a sua abordagem enfatiza as<br />

dinâmicas contextuais dessa fragmentação e do “mundo líquido”. Traz à ce<strong>na</strong> também a<br />

falência do coletivo, do espaço público e a primazia do indivíduo livre as escolhas e a sua<br />

própria sorte – a sociedade dos indivíduos 6 como impulsio<strong>na</strong>dores à relevância da temática da<br />

<strong>Identidade</strong> atualmente:<br />

Em nosso mundo de “individualização” em excesso, as identidades são bênção<br />

ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como dizer quando um se<br />

transforma no outro. Na maior parte do tempo, essas duas modalidades líquidomoder<strong>na</strong>s<br />

de identidades coabitam, mesmo que localizadas em níveis diferentes de<br />

consciência. Num ambiente de vida líquido-moderno, as identidades talvez sejam as<br />

encar<strong>na</strong>ções mais comuns, mais aguçadas, mais profundamente sentidas e<br />

perturbadoras da ambivalência. É por isso, diria eu, que estão firmemente assentadas<br />

no próprio cerne da questão da atenção dos indivíduos líquido-modernos e colocadas<br />

no topo de seus debates existenciais. (BAUMAN, 2005, p.38)<br />

No processo de globalização, entendida por esse autor como a incapacidade do<br />

Estado em manter a união e solidez da <strong>na</strong>ção - quando “flertes extraconjugais” são<br />

incentivados pela lógica do “mundo livre” (livre transito e fluxo das fi<strong>na</strong>nças inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is) -<br />

até o patriotismo é apropriado pela lógica e agentes do mercado. Nesse ponto, fica clara a<br />

preocupação do autor à espetacularização 7 da identidade.<br />

Até mesmo o patriotismo, ativo mais zelosamente preservado pelos Estados-<strong>na</strong>ções<br />

modernos, foi transferido às forças do mercado e por elas remodelados para<br />

aumentar o lucro dos promotores do esporte, do show businesss, de festividades<br />

comemorativas e da memorabilia. (BAUMAN, 2005,p.34)<br />

Dessa forma, o “mercado” e o consumo surgem como os novos parâmetros e<br />

norteadores da <strong>contemporaneidade</strong>. “Se nossos ancestrais eram moldados e trei<strong>na</strong>dos por<br />

suas sociedades como, acima de tudo, produtores, somos cada vez mais moldados e trei<strong>na</strong>dos<br />

como, acima de tudo, consumidores, todo o resto vindo depois” 8 .<br />

5 Idem: p.68<br />

6 Ver: BAUMAN, 2005,p.39.<br />

7 Ver: DEBORD, 2005 (1968)<br />

8 Ver: BAUMAN, 2005,p.72


Essa moldagem do individuo a partir da construção de sua ‘’identidade’’ constitui<br />

uma dos mecanismos de domi<strong>na</strong>ção, subjetivação e individuação da Sociedade do Controle 9<br />

como proposto por Deleuze:<br />

Os confi<strong>na</strong>mentos são moldes, distintas moldagens, mas os controles são uma<br />

modulação, como uma moldagem auto-deformante que mudasse continuamente, a<br />

cada instante, ou como uma peneira cujas malhas mudassem de um ponto a outro<br />

[...]Nas sociedades de controle, ao contrário, o essencial não é mais uma assi<strong>na</strong>tura e<br />

nem um número, mas uma cifra: a cifra é uma senha, ao passo que as sociedades<br />

discipli<strong>na</strong>res são reguladas por palavras de ordem (tanto do ponto de vista da<br />

integração quanto da resistência). A linguagem numérica do controle é feita de<br />

cifras, que marcam o acesso à informação, ou a rejeição. Não se está mais diante do<br />

par massa-indivíduo. Os indivíduos tor<strong>na</strong>ram-se "dividuais", divisíveis, e as massas<br />

tor<strong>na</strong>ram-se amostras, dados, mercados ou "bancos". É o dinheiro que talvez melhor<br />

exprima a distinção entre as duas sociedades, visto que a discipli<strong>na</strong> sempre se referiu<br />

a moedas cunhadas em ouro - que servia de medida padrão -, ao passo que o<br />

controle remete a trocas flutuantes, modulações que fazem intervir como cifra uma<br />

percentagem de diferentes amostras de moeda. (DELEUZE, 1992, p. 219-226).<br />

Deleuze afirma ainda,<br />

O marketing é agora o instrumento de controle social, e forma a raça impudente dos<br />

nossos senhores. O controle é de curto prazo e de rotação rápida, mas também<br />

contínuo e ilimitado, ao passo que a discipli<strong>na</strong> era de longa duração, infinita e<br />

descontínua. O homem não é mais o homem confi<strong>na</strong>do, mas o homem endividado.<br />

(DELEUZE, 1992, p. 219-226).<br />

Segundo essa lógica, para Baumam, a identidade então é também mais uma<br />

mercadoria – principalmente em “terras de colono” onde o imigrante não encontrou qualquer<br />

padrão identitário vigente e imposto:<br />

Quase todos os materiais têm sido experimentados, e o que não foi tentado acabará<br />

sendo – e o mercado de consumo se rejubila, enchendo galpões e prateleiras com<br />

novos símbolos de identidade, origi<strong>na</strong>is e tentadores, já que não foram aprovados<br />

nem testados. Há também um outro fenômeno a observar: a expectativa de vida cada<br />

vez menor da maioria das identidades simuladas, conjugadas à crescente velocidade<br />

da renovação de seus estoques. (BAUMAN, 2005,p.88)<br />

Mas, ao apresentar a dimensão do mercado como uma possibilidade e incentivo à<br />

liberdade de escolha de identidade, à sua troca e transformação constante – como mais um<br />

produto da moda - apresenta também outro perspectiva: os sentimentos de insegurança e<br />

incerteza gerados por essa liberdade e mais uma vez, é possível relacio<strong>na</strong>rmos à idéia de<br />

pertencimento origi<strong>na</strong>lmente apresentada pelo autor.<br />

Você assume uma identidade num momento, mas muitas outras ainda não testadas<br />

estão <strong>na</strong> esqui<strong>na</strong> esperando que você escolha. Muitas outras identidades são<br />

9 Deleuze trata a Sociedade do Controle em substituição a Sociedade Discipli<strong>na</strong>dora:´´...as sociedades de<br />

controle que estão substituindo as sociedades discipli<strong>na</strong>res. "Controle" é o nome que Burroughs propõe para<br />

desig<strong>na</strong>r o novo monstro, e que Foucault reconhece como nosso futuro próximo. Paul Virillo também a<strong>na</strong>lisa<br />

sem parar as formas ultra-rápidas de controle ao ar livre, que substituem as antigas discipli<strong>na</strong>s que operavam <strong>na</strong><br />

duração de um sistema fechado...´´ (DELEUZE, 1992, p.219-226),


sonhadas ainda estão por ser inventadas e cobiçadas durante sua vida. Você nunca<br />

saberá ao certo se a identidade que agora exibe é a melhor que pode obter e que<br />

provavelmente lhe trará maior satisfação. (BAUMAN, 2005,p.26)<br />

Nesse cenário, o(s) sujeito(s) quer seja pela sensação de insegurança, pela busca<br />

de liberdade ou por interesses privados momentâneos transitam e permitem-se mudar,<br />

experimentar, criar e até “explorar” identidades distintas em função de contextos e interesses<br />

particulares. Nesse ponto podemos entender que os “jogos identitários” já que: “A identidade<br />

é uma luta simultânea contra a dissolução e fragmentação; uma intenção de devorar e ao<br />

mesmo tempo uma recusa resoluta a ser devorado...” 10 Assim, pode ser vista como estratégias<br />

nos jogos de forças entre os distintos agentes: quer como possibilidade de domi<strong>na</strong>ção e<br />

imposição, quer seja como meio de “fortalecimento” e enfretamento as forças domi<strong>na</strong>ntes ou<br />

ainda no alcance de objetivos e vantagens pessoais.<br />

No entanto, segundo esse autor, existe uma relação direta entre o poder de escolha<br />

de identidades ou de construções identitárias e o lugar que ocupamos <strong>na</strong> sociedade. Nesse<br />

sentido trata especificamente das subclasses e os despossuídos como os “lugares” destituídos<br />

da possibilidade de escolha e construções identitárias reconhecidas. Dessa forma a identidade<br />

“subclasse” ou a sua não identidade prevalece e impõem-se sobre todos os despossuídos – os<br />

despossuídos de identidades próprias.<br />

Num dos pólos da hierarquia global emergente estão aqueles que constituem e<br />

desarticulam as suas identidades mais ou menos a própria vontade, escolhendo-as no<br />

leque de ofertas extraordi<strong>na</strong>riamente amplos, de abrangência planetária. No outro<br />

pólo se abarrotam aqueles que tiveram negado o acesso à escolha da identidade, que<br />

não têm o direito de manifestar as suas preferências e que no fi<strong>na</strong>l se vêem<br />

oprimidos por identidades aplicadas e impostas por outros – identidades que eles<br />

próprios se ressentem, mas não têm permissão de abando<strong>na</strong>r nem das quais<br />

conseguem se livrar. <strong>Identidade</strong>s que estereotipam, humilham, desumanizam,<br />

estigmatizam. (BAUMAN, 2005,p.44)<br />

Toda a argumentação traçada pelos seus escritos não traz grandes incursões pelo<br />

tema da diferença. A idéia da diferença ocorre brevemente ao discutir as práticas “violentas”<br />

entre as diversas identidades destituídas do manto unificador <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Assim a diferença<br />

surge como impulsio<strong>na</strong>dora de ações violentas que visam o estabelecimento da ordem. “As<br />

vítimas em potencial não são temidas e odiadas por serem diferentes – mas porque não são<br />

suficientemente diferentes, misturando-se facilmente <strong>na</strong> multidão. A violência é necessária<br />

para torná-las espetacularmente, inequivocadamente, gritantemente diferentes.” 11<br />

10 Ver: BAUMAN, 2005, p84.<br />

11 Ver: BAUMAN, 2005, p.64-65


È relevante notar que os dois autores tratados, apesar de convergirem em diversos<br />

pontos e tomarem rumos distintos, se completam ao apresentarem ópticas diferentes sobre o<br />

exercício de pensar a <strong>Identidade</strong> no tempo atual. Se por um lado Hall debruça-se sobre a<br />

dimensão cultural e do sujeito, Bauman explora as dinâmicas estruturais, os cenários e<br />

contextos do mundo contemporâneo como base ao entendimento das mudanças e relevância<br />

da questão identitária (enfatiza duas dimensões do atual mundo líquido: a insegurança e<br />

transitoriedade vivida pelos indivíduos e o papel do mercado neo-liberal, o processo de<br />

globalização e encolhimento do Estado e espaço público e a conseqüente mercantilização da<br />

identidade).<br />

È inegável a convergência dos pensamentos apresentados no que diz respeito à<br />

fragmentação do sujeito e a falência das instituições referenciais a construção identitária <strong>na</strong><br />

modernidade, como fundamentos à crise de identidade, ou melhor, às novas perspectivas<br />

sobre a “identidade”(s) contemporânea.<br />

Em um breve relato, Bauman associa à idéia de identidade à questão “quem é<br />

você” facilmente respondida no século XIX e dificilmente respondida nos dias atuais. Assim,<br />

podemos ter como ponto de partida que pensar identidade nos dias atuais seja pensar em<br />

infinitos jogos identitários travados por indivíduos coletivamente. No entanto essa sugestão<br />

não dá conta da temática proposta pelo trabalho.<br />

Nesse sentido, também merece destaque o fato de que a idéia da diferença não é<br />

tratada ou trazida ao primeiro plano por esses escritores. Esse talvez seja o ponto fundamental<br />

ao entendimento da <strong>Identidade</strong> <strong>na</strong> <strong>contemporaneidade</strong>. Uma vez que ao travar jogos<br />

identitários, trava-se a afirmação das diferenças, a legitimação de ser diferente e assim a<br />

possibilidade de escolhas e mudanças, falar em identidade nos dias atuais é falar em<br />

diferenças. E então, poderíamos sugerir que hoje a questão da identidade constitui-se em<br />

pensar nos infinitos jogos identitários-diferenciais travados por indivíduos coletivamente e<br />

reflexo dos jogos de forças dos diversos agentes no tempo, ou ainda, podemos falar em<br />

identidades-diferenciais transitórias.<br />

O conceito de <strong>Identidade</strong> transformou-se no tempo e é claro ver as transmutações<br />

que assistimos hoje. Origi<strong>na</strong>lmente foi concebido como o que há de idêntico – no sentido de<br />

único - ainda que percebido, concebido ou nomeado de formas distintas; ou como<br />

característica de um indivíduo que se diz idêntico, no sentido de “o mesmo”, nos diferentes


momentos de sua vida; ou característica de dois ou mais objetos distintos no tempo e no<br />

espaço que apresentam as mesmas qualidades - e nesse ponto vale acrescentarmos<br />

“momentaneamente”. Assim o conceito de identidade está ligado ao de idêntico, sendo válido<br />

esclarecer que:<br />

O idêntico não se define pela negação da diferença assim como a diferença não se<br />

define pela negação do idêntico; há ai dois conceitos que se implicam e que são a<br />

definição fundamental do pensamento. Contudo, deve-se notar que o idêntico é<br />

privilegiado em relação à diferença: a diferença pura é impensável. (L. Boisse)<br />

Talvez se devesse dizer o mesmo da identidade pura (...) (LALANDE, 1999, p.505)<br />

Quanto a terminologia “identificação”: diz respeito ao ato de identificar, ou seja,<br />

de reconhecer algo como idêntico; ou ainda, ato de se tor<strong>na</strong>r idêntico. Nesse caso poderíamos<br />

reconhecer a ação do sujeito tanto em atribuir identidades, como em auto identificar-se. Nesse<br />

sentido, ainda, podemos dizer que identificar, assim como o termo identidade, pode ser<br />

entendido como o ato de reconhecer diferenças ou o ato de auto diferenciar-se. Dessa forma,<br />

enfrentar a questão da identidade hoje e sempre é defrontar-se a questão da diferençaidentidade<br />

ou identidade-diferença.<br />

Entendendo a relação entre “identidade” e “diferença”, enfrentar a questão da<br />

identidade hoje é enfrentar a questão da diferença. A Diferença foi problematizada no século<br />

XX por dois filósofos apoiados em Nietzsche, com resultados distintos. Em o ‘’Que é a<br />

Metafísica’’, ‘’Ensaios e Conferências’’ e, principalmente, ‘’Que é isto – A Filosofia<br />

<strong>Identidade</strong> e Diferença’’, Heidegger luta contra o positivismo, o historicismo e<br />

principalmente a metafísica, seu esforço é levar a cabo o que Nietzsche havia começado no<br />

século XIX, superar a metafísica. Todavia Heidegger limita o conceito de Diferença contra o<br />

de <strong>Identidade</strong> (primado da metafísica) o cristalizado <strong>na</strong> relação entre o Ser e o Ente. A<br />

‘’Diferença Ontológia’’ de Heidegger não implica numa multiplicidade, mas uma<br />

singularidade no porvir, uma univocidade do ser, onde a diferença não se deixa subordi<strong>na</strong>r ao<br />

idêntico ou ao igual, mas deve ser pensado no mesmo e como o mesmo, apoiado no ‘’Eterno<br />

Retorno do Mesmo’’ de Nietzsche:<br />

O mesmo e o igual não se recobrem, tanto quanto o mesmo e a uniformidade vazia<br />

do puro idêntico. O igual sempre se liga ao sem-diferença, a fim de que tudo se<br />

ajuste nele. O mesmo, ao contrário, é o pertencimento mútuo do diferente a partir da<br />

reunião operada pela diferença. Só se pode dizer o mesmo quando a diferença é<br />

pensada[...] O mesmo descarta todo desvelo em resolver as diferenças no igual:<br />

sempre igualar e <strong>na</strong>da mais. O mesmo reúne o diferente numa união origi<strong>na</strong>l. O<br />

igual, ao contrário, dispersa <strong>na</strong> unidade insípida do uno simplesmente uniforme<br />

(HEIDEGGER, 2206, p. 231).<br />

Posteriormente Deleuze esclarece os maus entendidos sobre a ‘’Diferença<br />

Ontológica’’ de Heidegger e seus desdobramentos <strong>na</strong> luta em superar a metafísica:


[...] o NÃO heideggeriano remetia, não ao negativo no ser, mas ao ser como<br />

diferença; e não a negação, mas a questão [...] As teses de Heidegger podem ser<br />

assim resumidas: 1ª., o não não exprime o negativo, mas a diferença entre o ser e o<br />

ente [...]; 2ª., esta diferença não é ‘’entre...’’, no sentido ordinário da palavra. Ela é a<br />

dobra. Ela é constitutiva do ser e da maneira pela qual o ser constitui o ente no duplo<br />

movimento da ‘’clareira’’ e do ‘’velamento’’. O ser é verdadeiramente o<br />

diferenciador da diferença. Daí a expressão; diferença ontológica [...] a diferença<br />

ontológica está em correspondência com a questão. Ela é o ser da questão que se<br />

desenvolve em problemas, balizando campos determi<strong>na</strong>dos em relação ao ente [...],<br />

assim compreendida, a diferença não é objeto de representação. A representação,<br />

como elemento da metafísica, subordi<strong>na</strong> a diferença à identidade, relacio<strong>na</strong>ndo-a a<br />

um tertium como centro de uma comparação entre dois termos julgados diferentes (o<br />

ser e o ente) [...] Não há síntese, mediação nem reconciliação <strong>na</strong> diferença, mas, ao<br />

contrário, uma obsti<strong>na</strong>ção <strong>na</strong> diferenciação. É esta a ‘’virada’’, para além da<br />

metafísica [...], portanto, a diferença não se deixa subordi<strong>na</strong>r ao Idêntico ou ao Igual,<br />

mas deve ser pensada no Mesmo e como o Mesmo (DELEUZE, 2006, p.104).<br />

Entretanto Deleuze questio<strong>na</strong> a posição Heideggeria<strong>na</strong> de pensar a diferença<br />

origi<strong>na</strong>l como sendo a oposição entre o Mesmo (Diferença) e o Idêntico (<strong>Identidade</strong>), não<br />

conseguindo operar a conversão pela qual o ser unívoco só deve dizer-se da diferença girando<br />

em torno do ente em devires outros.<br />

Deleuze também apoiado no ‘’Eterno Retorno do Mesmo’’ de Nietzsche, em seu<br />

livro i<strong>na</strong>ugural ‘’Repetição e Diferença’’ constrói uma crítica profunda ao mundo da<br />

Representação apoiado <strong>na</strong> relação Repetição-Diferença 12 . Deleuze amplia o mundo da<br />

representação, lhe dando um estatuto mais amplo, indo muito além da critica a identidade da<br />

metafísica empreendida por Heidegger. Deleuze define o mundo da representação, construída<br />

por Platão, Aristóteles, Descartes, Kant e Hegel, como sendo: ‘’a relação entre o conceito e<br />

seu objeto, tal como se encontra efetuada nesta memória e nesta consciência de<br />

si’’(DELEUZE, 2006, p. 33). Deleuze constrói o quadro referenciado da representação em<br />

seus quatro aspectos, seus postulados:<br />

‘’a identidade <strong>na</strong> forma do conceito indetermi<strong>na</strong>do, a a<strong>na</strong>logia <strong>na</strong> relação entre<br />

conceitos determináveis últimos, a oposição <strong>na</strong> relação das determi<strong>na</strong>ções no<br />

interior do conceito, a semelhança no objeto determi<strong>na</strong>do do próprio conceito’’.<br />

(DELEUZE, 2006, p.57).<br />

Portanto os quatro postulados do mundo da representação deleuziano são:<br />

<strong>Identidade</strong> do Conceito; A<strong>na</strong>logia do Juízo; Semelhança do Percebido; Oposição dos<br />

Predicados.<br />

12 Hall coloca o mundo da representação como sendo ape<strong>na</strong>s vinculada a <strong>Identidade</strong> homogenizando as<br />

multiplicidades, enquanto Bauman, ao falar em metaidentidade sugere uma hierarquia identitária que de certa<br />

forma anula a questão da diferença.


A identidade do conceito de base Aristotélica afirma que A=A, ou seja, uma<br />

correspondência direta entre o objeto e o conceito, elimi<strong>na</strong>ndo a multiplicidades e<br />

singularidades, criando o reino do igual, do idêntico, do homogêneo.<br />

A a<strong>na</strong>logia do juízo constitui o mundo do senso comum e seu sentido primeiro, a<br />

a<strong>na</strong>logia do juízo deixa subsistir a identidade de um conceito. A a<strong>na</strong>logia é o análogo da<br />

identidade do juízo. A a<strong>na</strong>logia é o sentido do juízo. A a<strong>na</strong>logia do juízo corresponde a<br />

criação dos modelos e das categorias que possuem duas funções básicas: ‘’a distribuição que<br />

ele assegura com a partilha do conceito, e a hierarquização, que ele assegura pela medida dos<br />

sujeitos’’ (DELEUZE, 2006, p.63). As categorias são a medida, o valor de juízo. Nesse<br />

propósito as categorias tomam o juízo como modelo.<br />

A semelhança do percebido é a comparação dada por uma percepção imediata de<br />

elementos distintos que deixa, também, subsistir a identidade do conceito dada a partir de uma<br />

primeira impressão, o chamado ‘’bom senso’’, ou seja, o sentido primeiro.<br />

A oposição dos predicados constitui a elimi<strong>na</strong>ção da multiplicidade a partir das<br />

polarizações oriundas do pensamento dialético de Hegel. A o enquadramento da<br />

complexidade e da multiplicidade do mundo em pólos contraditórios, opostos, dicotômicos,<br />

que também deixa subsistir a identidade.<br />

Deleuze desconstrói o mundo da representação ao afirmar a repetição <strong>na</strong><br />

diferença, <strong>na</strong> univocidade da diferença:<br />

‘’A abertura pertence essencialmente a univocidade. As distribuições sedentárias da<br />

a<strong>na</strong>logia opõem-se as distribuições nômades ou as a<strong>na</strong>rquias coroadas no unívoco.<br />

Somente aí ressoam ‘’Tudo é igual!’’ e ‘’Tudo retor<strong>na</strong>’’ Mas o Tudo é igual e o<br />

Tudo retor<strong>na</strong> só podem ser ditos onde a extrema ponta da diferença é atingida. Uma<br />

mesma voz para todo o múltiplo de mil vias, um mesmo Oceano para todas as<br />

gotas, um só clamor do Ser para todos os entes. Mas à condição de ter atingindo,<br />

para cada ente, para cada gota e em cada via, o estado de excesso, isto é, a diferença<br />

que os desloca e os disfarça, e o faz retor<strong>na</strong>r, girando sobre sua ponta móvel’’<br />

(DELEUZE, 2006, p.417).<br />

Ao buscarmos transpor a questão da identidade, ou melhor, da diferença e<br />

conseqüentemente a desconstrução do mundo da representação proposto por Deleuze ao<br />

campo do pensamento urbanístico e da cidade (entendido também como formas<br />

representativas em construção), temos obrigatoriamente de resgatar, um dos primeiros<br />

trabalhos a clamar pela diversidade frente à funcio<strong>na</strong>lidade, padronização e segregação e<br />

segmentação espacial do urbanismo moderno: no livro Morte e Vidas de Grandes Cidades,<br />

Jane Jacob, “desconstrói” os fundamentos defendidos pelos modernistas, criticando a


homogeneização e o esvaziamento de sentido dos espaços resultantes que priorizam a<br />

aparência asséptica e repetitiva, a ordem e um padrão.<br />

Segundo a autora, esses postulados anulam a diversidade, a vivência e o<br />

estabelecimento de relações entre os habitantes e o lugar. Assim termi<strong>na</strong> por conduzir o leitor<br />

ao entendimento de que, segundo as regras domi<strong>na</strong>ntes e universais do urbanismo moderno,<br />

as cidades morreriam.<br />

Vem em defesa da diversidade. Para ela, usos diversos, tipologias distintas,<br />

espaços diferenciados etc, é o que constitui a riqueza de um lugar, proporcio<strong>na</strong> interesse e<br />

conseqüentemente convida e induz a vivencia da rua e da cidade. Dessa forma a diversidade<br />

da cidade poderia promover a segurança, a manutenção dos espaços, o resgate do sentido do<br />

lugar e as relações huma<strong>na</strong>s.<br />

Apesar de clamar a diversidade, não avança no sentido do reconhecimento da<br />

possibilidade de conflito, ou do entendimento da cidade enquanto campo de embate da<br />

diferença 13 . Além disso, apresenta e “idealiza” um modelo inspirado no cotidiano de cidades<br />

peque<strong>na</strong>s – e <strong>na</strong> medida em que tratamos de modelos, tratamos de padrões, de limites, de<br />

“camisas de força”.<br />

No entanto é indiscutível a importância desse texto ao pensamento urbanístico e<br />

de cidade contemporâneos, vez que, é um dos primeiros escritos que questio<strong>na</strong> a soberania<br />

dos pressupostos do urbanismo moderno, trazendo a questão da diversidade a primeiro plano<br />

no pensar a cidade 14 .<br />

13 Segundo Sennett o conflito e o embate são intrínsecos à coletividade – assim a cidade é are<strong>na</strong> de embate das<br />

diferenças. Para ele a busca por isolamentos espaciais – guetos, condomínios e atualmente da cidade análoga -<br />

são mecanismos que buscam a anulação ao enfrentamento das diferenças. Essa questão é abordada por esse autor<br />

no livro Carne e Pedra – onde aborda a relação do corpo com a cidade e seus espaços.<br />

14 È importante trazer à ce<strong>na</strong>, a produção de Venture que toma como fundamento a diversidade dos escritos de<br />

Jane Jacob e contrapõe-se à arquitetura moder<strong>na</strong>. Ele vai se debruçar sobre a arquitetura pop de las Vegas, suas<br />

mensagens, trazendo ao debate as questões do gosto popular, do mercado e do simulacro. No entanto, fazemos a<br />

opção de não avançarmos <strong>na</strong> análise de sua obra, por não trazer a questão da diferença à primeiro plano. Discute<br />

a diferenciação entre a arquitetura moder<strong>na</strong> e a arquitetura do Strip de forma dual, fundada em dois modelos:<br />

Pato e Galpão Decorado – assim, não tem a diferença e a transformação como questão basilar de seus escritos e<br />

do entender a cidade e ou a arquitetura.


Na atualidade a diversidade e a diferença são tomadas como fundamentos ao<br />

pensar a cidade <strong>na</strong>s propostas e escritos de Rem Koolhaas. Comparado a Le Corbusier, ele<br />

apresenta a idéia das “cidades genéricas” – cidades do mundo globalizado e de extrema<br />

diversidade. De certa forma, percebemos por seus escritos uma crítica ao historicismo de<br />

Aldo Rossi e à diversidade defendida por Jane Jacob.<br />

Destrói qualquer idéia remota de centro histórico – para ele a crença a um centro<br />

histórico induz a uma prática e espaço paradoxal: o centro, como referencia histórica passa a<br />

receber investimentos e sofrer transformações, levando a sua “destruição” e descaracterização<br />

espacial, restando ape<strong>na</strong>s como símbolo de memória de um centro histórico em intensa<br />

transformação e atualização sendo paradoxalmente o “mais antigo” e o “mais moderno” –<br />

possibilitando a sua “generalização”, inserindo-o ao tecido de uma cidade genérica.<br />

No que diz respeito à diversidade, ele reconhece a sua existência em estado mais<br />

elevado, a ponto de gerar cidades genéricas: cidades onde a diversidade é tamanha em toda a<br />

sua extensão territorial e de forma uniforme. Dessa maneira a diferença se dá em qualquer<br />

lugar, a qualquer hora, de qualquer forma, estando fragmentada e conseqüentemente diluída<br />

uniformemente. É por essa diluição do diverso, da não constituição de uma “identidade”<br />

reconhecível e localizada - ou podemos dizer também, é pela possibilidade de reconhecermos<br />

e percebermos as diversas diferenças em qualquer lugar e em qualquer cidade à qualquer hora<br />

- que as cidades se tor<strong>na</strong>m genéricas: tor<strong>na</strong>m-se “as mesmas”.<br />

Em certa medida e tendo consciência do risco, poderíamos aproximar o<br />

pensamento de Koolhaas aos pensadores que vêem as cidades como “corpos sem órgãos”. È<br />

possível esse reconhecimento <strong>na</strong> medida em que Koolhaas, assim como os escritores e<br />

pensadores que tratam de “corpos sem órgãos” verem as cidades como “organismos” 15 que se<br />

difundem sem qualquer hierarquia territorial definida, sem contorno e estrutura ou<br />

diversamente genérico – como uma padro<strong>na</strong>gem de bricolagem interminável e sem desenho<br />

reconhecível – generalização ou universalização da diferença. No entanto, as aproximações<br />

encerram-se nesse aspecto – o formal.<br />

Se Koolhaas descreve as cidades genéricas defendendo a intervenção constante no<br />

espaço – objetivando a ampliação do campo de atuação de arquitetos e urbanista e da indústria<br />

15 Facilitando a compreensão, autores tomam como <strong>imagem</strong> das “cidades sem órgãos”:as espojas, os corais,<br />

colônias de bactérias, colméias, etc.


da construção e por esse motivo é comparado a Le Corbusier – falar em cidades sem órgãos, é<br />

construir um pensar a cidade fora dos modelos impostos pelo modernismo, ou ainda: “O CsO<br />

não se opõe aos órgãos, mas a essa organização que se chama Organismo” (MAGNAVITA,<br />

2008).<br />

Os pensadores organicistas contemporâneos abrem a perspectiva de pensarmos as<br />

cidades baseando-nos <strong>na</strong> informalidade (o que não representa necessariamente o caos), <strong>na</strong><br />

indefinição, <strong>na</strong> flexibilidade, <strong>na</strong> mobilidade, <strong>na</strong> interação de forças, no fluxo, etc.<br />

La ciudad contemporânea podría asimilarse a um cuerpo sin órganos que realizara<br />

SUS funciones, no mediante La cordi<strong>na</strong>ción de elementos especializados, como<br />

defendia La Carta de Ate<strong>na</strong>s, sino gracias a procesos de inspiración, evaporación y<br />

transmisión de fluidos, procesos qie están em permanente actividad y evolución. La<br />

tendência funcio<strong>na</strong>l de La ciudad tardocapitalista apunta em esta dirección, hacia<br />

La mezcla de formas y funciones em uma amalgama urba<strong>na</strong> indiferenciada.<br />

(Vazquez,2004, p. 131)<br />

Ou ainda,<br />

A questão geral dos processos da <strong>na</strong>tureza e dos assentamentos humanos não é<br />

propriamente de Organização no universo macro, mas, de Composição de<br />

movimentos velozes ou retardados do universo micro (molecular), o qual pressupõe<br />

Multiplicidade de agenciamentos enquanto passagem de fluxos, intensidades,<br />

composição de micro poderes, e isso, numa formação social no universo de uma<br />

micro política. Pois, as cidades comportam coexistências dinâmicas dessa<br />

multiplicidade e constroem complexas redes de conexões de elementos<br />

heterogêneos em permanente transformação e onde emergem Acontecimentos de<br />

imprevisíveis destinos caracterizados por sobreposições, misturas, zo<strong>na</strong>s de<br />

vizinhança, contami<strong>na</strong>ções, temporalidades diferentes, entre outras modalidades de<br />

processos de composição, e isso, no sentido dinâmico de uma Totalidade<br />

segmentaria. (Mag<strong>na</strong>vita, 2008)<br />

Apesar de apresentar uma frágil amarração cujos nós são pontos singulares como<br />

centros comerciais, aeroportos, centros culturais, etc., o espaço não comporta qualquer idéia<br />

de totalidade, centralidade, nem superestruturas estáveis. Como nesses organismos, a cidade<br />

do corpo sem órgãos pode apresentar estruturas deficitárias, parciais e instáveis, que induzem<br />

à uma grau de complexidade de funcio<strong>na</strong>mento. “Consite em un análisis alter<strong>na</strong>tivo que há<br />

demostrado su capacidad para aproximarse a lo que La visión culturalista nunca estuvo em<br />

condicuines de abordar: La cuestíon de la complejidad.” (Vazquez,2004, p. 132)<br />

A diferença também povoa outras perspectivas urbanísticas contemporâneas<br />

como: “cidades enfermas” que traz os corpos enfermos, infelizes, mutilados, disformes como<br />

imagens e representações das cidades – o que contempla o diverso, o fora do padrão


idealizado e dessa forma, uma perspectiva alter<strong>na</strong>tiva ao urbanismo moderno. È a cidade em<br />

luta consigo mesma consciente de suas desigualdades e injustiças. 16<br />

“A cidade das mulheres” – a cidade dos diferentes – que traz a to<strong>na</strong> o papel dos<br />

gêneros <strong>na</strong> constituição e percepção das cidades e seus espaços construídos, fornecem novas<br />

dimensões para o pensamento contemporâneo denunciando processos de domi<strong>na</strong>ção. As<br />

mulheres acusam as cidades de serem “machistas”. Assim como há denuncias de outros<br />

grupos minoritários: de comunidades étnicas que acusam a cidade de ser “a cidade dos<br />

brancos”, ou os homossexuais que a acusam de ser “cidade dos hêteros”. Sob essa óptica, fica<br />

clara a tensão e as lutas de legitimação das diferenças <strong>na</strong> construção do pensamento e<br />

conseqüentemente do espaço construído.<br />

Nesse ponto podemos resgatar a produção de Otília Arantes que em Urbanismo<br />

em Fim de Linha define os anos de 1960 como um marco da passagem da modernidade para a<br />

pós-modernidade.<br />

Segundo Otília Arantes a modernidade e pós-modernidade não constituem dois<br />

momentos históricos antagônicos e herméticos, mas sim são as respostas e ligações da<br />

arquitetura e da cidade aos dois momentos do sistema capitalista. A relação estabelecida pela<br />

autora está centrada <strong>na</strong>s transformações e não <strong>na</strong>s rupturas e polarizações, sendo então<br />

coerente com os seus argumentos 17 . Ou seja, defende que a expressão pós-modernismo<br />

carrega uma visão errônea do processo de mutação da sociedade capitalista, levando a<br />

concepção dualista e simplista conferindo-lhe uma idéia de ruptura: modernismo x pósmodernismo.<br />

Para ela, modernismo e pós-modernismo constituem duas faces de uma mesma<br />

moeda chamada capitalismo. O pós-modernismo, se é que podemos chamá-lo assim,<br />

personifica mais uma mutação do capitalismo impulsio<strong>na</strong>do pela eter<strong>na</strong> vocação de se<br />

reproduzir através do aperfeiçoamento das técnicas (transportes, telecomunicações,<br />

construção, etc.). A autora argumenta que a cultura <strong>na</strong> pós-modernidade tornou-se o<br />

16 Ver: Richard Sennett, Grew Lender, Lynn Gregg, entre outros.<br />

17 Essa perspectiva converge à construção do “mundo líquido” elaborada por Zygmun Bauman em seus<br />

trabalhos. Segundo ele o “mundo líquido” é um momento do processo histórico do capitalismo. Nesse mesmo<br />

sentido, no livro “Tempos Hipermodernos”, Giles Lipovoresk irá denomi<strong>na</strong>r a <strong>contemporaneidade</strong> como<br />

Hipermodernismo – o terceiro momento do processo histórico do capitalismo.


combustível fundamental do sistema capitalista contemporâneo definindo-o como ‘’Era da<br />

Cultura’’:<br />

‘’(...) idade em que a noção de cultura se expandiu a ponto de abarcar praticamente<br />

todas as dimensões da vida social. Não há experiência ou artefato que não se<br />

apresente investido de um significado cultural qualquer, que por isso mesmo passa<br />

por instância definidora de sua <strong>na</strong>tureza. Tudo é passível de associações simbólicas,<br />

possui referencias práticas e tradições locais – valores esquecidos e reativados por<br />

essa nova voga cultural, que parece querer a todo custo devolver aos cidadãos cada<br />

vez mais diminuídos nos seus direitos, materialmente aviltados e socialmente<br />

divididos, sua ‘’identidade’’, mediante o reconhecimento de suas diferenças’’<br />

(ARANTES, 1998, pág. 152).<br />

Dessa forma, a cultura passou a se transformar em um instrumento e tática<br />

indispensável de gover<strong>na</strong>bilidade e de reprodução do capitalismo de acumulação flexível, já<br />

que <strong>na</strong> esfera do Estado Local assumiu a forma de animação e espetacularização - virando<br />

fetiche. Na esfera social se tor<strong>na</strong> um meio de aquisição de capital simbólico, de aquisição de<br />

status quo e habitus de classe, como estratégia de diferenciação <strong>na</strong> massa, pois o ato de<br />

consumir necessita e se apresenta sob a aparência de um gesto cultural legitimador de<br />

imagens ou simulacros 18 . Portanto a forma-mercadoria avança para a forma-publicitária, pois<br />

o que se consome <strong>na</strong> pós-modernidade é um estilo de vida - a cultura se transforma no<br />

elemento chave <strong>na</strong> máqui<strong>na</strong> reprodutiva do capitalismo.<br />

Nesse contexto, a cultura passa a ser administrada e produzida, em função da<br />

flexibilidade propiciada pela tecnologia galopante, de maneira perso<strong>na</strong>lizada, atestando os<br />

gostos, atendendo as necessidades de um mercado diverso e fragmentado, alimentando a<br />

democracia cultural, todas as manifestações e diferenças - criando a idéia de vivermos num<br />

mundo ideal e da liberdade de expressão absoluta. A realidade tornou-se ideologia tirando<br />

dos ombros do Estado a obrigação de justificar os investimentos aviltantes de ‘’políticas<br />

culturais’’.<br />

Nesse ponto, surge o papel dos arquitetos e urbanistas que ao explorarem,<br />

potencializarem e alimentarem a questão do gosto e preferências estéticas ressuscita uma forte<br />

faceta da reprodução e acumulação do capital, da produção e do consumo: o ''capital<br />

simbólico'' 19 . O fetichismo é retomado (pois o impulso modernista reprimiu, mas não elimi<strong>na</strong><br />

18 A distinção social fundada no consumo também foi tratada pelos autores Jean Baudrillard - nos livros “A<br />

sociedade de consumo”, “Para uma crítica da economia política” e “Sistema de objetos” - e Pierre Bourdieu – “A<br />

distinção”, “O poder simbólico” e “A produção da crença” – entre outros.<br />

19 Definido por Bourdieu, 1998 como ''a acúmulo de bens de consumo suntuosos que atestam o gosto e a<br />

distinção de quem os possuem''.


o sentido do capital simbólico no mundo urbano) como meio de evidenciar distinções sociais<br />

através da posse de todo tipo de símbolo de status.<br />

A crítica marxista apresentada pela autora questio<strong>na</strong> a questão da identidade, da<br />

diferença e da multiplicidade, pois coloca em xeque as vertentes culturalistas e tradicio<strong>na</strong>listas<br />

da arquitetura contemporânea (racio<strong>na</strong>lismo italiano, contextualismo, regio<strong>na</strong>lismo critico,<br />

etc), assim como as vertentes tecnicistas e ''progressistas'' (desconstrutivismo, arquitetura<br />

fluida, os strips, simulacros, etc).<br />

Segundo ela, a arquitetura e as diferenças apresentadas <strong>na</strong>s formas arquitetônicas,<br />

ou organizadas em suas diversas vertentes são inseridas a essa lógica do capital<br />

contemporâneo. Nesse mesmo sentido e sob o mesmo ponto de vida as cidades e seus espaços<br />

são tomados e norteados pelas mesmas lógicas: quando a diferença ou a identidade são<br />

apropriadas e agenciadas como mercadorias da “Era cultural”, servindo de ferramenta<br />

ideológica à legitimação das dinâmicas econômicas contemporâneas do mundo globalizado<br />

favorecendo a construção de imagens harmônicas e ideais domi<strong>na</strong>ntes.<br />

A invasão e apropriação desenfreada exercido pelo capital e agentes domi<strong>na</strong>ntes<br />

como ferramenta ideológica, foi alertada por Deleuze:<br />

Enfim, o fundo do poço da vergonha foi atingido quando a informática, o marketing,<br />

o desing, a publicidade, todas as discipli<strong>na</strong>s da comunicação apoderaram-se da<br />

própria palavra conceito e disseram: é nosso negócio, somos nós os criativos, nós<br />

somos os conceituadores! Somos nós os amigos do conceito, nós os colocamos em<br />

computadores. Informação e criatividade, conceito e empresa: uma abundante<br />

bibliografia já... O marketing reteve a idéia de uma certa relação entre conceito e o<br />

acontecimento; mas eis que o conceito tornou o conjunto das apresentações de um<br />

produto (histórico, científico, artístico, sexual, pragmático...), e o acontecimento, a<br />

exposição que põe em ce<strong>na</strong> apresentações diversas e a “troca de idéias” à qual<br />

supostamente dá lugar. (Deleuze, 2005 [1992], pp. 25)<br />

Ao pensarmos sobre essa óptica, evidencia-se a invasão do mercado as instancias<br />

das vivencias e construções huma<strong>na</strong>s e seus reflexos sobre a produção da cidade e da<br />

arquitetura. Fica evidente também que corremos o risco de que o reconhecimento da<br />

diversidade-identidade ou identidade-diferencial ou da diferença, sejam engolidas ou inseridas<br />

ou transmutados ou re-significados em favor dessa lógica e seus interesses. Mais uma vez, o<br />

campo de batalha se mostra e se edifica <strong>na</strong> cidade, em seus espaços e sua arquitetura -<br />

diferenças edificadas.<br />

BIBLIOGRAFIA.<br />

ARANTES, Otília. Urbanismo em Fim de Linha. São Paulo: Epucs. 2001, 224p.


BAUMAN, Zygmunt. <strong>Identidade</strong>. Rio de Janeiro: Zahar, 2005 , 110p.<br />

DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. São Paulo: Edições Graal Ltda., 2006 [1988],<br />

437p.<br />

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs: Capitalismo e esquizofrenia, vol.1. São Paulo:<br />

Ed. 34, 1995.<br />

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs: Capitalismo e esquizofrenia, vol.4. São Paulo:<br />

Ed. 34, 1997.<br />

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs: Capitalismo e esquizofrenia, vol.5. São Paulo:<br />

Ed. 34, 1997.<br />

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. O que é a filosofia. São Paulo: Editora 34, 2005<br />

[1992], 279p. HALL, Stuart. A identidade cultural <strong>na</strong> pós-modernidade. Rio de Janeiro:<br />

DP&A Editora, 2006, 102p<br />

HARVEY, David. Condição pós-moder<strong>na</strong>- uma pesquisa sobre as origens da mudança<br />

cultural, São Paulo: Edições Loyola, 1996, 349 p.<br />

HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 2006.<br />

HEIDEGGER, Martin. Introdução a Metafísica. Rio de Janeiro: Ed. Tempo Brasileiro,<br />

1969.<br />

HEIDEGGER, Martin. O que é a Metafísica São Paulo: Ed. Duas Cidade, 1969.<br />

HEIDEGGER, Martin. O que é isto a filosofia <strong>Identidade</strong> e Diferença. Rio de Janeiro: Ed.<br />

Vozes, 2006.<br />

JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes. 2003, 510p.<br />

KOOLHAAS, Rem. La ciudad genérica. Barcelo<strong>na</strong>: Editorial Gustavo Gili, 2005.<br />

LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes,<br />

1999<br />

MAGNAVITA, Pasqualino Romano .Corpo sem órgãos / Cidade / Devires outros. In<br />

Revista Des[dobra]. 2008. (http://www.corpocidade.dan.ufba.br/dobra/03_02_artigo.htm)<br />

VAZQUEZ, Carlos Garcia. Ciudad hojaldre – Visiones urba<strong>na</strong>s Del siglo XXI. Barcelo<strong>na</strong>:<br />

Editorial Gustavo Gili, 2004.231p.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!