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Artistas Invisíveis da Periferia de Salvador – José ... - PACC - UFRJ

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INTRODUÇÃO<br />

“Quem não arrisca, não po<strong>de</strong> berrar”<br />

(Torquato Neto)<br />

Boa tar<strong>de</strong>. Este é um diálogo. Pretendo falar para vocês sobre um pouco <strong>da</strong> minha experiência<br />

<strong>de</strong> pesquisa sobre os artistas invisíveis <strong>da</strong> periferia <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>.<br />

Em alguns momentos <strong>de</strong>ste encontro vou trazer algumas referências <strong>de</strong> autores que têm guiado<br />

o meu trabalho, mas tudo com a leveza <strong>de</strong> quem convi<strong>da</strong> amigos para uma conversa. As<br />

referências vêm em notas <strong>de</strong> ro<strong>da</strong>pé para aju<strong>da</strong>r a dialogar com os autores.<br />

Falar <strong>da</strong> arte e dos artistas invisíveis <strong>da</strong> periferia é se <strong>da</strong>r conta <strong>de</strong> que o nosso <strong>de</strong>sconhecimento<br />

é maior que o nosso saber; que o nosso preconceito é maior do que o que conhecemos e isto se<br />

constitui um <strong>de</strong>safio epistemológico, o que estimula a busca, a pesquisa e meu interesse por<br />

este tema.<br />

Falar <strong>de</strong>ssa experiência <strong>de</strong> pesquisa me confere ca<strong>da</strong> vez mais sentido àquilo que estou fazendo,<br />

do mesmo modo como quando fui “mapeado” pela Agência Experimental, e passei <strong>de</strong><br />

pesquisador a pesquisado, tendo que <strong>da</strong>r as razões para o Acervo <strong>da</strong> Laje, a documentação<br />

material, fruto <strong>da</strong> pesquisa sobre a arte invisível dos trabalhadores <strong>da</strong> beleza <strong>da</strong> periferia <strong>de</strong><br />

<strong>Salvador</strong>. Gostaria <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cer a coragem empreen<strong>de</strong>dora <strong>de</strong> vocês e o imenso carinho com o<br />

qual vêm me tratando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que os conhecei e que têm a gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong> divulgar o que os olhos<br />

<strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> ten<strong>de</strong>m a esquecer ou <strong>de</strong>sconhecer.<br />

A PESQUISA<br />

Atualmente sou pesquisador autônomo. O que é isso? Sou alguém que não recebe verbas<br />

públicas para fazer o meu trabalho. Faço-o então com uma liber<strong>da</strong><strong>de</strong> e disciplina que me foram<br />

estimula<strong>da</strong>s por muitas pessoas que acreditam e acreditaram em mim <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito cedo.<br />

Como pesquisador sempre quis contribuir para a melhoria <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> do local on<strong>de</strong> nasci e<br />

habito, por isso me apaixonei pela sua memória <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo, pois entendi que se eu nasci no<br />

Subúrbio Ferroviário <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>, é porque ali eu tinha e tenho uma tarefa, ou várias tarefas<br />

que vou levando pela vi<strong>da</strong> afora.<br />

Des<strong>de</strong> 1995 me interesso pela pesquisa do meu território. Por isso fui estu<strong>da</strong>r e fazer pesquisa,<br />

pois estu<strong>da</strong>r foi um modo <strong>de</strong> oferecer uma resposta sistemática às minhas indignações e<br />

perplexi<strong>da</strong><strong>de</strong>s diante <strong>da</strong>s situações <strong>de</strong> violência que acometem a juventu<strong>de</strong> <strong>da</strong> periferia.<br />

Delas nasceram alguns livros e artigos que tenho publicado aqui no Brasil e em outros países.<br />

O impacto <strong>de</strong>ssas publicações se divi<strong>de</strong> entre o <strong>de</strong>senvolvimento humano em situações<br />

adversas e <strong>de</strong>pois a questão <strong>da</strong> violência contra os jovens, assuntos e reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s que sempre me<br />

<strong>de</strong>ixaram em suspenso, em estado <strong>de</strong> perplexi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Mas como a perplexi<strong>da</strong><strong>de</strong> geralmente<br />

paralisa, não quis ficar paralisado e procurei <strong>da</strong>r a minha resposta pensa<strong>da</strong>, refleti<strong>da</strong>, senti<strong>da</strong> e<br />

sistemática.<br />

Depois, quando conhecei o Gey Espinheira e <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> pessoas que po<strong>de</strong>ria citar aqui,<br />

comecei ame <strong>da</strong>r conta <strong>de</strong> que a história não po<strong>de</strong> ser feita <strong>de</strong> uma única versão. A história é<br />

dinâmica. Por isso resolvi levar a sério o conselho do querido Gey para estu<strong>da</strong>r a beleza <strong>da</strong><br />

periferia, só que <strong>de</strong>ssa vez uma beleza que eu <strong>de</strong>veria trazer à tona, através <strong>da</strong> arte ali<br />

produzi<strong>da</strong>.<br />

Junto com Marco Illuminati, querido amigo, fotógrafo competente, alma <strong>de</strong> artista, começamos<br />

a mapear os artistas do SFS e quando nos <strong>de</strong>mos conta tínhamos formado uma imensa re<strong>de</strong><br />

através <strong>da</strong>s entrevistas e fotografias que fizemos durante mais <strong>de</strong> um ano, <strong>de</strong> modo mais<br />

sistemático em 2010.<br />

Para mim foi e é um espanto que tanta cultura, iniciativa, obras e artistas tenham sido<br />

esquecidos por habitarem aquele torrão <strong>de</strong> história e cultura, que é o SFS.<br />

Esse esquecimento é proposital, mesquinho e busca não valorizar que a arte e a cultura são<br />

universais, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>da</strong> região, local, situação social e econômica e assim tenho me<br />

empenhado em divulgar, mostrar, abrir vere<strong>da</strong>s e construir pontes para que essa beleza não<br />

fique restrita e só possa ser conheci<strong>da</strong> pelos turistas que compram essas obras como se fossem<br />

somente artesanato, sem se <strong>da</strong>r conta <strong>de</strong> on<strong>de</strong>, como e em quais condições (muitas vezes<br />

<strong>de</strong>sumanas, em situação <strong>de</strong> privação econômica) elas foram elabora<strong>da</strong>s.<br />

Uma <strong>da</strong>s tarefas <strong>da</strong> pesquisa é abraçar o <strong>de</strong>sconhecido.<br />

Quanto mais nos movemos em busca do <strong>de</strong>sconhecido mais ele se revela a nós e este é um<br />

<strong>de</strong>marcador <strong>de</strong> quão importante é o nosso trabalho.<br />

Hoje quando vejo que essa pesquisa me confere uma responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> ca<strong>da</strong> vez maior em<br />

cui<strong>da</strong>r <strong>de</strong> mim, <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>de</strong>la, me dou conta <strong>de</strong> como é importante ter a disciplina e a<br />

sistematici<strong>da</strong><strong>de</strong> na sua realização.<br />

Aqui entra a questão do meu modo <strong>de</strong> pesquisar, que é único e foi mol<strong>da</strong>do pela experiência e<br />

entendimento <strong>de</strong> como eu sou, do que posso realizar e dos meios dos quais disponho para tal.<br />

Ninguém sabe, mas ca<strong>da</strong> obra adquiri<strong>da</strong> tem uma história, um contexto e uma dinâmica que não<br />

canso <strong>de</strong> contar.


<strong>Artistas</strong> <strong>Invisíveis</strong> <strong>da</strong> <strong>Periferia</strong> <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> <strong>–</strong> <strong>José</strong> Eduardo Ferreira Santos<br />

Ca<strong>da</strong> artista é uma surpresa, um modo novo <strong>de</strong> se relacionar com a arte produzi<strong>da</strong> no SFS e que<br />

é tão <strong>de</strong>sconheci<strong>da</strong>, por isso tenho feito a experiência do estupor e do maravilhamento, pois<br />

tenho a noção <strong>da</strong> novi<strong>da</strong><strong>de</strong> que vai surgindo aos poucos. Estamos construindo ou reconstruindo<br />

um patrimônio civilizatório do território suburbano que foi abandonado e isto tem uma<br />

importância significativa para a história <strong>da</strong> Bahia.<br />

Ca<strong>da</strong> obra é uma revelação.<br />

Além <strong>de</strong> ser para todos, o Acervo <strong>da</strong> Laje, por exemplo, é para aqueles que, como eu, se<br />

espantam ca<strong>da</strong> vez que chegam lá. É uma comoção geral, pois estamos diante <strong>de</strong> algo único,<br />

sem par e também po<strong>de</strong>mos fazer o que em nenhum museu se faz; po<strong>de</strong>mos interagir com as<br />

obras: tocá-las, sentir o cheiro <strong>da</strong> ma<strong>de</strong>ira <strong>da</strong>s máscaras, tocar e ver as cores dos peixes, pegar<br />

nas mãos as cerâmicas e palhas, brincar com os brinquedos, fazer a experiência sensória, e tudo<br />

isso “não tem preço”.<br />

Ver as crianças, jovens e adultos se admirando com o belo 1 é uma experiência muito intensa,<br />

que po<strong>de</strong> construir novas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> inserção <strong>da</strong> pessoa neste mundo, significando<br />

trajetórias e histórias <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, pois a beleza tem essa função, <strong>de</strong>ntre outras, conforme indica a<br />

filósofa francesa Simone Weil (1993).<br />

Neste sentido, estu<strong>da</strong>r o SFS através <strong>da</strong> beleza <strong>de</strong> seus artistas é uma novi<strong>da</strong><strong>de</strong> e é uma tarefa 2<br />

que ganha sentido por recuperar o passado, amar o presente e construir o futuro.<br />

1 Simone Weil, falando <strong>da</strong> beleza, diz que: “A beleza é a harmonia do acaso e do bem. O belo é o<br />

necessário, que, embora permanecendo conforme à sua lei própria e só a ela, obe<strong>de</strong>ce ao bem. Objeto <strong>da</strong><br />

ciência: o belo (ou seja, a or<strong>de</strong>m, a proporção, a harmonia) enquanto supra-sensível e necessário. Objeto <strong>da</strong><br />

arte: o belo sensível e contingente, percebido através <strong>da</strong> re<strong>de</strong> do acaso e do mal. O belo na natureza: união<br />

<strong>da</strong> impressão sensível e do sentimento <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Isto <strong>de</strong>ve ser assim (em primeiro lugar), e<br />

precisamente é assim. A beleza seduz a carne para obter a permissão <strong>de</strong> passar à alma. O belo encerra,<br />

entre outras uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s dos contrários, a do instantâneo e do eterno. O belo é o que se po<strong>de</strong> contemplar. Uma<br />

estátua, um quadro que se po<strong>de</strong> olhar durante horas. O belo é uma coisa em que se po<strong>de</strong> prestar atenção.<br />

(...) Uma obra <strong>de</strong> arte tem um autor, e no entanto, quando é perfeita, tem algo <strong>de</strong> essencialmente anônimo.<br />

Ela imita o anonimato <strong>da</strong> arte divina. Assim a beleza do mundo prova um Deus ao mesmo tempo pessoal e<br />

impessoal, e nem um nem outro.O belo é um atrativo carnal que mantém à distância e implica uma<br />

renúncia. Inclusive a renúncia mais íntima, a <strong>da</strong> imaginação. Queremos <strong>de</strong>vorar todos os outros objetos do<br />

<strong>de</strong>sejo. O belo é o que <strong>de</strong>sejamos sem querer <strong>de</strong>vorá-lo. Desejamos que seja assim. Permanecer imóvel e<br />

nos unirmos ao que <strong>de</strong>sejamos e do que não nos aproximamos. Unimo-nos a Deus assim: não po<strong>de</strong>mos<br />

aproximar-nos <strong>de</strong>le” (Weil, 1993, pp.165-166).<br />

2 Ecléa Bosi assim <strong>de</strong>screve essa experiência, analisando um aspecto <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> Simone Weil: “A arte<br />

antiga per<strong>de</strong>u, entre nós, sua força formadora. Passa a objeto <strong>de</strong> valor e assim é apropria<strong>da</strong> pelo educando<br />

que busca o auto-aprimoramento para melhor competir na arena dos privilégios. Quem lê os clássicos<br />

continua alheio “ao fato <strong>de</strong> que Shakespeare ou Platão pu<strong>de</strong>ssem dizer-lhes coisas mais importantes do que<br />

a maneira <strong>de</strong> se educar”. Assim Hanna(sic)h Arendt vê a questão. Um quadro <strong>de</strong> Van Gogh é igualmente<br />

CONTRA O ESQUECIMENTO, A MEMÓRIA<br />

Por diversas vezes me <strong>de</strong>i conta <strong>de</strong> que a memória tem uma força profun<strong>da</strong> <strong>de</strong> renovação <strong>da</strong><br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois quem não conhece o seu passado se torna refém <strong>de</strong> um presente sem sentido e<br />

um futuro sem perspectiva.<br />

Por este motivo, a pesquisa sobre os artistas invisíveis <strong>da</strong> periferia tem uma tarefa <strong>de</strong> construir<br />

essa ponte entre o passado, o presente e o futuro e po<strong>de</strong> ser uma possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> encontro <strong>de</strong><br />

crianças, jovens e adultos com uma beleza que po<strong>de</strong> ressignificar vi<strong>da</strong>s, porque a arte, ou a<br />

coisa ama<strong>da</strong> e bela, quando <strong>de</strong>scoberta, po<strong>de</strong> preencher lacunas e indicar caminhos <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>.<br />

Essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> lutar pelo conhecimento e pela memória vem <strong>de</strong> um texto sobre o Parque São<br />

Bartolomeu do saudoso Gey Espinheira 3 , que escreveu tão profun<strong>da</strong>mente sobre o SFS que ele<br />

<strong>de</strong>gra<strong>da</strong>do quando o utilizamos para adquirir status ou tapar um buraco na pare<strong>de</strong> segundo Arendt. Como<br />

encontrar face a face estas imagens? Como resgatar o passado do entulho <strong>da</strong> mercadoria? A resposta seria:<br />

vivendo intensamente o nosso tempo, atento aos sinais <strong>da</strong> História. Só a militância po<strong>de</strong> propor e propor <strong>de</strong><br />

novo a totali<strong>da</strong><strong>de</strong> passado-presente como um mesmo tecido <strong>de</strong> lutas e esperanças. Fazer conhecer as obras<br />

do passado e reviver as in<strong>da</strong>gações que elas contêm. Em lugar <strong>da</strong> divulgação uma reproposta. O futuro <strong>da</strong>s<br />

obras <strong>de</strong> arte estaria então vinculado ao nosso agir. Oferecendo-lhes uma <strong>de</strong>stinação política nós as<br />

arrancamos do museu abrindo-lhes caminho para uma sobrevivência épica” (Bosi, 2003, p. 192)<br />

3 Seguem as belas palavras <strong>de</strong> Gey Espinheira sobre o esquecimento e a memória do Parque São<br />

Bartolomeu e do Subúrbio Ferroviário <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>: “Começamos por compreen<strong>de</strong>r o significado do<br />

esquecimento na História como um anti-registro, pois só se po<strong>de</strong> esquecer aquilo que em algum momento<br />

foi registrado. Nossa intenção é abor<strong>da</strong>r a tentativa <strong>de</strong> anulação do simbólico por parte <strong>da</strong> cultura<br />

hegemônica na forma <strong>de</strong> abandono <strong>–</strong> no sentido administrativo e urbanístico <strong>–</strong> do Parque São Bartolomeu e<br />

<strong>de</strong> seu esquecimento como lugar sagrado e <strong>de</strong> vivenciação <strong>da</strong> religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> afro-brasileira” (Espinheira,<br />

1998, p. 23).<br />

Conceituando historicamente o SFS, Gey vai mostrando como as configurações atuais foram sendo<br />

construí<strong>da</strong>s no tempo: “O Subúrbio Ferroviário, como visto, foi um espaço nobre <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>, no tempo<br />

em que a Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> ain<strong>da</strong> não tinha sofrido as gran<strong>de</strong>s transformações que vieram <strong>de</strong>la fazer, nos anos 70,<br />

província e metrópole, simultaneamente. O conceito <strong>de</strong> subúrbio era o do afastado, mas acessível e ao<br />

mesmo tempo o do não-acessível às categorias populares e aí têm-se as praias. Era no tempo do i<strong>de</strong>al<br />

bucólico em que os grupos <strong>de</strong> alta ren<strong>da</strong> se avizinhavam <strong>–</strong> e não mais que isso <strong>–</strong> <strong>de</strong> colônias <strong>de</strong> pescadores<br />

e <strong>de</strong> pequenas comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s suburbanas (sic) e viviam o sossego <strong>da</strong> paisagem <strong>da</strong> Baía <strong>de</strong> Todos os Santos e<br />

do distanciamento respeitoso e estratégico <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s próximas. Eram assim as praias dos Subúrbios<br />

Ferroviários; eram assim as locali<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> Plataforma, Esca<strong>da</strong>, Paripe, Periperi e tantas outras, antes que se<br />

fizessem o Centro Industrial <strong>de</strong> Aratu, o Pólo Petroquímico <strong>de</strong> Camaçari e antes do que <strong>de</strong>correu <strong>de</strong>ssa<br />

industrialização, sobretudo a urbanização <strong>da</strong> pobreza, por conta e risco dos pobres, esse caráter perverso<br />

que parece ser a componente básica do caráter <strong>de</strong> metrópole em oposição ao <strong>de</strong> província” (Espinheira,<br />

1998, p. 26).<br />

3


<strong>Artistas</strong> <strong>Invisíveis</strong> <strong>da</strong> <strong>Periferia</strong> <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> <strong>–</strong> <strong>José</strong> Eduardo Ferreira Santos<br />

tanto amava. Com ele entendi que a nossa vi<strong>da</strong> é curta para realizarmos o que queremos e por<br />

isso me empenho em <strong>de</strong>scortinar esses universos porque eu sei que o que faço tem um sentido<br />

que extrapola a minha existência, porque sendo minha não é minha, mas pertence a todos os<br />

que chegam e se dão conta <strong>de</strong> que a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um contexto não po<strong>de</strong> somente ser mostra<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> forma negativa pelos veículos <strong>de</strong> comunicação, pois em relação ao tratamento que é <strong>da</strong>do ao<br />

SFS em relação a outros pontos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> do <strong>Salvador</strong> é e sempre foi <strong>de</strong>sigual.<br />

Se eu lhes disser que lá há escultores do porte <strong>de</strong> Aleijadinho, pintores do porte <strong>de</strong> Picasso,<br />

artistas moradores <strong>de</strong> rua que <strong>de</strong>senvolvem a sua própria linguagem e grafia como o Profeta<br />

Gentileza, poetas, músicos, artistas plásticos que têm suas obras espalha<strong>da</strong>s por todo o mundo,<br />

vocês acreditam?<br />

Há alguns anos atrás eu também nem acreditava ou nem mesmo tinha me colocado essa<br />

questão.<br />

Por isso essa pesquisa me leva a espantos e a comoções que são inigualáveis.<br />

Descobrir a história ancestral do SFS, cui<strong>da</strong>r <strong>de</strong> sua memória, recolher as partes do mosaico<br />

<strong>da</strong>quele lugar é uma tarefa para a vi<strong>da</strong> inteira e a pesquisa tem me levado a fazer <strong>de</strong>scobertas<br />

impressionantes, pois o que é um pesquisador? Um pesquisador é alguém que guiado por uma<br />

tarefa com seus objetivos e metas tem a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> enxergar on<strong>de</strong> ninguém na<strong>da</strong> vê; tem a<br />

percepção e a sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> procurar aquilo que está escondido à espera <strong>da</strong> revelação; trazer<br />

<strong>de</strong> volta a memória e a beleza <strong>de</strong> um lugar que foi sucessivamente esquecido pelos po<strong>de</strong>res<br />

públicos; fazer com que as pessoas passem a conhecer aquilo que lhes foi negado <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

sempre.<br />

A memória faz com que as pessoas tenham orgulho do seu território, <strong>da</strong> sua história e não<br />

sejam reféns <strong>da</strong>quilo que o po<strong>de</strong>r e a mídia dizem que <strong>de</strong>ve estar na pauta do dia, <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e dos<br />

costumes.<br />

VIVER O LOCAL, VIVENDO O GLOBAL<br />

Muita gente estranha o motivo pelo qual me interesso tanto pelo SFS. Des<strong>de</strong> o início <strong>da</strong><br />

globalização, a nova or<strong>de</strong>m mundial trazia este perigo <strong>de</strong> sermos suprimidos pelo global ao<br />

invés <strong>de</strong> valorizarmos o local. Foi uma aposta erra<strong>da</strong>.<br />

E para finalizar, este grito que se aplica a to<strong>da</strong>s as periferias <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>: “A Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ixou que o Parque<br />

São Bartolomeu fosse esquecido <strong>de</strong>la própria; <strong>de</strong>ixou que fosse <strong>de</strong>pre<strong>da</strong>do, que se tornasse marginal. O<br />

Parque ficou com uma categoria social <strong>de</strong>teriora<strong>da</strong>. Mas está lá e é lugar <strong>de</strong> encontro e pulsa na metrópole<br />

industrial como lugar, província, al<strong>de</strong>ia <strong>–</strong> como começo e renascimento” (Espinheira, 1998, p. 27).<br />

Quanto mais nos interessamos pelo local, mas somos lançados para o global, pois a relação com<br />

o mundo se faz com a fun<strong>da</strong>mentação <strong>da</strong> nossa i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e território.<br />

Neste sentido não <strong>de</strong>vemos na<strong>da</strong> a ninguém, pois estamos aqui para dialogar e compartilhar<br />

i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s, sem hierarquias ou comparações, estamos aqui para mostrar o que somos, o que<br />

temos e como po<strong>de</strong>mos dialogar, sem per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista as nossas peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>s.<br />

Digo isto porque nós precisamos chegar à nossa síntese, à síntese do que somos, temos e<br />

vivemos, ou seja, <strong>da</strong> nossa i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Fazer a síntese é uma tarefa que implica não ter medo <strong>da</strong>s nossas contingências, <strong>da</strong>s nossas<br />

raízes. No meu caso: <strong>de</strong> ser suburbano, soteropolitano, baiano, nor<strong>de</strong>stino e brasileiro e, assim,<br />

ci<strong>da</strong>dão do mundo, indo contra todo preconceito que possam ter em referência à minha<br />

i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> territorial e cultural, ao meu modo <strong>de</strong> pensar e <strong>de</strong> atuar neste mundo.<br />

Quanto mais você <strong>de</strong>scobre a sua i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>, mais você po<strong>de</strong> dialogar com as outras culturas e<br />

isso sem concessões, pois há uma troca simbólica na qual ambos saem enriquecidos.<br />

Estu<strong>da</strong>r o SFS sendo <strong>de</strong> lá me trouxe essa possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r dialogar com o mundo 4 .<br />

Quanto mais você conhece o seu passado, mais po<strong>de</strong> vivenciar o presente e enfrentar o futuro,<br />

porque a nossa vi<strong>da</strong> enquanto possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sperdiça<strong>da</strong> e tem que ter um sentido<br />

real, que nos mova cotidianamente.<br />

4 Isto ocorre particularmente no Acervo <strong>da</strong> Laje com as visitas <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> várias partes do mundo<br />

(Europa, EUA, Índia) e do Brasil, pois elas têm uma se<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que não é somente<br />

aquela mostra<strong>da</strong> aos turistas e neste sentido temos que apren<strong>de</strong>r a valorizar o nosso território, que é único e<br />

essa digni<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural atrai as pessoas. Assim, é possível dialogar com todos sem per<strong>de</strong>r as nossas raízes.<br />

Aliás, a raiz, o enraizamento <strong>de</strong> um povo e <strong>de</strong> uma pessoa são necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s fun<strong>da</strong>mentais para a existência,<br />

como afirma Simone Weil: “O enraizamento é talvez a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> mais importante e mais <strong>de</strong>sconheci<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> alma humana. É uma <strong>da</strong>s mais difíceis <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir. Um ser humano tem raiz por sua participação real,<br />

ativa e natural na existência <strong>de</strong> uma coletivi<strong>da</strong><strong>de</strong> que conserva vivos certos tesouros do passado e certos<br />

pressentimentos <strong>de</strong> futuro. Participação natural, ou seja, ocasiona<strong>da</strong> automaticamente pelo lugar,<br />

nascimento, profissão, meio. Ca<strong>da</strong> ser humano precisa ter múltiplas raízes. Precisa receber a quase<br />

totali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> sua vi<strong>da</strong> moral, intelectual, espiritual, por intermédio dos meios dos quais faz parte<br />

naturalmente. As trocas <strong>de</strong> influências entre meios muito diferentes não são menos indispensáveis do que o<br />

enraizamento no entorno natural. Mas um meio <strong>de</strong>terminado <strong>de</strong>ve receber uma influência externa não<br />

como uma contribuição, mas como um estimulante que torne sua própria vi<strong>da</strong> mais intensa. Não <strong>de</strong>ve<br />

alimentar-se <strong>da</strong>s contribuições externas senão <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> as ter digerido, e os indivíduos que o compõem<br />

não <strong>de</strong>vem recebê-las senão através <strong>de</strong>le. Quando um pintor <strong>de</strong> real valor vai para um museu, sua<br />

originali<strong>da</strong><strong>de</strong> é confirma<strong>da</strong> por isso. Deve acontecer o mesmo com as diversas populações do globo<br />

terrestre e os diferentes meios sociais” (Weil, 2001, p. 43).<br />

4


<strong>Artistas</strong> <strong>Invisíveis</strong> <strong>da</strong> <strong>Periferia</strong> <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> <strong>–</strong> <strong>José</strong> Eduardo Ferreira Santos<br />

OS ARTISTAS INVISÍVEIS E A PERIFERIA (TAMBÉM INVISÍVEL)<br />

A questão <strong>da</strong> invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do SFS e <strong>de</strong> seus artistas é uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sigual.<br />

Na pesquisa me <strong>de</strong>i conta <strong>de</strong> que a beleza do mundo é gera<strong>da</strong> na periferia dos gran<strong>de</strong>s centros,<br />

mas o centro não sabe disso. Ele acha que a beleza é sua, somente sua, mas não é assim.<br />

Muitas vezes me comovo quando vou ao Mercado Mo<strong>de</strong>lo, ao Centro Histórico, aeroporto,<br />

rodoviária, lojas <strong>de</strong> bairros abastados <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> e me <strong>de</strong>paro com as obras dos artistas que<br />

tenho estu<strong>da</strong>do. Eles estão lá, suas obras são compra<strong>da</strong>s por preços módicos e revendi<strong>da</strong>s pelo<br />

dobro ou triplo do preço e ninguém sabe o processo <strong>de</strong> elaboração <strong>da</strong>s obras, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> elas<br />

vieram, como são feitas e as condições (ou falta <strong>de</strong>) como elas são produzi<strong>da</strong>s.<br />

Aqui surge a invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Quando afirmo que a periferia produz a beleza e a alegria do mundo é porque há uma dinâmica<br />

tão intensa <strong>de</strong> artistas produzindo nos lugares on<strong>de</strong> pesquisei e a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> não reconhece essa<br />

produção.<br />

Mas ver o invisível é difícil (<strong>de</strong>sculpem a imagem).<br />

Melhor dizendo: ver o que não queremos ver é difícil. E a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> geralmente não quer ver os<br />

seus subúrbios, a sua pobreza, a sua reali<strong>da</strong><strong>de</strong> dinâmica e a gran<strong>de</strong>za que o SFS carrega.<br />

Não só na questão <strong>da</strong> arte, mas também na história, na educação, na cultura, geografia,<br />

religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>, saberes populares, publicações, bibliotecas, centros culturais, projetos sociais,<br />

museus, ban<strong>da</strong>s, poetas, escritores e li<strong>de</strong>ranças 5 .<br />

Somos ain<strong>da</strong> um país que julga pela aparência, que insiste em separar e excluir o que é<br />

diferente <strong>da</strong> nossa percepção (que é muito limita<strong>da</strong>).<br />

A periferia é invisível porque ela é sempre relega<strong>da</strong> a segundo plano pelo Po<strong>de</strong>r; é relega<strong>da</strong> a<br />

segundo plano por quem pensa e administra a ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Sempre foi assim.<br />

Há também os estigmas relacionados à pobreza e à violência. Como se um lugar pobre não<br />

pu<strong>de</strong>sse ter outro lado, uma dinâmica cultural melhor ou semelhantes aos bairros mais<br />

abastados.<br />

Consultando o Dicionário Cal<strong>da</strong>s Aulete po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir assim o que é um estigma: “Estigma,<br />

s.m. marca, sinal. (...) Cicatriz que <strong>de</strong>ixa uma marca ou feri<strong>da</strong>” (Aulete, 1958, p. 2010).<br />

O estigma <strong>de</strong>ixa sim essa feri<strong>da</strong> nos moradores <strong>da</strong> periferia, pois se atentarmos à leitura<br />

cotidiana po<strong>de</strong>mos ver que a violência não po<strong>de</strong> ser associa<strong>da</strong> à pobreza, pois ela está<br />

dissemina<strong>da</strong> em todos os lugares e não somente no SFS, mas parece que é mais conveniente<br />

associá-la a <strong>de</strong>terminados locais <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>, geralmente a periferia.<br />

Então, quem mora no SFS carrega essa marca, essa feri<strong>da</strong>.<br />

Por serem do SFS e por lá habitarem os artistas carregam também essa feri<strong>da</strong> e o preço <strong>de</strong>sta<br />

pertença é a invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

No entanto atualmente essa percepção vem mu<strong>da</strong>ndo. Principalmente por quem trabalha com a<br />

mídia, a exemplo dos jornais que têm noticiado matérias que ressaltam a digni<strong>da</strong><strong>de</strong>, a história e<br />

a cultura do Subúrbio como pertencentes à ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e não como algo apartado do contexto<br />

soteropolitano, mas isso é uma conquista <strong>da</strong>s pessoas que moram no SFS e estão se inserindo<br />

ca<strong>da</strong> vez mais na ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, nos meios <strong>de</strong> comunicação, nas universi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, se propondo, indicando<br />

que há uma racionali<strong>da</strong><strong>de</strong> estigmatizante que precisa ser posta em discussão e realce aspectos<br />

que nos aproximam e não nos distanciam.<br />

Em minhas aulas tenho a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer centenas <strong>de</strong> estu<strong>da</strong>ntes que diante <strong>da</strong><br />

afirmativa <strong>de</strong> que eu moro no Subúrbio e lá trabalho, eles muitas vezes têm a frase pronta:<br />

“Não conheço, mas sei que é perigoso!”<br />

Mas o que é isso?<br />

É o efeito <strong>de</strong>letério <strong>da</strong> ignorância e do preconceito.<br />

A ignorância e o preconceito são posturas presentes nos humanos que mais prejuízos trazem ao<br />

humano.<br />

5 Em relação a essas <strong>de</strong>scobertas vejam, por exemplo, o maravilhoso trabalho dos alunos e alunas <strong>da</strong><br />

Agência Experimental <strong>da</strong> FACOM/UFBA, que mapearam mais <strong>de</strong> cinqüenta espaços culturais e artistas <strong>da</strong>s<br />

periferias <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>. Trabalhos como estes <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>mente divulgados e publicados, pois<br />

mostram que iniciativas assim inovadoras quebram estereótipos e revela uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> que não é conheci<strong>da</strong><br />

nem mesmo por aqueles que nela habitam.<br />

Quando insisto sobre a importância do SFS para a História do Brasil e <strong>da</strong> Bahia as pessoas<br />

ficam choca<strong>da</strong>s, pois trago <strong>da</strong>dos, livros, referências, <strong>de</strong>scobertas, aspectos que são irrefutáveis<br />

para <strong>de</strong>scortinar o <strong>de</strong>sconhecimento que as próprias pessoas têm em relação à sua história, à sua<br />

civilização.<br />

5


<strong>Artistas</strong> <strong>Invisíveis</strong> <strong>da</strong> <strong>Periferia</strong> <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> <strong>–</strong> <strong>José</strong> Eduardo Ferreira Santos<br />

Como somos um país recente, ain<strong>da</strong> não apren<strong>de</strong>mos a conhecer, valorizar e registrar a nossa<br />

história e esse <strong>de</strong>sconhecimento produz muitos <strong>da</strong>nos, pois como vivemos, ou queremos viver<br />

um eterno presente, geralmente <strong>de</strong>scartamos aquilo que não conhecemos.<br />

Quando <strong>de</strong>nominamos a pesquisa focamos bem o aspecto <strong>de</strong> artistas invisíveis para <strong>de</strong>marcar<br />

que essa ignorância e <strong>de</strong>sconhecimento se fazem presentes <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> própria Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />

<strong>Salvador</strong>, que teima em olhar para fora <strong>de</strong> si buscando a sua i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> quando essa i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

história e cultura estão aqui <strong>de</strong>ntro, perto <strong>de</strong> nós.<br />

Neste sentido não é <strong>de</strong> espantar que as pessoas <strong>de</strong> outros lugares muitas vezes conheçam<br />

melhor a nossa história do que nós, porque o gran<strong>de</strong> risco <strong>da</strong> invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> é que a gente se<br />

torne invisível também.<br />

Vamos fazer um roteiro para tirar <strong>da</strong> invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> histórica:<br />

-Primeiro poço <strong>de</strong> petróleo do Brasil?<br />

- Lobato!<br />

Local on<strong>de</strong> Anchieta morou e houve a invasão holan<strong>de</strong>sa na Bahia?<br />

- Esca<strong>da</strong>!<br />

Primeiro julgado <strong>da</strong> Bahia?<br />

- Paripe!<br />

Guerra <strong>da</strong> In<strong>de</strong>pendência <strong>da</strong> Bahia?<br />

- Pirajá, Alto do Cabrito!<br />

Local on<strong>de</strong> Jorge Amado morou e escreveu o guia Bahia <strong>de</strong> Todos os Santos e ambientou o seu<br />

romance Os Velhos Marinheiros?<br />

- Periperi!<br />

Locais <strong>de</strong> presença indígena?<br />

- Tubarão, Lobato, Plataforma, Paripe, Calça<strong>da</strong>, Periperi!<br />

Local on<strong>de</strong> existia o Quilombo do Urubu, chefiado por Zeferina?<br />

- Parque São Bartolomeu!<br />

Ruínas <strong>da</strong> paróquia com mais <strong>de</strong> 400 anos?<br />

- Paripe!<br />

On<strong>de</strong> seria fun<strong>da</strong><strong>da</strong> a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> do <strong>Salvador</strong>?<br />

- Península <strong>de</strong> Itapagipe!<br />

Único local <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> on<strong>de</strong> o trem passa na beira do mar?<br />

- Subúrbio Ferroviário <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>!<br />

Único local na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> on<strong>de</strong> há cachoeiras?<br />

- Parque São Bartolomeu!<br />

On<strong>de</strong> há um dos maiores sambaquis do Brasil?<br />

- Periperi!<br />

Qual a praia que os presi<strong>de</strong>ntes FHC, Lula e Dilma vêm <strong>de</strong>scansar?<br />

- Inema, São Thomé <strong>de</strong> Paripe!<br />

Quais foram os primeiros locais estu<strong>da</strong>dos por Milton Santos e seus alunos?<br />

- Os bairros do Subúrbio Ferroviário <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> (e eu tenho uma cópia dos estudos no<br />

Acervo <strong>da</strong> Laje)!<br />

Qual a igreja do SFS que é fotografa<strong>da</strong> por Edgar Cerqueira Falcão no livro Relíquias <strong>da</strong><br />

Bahia, <strong>de</strong> 1940?<br />

- Igreja <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>da</strong> Esca<strong>da</strong>!<br />

Qual o sobrado que quando <strong>de</strong>rrubado <strong>de</strong>u origem aos Alagados?<br />

- Sobrado do Coronel, no Caminho <strong>de</strong> Areia!<br />

Local no qual o então candi<strong>da</strong>to Lula veio em <strong>Salvador</strong>?<br />

- Novos Alagados!<br />

On<strong>de</strong> estão as ruínas <strong>de</strong> um dos maiores complexos têxteis do Brasil?<br />

- Plataforma!<br />

On<strong>de</strong> há a travessia marítima e o encontro com uma estação ferroviária?<br />

- Plataforma!<br />

On<strong>de</strong> há a construção <strong>de</strong> um castelo medieval?<br />

- Periperi!<br />

Local on<strong>de</strong> morou o historiador Cid Teixeira e ACM freqüentava na juventu<strong>de</strong>?<br />

- Itacaranha!<br />

Percebam que em um lugar como este, com to<strong>da</strong> essa história do nosso processo <strong>de</strong> constituição<br />

<strong>da</strong> Nação brasileira, muitos aspectos históricos, culturais e artísticos são negados e esquecidos<br />

pela socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, que enxerga ali somente pobreza e violência.<br />

Historicamente em fins <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1930 o SFS começou a ser habitado pela população <strong>de</strong><br />

baixa ren<strong>da</strong>, vin<strong>da</strong> do interior do Estado Bahia, no intuito <strong>de</strong> conseguir uma vi<strong>da</strong> melhor. Esse<br />

êxodo se <strong>de</strong>us também nas déca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 1960 e 1970. Antes era local <strong>de</strong> veraneio <strong>de</strong> pessoas<br />

abasta<strong>da</strong>s, cujas chácaras até hoje po<strong>de</strong>m ser vistas nas belas praias do SFS.<br />

Segue um texto também para tirar <strong>da</strong> invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> os artistas do SFS:<br />

“FALA NO PROJETO MÚSICA DAS RUAS” A ARTE INVISÍVEL DO SUBÚRBIO<br />

FERROVIÁRIO DE SALVADOR EM 24 DE SETEMBRO DE 2011<br />

Depois <strong>de</strong> estu<strong>da</strong>r aquela face que é mais explora<strong>da</strong> pela mídia sensacionalista e superficial,<br />

que é a violência no Subúrbio Ferroviário <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>, comecei em 2010 a estu<strong>da</strong>r um aspecto<br />

que sempre me chamou a atenção, e que agora começa a ganhar corpo e visibili<strong>da</strong><strong>de</strong>: a<br />

invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> dos trabalhadores <strong>da</strong> beleza, os artistas do SFS.<br />

Essa invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> se dá por uma separação entre a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e o SFS, como quem segrega os<br />

espaços, indicando quem po<strong>de</strong> ter acesso ou não à visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e divulgação <strong>de</strong> sua obra.<br />

6


<strong>Artistas</strong> <strong>Invisíveis</strong> <strong>da</strong> <strong>Periferia</strong> <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> <strong>–</strong> <strong>José</strong> Eduardo Ferreira Santos<br />

Neste sentido, muitos artistas que moraram ou moram aqui não conseguem ter a sua obra<br />

avalia<strong>da</strong>, consumi<strong>da</strong> e divulga<strong>da</strong>, porque há ain<strong>da</strong> certa restrição tanto dos meios <strong>de</strong><br />

comunicação como <strong>da</strong> indústria <strong>de</strong> entretenimento em incluir essas expressões artísticas que<br />

na<strong>da</strong> <strong>de</strong>ixam a <strong>de</strong>sejar diante <strong>da</strong>queles artistas que são apadrinhados pela mídia.<br />

Projetos como estes proporcionam esse intercâmbio <strong>de</strong> encontros entre os artistas e o público,<br />

porque quem faz arte tem que mostrar o seu trabalho e ter sua obra divulga<strong>da</strong>.<br />

É a periferia que traz a alegria para o mundo.<br />

A alegria do mundo é produzi<strong>da</strong> na periferia.<br />

Se você chegar ao Mercado Mo<strong>de</strong>lo ou ao Pelourinho verá que a produção artística que<br />

encanta os turistas vem <strong>da</strong> periferia: quadros, pinturas, artesanato, e contagia o mundo.<br />

Na pesquisa encontramos muitos artistas que aceitaram fazer parte <strong>de</strong>ste trabalho e abriram<br />

as portas <strong>de</strong> suas casas para que os entrevistássemos e os fotografássemos, contando, assim, as<br />

suas histórias.<br />

São eles:<br />

Perinho Santana, artista plástico <strong>–</strong> São João do Cabrito<br />

Nalva, artista plástica <strong>–</strong> São João do Cabrito<br />

Nascimento, produtor <strong>de</strong> reggae e músico - Plataforma<br />

Tallowah, ban<strong>da</strong> <strong>de</strong> reggae <strong>–</strong> Plataforma<br />

Niejila Brito, artista plástica <strong>–</strong> Alto do Cabrito<br />

Fábio Santana, ator, produtor, “se virólogo” <strong>–</strong> Bando <strong>de</strong> Teatro Olodum e Coletivo<br />

<strong>de</strong> Produtores do Subúrbio - Alto do Cabrito<br />

Ray Bahia, artista plástico - Periperi<br />

Dona Coleta <strong>de</strong> Omolú, cantora e <strong>da</strong>nçarina - São João do Cabrito<br />

Eduardo Pereira Oduduwà, artista plástico <strong>–</strong> Esca<strong>da</strong><br />

João Teles, músico e <strong>da</strong>nçarino <strong>–</strong> Novos Alagados<br />

Ban<strong>da</strong> Clan<strong>de</strong>stinos 5 <strong>–</strong> Novos Alagados (6)<br />

Maria Nauzina - Her<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> Angola <strong>–</strong> Planalto Real<br />

Rô e Cia Futebol Clube <strong>–</strong> Boia<strong>de</strong>iro<br />

César, escultor em ma<strong>de</strong>ira <strong>–</strong> Fazen<strong>da</strong> Coutos<br />

Samba <strong>da</strong> La<strong>de</strong>ira, samba <strong>–</strong> Boia<strong>de</strong>iro<br />

Nova Era, Hip Hop <strong>–</strong> Periperi<br />

Seu Jorge Fotógrafo <strong>–</strong> Plataforma<br />

Alberto Pita <strong>–</strong> Cortejo Afro <strong>–</strong> Pirajá<br />

Mãe Santinha <strong>–</strong> Cortejo Afro <strong>–</strong> Pirajá<br />

Mestre Gordo <strong>–</strong> Cortejo Afro <strong>–</strong> Pirajá<br />

Jaime Oliveira <strong>–</strong> Cortejo Afro - Pirajá<br />

Zé <strong>de</strong> Valença, dono <strong>de</strong> restaurante <strong>–</strong> São João do Cabrito<br />

Nilza <strong>–</strong> Ven<strong>de</strong>dora <strong>de</strong> Acarajé <strong>–</strong> Boia<strong>de</strong>iro<br />

Paulo Tatoo <strong>–</strong> São João do Cabrito<br />

Jorge Pimenta <strong>–</strong> JP Publici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>–</strong> Subúrbio Ferroviário<br />

Isis Sacramento <strong>–</strong> Biblioteca Abdias Nascimento <strong>–</strong> Periperi<br />

Ubirajara, <strong>da</strong>nçarino <strong>–</strong> Bariri<br />

<strong>José</strong> E<strong>de</strong>milson <strong>–</strong> Sofia Centro <strong>de</strong> Estudos <strong>–</strong> Esca<strong>da</strong><br />

Seu Augusto <strong>–</strong> Babalorixá <strong>–</strong> Esca<strong>da</strong><br />

Cesare La Rocca <strong>–</strong> Projeto Axé <strong>–</strong> São Thomé <strong>de</strong> Paripe<br />

A<strong>de</strong>nilza <strong>–</strong> Kilombo do Kioiô <strong>–</strong> Novos Alagados<br />

Mosteiro do <strong>Salvador</strong>, balé para meninas <strong>–</strong> Coutos<br />

Prentice Carvalho <strong>–</strong> azulejista <strong>–</strong> Ribeira<br />

Carioca <strong>–</strong> Pintor <strong>–</strong> Baixa do Bomfim, morador <strong>de</strong> rua<br />

Deraldo Lima <strong>–</strong> pintor e divulgador cultural <strong>–</strong> São Thomé <strong>de</strong> Paripe<br />

Raimundo Lembrança <strong>–</strong> pintor <strong>–</strong> Estra<strong>da</strong> do Cabrito, Plataforma<br />

E... Aos que eu não pu<strong>de</strong> entrevistar, levados pelo quinhão <strong>da</strong> memória e <strong>da</strong> morte<br />

Sr. Almiro Borges, pintor <strong>–</strong> Itacaranha/ Mabaço<br />

Sr. Licurgo Neto, pintor - Periperi / Ilha <strong>de</strong> Paquetá (RJ)<br />

Sr. Otávio Bahia, escultor em ma<strong>de</strong>ira <strong>–</strong> Fazen<strong>da</strong> Coutos<br />

Sr. Jorge Ravinny, produtor e diretor teatral <strong>–</strong> Boia<strong>de</strong>iro<br />

***<br />

E <strong>da</strong>queles que possuo as obras, mas não consegui entrevistar:<br />

Manoel, criador <strong>de</strong> mosaicos <strong>–</strong> Rua 19 <strong>de</strong> Março, Plataforma<br />

Sandoval, escultor em ma<strong>de</strong>ira <strong>–</strong> Boia<strong>de</strong>iro, Plataforma<br />

Carlos Coelho, criador <strong>de</strong> mosaicos <strong>–</strong> Boia<strong>de</strong>iro, Plataforma<br />

Elói do Rosário Cruz <strong>–</strong> pintor <strong>–</strong> Boia<strong>de</strong>iro, Plataforma<br />

Elisângela Pereira <strong>–</strong> artista plástica <strong>–</strong> Rua 19 <strong>de</strong> Março, Plataforma<br />

Otávio Filho, escultor em ma<strong>de</strong>ira <strong>–</strong> Fazen<strong>da</strong> Coutos<br />

O Terreiro <strong>–</strong> ban<strong>da</strong> - Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Plástico, Periperi<br />

***<br />

Aqueles que conheci nos últimos tempos, mas não pu<strong>de</strong> entrevistar:<br />

<br />

<br />

<br />

Joel, estilista <strong>de</strong> material reciclado <strong>–</strong> Largo do Luso, Plataforma<br />

Kátia, artista plástica e artesã <strong>–</strong> Periperi<br />

Parto Natural, ban<strong>da</strong> <strong>de</strong> reggae <strong>–</strong> Coutos<br />

7


<strong>Artistas</strong> <strong>Invisíveis</strong> <strong>da</strong> <strong>Periferia</strong> <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> <strong>–</strong> <strong>José</strong> Eduardo Ferreira Santos<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Projeto <strong>de</strong> Iniciação Musical <strong>–</strong> Coutos<br />

<strong>José</strong> Nunes <strong>de</strong> Oliveira, artesão <strong>–</strong> Rua <strong>da</strong> Aurora, Plataforma<br />

George Bispo, diretor e produtor <strong>–</strong> Alto do Cabrito<br />

Márcio Bacelar, diretor e produtor <strong>–</strong> Alto do Cabrito<br />

E mais: quem quiser ver com os próprios olhos essa beleza produzi<strong>da</strong> aqui no Subúrbio<br />

Ferroviário <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>, faço o convite para visitarem o “Acervo <strong>da</strong> Laje”, um local<br />

improvável, mas existente, que fica aqui em Novos Alagados, São João do Cabrito, em<br />

Plataforma, na queri<strong>da</strong> Rua Nova Esperança.<br />

Depois <strong>da</strong> visita quero ver se a sua percepção sobre o Subúrbio Ferroviário <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> não<br />

vai mu<strong>da</strong>r completamente...<br />

Está feito o convite”.<br />

RUÍNAS E RELÍQUIAS DO SUBÚRBIO FERROVIÁRIO DE SALVADOR<br />

No Subúrbio Ferroviário <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> há uma significativa quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ruínas e relíquias que<br />

precisam ser conheci<strong>da</strong>s.<br />

De Pirajá/São Bartolomeu a Paripe e São Tomé há algumas preciosi<strong>da</strong><strong>de</strong>s para visitar e se<br />

<strong>de</strong>bruçar por um instante nestes recantos on<strong>de</strong> a história adormece e ao mesmo tempo continua<br />

viva.<br />

Eu não me canso <strong>de</strong> visitar as relíquias e as ruínas do Subúrbio Ferroviário <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>, porque<br />

elas contam uma história que muitos não sabem e vivem como se aqui não existisse uma<br />

memória ancestral que está se per<strong>de</strong>ndo e precisam necessariamente ser conheci<strong>da</strong>s.<br />

Hoje fomos visitar o Subúrbio Ferroviário e este foi um momento impressionante pelo<br />

reencontro com estes monumentos que fazem do Subúrbio Ferroviário <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> uma <strong>da</strong>s<br />

áreas mais interessante do ponto <strong>de</strong> vista histórico e cultural <strong>da</strong> Bahia.<br />

No mais, ao me <strong>de</strong>parar com igrejas antigas e ruínas remanescentes dos séculos passados<br />

sempre vou procurar novas informações e não as encontro, pois poucas são as referências<br />

existentes, mostrando como essa memória foi paulatinamente apaga<strong>da</strong>.<br />

Fomos à igreja <strong>de</strong> São Bartolomeu em Pirajá, <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> meta<strong>de</strong> do século XIII, com suas<br />

belíssimas imagens <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>da</strong> Pie<strong>da</strong><strong>de</strong> e São Bartolomeu e visitamos o Panteon em<br />

homenagem ao General Labatut, participante <strong>da</strong>s batalhas pela In<strong>de</strong>pendência <strong>da</strong> Bahia, no<br />

Dois <strong>de</strong> Julho. Encontramos a igreja aberta e pu<strong>de</strong>mos admirar a sua arquitetura em <strong>de</strong>talhes.<br />

Depois fomos até a entra<strong>da</strong> do Parque São Bartolomeu ver as ruínas que ficam próximos às<br />

cachoeiras <strong>de</strong> Oxum e Nanã, hoje poluí<strong>da</strong>s, mas sem per<strong>de</strong>r o ar <strong>de</strong> encantamento com tanto<br />

ver<strong>de</strong> ao nosso redor. São Bartolomeu é um mistério em meu caminho: como me sinto bem ali.<br />

Respirar aquele ar, aquela história to<strong>da</strong> me faz voltar à vi<strong>da</strong>, apesar <strong>da</strong> <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>ção do local,<br />

com suas cachoeiras, manguezal e remanescente <strong>de</strong> floresta tropical. Essas ruínas, por exemplo,<br />

ain<strong>da</strong> não foram estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s. É possível? Seriam <strong>de</strong> um engenho ou <strong>de</strong> uma igreja? Fica o<br />

mistério...<br />

No caminho para o Parque São Bartolomeu avistamos algumas ruínas <strong>de</strong> antigos terreiros <strong>de</strong><br />

candomblé e outros ain<strong>da</strong> em funcionamento. Nas ruínas po<strong>de</strong>mos ver ain<strong>da</strong> to<strong>da</strong> a arquitetura<br />

do lugar, que conta com a profícua quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> vegetação e água corrente, como cachoeiras e<br />

rios. Com o avanço <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado <strong>da</strong>s construções irregulares os espaços sagrados vão per<strong>de</strong>ndo<br />

seu lugar.<br />

Seguindo pela Aveni<strong>da</strong> Afrânio Peixoto, conheci<strong>da</strong> como Suburbana, seguimos até a Capela <strong>de</strong><br />

Esca<strong>da</strong> Nossa Senhora <strong>da</strong> Esca<strong>da</strong>, do século XVII, uma <strong>da</strong>s mais belas e antigas <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>,<br />

reforma<strong>da</strong> há alguns anos e que tem muito <strong>da</strong> história do Brasil em suas pare<strong>de</strong>s.<br />

Por fim seguimos até Paripe para visitar as ruínas <strong>da</strong> antiga Igreja <strong>de</strong> Nossa Senhora do Ó, que<br />

po<strong>de</strong>m ser vistas no cemitério <strong>de</strong> Paripe, uma revelação, pois muitas pessoas diziam que ela<br />

ain<strong>da</strong> existia, mas poucos foram até lá. Para quem não sabe, essa igreja sediou uma <strong>da</strong>s<br />

primeiras paróquias <strong>da</strong> Bahia, tendo mais <strong>de</strong> quatrocentos anos, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1608.<br />

Da antiga igreja pouco restou, mas vale a visita. Po<strong>de</strong>mos ver entre as ruínas sinais <strong>de</strong> que a<br />

igreja era muito bem orna<strong>da</strong> <strong>de</strong> azulejos portugueses policromados <strong>de</strong> pelo menos dois tipos.<br />

Há uma cornija ain<strong>da</strong> <strong>de</strong> pé na nave central, as pare<strong>de</strong>s laterais ain<strong>da</strong> estão <strong>de</strong> pé ostentando<br />

portas e um púlpito com base <strong>de</strong> pedra <strong>de</strong> lioz em forma <strong>de</strong> espiral, típico do barroco.<br />

Dali faltou visitar a igreja <strong>de</strong> São Tomé <strong>de</strong> Paripe, do século XVII, mas fica para outra vez.<br />

Uma aluna me informou por estes dias que existe um casarão em Aratu que D. Pedro I visitou e<br />

hoje está em ruínas.<br />

Amanhã vou tomar mais informações. Ela mora em São Tomé <strong>de</strong> Paripe e conhece bem a<br />

região.<br />

A pergunta que não cala é por que não existe um projeto <strong>de</strong> valorização <strong>da</strong> história do Subúrbio<br />

Ferroviário <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>, se ain<strong>da</strong> encontramos estes monumentos que po<strong>de</strong>m ser preservados e<br />

se constituir um roteiro <strong>de</strong> visitação com possível revitalização <strong>de</strong>stes espaços?<br />

8


<strong>Artistas</strong> <strong>Invisíveis</strong> <strong>da</strong> <strong>Periferia</strong> <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> <strong>–</strong> <strong>José</strong> Eduardo Ferreira Santos<br />

Em conversa ao telefone com <strong>José</strong> E<strong>de</strong>milson, do Sofia <strong>–</strong> Centro <strong>de</strong> Estudos, começamos a<br />

vislumbrar algumas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho neste sentido: formação <strong>de</strong> jovens em história<br />

local, com possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso a estes bens culturais e históricos escondidos sobre os<br />

estigmas que recaem sobre o Subúrbio Ferroviário <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>.<br />

Po<strong>de</strong>ria ser um projeto do tipo Subúrbio Histórico ou Caminhos Históricos do Subúrbio: venha<br />

conhecer!, como acontece com a Estra<strong>da</strong> Real em Minas e Rio <strong>de</strong> Janeiro, se não me engano.<br />

Haveriam roteiros como História dos Negros no Subúrbio Ferroviário <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>, mostrando<br />

o Parque São Bartolomeu, os terreiros <strong>de</strong> candomblé, i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

quilombolas.<br />

Haveria o roteiro Subúrbio Monumental e Religioso, mostrando as antigas igrejas e o Subúrbio<br />

Colonial, com espaços, fontes, casarões, <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> ruínas, assim como o Subúrbio Fabril,<br />

mostrando as antigas fábricas, as ruínas e as ruas i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong>s por nomes <strong>de</strong> antigas e atuais<br />

profissões: pescadores, ferroviários, tecelões, marisqueiras, petroleiros, ambulantes e<br />

reza<strong>de</strong>iras.<br />

Po<strong>de</strong> haver ain<strong>da</strong> o Subúrbio Natural, mostrando as belezas escondi<strong>da</strong>s: as pedras, os mirantes,<br />

o mar, a ensea<strong>da</strong>, os manguezais, os rios e as fontes.<br />

Outra possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> é o Subúrbio Marítimo: seguir os mesmos roteiros <strong>de</strong> séculos atrás <strong>de</strong><br />

Gabriel Soares <strong>de</strong> Sousa e Wan<strong>de</strong>rlei Pinho, chegando até Caboto, margeando a praia e vendo<br />

os lugares e monumentos existentes.<br />

De um ponto <strong>de</strong> vista mais social e atual po<strong>de</strong>ria existir uma linha <strong>de</strong> interesse sobre As favelas<br />

do Subúrbio e sua gente: modos <strong>de</strong> ver e interagir para <strong>de</strong>rrubar estereótipos, mostrando as<br />

novas invasões <strong>de</strong> terra, como vivem, os lugares e sua história.<br />

De outro, como não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, mostrar as riquezas do Subúrbio que constrói<br />

educação, cultura e arte, mostrando os espaços educativos, culturais e seus artistas,<br />

apresentando a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural e educativa do lugar, tendo por base as associações, a<br />

cultura local, tudo bem próximo <strong>de</strong> um projeto que já <strong>de</strong>senvolvemos chamado A Arte Invisível<br />

dos Trabalhadores <strong>da</strong> Beleza nas <strong>Periferia</strong>s <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>, o qual se encontra em fase <strong>de</strong><br />

aprofun<strong>da</strong>mento nestes meses.<br />

Por fim, po<strong>de</strong>mos fazer o roteiro Subúrbio Ferroviário: Uma Viagem no Tempo, com um<br />

passeio <strong>de</strong> trem valorizando e explicitando as locali<strong>da</strong><strong>de</strong>s e as peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>stes lugares,<br />

tudo isso bem ligado ao que fez o Almanaque Ro<strong>da</strong> Pião.<br />

Lembremos que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Gabriel Soares <strong>de</strong> Sousa, com seu livro Tratado Descritivo do Brasil em<br />

1587 (escrito em 1584), o Subúrbio Ferroviário sempre fez parte <strong>da</strong> história <strong>da</strong> Bahia e do<br />

Brasil e precisa ser mais valorizado.<br />

O mesmo po<strong>de</strong> ser visto em outras obras, como História <strong>de</strong> um engenho do Recôncavo, <strong>de</strong><br />

Wan<strong>de</strong>rley Pinho; História do Brasil (1500 <strong>–</strong> 1627), <strong>de</strong> Frei Vicente do <strong>Salvador</strong> e além <strong>de</strong>stes<br />

o Inventário <strong>de</strong> Proteção do Acervo Cultural <strong>da</strong> Bahia, do IPAC, que são livros preciosos, com<br />

informações e referência aos monumentos tombados ou não.<br />

Outros monumentos importantes do Subúrbio Ferroviário são o primeiro poço petrolífero do<br />

Brasil, localizado no bairro do Lobato, a Ponte São João, a linha férrea <strong>de</strong> Calça<strong>da</strong> até Paripe,<br />

com o túnel entre Periperi e Coutos, o conjunto <strong>de</strong> casas, armazéns e trapiche <strong>da</strong> fábrica<br />

FAGIP/FATBRAZ, em Plataforma, as casas <strong>de</strong> veraneio na extensão <strong>da</strong> Almei<strong>da</strong> Brandão até a<br />

praia <strong>de</strong> Tubarão.<br />

ONDE ESTÁ A BELEZA?<br />

Se por ventura alguém resolver trilhar pelas áreas periféricas <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> po<strong>de</strong> ficar espantado<br />

com a pobreza, as casas construí<strong>da</strong>s sem planejamento, as ruas sempre movimenta<strong>da</strong>s, com lixo<br />

espalhado, enfim, cenas corriqueiras para olhares que não surpreen<strong>de</strong>m sequer uma novi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

nestes espaços 6 .<br />

Por to<strong>da</strong> a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> temos essa sensação, pois <strong>Salvador</strong> inteira está se tornando nos últimos anos<br />

uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> on<strong>de</strong> não percebemos on<strong>de</strong> começa ou termina a periferia, pois ela parece se<br />

alastrar na terceira maior capital do Brasil, com cerca <strong>de</strong> três milhões <strong>de</strong> habitantes.<br />

Mas em uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> reconheci<strong>da</strong> mundialmente por sua beleza, quando a<strong>de</strong>ntramos a periferia,<br />

po<strong>de</strong>mos nos perguntar: on<strong>de</strong> está a beleza? Fora do eixo mais conhecido <strong>da</strong> gran<strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

on<strong>de</strong> ela está?<br />

Existe em nós uma dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> ca<strong>da</strong> vez maior <strong>de</strong> vislumbrar que a beleza está muitas vezes<br />

on<strong>de</strong> sequer imaginamos.<br />

É isso.<br />

6 Importante é acentuar aqui que o Subúrbio possa ser percebido como um “não-lugar”, para utilizar a<br />

expressão <strong>de</strong> Marc Augé. Por este motivo a noção <strong>de</strong> periferia ou <strong>de</strong> subúrbio carrega em si uma gama <strong>de</strong><br />

significados pautados pela exclusão, o que po<strong>de</strong> indicar que para aqueles que são “<strong>de</strong> fora” não percebam a<br />

diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> e a pertença <strong>de</strong>ste lugar e <strong>de</strong>ssas pessoas à ci<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

9


<strong>Artistas</strong> <strong>Invisíveis</strong> <strong>da</strong> <strong>Periferia</strong> <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> <strong>–</strong> <strong>José</strong> Eduardo Ferreira Santos<br />

<strong>Salvador</strong> 7 é uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> contrastes, on<strong>de</strong> riqueza e pobreza se misturam, mas ao mesmo<br />

tempo se apartam, gerando uma níti<strong>da</strong> segregação entre os espaços on<strong>de</strong> há a beleza e aqueles<br />

que <strong>de</strong>la são <strong>de</strong>sprovidos, criando oposições e incompatibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s no plano do senso comum.<br />

É como se na periferia e nas favelas 8 o belo não pu<strong>de</strong>sse existir.<br />

Diante <strong>de</strong>ssa constatação fomos 9 em busca <strong>de</strong>ssa beleza, mas não a simples beleza, mas aquela<br />

que permanece invisível aos nossos olhos e que assim se encontra porque está dissemina<strong>da</strong> e ao<br />

mesmo tempo escondi<strong>da</strong>; não está na mídia nem nas galerias <strong>de</strong> arte ou nas rádios ou nos<br />

gran<strong>de</strong>s teatros <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>.<br />

É a beleza dos artistas invisíveis. Homens, mulheres, crianças e jovens que cotidianamente<br />

labutam em busca <strong>de</strong> uma expressão artística que lhes <strong>de</strong>fina e sustente.<br />

Essa beleza se expressa na arte <strong>de</strong>sses trabalhadores invisíveis.<br />

Estamos nestes seis meses rastreando, na periferia <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>, especificamente no Subúrbio<br />

Ferroviário, que conta com uma população aproxima<strong>da</strong> <strong>de</strong> 150 mil habitantes esses artistas,<br />

tentando mostrar que a beleza está em todo lugar e que o Subúrbio Ferroviário é um lugar on<strong>de</strong><br />

a beleza existe e precisa ser divulga<strong>da</strong>, contribuindo assim com a existência <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

expressões no mundo contemporâneo.<br />

INVISIBILIDADE DA BELEZA NO SUBÚRBIO FERROVIÁRIO<br />

7 A primeira etapa <strong>da</strong> pesquisa se realizou em <strong>Salvador</strong>, nos primeiros meses <strong>de</strong> 2010. É importante<br />

salientar que nesse período os contrastes sociais aumentaram vertiginosamente e pu<strong>de</strong>mos perceber que em<br />

to<strong>da</strong> a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> os índices <strong>de</strong> violência aumentaram <strong>de</strong> forma alarmante. Muitos assassinatos, queima <strong>de</strong><br />

ônibus, aumento do tráfico <strong>de</strong> drogas, especialmente o crack, enfim, gerando uma sensação <strong>de</strong> insegurança<br />

jamais vista na ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, em todos os seus bairros. Foi nesse contexto que começamos e <strong>de</strong>senvolvemos essa<br />

pesquisa com os artistas do Subúrbio Ferroviário. Em vários momentos sentimos o medo <strong>de</strong> sair às ruas,<br />

mas nem por isso <strong>de</strong>ixamos <strong>de</strong> trabalhar.<br />

8 A arte e a beleza sempre existiram nas periferias do Brasil, pois a criativi<strong>da</strong><strong>de</strong> do povo sempre encontrou<br />

sua forma <strong>de</strong> expressão nas mais varia<strong>da</strong>s formas. Por exemplo, po<strong>de</strong>mos lembrar dos sambistas dos<br />

morros cariocas que sempre foram significativos na música brasileira, com composições que são referência<br />

até os dias <strong>de</strong> hoje.<br />

9 A referência a este “fomos” está relaciona<strong>da</strong> a mim e ao fotógrafo Marco Illuminati que com entusiasmo e<br />

profissionalismo temos realizado essa empreita<strong>da</strong>.<br />

<strong>Salvador</strong> tem regiões que sofrem com o estigma <strong>da</strong> violência. Impossível não associar algumas<br />

áreas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> à ocorrência <strong>de</strong> crimes e violência, como se os mesmos não ocorressem em<br />

outros bairros.<br />

Sendo assim, a mídia e as pessoas no senso comum estabelecem que <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s áreas e<br />

bairros correspon<strong>da</strong>m àquilo que elas imaginam que sejam essas locali<strong>da</strong><strong>de</strong>s.<br />

Aqui começa o estigma.<br />

Sempre me perguntei por que habito em um lugar tão belo em suas paisagens e tão histórico ao<br />

mesmo tempo?<br />

Trabalhei durante muitos anos 10 para que as pessoas conhecessem um pouco mais do Subúrbio<br />

Ferroviário, procurando i<strong>de</strong>ntificar as potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>s e riquezas que foram esqueci<strong>da</strong>s, mas<br />

esse esforço muitas vezes recaiu na necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> estu<strong>da</strong>r as mazelas sociais que interessam à<br />

aca<strong>de</strong>mia, opondo, assim a sua capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir e expressar a beleza.<br />

Estu<strong>de</strong>i violência para respon<strong>de</strong>r a tantas <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s e mesmo assim tentei em todos os meus<br />

trabalhos mostrar uma visão mais ampla do que é crescer e se <strong>de</strong>senvolver em um ambiente <strong>de</strong><br />

vulnerabili<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Impressionante notar que muitas vezes tentei ligar para veículos <strong>de</strong> comunicação impressa e<br />

televisiona<strong>da</strong> sugerindo pautas sobre os achados <strong>da</strong> pesquisa sobre a arte invisível e <strong>de</strong> um<br />

modo muito peculiar nenhum <strong>de</strong>les aten<strong>de</strong> a essas sugestões e <strong>de</strong> vez em quando me ligam <strong>de</strong><br />

volta para pedir informações sobre... violência!<br />

Dizer que existe um Centro Cultural em Plataforma, com a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um teatro do centro <strong>da</strong><br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong> causa estranhamento e <strong>de</strong>sconfiança às pessoas que não conhecem a locali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Dizer que aqui existe uma parte significativa <strong>da</strong> história do Brasil, em igrejas, sítios<br />

arqueológicos, ruínas, cenários on<strong>de</strong> guerras e invasões foram trava<strong>da</strong>s ain<strong>da</strong> é motivo <strong>de</strong><br />

espanto para muitas pessoas.<br />

Por exemplo, falar que Periperi foi cenário <strong>de</strong> um romance <strong>de</strong> Jorge Amado ou que o primeiro<br />

poço <strong>de</strong> petróleo no Brasil foi <strong>de</strong>scoberto no Lobato parece coisa inverossímil.<br />

A lista po<strong>de</strong> ser muito maior.<br />

10 Vi<strong>de</strong> livros Travessias e Novos Alagados: histórias do povo e do lugar, assim como alguns artigos que<br />

tenho publicado sobre a violência. Ao mesmo tempo publiquei diversos artigos sobre compositores <strong>da</strong><br />

MPB e tenho dois livros inéditos que após a publicação <strong>da</strong> tese tentarei publicar.<br />

10


<strong>Artistas</strong> <strong>Invisíveis</strong> <strong>da</strong> <strong>Periferia</strong> <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> <strong>–</strong> <strong>José</strong> Eduardo Ferreira Santos<br />

Mas quem se aventura a <strong>de</strong>scobrir essa beleza? Poucos.<br />

A maioria prefere crer na invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do lugar, pois é muito mais cômodo não ver ou fingir<br />

que não existe um lugar com tantas belezas e histórias, e que por déca<strong>da</strong>s sempre foi esquecido<br />

pelo po<strong>de</strong>r público.<br />

Chego a <strong>de</strong>sconfiar que a invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> seja uma forma <strong>de</strong> opressão e ao mesmo tempo uma<br />

negação <strong>da</strong> existência do lugar e <strong>da</strong>s pessoas que nele habitam.<br />

Lembro <strong>de</strong> vezes em que fui com alguns jovens propor pauta em teatros do centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />

to<strong>da</strong>s nos foram nega<strong>da</strong>s; lembro <strong>de</strong> um artista plástico que foi ao um museu <strong>de</strong> arte solicitar<br />

uma pauta para sua exposição e a diretora quis ver os catálogos <strong>de</strong> suas exposições anteriores e<br />

não suas obras, por isso teve seu pedido negado.<br />

Criou-se em torno <strong>da</strong> periferia um cinturão que a separa <strong>da</strong> “ci<strong>da</strong><strong>de</strong>” dita formal.<br />

Poucos são os espaços que acolhem esses artistas.<br />

Po<strong>de</strong>ríamos dizer que a arte suburbana tem um valor consi<strong>de</strong>rável para quem a aprecia, mas,<br />

para que isso ocorra, é necessário que ela seja vista, analisa<strong>da</strong> e divulga<strong>da</strong>.<br />

DA VISIBILIDADE À INVISIBILIDADE DOS ARTISTAS DO SUBÚRBIO<br />

FERROVIÁRIO DE SALVADOR - A TRAJETÓRIA DE UM BAIRRO<br />

Fazendo a etnografia do encontro em plena Praça São Braz, em Plataforma, eis que estou no<br />

ponto <strong>de</strong> ônibus quando dois senhores, um com 54 e o outro com 80 anos se põem a falar do<br />

passado glorioso do bairro <strong>de</strong> Plataforma.<br />

Eles começam falando do tempo em que o bairro era próspero, festivo e seguro.<br />

Contam histórias <strong>da</strong> opulência <strong>da</strong> Fabrica <strong>de</strong> Tecidos São Braz <strong>–</strong> a Fatbraz <strong>–</strong> <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

família Martins Catharino. Um <strong>de</strong>les, o mais velho, lembrou-se <strong>de</strong> que tinha <strong>de</strong>zesseis anos<br />

quando foi ali trabalhar e que seu pai, pescador, teve que fazer uma certidão <strong>de</strong> nascimento<br />

falsa, que se acrescentava mais dois anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong> para po<strong>de</strong>r ser aceito na fábrica.<br />

Eles contaram que havia em todo carnaval o “Bloco do Bacalhau” e que todos os funcionários<br />

<strong>da</strong> fábrica participavam do bloco e do “grito” <strong>de</strong> carnaval que ocorria, tudo isso com muita<br />

alegria, paz e tranqüili<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Disseram que havia na atual Feirinha, uma gran<strong>de</strong> feira, que começava no alto <strong>da</strong> la<strong>de</strong>ira e<br />

terminava na beira-mar, on<strong>de</strong> havia os armazéns dos espanhóis, que vendiam tecido, roupas e<br />

<strong>de</strong>mais mercadorias. Todos os funcionários tinham uma ca<strong>de</strong>rneta <strong>de</strong> compra, aon<strong>de</strong> iam<br />

anotando os débitos e quando do recebimento do pagamento dos salários se formava uma fila<br />

imensa.<br />

Saveiros e trens traziam mercadorias <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>dores do Recôncavo e outros municípios <strong>de</strong><br />

<strong>Salvador</strong> na sexta-feira e que no sábado havia a gran<strong>de</strong> feira, para a qual afluía gran<strong>de</strong> número<br />

<strong>de</strong> pessoas.<br />

Podia-se ficar nas ruas até alta madruga<strong>da</strong>, sem medo <strong>de</strong> assalto.<br />

Havia o cinema, Cine Teatro Plataforma, pertencente ao Círculo Operário <strong>da</strong> Bahia e no qual<br />

várias vezes Irmã Dulce vinha visitar as crianças e trazer presentes para elas. No mesmo Cine<br />

eram exibidos filmes que estavam em cartaz na “ci<strong>da</strong><strong>de</strong>”, como os moradores <strong>da</strong> periferia<br />

chamam o centro <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>.<br />

Nas palavras do Sr. Nildo: “Plataforma parecia uma fazen<strong>da</strong> e todos se conheciam e se <strong>da</strong>vam<br />

bem”.<br />

Essa frase resume o sentimento que os moradores tinham do seu lugar.<br />

DA VISIBILIDADE À INVISIBILIDADE: A TRAJETÓRIA DOS ARTISTAS<br />

INVISÍVEIS<br />

Partindo <strong>de</strong>ssa conversa cheguei a algumas reflexões sobre como é possível passar <strong>da</strong><br />

visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> à invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e me lembrei <strong>de</strong> uma artista em especial que chamou a minha<br />

atenção nesta pesquisa.<br />

Ela é Dona Coleta <strong>de</strong> Omolu, que dos palcos <strong>de</strong> todo o mundo terminou seus dias em uma casa<br />

mo<strong>de</strong>sta no São João do Cabrito e seu nome pouco figura na internet ou em sites, sendo<br />

encontra<strong>da</strong>s algumas referências em um site <strong>da</strong> professora Emilia Biancardi.<br />

DA VISIBILIDADE À INVISIBILIDADE: A TRAJETÓRIA DE UM LUGAR<br />

O mesmo percurso po<strong>de</strong> ser feito em relação ao Subúrbio Ferroviário <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>, local no qual<br />

se <strong>de</strong>u gran<strong>de</strong> parte <strong>da</strong> história <strong>da</strong> colonização do Brasil, com fatos e feitos dignos <strong>de</strong> figurar na<br />

história do Brasil e que hoje se encontra com seus monumentos em ruínas ou pouco conhecidos<br />

pela população.<br />

Hoje, por exemplo, indo a Periperi procurar o “Castelo dos Sonhos Possíveis”, muitos<br />

moradores que habitam ali há déca<strong>da</strong>s disseram não saber <strong>da</strong> existência <strong>de</strong>ste projeto peculiar.<br />

11


<strong>Artistas</strong> <strong>Invisíveis</strong> <strong>da</strong> <strong>Periferia</strong> <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> <strong>–</strong> <strong>José</strong> Eduardo Ferreira Santos<br />

Que dizer: há uma falta <strong>da</strong> memória sobre os artistas presente neste contexto, como se ela fosse<br />

internaliza pelos sujeitos, que se acostumaram a não ter a memória dos artistas passado, não<br />

contribuindo para a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural do mundo no seu futuro e no seu presente.<br />

Em relação aos artistas há uma questão <strong>de</strong>lica<strong>da</strong>, pois o artista nasce para durar, para ser<br />

apreciado, para ser visível a partir <strong>da</strong> sua obra.<br />

Não saber o nome dos artistas, suas obras, sua importância para a elaboração do fazer artístico<br />

<strong>de</strong> uma cultura é um drama que tenho encontrado constantemente na pesquisa.<br />

O artista nasceu para durar, mesmo que <strong>de</strong>ixe este mundo pelo quinhão <strong>da</strong> morte, a sua obra<br />

<strong>de</strong>ve permanecer como uma contribuição para o faber humano.<br />

Encontrar uma obra <strong>de</strong> um artista em uma barraca que será <strong>de</strong>sapropria<strong>da</strong>, que passou pelas<br />

maiores intempéries (chuvas, alagamentos, assaltos, falência, testemunha <strong>de</strong> homicídios,<br />

<strong>de</strong>cadência <strong>da</strong> área <strong>de</strong> proteção ambiental e <strong>da</strong>s práticas religiosas afro brasileiras etc.) e a tela<br />

resistir a tudo isso é <strong>de</strong> fato uma questão <strong>da</strong> permanência <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> arte como um símbolo que<br />

vai contra a falta <strong>da</strong> memória. Chega a ser comovente ver que o artista tem um olhar que tange<br />

a eterni<strong>da</strong><strong>de</strong>, que vislumbra aquilo que nós, trabalhadores comuns, se é que existe algum<br />

trabalhador comum, mais pragmáticos, não nos <strong>da</strong>mos conta.<br />

O retrato do Sr. Wilson, é o símbolo <strong>de</strong> uma época em que as pessoas eram mais felizes, havia<br />

um frescor do início, on<strong>de</strong> as relações eram pauta<strong>da</strong>s por certa gratui<strong>da</strong><strong>de</strong> e festivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ele,<br />

dono <strong>de</strong> barracas no Parque São Bartolomeu, tinha um exce<strong>de</strong>nte que lhe permitiu o “luxo” <strong>de</strong><br />

ter um retrato pintado por um artista <strong>de</strong> renome, que chegou a encontrar em 1972 o prefeito <strong>da</strong><br />

Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, Clériston Andra<strong>de</strong>, em foto divulga<strong>da</strong> no Flogão.<br />

O retrato do Sr. Wilson é uma síntese do local festivo, on<strong>de</strong> a gente <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, do Subúrbio<br />

Ferroviário <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> e outros municípios vinham em romaria celebrar a festa <strong>de</strong> São<br />

Bartolomeu, e que nos finais <strong>de</strong> semana as barracas ficavam lota<strong>da</strong>s, tendo suas cachoeiras,<br />

lagos, manguezais, fontes e a floresta, tudo a disposição <strong>da</strong> população, com uma interação sem<br />

conflitos.<br />

Depois veio a <strong>de</strong>cadência...<br />

E com ela veio o aumento <strong>da</strong> população, a favelização do local, a violência sem limites, o<br />

tráfico <strong>de</strong> drogas sem limite e tudo isso passou por cima dos aspectos sagrados <strong>da</strong>quele lugar. O<br />

“quintal <strong>da</strong> Bahia”, lugar <strong>de</strong> peregrinação e iniciação do povo do axé foi se <strong>de</strong>teriorando sem<br />

limites, principalmente quando as primeiras pessoas começaram a ser assalta<strong>da</strong>s ali e <strong>de</strong>pois o<br />

lugar se tornou ponto <strong>de</strong> “<strong>de</strong>sova” <strong>de</strong> jovens e adultos, na luta insana do tráfico <strong>de</strong> drogas, a<br />

ponto <strong>de</strong> o lugar antes tão atrativo hoje tornar-se praticamente inacessível aos próprios<br />

moradores do Subúrbio Ferroviário <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>.<br />

Oxalá queira que essa intervenção governamental trouxesse melhoras para o Parque São<br />

Bartolomeu e à população.<br />

Que possamos voltar a freqüentar este berço <strong>de</strong> matriz africana presente nos arrabal<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

<strong>Salvador</strong>.<br />

DA VISIBILIDADE À INVISIBILIDADE: QUE DESTINO É ESTE?<br />

A pergunta sobre o <strong>de</strong>stino dos artistas invisíveis me assalta: como po<strong>de</strong> ser arte assim<br />

esqueci<strong>da</strong>?<br />

Deve haver uma resposta...<br />

Será que a pobreza elimina aquilo que é material e também o imaterial? As produções<br />

simbólicas que extrapolam a vi<strong>da</strong> pragmática?<br />

Não sei, mas vou procurar uma resposta...<br />

DA VISIBILIDADE À INVISIBILIDADE: O SUBÚRBIO FERROVIÁRIO DE<br />

SALVADOR<br />

Depois <strong>de</strong> uma pesquisa no CEDIC, <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Clemente Mariani, no bairro do Comércio, no<br />

dia 27 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2011, fui perguntado por uma estu<strong>da</strong>nte <strong>de</strong> história e funcionária, sobre o<br />

“recorte” histórico <strong>da</strong> minha pesquisa.<br />

Ninguém até agora me havia feito esta pergunta, ao que respondi inicialmente que seria <strong>da</strong><br />

déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1940 para cá, por conta dos livros <strong>de</strong> Edgard Cerqueira Falcão sobre a Bahia e em<br />

especial as fotos e referências que o mesmo faz ao Subúrbio antes do processo <strong>de</strong> favelização.<br />

No entanto, pensando bem <strong>de</strong>ti<strong>da</strong>mente, o meu recorte <strong>de</strong> pesquisa vem a partir <strong>da</strong> visibilização<br />

<strong>da</strong> área em que hoje se encontra o SFS através do livro do Gabriel Soares <strong>de</strong> Sousa, “Tratado<br />

Descritivo do Brasil em 1587”, pois neste livro o autor faz as primeiras <strong>de</strong>scrições sobre a<br />

locali<strong>da</strong><strong>de</strong>, indicando monumentos, pessoas, paisagens e <strong>de</strong>limitando <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>scritiva todo o<br />

território. Tempos <strong>de</strong>pois, Wan<strong>de</strong>rley Pinho e Pierre Verger retomam essa panorâmica<br />

<strong>de</strong>scrição.<br />

12


<strong>Artistas</strong> <strong>Invisíveis</strong> <strong>da</strong> <strong>Periferia</strong> <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> <strong>–</strong> <strong>José</strong> Eduardo Ferreira Santos<br />

Depois, séculos <strong>de</strong>pois, na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1940, vêm os livros do Sr. Edgard <strong>de</strong> Cerqueira Falcão, o<br />

“Relíquias <strong>da</strong> Bahia” e “Encantos Tradicionais <strong>da</strong> Bahia”, que <strong>de</strong>scortinaram em fotos alguns<br />

monumentos que existiam e existem na área do SFS.<br />

Neste instante então me dou conta <strong>da</strong> questão <strong>da</strong> visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e do processo <strong>de</strong> invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

pelo qual foi passando o Subúrbio Ferroviário <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>, tão ligado à História do Brasil e<br />

agora relegado ao esquecimento: a abertura <strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong> Afrânio Peixoto, o avanço <strong>da</strong>s favelas,<br />

enfim, tudo isso mudou o rumo <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e o Subúrbio entrou em <strong>de</strong>clínio econômico, social,<br />

histórico e cultural, pois passou a ser associado à pobreza e o “lugar” dos pobres nesta ci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sigual é o esquecimento.<br />

Assim, vindo <strong>de</strong> um processo que vai <strong>da</strong> visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> à invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> sua história foi sendo<br />

olvi<strong>da</strong><strong>da</strong> mediante o crescimento <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e muito <strong>da</strong> cultura que aqui se faz foi sendo<br />

dilapi<strong>da</strong><strong>da</strong> e esqueci<strong>da</strong>.<br />

Como dizia o Poeta Gregório <strong>de</strong> Matos: “Triste Bahia! Ó quão <strong>de</strong>ssemelhante” 11 .<br />

A ARTE EMPODERA A PESSOA 12<br />

Recentemente participei do II Seminário Internacional <strong>de</strong> Psicologia Cultural em Itacimirim e<br />

fui surpreendido pela exposição do professor Sato ao falar que a arte tem um profundo po<strong>de</strong>r<br />

sobre as pessoas e que precisava ser leva<strong>da</strong> mais a sério nos estudos psicológicos.<br />

Ao ouvir essa fala fui tomado <strong>de</strong> espanto e passei a refletir que a arte tem sim esta função em<br />

nossas vi<strong>da</strong>s e principalmente porque ela <strong>de</strong>ve ser um dos níveis que faz com que a pessoa atue<br />

no contexto.<br />

11 (1633? -1696). Poema “PONDO OS OLHOS PRIMEYRAMENTE NA SUA CIDADE CONHECE,<br />

QUE OS MERCADORES SÃO O PRIMEYRO MÓVEL DA RUÍNA, EM QUE ARDE PELAS<br />

MERCADORIAS INÚTEIS, E ENGANOSAS”.<br />

12 “Não temos a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>stilar em palavras as experiências visuais que fazem o belo repousar<br />

naquilo que é apreendido pelo olhar. Uma obra <strong>de</strong> arte é tudo que ela contém: forma, textura, cor, linhas,<br />

conceitos, relações etc. É aquilo que se vê, e o que se diz não correspon<strong>de</strong> exatamente ao que se vê(...). A<br />

virtu<strong>de</strong> <strong>da</strong> arte é afirmar um conhecimento, propondo instrumentos que seduzem a inteligência. A invenção<br />

<strong>de</strong> uma linguagem é o resultado <strong>de</strong> um exercício paciente <strong>de</strong> contemplar outras linguagens. Como todo<br />

discurso, é resultado <strong>de</strong> outros discursos. Exige-se um método. A arte é o que está além dos limites <strong>de</strong> tudo<br />

o que se consi<strong>de</strong>ra cultura; não po<strong>de</strong> se restringir a um exótico experimento ou aparência <strong>da</strong> superfície <strong>de</strong><br />

um trabalho, que fica para trás, como uma coisa vazia, no primeiro confronto com o olhar que pensa”<br />

(Almandra<strong>de</strong>, 2008, p. 95-96).<br />

Dentro <strong>de</strong> uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> social complexa e dramática por conta <strong>da</strong>s vulnerabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais<br />

comecei a me <strong>da</strong>r conta <strong>de</strong> que a arte é um fator <strong>de</strong> proteção e ressignificação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s<br />

pessoas, pois ela exce<strong>de</strong> e completa o cotidiano, trazendo um empo<strong>de</strong>ramento para as pessoas<br />

que vivem em situação <strong>de</strong> adversi<strong>da</strong><strong>de</strong> e não só isso, a arte tem a função <strong>de</strong> restaurar aspectos<br />

<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> pessoal que foram renegados.<br />

O artista revitaliza a existência <strong>de</strong> quem lhe contempla, trazendo novas elaborações quando nos<br />

<strong>de</strong>frontamos com ele.<br />

Esse empo<strong>de</strong>ramento se dá porque fomos feitos para a arte, pois o ser humano não se conforma<br />

com pouco ou somente com o prosaico <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidiana, visto que existir é uma invenção <strong>de</strong><br />

criativi<strong>da</strong><strong>de</strong> cotidiana, e nós queremos sempre mais do que o cotidiano 13 .<br />

Queremos existir como novi<strong>da</strong><strong>de</strong>, como algo que não se repete, como originali<strong>da</strong><strong>de</strong>, e o artista<br />

quando produz e elabora a sua obra <strong>de</strong> arte está nos dizendo isso e nos fazendo pensar que a<br />

vi<strong>da</strong> é mais, é maior do que aquilo que vemos.<br />

Estar diante <strong>de</strong> uma obra nos traz essa força <strong>de</strong> viver, <strong>de</strong> querer existir sempre mais e melhor.<br />

A arte também po<strong>de</strong> acen<strong>de</strong>r o nosso <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> viver, <strong>de</strong> produzir, trabalhar e tornar este mundo<br />

mais humano, mais significativo.<br />

Esse processo se dá através <strong>da</strong> internalização <strong>de</strong> aspectos que estão em nós e fora <strong>de</strong> nós, mas<br />

que po<strong>de</strong>m ter sido sonegados pelas situações <strong>de</strong> pobreza, violência etc.<br />

Existem pessoas que passam a vi<strong>da</strong> inteira por uma privação <strong>da</strong> cultura e <strong>da</strong> arte. Essa privação<br />

se dá pelo fato <strong>de</strong> elas não terem tido a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> e os meios para acessar estes elementos.<br />

Existem pessoas que não po<strong>de</strong>m consumir ou entrar em contato com a arte e este é um<br />

<strong>de</strong>nominador <strong>de</strong> como a exclusão po<strong>de</strong> chegar a níveis assim tão altos. Vi<strong>de</strong> por exemplo que<br />

os jovens assassinados pelo tráfico, muitas vezes não tiveram a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer um<br />

13 Essa percepção tem como base o trabalho do psicólogo russo Vygotsky (1896-1934), que escreveu o<br />

livro Psicologia <strong>da</strong> Arte, <strong>de</strong>ntre muitos outros, mostrando as funções semióticas presentes nas obras <strong>de</strong> arte.<br />

Em artigo sobre o autor, Marcelo Guimarães Lima assim analisa a importância <strong>da</strong> contribuição<br />

vygotskyana: “Na análise <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> arte, a função do signo artístico se revela, para Vygotsky, como a <strong>de</strong><br />

socializar a emoção, <strong>de</strong> “trazer ao círculo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social os aspectos mais íntimos <strong>da</strong> experiência humana”<br />

(Vygotsky, 1976). A arte é, na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Vygotsky, a “técnica social <strong>da</strong> emoção”. A noção <strong>da</strong> arte como<br />

técnica nos remete ao formalismo russo, on<strong>de</strong> a <strong>de</strong>finição <strong>da</strong> arte como técnica ou procedimento se<br />

relaciona à noção fun<strong>da</strong>mental do estranhamento como efeito essencial <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> arte. O estranhamento é<br />

igualmente meio e objetivo do procedimento artístico” (Lima, 2000, p.78).<br />

13


<strong>Artistas</strong> <strong>Invisíveis</strong> <strong>da</strong> <strong>Periferia</strong> <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> <strong>–</strong> <strong>José</strong> Eduardo Ferreira Santos<br />

projeto <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> ou ter outro parâmetro <strong>de</strong> que eles po<strong>de</strong>riam ter um fazer reconhecido<br />

socialmente que pu<strong>de</strong>sse ter mu<strong>da</strong>do as suas trajetórias.<br />

Quando a pessoa encontra a obra <strong>de</strong> arte 14 algo nela exce<strong>de</strong>.<br />

Exce<strong>de</strong> a exigência humana <strong>de</strong> ser mais humano; exce<strong>de</strong> a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>r <strong>de</strong> si e do<br />

mundo; exce<strong>de</strong> o processo <strong>de</strong> refinamento <strong>da</strong> cultura co-construindo com ela sua percepção <strong>de</strong><br />

mundo; exce<strong>de</strong> no fato <strong>de</strong> querer também participar do mundo <strong>de</strong> forma ativa e construtiva;<br />

exce<strong>de</strong> a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> querer participar <strong>da</strong> história humana e contribuir com ela, ou seja, estar<br />

na linhagem dos humanos que serão lembrados e que construíram uma história que enaltece o<br />

humano nesta Terra, enfim, elabora e tece vínculos <strong>de</strong> sociabili<strong>da</strong><strong>de</strong> com os outros humanos e<br />

tem um posicionamento diferente e mais proativo diante <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.<br />

Neste sentido trabalhar com a arte é uma tarefa que implica em modificar muitas vezes a<br />

negação <strong>da</strong>s pessoas que não tiveram acesso aos processos <strong>de</strong> elaboração que só o humano é<br />

capaz <strong>de</strong> fazer e aqui não há distinções sociais, pois todos os humanos foram feitos para o belo,<br />

o sublime e precisam ter acesso a essa experiência, sem a qual os humanos po<strong>de</strong>m conformarse<br />

com qualquer coisa e quebrar os vínculos <strong>de</strong> sociabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, como vemos constantemente com<br />

a irrupção <strong>da</strong> violência, on<strong>de</strong> os humanos se <strong>de</strong>sconhecem enquanto tal e não hesitam em<br />

<strong>de</strong>struir o próprio humano.<br />

A arte empo<strong>de</strong>ra a pessoa 15 .<br />

Ela tem a função <strong>de</strong> educar a sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, a percepção e o senso <strong>de</strong> pertença ao humano 16 .<br />

14 Ain<strong>da</strong> segundo Lima (2000, pp.78-79): “A obra <strong>de</strong> arte tem como função restituir enquanto ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> a<br />

relação do sujeito sensível com o real, relação cuja tendência na vi<strong>da</strong> cotidiana a constituir-se como<br />

passivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, é constante, em gran<strong>de</strong> parte função do hábito, <strong>da</strong> rotina e <strong>da</strong> pobreza sensível <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

contemporânea. Contra a reificação <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, a arte para os formalistas russos é experiência<br />

incomum, que visa <strong>de</strong>sfamiliarizar o real e, <strong>de</strong>ste modo, forçar a reestruturação <strong>da</strong> experiência do sujeito. A<br />

pertinência do questionamento pelos formalistas frente aos erros categoriais <strong>da</strong>s concepções tradicionais <strong>da</strong><br />

arte é reconheci<strong>da</strong> por Vygotsky. Ao insurgir-se efetivamente contra, entre outros, a sociologia vulgar, o<br />

sociologismo, e a psicologia vulgar, o psicologismo (que inclui o sentimentalismo) na interpretação <strong>da</strong> obra<br />

<strong>de</strong> arte, o formalismo se empenha no bom combate”.<br />

15 Essa afirmação contém uma força surpreen<strong>de</strong>nte. O que quero indicar, no entanto, é que através <strong>da</strong> arte e<br />

<strong>da</strong> educação a pessoa se torna mais crítica e se coloca no tempo e no espaço com uma dimensão mais<br />

atuante, mais prospectiva, não ficando refém do aqui-agora <strong>da</strong>s relações, sem um projeto <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> ou mesmo<br />

um sentido e uma força para seguir em frente nas suas escolhas e modos <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>. Esse empo<strong>de</strong>ramento<br />

através <strong>da</strong> arte po<strong>de</strong> ser vista em iniciativas como as <strong>de</strong> Anísio Spínola Teixeira (1900-1971), <strong>da</strong> Escola<br />

Parque (Nunes, 1999) e do querido Cesare <strong>de</strong> Florio La Rocca do Projeto Axé, a quem tive o prazer e a<br />

honra <strong>de</strong> entrevistar quando realizei esta pesquisa.<br />

A arte protege o humano, pois é um processo <strong>de</strong> elaboração importantíssimo na constituição <strong>da</strong><br />

nossa subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, por isso ela precisa ser leva<strong>da</strong> em conta como um dos níveis <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento humano.<br />

O acesso ou não à arte po<strong>de</strong> produzir rupturas e <strong>de</strong>ixar lacunas na percepção que as pessoas têm<br />

ou não <strong>da</strong> sua existência e neste sentido po<strong>de</strong>mos dizer que é uma exclusão simbólica que<br />

tantos <strong>da</strong>nos trazem à subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois a privação cultural nos torna menos capazes <strong>de</strong> ser<br />

criativos, quiçá humanos 17 .<br />

O ACERVO DA LAJE E A SUA CONTÍNUA RENOVAÇÃO<br />

Mas uma pesquisa acadêmica tem seus limites. Geralmente fica restrita entre os pares, po<strong>de</strong> não<br />

chegar à comunicabili<strong>da</strong><strong>de</strong> com o público em geral, com as pessoas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidiana.<br />

Pensando nisso eu não queria fazer “mais uma” pesquisa acadêmica, pois já as fiz no mestrado<br />

em Psicologia e no Doutorado em Saú<strong>de</strong> Pública.<br />

Eu quis documentar <strong>de</strong> outra forma, fazer pesquisa <strong>de</strong> outra forma. Daí surgiu a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

começar a comprar as obras dos artistas, pois para tirar <strong>da</strong> invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> era necessário mostrar<br />

concretamente quem eles são através <strong>de</strong> suas obras.<br />

Neste sentido tenho comprado sistematicamente as obras dos artistas que vou conhecendo e<br />

<strong>de</strong>scobrindo e <strong>da</strong>í nasceu o Acervo <strong>da</strong> Laje, que conta atualmente com 170 obras (escrevo esse<br />

texto no dia 06 <strong>de</strong> março, e acho que vou precisar atualizar o número) as mais diversas:<br />

pinturas, imagens, esculturas em ma<strong>de</strong>ira e alumínio, azulejos, brinquedos, placas, imagens<br />

16 Segundo Lima, ain<strong>da</strong> analisando a teoria <strong>de</strong> Vygotsky: “O choque emocional <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> arte (que<br />

Vygotsky i<strong>de</strong>ntifica à experiência <strong>da</strong> catarse) contribui para redimensionar a experiência emocional do<br />

sujeito. Aqui é importante salientar que, ao falarmos em “choque”, não nos referimos à intensi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

emoção por si mesma, mas a uma quali<strong>da</strong><strong>de</strong> específica <strong>de</strong>sta no processo <strong>de</strong> apreciação estética. A catarse<br />

artística é igualmente superação do conflito, síntese emocional, que tem por objetivo liberar energias<br />

emocionais suplementares (<strong>de</strong> origem tanto biológica quanto social) que, segundo Vygotsky, não<br />

encontram vazão na vi<strong>da</strong> cotidiana. Através <strong>da</strong> arte se estrutura e se manifesta a sobreviva individual, isto é,<br />

aquela dimensão <strong>de</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s do ser humano individual (por exemplo, na energia exce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> fundo<br />

biológico) em contraste e, ao mesmo tempo, interliga<strong>da</strong> à vi<strong>da</strong> atualiza<strong>da</strong>”. (Lima, 2000, p.80).<br />

17 “A vi<strong>da</strong> imaginativa na arte diz respeito à plastici<strong>da</strong><strong>de</strong> do mundo interior, <strong>da</strong>s estruturas internas do<br />

sujeito. Dialeticamente, o ser humano é capaz <strong>de</strong> transformar o meio, <strong>de</strong> humanizar a natureza, porque é<br />

capaz <strong>de</strong> transformar-se a si mesmo. Esta transformação não se <strong>da</strong>ria sem o concurso <strong>da</strong> arte” (Lima, 2000,<br />

p.80).<br />

14


<strong>Artistas</strong> <strong>Invisíveis</strong> <strong>da</strong> <strong>Periferia</strong> <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> <strong>–</strong> <strong>José</strong> Eduardo Ferreira Santos<br />

sacras, máscaras em ma<strong>de</strong>ira e alumínio, gravuras, livros raros, livros autografados, três<br />

bibliotecas temáticas, hemeroteca, DVD, CDs, originais dos artistas estu<strong>da</strong>dos, artes <strong>da</strong> palha,<br />

ma<strong>de</strong>ira e cerâmica, enfim, uma quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> e quali<strong>da</strong><strong>de</strong> para mim impensáveis <strong>de</strong> reunir e o<br />

melhor, ca<strong>da</strong> qual com sua história própria, seu sentido contextualizado, sua forma <strong>de</strong> existir.<br />

O Acervo <strong>da</strong> Laje é um sonho realizado. É mais que um museu 18 . Sendo um museu é um<br />

espaço <strong>de</strong> memória <strong>da</strong> territoriali<strong>da</strong><strong>de</strong> suburbana e <strong>da</strong> arte ali produzi<strong>da</strong>, o que para muitos<br />

po<strong>de</strong>ria não existir está se concretizando constantemente.<br />

É um lugar <strong>de</strong> cultura do SFS para o mundo, quebrando as barreiras dos estereótipos existentes<br />

e carrega ele próprio a sua força <strong>de</strong> existir e toca <strong>de</strong> uma maneira imprevista por mim aquelas<br />

pessoas que o freqüentam, pois peço que ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>screva ou <strong>de</strong>ixe um recado sobre as suas<br />

impressões e o que eu tenho lido e visto nos olhos <strong>da</strong>s pessoas é algo que eu nem sequer<br />

imaginava: hoje, além <strong>de</strong> pesquisador me tornei como <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 13 anos um educador, mais um<br />

educador que educa fora <strong>da</strong>s salas <strong>de</strong> aula e com a po<strong>de</strong>rosa contribuição <strong>da</strong> arte e <strong>da</strong> beleza,<br />

que são fun<strong>da</strong>mentais em qualquer processo educativo porque elas têm uma força<br />

surpreen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> significar a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas.<br />

O que mais me chama a atenção no Acervo <strong>da</strong> Laje é que ele próprio é uma “obra aberta”, em<br />

constante renovação, pois as obras não cessam <strong>de</strong> chegar e se juntar às já existentes.<br />

Deste Acervo hoje eu sou o be<strong>de</strong>l e o guardião.<br />

A minha alegria é po<strong>de</strong>r receber as pessoas e po<strong>de</strong>r mostrar a ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>las o que há no<br />

território do SFS e ninguém vê, ou seja, que ca<strong>da</strong> bairro que aparece muitas vezes no noticiário<br />

18 Assim Almandra<strong>de</strong> <strong>de</strong>screve o museu: “O homem está sempre preocupado em preservar sua história e<br />

sua memória, colecionando artefatos. Ele tem acesso ao seu passado através <strong>de</strong> relatos ou <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong><br />

testemunhas oculares, textos, enfim, documentos... quando se <strong>de</strong>fronta com a coleção <strong>de</strong> imagens e<br />

objetos,, particulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social, signos que habitam um museu, caverna mo<strong>de</strong>rna on<strong>de</strong> o homem<br />

urbano fixa nas pare<strong>de</strong>s os enigmas <strong>de</strong> sua passagem no tempo ou no mundo. Com isso, não quero dizer<br />

que o museu seja um caminho em direção ao passado, ele é um lugar <strong>de</strong> possíveis diálogos entre passado,<br />

presente e futuro; olhar o passado é “estabelecer uma continui<strong>da</strong><strong>de</strong> entre o que aparentemente <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser<br />

e o que ain<strong>da</strong> vai ser” (Fre<strong>de</strong>rico Morais). Um abrigo do velho e do novo. Mais do que uma instituição <strong>de</strong><br />

festas e inaugurações <strong>de</strong> exposições, ele tem um papel cultural importante, além <strong>de</strong> abrigar os registros do<br />

tempo, manifestações culturais <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> região, país ou <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado povo, objetos que<br />

testemunham o trabalho humano, é um veículo a serviço do conhecimento, <strong>da</strong> educação e <strong>da</strong> informação<br />

que contribui para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Os museus são instituições com tipologias diferentes<br />

que guar<strong>da</strong>m acervos, peças integrantes <strong>da</strong> memória cultural <strong>de</strong> uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> um país. O ato <strong>de</strong><br />

colecionar foi uma <strong>da</strong>s ações que estimulou o seu surgimento e a própria coleção vai educando o olhar,<br />

impondo exigências, critérios, quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, exigindo espaços a<strong>de</strong>quados etc., e a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ser vista.<br />

Vai se constituindo num patrimônio que precisa ser preservado. Seu <strong>de</strong>stino é o museu” (Almandra<strong>de</strong>,<br />

2008, pp.101-102).<br />

policial não tem só isso. Há uma beleza escondi<strong>da</strong> e que aos poucos vai se revelando e se<br />

comunicando com as pessoas.<br />

Além <strong>da</strong>s obras <strong>de</strong> arte temos a alegria <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>r <strong>de</strong> três importantes bibliotecas: a Zil<strong>da</strong><br />

Paim (Acervo Geral), Dr. Wil<strong>de</strong> Oliveira Lima (Livros Raros) e Maria Helena <strong>de</strong> Araújo<br />

Santos (Coleção), to<strong>da</strong>s com a melhor quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> e quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as áreas<br />

científicas e culturais, com rari<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> fazer espanto a qualquer bibliófilo, isso contando ain<strong>da</strong><br />

com a maior Hemeroteca sobre o SFS, <strong>de</strong>nomina<strong>da</strong> Antonio Lazzarotto e os arquivos <strong>de</strong><br />

negativos, CDs, DVDs e fitas K7 com <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> entrevistas com moradores <strong>da</strong> área.<br />

“MESMO(,) LUGAR SAG(R)ADO!”: COMO A BELEZA PODE SERVIR DE<br />

ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA<br />

Recentemente o aspecto mais visível <strong>da</strong> minha pesquisa sobre os artistas invisíveis, o “Acervo<br />

<strong>da</strong> Laje”, começou a ser visitado por crianças, jovens e educadores <strong>de</strong> Novos Alagados e<br />

mesmo <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Após a visita peço que coloquem suas impressões em telas brancas <strong>de</strong><br />

pintura. Uma adolescente <strong>da</strong>qui <strong>de</strong> Novos Alagados, escreveu: “Mesmo (,) lugar sag(r)ado”.<br />

Ao ler esta frase fui tomado <strong>de</strong> espanto e reflexão, pois percebi que essas pessoas começam a<br />

enten<strong>de</strong>r que existe uma alternativa na vi<strong>da</strong> e que a beleza, a arte e a cultura são possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

para vi<strong>da</strong>.<br />

Quem vive em situação <strong>de</strong> pobreza geralmente tem <strong>de</strong> li<strong>da</strong>r com situações liga<strong>da</strong>s ao aqui e<br />

agora <strong>da</strong>s situações e a falta <strong>de</strong> dinheiro faz com que as pessoas sobrevivam na linha tênue <strong>da</strong><br />

existência.<br />

E neste sentido são privados <strong>da</strong> beleza e <strong>da</strong> arte, pois esses aspectos do humano são, em certo<br />

sentido, um luxo. Escolher entre comer e consumir arte não é uma escolha; é dramático.<br />

Assim, tenho feito a experiência <strong>de</strong> analisar a expressão <strong>da</strong>s pessoas que têm vindo ao Acervo<br />

<strong>da</strong> Laje para contemplar cultura, beleza, obras <strong>de</strong> arte.<br />

O que tem me impressionado é que a interação com as obras tem provocado muito a todos os<br />

que aqui chegam. As pessoas se dão conta <strong>de</strong> que a arte é uma necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> humana e começam<br />

a se in<strong>da</strong>gar porque foram priva<strong>da</strong>s <strong>de</strong>la durante as suas vi<strong>da</strong>s...<br />

As crianças e adolescentes sentem, primeiro, um estranhamento, e logo <strong>de</strong>pois começam a fazer<br />

muitas perguntas, em um diálogo incessante. Ao término <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> visita eles vão colocando suas<br />

impressões e neste sentido começo a perceber que a arte também educa; educa a atenção, a<br />

sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, a leitura e a escrita, enfim, educa <strong>de</strong> modo integral.<br />

15


<strong>Artistas</strong> <strong>Invisíveis</strong> <strong>da</strong> <strong>Periferia</strong> <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> <strong>–</strong> <strong>José</strong> Eduardo Ferreira Santos<br />

EDUCAÇÃO PARA A BELEZA: A CONTEMPLAÇÃO<br />

Recentemente <strong>de</strong>i uma entrevista para o Jornal A Tar<strong>de</strong>, aqui <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong>, e em um<br />

<strong>de</strong>terminado momento comentei que a falta <strong>de</strong> educação se expressa quando, por exemplo, uma<br />

pessoa não faz silêncio para assistir um espetáculo ou contemplar uma obra <strong>de</strong> arte.<br />

Pois bem: o silêncio e a contemplação diante <strong>da</strong> beleza fazem parte do diálogo que travamos<br />

com a obra quando do seu encontro.<br />

Nestes dias tenho ido atrás <strong>da</strong> beleza através <strong>da</strong>s esculturas <strong>de</strong> Otávio Bahia, César, Otávio<br />

Filho e Ray Bahia.<br />

A obra <strong>de</strong> Otávio Bahia, em primeiro lugar, é comovente e cativante. São figuras humanas,<br />

máscaras, guerreiras, figuras que carregam uma reverência e singeleza que têm me comovido<br />

em <strong>de</strong>masia, a ponto <strong>de</strong> me fazer comprar diversas <strong>de</strong>las, que hoje compõem o “Acervo <strong>da</strong><br />

Laje’, um dos <strong>de</strong>sdobramentos <strong>da</strong> pesquisa.<br />

A obra <strong>de</strong> Otávio Bahia e <strong>de</strong> seus filhos, assim como a <strong>de</strong> Ray Bahia, me fazem fazer silêncio<br />

diante <strong>de</strong>las, porque ali está o mistério <strong>da</strong> criação, <strong>da</strong> eterni<strong>da</strong><strong>de</strong> e ao mesmo tempo <strong>da</strong> nossa<br />

finitu<strong>de</strong>.<br />

Mas para olhar assim é preciso uma educação <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e essa educação vem <strong>da</strong><br />

percepção <strong>de</strong> que o diálogo e a escuta são capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s que precisam ser <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s.<br />

É preciso ter referência <strong>da</strong> história e <strong>da</strong> arte humana que vem sendo construí<strong>da</strong> há tempos, e <strong>da</strong><br />

qual somos continuadores.<br />

É preciso ter contato com o belo em sua acepção humana, dos artistas que nos prece<strong>de</strong>ram, <strong>de</strong><br />

suas obras, <strong>da</strong> contribuição particular que ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong> nós <strong>de</strong>ixou sobre este planeta.<br />

Neste sentido, a escola tem uma função cultural muito importante, que é aquela <strong>de</strong> introduzir o<br />

sujeito nessa história <strong>da</strong> cultura humana.<br />

Para isso, no entanto, é necessário que na escola haja uma educação para a beleza, uma<br />

educação para a civili<strong>da</strong><strong>de</strong> e para o respeito à diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural que há no mundo, assim<br />

como a valorização <strong>da</strong> nossa própria existência, do nosso engenho na produção <strong>de</strong> uma história<br />

que se perpetua.<br />

Diante <strong>de</strong> tantas reclamações dos professores sobre o baixo nível <strong>da</strong> nossa educação e do<br />

comportamento dos alunos, tive uma grata surpresa nesta semana.<br />

Falando para alunos do ensino fun<strong>da</strong>mental em uma escola aqui no Subúrbio Ferroviário <strong>de</strong><br />

<strong>Salvador</strong>, fiquei comovido diante <strong>da</strong>s crianças e adolescentes que me receberam para que eu<br />

contasse porque escrevo e pesquiso.<br />

Para espanto <strong>de</strong> todos os adultos presentes os alunos fizeram silêncio e também me fizeram<br />

muitas perguntas, <strong>de</strong> modo que houve um intenso diálogo sobre arte, cultura, história e a<br />

beleza.<br />

Naquele momento aquelas crianças enten<strong>de</strong>ram que para estu<strong>da</strong>r e apren<strong>de</strong>r há um método e<br />

ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong> nós vai construindo o seu, ca<strong>da</strong> qual ao seu tempo, a partir <strong>de</strong> suas experiências e<br />

referências culturais.<br />

Claro que a escola às vezes não se dá conta <strong>de</strong>ste aspecto, mas ca<strong>da</strong> aluno tem o seu tempo <strong>de</strong><br />

apren<strong>de</strong>r.<br />

O fato <strong>de</strong> eles terem feito silêncio e na hora indica<strong>da</strong> pu<strong>de</strong>ram fazer perguntas e ouvir respostas,<br />

implica que eles fizeram a experiência <strong>de</strong> que para apren<strong>de</strong>r a dialogar é preciso o silêncio e o<br />

respeito diante do objeto <strong>de</strong> aprendizagem.<br />

É como olhar um quadro ou uma escultura e <strong>de</strong>ixar-se capturar por ela, pela sua beleza, pela<br />

comunicabili<strong>da</strong><strong>de</strong> que a arte tem na relação com o observador.<br />

Assim a obra se revela diante <strong>de</strong> nós.<br />

No barulho, na confusão, não conseguimos <strong>de</strong>liberar a atenção para um objeto e isso nos<br />

confun<strong>de</strong>, nos <strong>de</strong>ixa inquietos, tomados dos mais diversos sentimentos e, por fim, nos <strong>de</strong>ixa<br />

perturbados.<br />

Quando <strong>de</strong>liberamos a atenção para um objeto isso nos permite dialogar com ele, mesmo que<br />

não o enten<strong>da</strong>mos <strong>de</strong> pronto.<br />

Mas este é o problema: queremos enten<strong>de</strong>r as coisas <strong>de</strong> pronto, com pressa. E não é assim...<br />

To<strong>da</strong> a aprendizagem <strong>de</strong>man<strong>da</strong> um tempo. Deman<strong>da</strong> atenção, <strong>de</strong>sejo, vonta<strong>de</strong>. Deman<strong>da</strong><br />

condições a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>s <strong>de</strong> diálogo: escuta e perguntas.<br />

Para encontrar a obra <strong>de</strong> arte é preciso um olhar que saiba contemplar, ou seja, que saiba<br />

espreitar on<strong>de</strong> a beleza po<strong>de</strong> surgir e ela surge in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>da</strong> nossa vonta<strong>de</strong>.<br />

Neste momento estou comprando as obras <strong>de</strong> arte dos artistas do Subúrbio Ferroviário <strong>de</strong><br />

<strong>Salvador</strong>.<br />

16


<strong>Artistas</strong> <strong>Invisíveis</strong> <strong>da</strong> <strong>Periferia</strong> <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> <strong>–</strong> <strong>José</strong> Eduardo Ferreira Santos<br />

Enquanto pessoas compram roupas, drogas etc., eis que me <strong>de</strong>paro semanalmente constituindo<br />

o “Acervo <strong>da</strong> Laje”, uma iniciativa <strong>de</strong>riva<strong>da</strong> <strong>da</strong> pesquisa e isso tem me causado um espanto<br />

constante.<br />

Uma alegria <strong>de</strong> viver e po<strong>de</strong>r estu<strong>da</strong>r. Po<strong>de</strong>r celebrar a vi<strong>da</strong>. Celebrar sua beleza.<br />

Neste sentido, acredito que quem chegar a esta casa, minha casa, casa dos meus pais, bem no<br />

meio <strong>da</strong> favela, hoje bairro, <strong>de</strong> Novos Alagados, em Plataforma, no Subúrbio Ferroviário <strong>de</strong><br />

<strong>Salvador</strong>, na Bahia, Brasil, vai se <strong>de</strong>parar com essa atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> contemplação que tenho <strong>de</strong>scrito,<br />

porque as obras que aqui estão refletem o paradigma <strong>da</strong> beleza que é feita na periferia e<br />

conquista o mundo, que está enfeitando salas <strong>de</strong> casas e museus em todo o mundo e agora elas<br />

repousam também aqui.<br />

Aprendi a contemplar as obras <strong>de</strong> arte <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito cedo.<br />

Tudo isso porque na favela <strong>de</strong> Novos Alagados existiam pessoas com uma abertura para o<br />

mundo e para o belo que foram fun<strong>da</strong>mentais por me permitir ter acesso a sua biblioteca e<br />

discoteca.<br />

Depois <strong>da</strong>li, saí para ir verificar essa beleza nas igrejas <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> e sempre isso foi uma<br />

comoção em minha vi<strong>da</strong> ao vislumbrar a beleza em imagens, vitrais, arquitetura.<br />

Comoção que me levava às lágrimas por me <strong>da</strong>r conta que quem executou aquela beleza <strong>de</strong><br />

certo modo havia pensado em mim, na minha sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> para que um dia eu pu<strong>de</strong>sse<br />

contemplá-la, tendo, assim, um olhar diferente para essas obras.<br />

Meus pais contribuíram e muito para essa educação ao belo.<br />

Em nossa casa havia discos e brinquedos. Meu pai gosta muito <strong>de</strong> música e tínhamos em casa<br />

todos os discos lançados nas déca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 1970 e 1980, além <strong>de</strong> brinquedos, que estimulavam a<br />

nossa inteligência.<br />

Mas é preciso dizer que a contemplação não é uma atitu<strong>de</strong> passiva. Ela é um dos modos mais<br />

dinâmicos <strong>de</strong> aprendizagem do mundo que está à nossa volta.<br />

PARA SUPERAR A INVISIBILIDADE<br />

Superar a invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> é difícil, mas possível.<br />

Possível quando nos empenhamos em dirimir as <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso à arte e à cultura<br />

através <strong>de</strong> iniciativas que tenham por objetivo diminuir o abismo que separa o SFS e a ci<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Neste sentido tenho procurado fomentar encontros, <strong>de</strong>scobertas e publicações, <strong>de</strong> modo que o<br />

conhecimento produzido possa abrir novas pontes <strong>de</strong> comunicação.<br />

A publicação <strong>de</strong> artigos, livros, perfis e entrevistas se constituem em importantes trabalhos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocratização <strong>da</strong> informação, principalmente através <strong>da</strong> internet, pois muitos dos artistas que<br />

pesquisei não são conhecidos nem na internet.<br />

Outro aspecto é a freqüência aos espaços culturais do SFS, como fazemos em relação a outros<br />

espaços <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e acabar com essa distinção entre centro e periferia, pois a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> é uma e<br />

todos fazem parte <strong>de</strong>la.<br />

Outro aspecto ain<strong>da</strong> é manter as portas abertas para as visitam que chegam e vêm <strong>de</strong> longe<br />

conhecer o SFS. Gente <strong>de</strong> todo o mundo, <strong>de</strong> todo o Brasil, <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a Bahia vem aqui para<br />

conhecer o lugar e as pessoas. Esta relação <strong>de</strong> encontros faz com que as pessoas façam trocas<br />

simbólicas importantes entre o seu saber cotidiano e os saberes universitários, <strong>de</strong> outros países,<br />

tradições, cultura etc.<br />

Pesquisar, mapear e tornar conhecidos os artistas e as pessoas que fazem cultura nesta ci<strong>da</strong><strong>de</strong> é<br />

um <strong>de</strong>safio interminável, pois em <strong>Salvador</strong> a arte brota em todos os recantos, sem distinção,<br />

mas a falta <strong>de</strong> divulgação não possibilita que essa diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> apareça.<br />

Por exemplo, se vocês repararem bem em alguns jornais um mesmo artista estampa muitas<br />

matérias <strong>de</strong> tudo o que ele faz: se foi ao cabeleireiro, se está <strong>de</strong> férias, se disse algo no twitter,<br />

enfim, por qualquer efemeri<strong>da</strong><strong>de</strong> ele está na mídia, enquanto centenas <strong>de</strong> artistas não têm a<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> divulgar o seu trabalho, isso também por conta <strong>da</strong> fragili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> equipes <strong>de</strong><br />

produção e divulgação do seu trabalho.<br />

Há artistas na Bahia que não têm o que comer.<br />

Há artistas que vivem em casas sem energia elétrica.<br />

Há artistas que morrem sem ter seu trabalho <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>mente divulgado e conhecido.<br />

Há artistas que não têm uma obra sua no seu acervo, aliás, não possuem acervo.<br />

Há artistas que são artistas e são invisíveis.<br />

17


<strong>Artistas</strong> <strong>Invisíveis</strong> <strong>da</strong> <strong>Periferia</strong> <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> <strong>–</strong> <strong>José</strong> Eduardo Ferreira Santos<br />

A invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> é um drama <strong>de</strong> um País e <strong>de</strong> uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> que é <strong>de</strong>sigual, elitista, que não<br />

<strong>de</strong>mocratiza o acesso à cultura.<br />

Dialogar sobre eles já é um modo <strong>de</strong> torná-los visíveis.<br />

Essa é uma tarefa.<br />

E como tarefa é uma possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> crescer e respon<strong>de</strong>r <strong>de</strong> forma madura e crítica.<br />

É o que estou tentando fazer.<br />

Isto me dá alegria <strong>de</strong> viver.<br />

Muito obrigado.<br />

Dialoguemos.<br />

MATOS, G. Poesias seleciona<strong>da</strong>s. 3ª edição. São Paulo: FTD, 1998.<br />

NUNES, C. Anísio Spínola Teixeira. Dicionário <strong>de</strong> educadores do Brasil. Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Albuquerque Fávero e Já<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros Britto (ogs.). Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora <strong>UFRJ</strong>/ MEC-<br />

Inep, 1999, pp. 56-64.<br />

SANTOS, J.E.F. Travessias: a adolescência em Novos Alagados: trajetórias pessoais e<br />

estruturas <strong>de</strong> oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> em um contexto <strong>de</strong> risco psicossocial. Bauru, São Paulo: Edusc,<br />

2005a.<br />

SANTOS, J.E.F Novos Alagados: histórias do povo e do lugar. Bauru, São Paulo: Edusc,<br />

2005b.<br />

WEIL, S. O enraizamento. Tradução <strong>de</strong> Maria Leonor Loureiro. Bauru: Edusc, 2001.<br />

WEIL, S. A gravi<strong>da</strong><strong>de</strong> e a graça. Tradução <strong>de</strong> Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1993.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ALMANDRADE. Escritos sobre arte: arte, ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e política cultural. <strong>Salvador</strong>: Editora<br />

Cispoesia, 2008.<br />

AUGÉ, M. Não-lugares: introdução a uma antropologia <strong>da</strong> supramo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Tradução <strong>de</strong> Maria<br />

Lúcia Pereira. Campinas, São Paulo: Papirus, 1994.<br />

AULETE, C. Dicionário contemporâneo <strong>da</strong> língua portuguesa. Edição brasileira. 2º volume.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora Delta S.A., 1958.<br />

BOSI, E. O tempo vivo <strong>da</strong> memória: ensaios <strong>de</strong> psicologia social.São Paulo: Ateliê Editorial,<br />

2003.<br />

ESPINHEIRA, G.O Parque São Bartolomeu: esquecimento e memória. Parque Metropolitano<br />

<strong>de</strong> Pirajá: história, natureza e cultura. Ana Lúcia Formigli (org.) et al. <strong>Salvador</strong>: Centro <strong>de</strong><br />

Educação Ambiental São Bartolomeu, 1998, pp. 23-27.<br />

LIMA, M. G. A psicologia <strong>da</strong> arte e os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> teoria histórico-cultural do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento humano. Interações, jan-jun, vol. V, n.09, Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> São Marcos, São<br />

Paulo, Brasil, pp. 73-81.<br />

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<strong>Artistas</strong> <strong>Invisíveis</strong> <strong>da</strong> <strong>Periferia</strong> <strong>de</strong> <strong>Salvador</strong> <strong>–</strong> <strong>José</strong> Eduardo Ferreira Santos<br />

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