Texto completo em pdf - Instituto de Letras e LingüÃstica ...
Texto completo em pdf - Instituto de Letras e LingüÃstica ... Texto completo em pdf - Instituto de Letras e LingüÃstica ...
MARIA IVONETE SANTOS SILVA MODERNIDADE E INTERTEXTUALIDADE: O "TEMPO DA REFLEXÃO" EM O MONO GRAMÁTICO, DE OCTAVIO PAZ
- Page 2 and 3: II MARIA IVONETE SANTOS SILVA MODER
- Page 4 and 5: IV Manifestamos a nossa gratidão a
- Page 6 and 7: VI Maria Ivonete Santos Silva. MODE
- Page 8 and 9: INTRODUÇÃO Medo e paixão: duas f
- Page 10 and 11: 10 participar do "Grande Banquete",
- Page 12 and 13: 12 levou Breton a definir o movimen
- Page 14 and 15: 14 O Mono Gramático: a experiênci
- Page 16 and 17: 16 lire, Benjamin, par exemple, don
- Page 18 and 19: 18 correlatos, em que procuraremos
- Page 20 and 21: 20 simultaneidade do signo literár
- Page 22 and 23: 22 simplesmente "uma leitura", é u
- Page 24 and 25: 24 simplicidade e maestria, em um c
- Page 26 and 27: 26 literários que asseguram à esc
- Page 28 and 29: 28 Mesmo tendo como ponto de partid
- Page 31 and 32: A modernidade é o transitório, o
- Page 33 and 34: 32 de modernisme: serait moderne ce
- Page 35 and 36: 34 Influenciado por uma vasta exper
- Page 37 and 38: 36 artístico-literário que, nesse
- Page 39 and 40: 38 Em face do caos, a arte sempre v
- Page 41 and 42: 40 movimentos dos séculos XIX e XX
- Page 43 and 44: 42 isto e aquilo, entre o macrocosm
- Page 45 and 46: 44 Octavio Paz para elaborar o conc
- Page 47 and 48: 46 gerais de tempo e espaço, o que
- Page 49 and 50: 48 possível na medida em que ambas
- Page 51 and 52: 50 quedado solo en la ciudad inmens
MARIA IVONETE SANTOS SILVA<br />
MODERNIDADE E INTERTEXTUALIDADE: O "TEMPO DA<br />
REFLEXÃO" EM O MONO GRAMÁTICO, DE OCTAVIO PAZ
II<br />
MARIA IVONETE SANTOS SILVA<br />
MODERNIDADE E INTERTEXTUALIDADE: O "TEMPO DA<br />
REFLEXÃO" EM O MONO GRAMÁTICO, DE OCTAVIO PAZ<br />
Tese apresentada ao Departamento <strong>de</strong> <strong>Letras</strong><br />
da Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista "Júlio <strong>de</strong><br />
Mesquita Filho", Campus <strong>de</strong> São José do Rio<br />
Preto, para obtenção do título <strong>de</strong> Doutora <strong>em</strong><br />
Teoria da Literatura.<br />
Orientador: Professor Doutor Carlos Daghlian<br />
São José do Rio Preto<br />
1997
III<br />
AGRADECIMENTOS<br />
A<br />
Alci<strong>de</strong>s e Ulysses
IV<br />
Manifestamos a nossa gratidão a todas as pessoas que dividiram conosco<br />
as inquietações provenientes do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> realizar este trabalho. Em<br />
especial:<br />
♦ ao Prof. Dr. Carlos Daghlian, meu orientador;<br />
♦ a Profa. Dra. Betina Ribeiro Rodrigues da Cunha e ao Prof.<br />
Octavio Botelho da Cunha - interlocutores imprescindíveis;<br />
♦ ao Prof. Dr. Antônio Carlos Viana Mangueira, que <strong>de</strong>spertou<br />
<strong>em</strong> mim o gosto pela investigação;<br />
♦ ao Prof. Joaquim Antônio <strong>de</strong> Assis Vilar, revisor, que me<br />
ajudou a solucionar algumas dificulda<strong>de</strong>s;<br />
♦ aos colegas do Departamento <strong>de</strong> Ciências da Linguag<strong>em</strong> da<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Uberlândia, <strong>em</strong> especial, a Profa. Beatriz<br />
Monteiro Corrêa;<br />
* ao Dr. Jose Gustavo Henrique Santos, meu irmão e meu gran<strong>de</strong><br />
incentivador;<br />
* ao Dr. José Ruguê Ribeiro Júnior, amigo <strong>de</strong> todas as horas;<br />
♦ a Lúcia M. O. Vieira e José Wagner Vieira que,<br />
carinhosamente, s<strong>em</strong>pre me receberam e ajudaram nos probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong><br />
digitação.
O hom<strong>em</strong> só cria asas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> atingir a beira do abismo.<br />
Nikos Kazantzakis<br />
V
VI<br />
Maria Ivonete Santos Silva. MODERNIDADE E INTERTEXTUALIDADE:<br />
"O TEMPO DA REFLEXÃO" EM O MONO GRAMÁTICO, DE OCTAVIO<br />
PAZ. Tese <strong>de</strong> doutorado apresentada à Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista<br />
(UNESP), São José do Rio Preto, 1997.<br />
Resumo<br />
A primeira etapa <strong>de</strong>ste trabalho, "A Falha", indica a falta <strong>de</strong> um fio<br />
condutor que assegure uma análise consistente <strong>de</strong> O Mono Gramático<br />
como ex<strong>em</strong>plo da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e da intertextualida<strong>de</strong>; a segunda, “A<br />
Pausa", sugere uma reflexão sobre o T<strong>em</strong>po na Literatura; a terceira, "A<br />
Plenitu<strong>de</strong>", <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a tese <strong>de</strong> que a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e a intertextualida<strong>de</strong><br />
encontram sua explicação no conceito <strong>de</strong> convergência.<br />
Palavras-chave: Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, Intertextualida<strong>de</strong>, T<strong>em</strong>po, Convergência.<br />
Maria Ivonete Santos Silva. MODERNITY AND INTERTEXTUALTY:<br />
"REFLECTION TIME" IN EL MONO GRAMATICO, OF OCTAVIO PAZ.<br />
Doctor's dissertation presented to Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista,<br />
Campus of São José do Rio Preto, State of São Paulo, Brazil, 1997.<br />
ABSTRACT<br />
The first part of this work, "The Flaw", indicates the lack of a conducting<br />
thread wich allows a consistent analysis of El Mono Gramatico as an<br />
example of mo<strong>de</strong>rnity and intertextuality; the second part, "The Pause",<br />
suggests a reflection on Time in Literature; the third part, "The Plenitu<strong>de</strong>",<br />
<strong>de</strong>fends the thesis that mo<strong>de</strong>rnity and intertextuality can be explained by<br />
the notion of convergence.<br />
Key-words: Mo<strong>de</strong>rnity, Intertextuality, Time, Convergence.
VII<br />
SUMÁRIO<br />
Resumo e "bstract"......................................................................... 6<br />
1.INTRODUÇÃO.............................................................................. 8<br />
"A FALHA"<br />
2.MODERNIDADE, INTERTEXTUALIDADE E OUTROS 31<br />
CONCEITOS CORRELATOS............................................................<br />
2.1.do paradoxo à "convergência"...................................................... 31<br />
2.2.a consciência pós-mo<strong>de</strong>rna.......................................................... 50<br />
2.3.a função substantiva da arte........................................................ 58<br />
"A PAUSA"<br />
3.O "TEMPO" OU A MEDIDA DO MUNDO........................................ 73<br />
3.1.nos primórdios.............................................................................. 73<br />
3.2.o t<strong>em</strong>po e o "não-t<strong>em</strong>po".............................................................. 85<br />
3.3.<strong>de</strong>sconstrução e construção da linguag<strong>em</strong> ................................. 89<br />
"A PLENITUDE"<br />
4.O MONO GRAMÁTICO ................................................................. 105<br />
4.1.primeira mirada ........................................................................... 105<br />
4.2.segunda mirada .......................................................................... 111<br />
4.3.terceira mirada............................................................................. 162<br />
5.CONCLUSÃO ................................................................................. 168<br />
6.BIBILIOGRAFIA............................................................................... 182<br />
Anexo I................................................................................................ 205<br />
Anexo II - enca<strong>de</strong>rnado à parte.
INTRODUÇÃO<br />
Medo e paixão: duas forças po<strong>de</strong>rosas e, aparent<strong>em</strong>ente,<br />
contraditórias, tensionadas pelo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> superar muitas limitações,<br />
atuaram sobre a nossa <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> investigar a obra <strong>de</strong> Octavio Paz. Os<br />
riscos <strong>de</strong> cair <strong>em</strong> meras repetições, <strong>de</strong> não conseguir apreen<strong>de</strong>r a<br />
totalida<strong>de</strong> inquietante <strong>de</strong> cada po<strong>em</strong>a, <strong>de</strong> cada verso, <strong>de</strong> cada frase, <strong>de</strong><br />
não compreen<strong>de</strong>r a essência do pensamento <strong>de</strong> um dos intelectuais mais<br />
importantes da cont<strong>em</strong>poraneida<strong>de</strong> foram motivo <strong>de</strong> pânico e <strong>de</strong> um certo<br />
<strong>de</strong>salento que, no início, impedia-nos <strong>de</strong> reunir as condições a<strong>de</strong>quadas<br />
ao <strong>de</strong>senvolvimento da pesquisa.<br />
Aos poucos, o envolvimento que toda paixão é capaz <strong>de</strong><br />
produzir foi transformando o medo dos riscos <strong>em</strong> prazer pela aventura <strong>em</strong><br />
<strong>de</strong>svendar um universo mágico e infinitamente duplicador <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s<br />
que transitam entre a objetivida<strong>de</strong> e a subjetivida<strong>de</strong> dos indivíduos - o<br />
universo da palavra.<br />
O primeiro passo era tentar <strong>de</strong>scobrir <strong>em</strong> que medida a<br />
busca <strong>de</strong> uma compreensão das realida<strong>de</strong>s interna e externa do poeta se<br />
articulava com "La búsqueda <strong>de</strong>l presente" 1 , el<strong>em</strong>ento-chave <strong>de</strong> qualquer<br />
investigação sobre sua obra. Os inúmeros questionamentos que surgiram<br />
a partir daí nos levaram a reconhecer na trajetória literária <strong>de</strong> Octavio Paz
9<br />
a correspondência <strong>de</strong> uma vida marcada por experiências profundas e<br />
altamente significativas, como instrumentos <strong>de</strong> preparação e <strong>de</strong><br />
elaboração <strong>de</strong> uma visão <strong>de</strong> mundo on<strong>de</strong> a percepção, a sensibilida<strong>de</strong> e o<br />
amor absoluto à natureza da Natureza e à natureza da própria<br />
humanida<strong>de</strong> aparec<strong>em</strong> <strong>em</strong> primeiro plano 2 .<br />
Em sua obra que, no dizer <strong>de</strong> Carlos Fuentes, "...es una<br />
constante encarnación <strong>de</strong>l ti<strong>em</strong>po" 3 , encontramos o <strong>de</strong>poimento do poeta<br />
e, sobretudo, do hom<strong>em</strong> 4 Octavio Paz que, durante gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> sua<br />
vida, procurou obstinadamente exercer o seu ofício <strong>de</strong> servidor 5 da palavra<br />
e hoje, finalmente, usufrui das reflexões que o levaram à uma visão<br />
convergente do universo e <strong>de</strong> todas as coisas nele manifestadas.<br />
Graças a essa visão, a busca <strong>de</strong> "un ahora sin fechas 6 " se<br />
converteu <strong>em</strong> uma realida<strong>de</strong> próxima do poeta que nos convida a<br />
1 Título da conferência proferida por Octavio Paz diante da Real Acad<strong>em</strong>ia Sueca, por ocasião do<br />
recebimento do prêmio Nobel <strong>em</strong> 1990.<br />
2 Em Octavio Paz: un estudio <strong>de</strong> su poesía, Wilson afirma: "El centro <strong>de</strong> la poética <strong>de</strong> Paz es la<br />
experiencia: no es la coherencia, ni siquiera el pensamento original; la experiencia es la<br />
aprehensión sensual intensificada <strong>de</strong>l momento actual y es una herencia común, un lugar común".<br />
p. 83.<br />
3 RODRÍGUEZ, P. J., Octavio Paz, p. 56.<br />
4 A ord<strong>em</strong> poeta/hom<strong>em</strong> não é hierárquica e não significa dizer que este último se sobrepõe ao<br />
primeiro. Muito pelo contrário. O hom<strong>em</strong> Octavio Paz <strong>de</strong>smistifica a imag<strong>em</strong> do poeta distanciado<br />
dos probl<strong>em</strong>as do mundo objetivo e da experiência com a coletivida<strong>de</strong>.<br />
5 Na obra intitulada Octavio Paz, Rodríguez comenta a diferença entre aquele que se serve e<br />
aquele que é servidor da palavra poética. Diz ele: "Cada vez que nos servimos <strong>de</strong> las palabras, las<br />
mutilamos. Mas el poeta no se serve da las palabras. Es su servidor. Al servirlas, las <strong>de</strong>vuelve a su<br />
plena naturaleza, las hace recobrar su ser. Gracias a la poesía el lenguaje reconquista su estado<br />
original. En primer término, sus valores plásticos y sonoros, generalmente <strong>de</strong>s<strong>de</strong>ñados por el<br />
pensamiento; en sequida los afectivos; y, al fin, los significativos. Purificar el lenguaje, tarea <strong>de</strong>l<br />
poeta, significa <strong>de</strong>volverle su naturaleza original". p. 41.<br />
6 PAZ, O. , La otra voz, p. 54.
10<br />
participar do "Gran<strong>de</strong> Banquete", ou do banquete dos signos divinos, os<br />
signos da poesia, que <strong>de</strong>volv<strong>em</strong> ao hom<strong>em</strong> a sensibilida<strong>de</strong> e a capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> vivenciar o contato com sua essência primordial 7 . Essas e muitas outras<br />
façanhas extraordinárias só encontram plena realização na gran<strong>de</strong> poesia;<br />
aquela atribuída pelo próprio Paz à Gorostiza, Mallarmé e Michaux 8 , e que<br />
possui como principal característica a "transparência".<br />
Paz inicia sua produção poética <strong>em</strong> 1933, com o livro Luna<br />
silvestre. A partir <strong>de</strong> Salamandra, 1962, ele se libera dos resquícios<br />
discursivos e parte para as <strong>de</strong>finições mais ou menos precisas dos rumos<br />
da poesia. Em Blanco, 1968, aborda o t<strong>em</strong>a da linguag<strong>em</strong> 9 e <strong>em</strong> La<strong>de</strong>ra<br />
este, 1969, as <strong>de</strong>finições se transformam <strong>em</strong> consumação ou <strong>em</strong><br />
"convergência". O processo <strong>de</strong> elaboração do texto poético passa a ser um<br />
universo amplo, rico <strong>em</strong> associações e <strong>em</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma<br />
compreensão integradora entre o hom<strong>em</strong> e o mundo que o cerca 10 .<br />
A visível incorporação da arte e da literatura orientais à<br />
poesia <strong>de</strong> Paz encontra <strong>em</strong> La<strong>de</strong>ra este a realização prática do mundo das<br />
analogias, da presença do esotérico e do erótico, da negação do t<strong>em</strong>po<br />
como discurso, da exaltação do instante e da negação das dicotomias.<br />
7 OJEDA, J. A., La cabeza rota: la poética <strong>de</strong> Octavio Paz, p. 67.<br />
8 WILSON, J., Um estudio <strong>de</strong> su poesía, p. 68-85.<br />
9 Sobre o po<strong>em</strong>a Blanco, Rodríguez afirma: "...es un po<strong>em</strong>a cuyo t<strong>em</strong>a es el lenguaje, pero el<br />
lenguaje es 'un cuerpo que se fragmente y se une'; es una experiencia sobre la palabra poética ".<br />
p. 152-153.<br />
10 WILSON, J. , Octavio Paz: un estudio <strong>de</strong> su poesía, p. 163.
11<br />
Tudo isso se fun<strong>de</strong> na idéia do po<strong>em</strong>a como um corpo, "El cuerpo como<br />
transparencia, como posibilidad <strong>de</strong> ejercer sobre él la lectura <strong>de</strong>l mundo" 11 .<br />
Em O Mono Gramático, 1974, Octavio Paz é protagonista<br />
<strong>de</strong> uma narrativa - ao mesmo t<strong>em</strong>po, um ensaio, um po<strong>em</strong>a <strong>em</strong> prosa -<br />
que sincroniza, a<strong>de</strong>quadamente, com uma visão e sagacida<strong>de</strong><br />
surpreen<strong>de</strong>ntes, os fundamentos teóricos da criação literária; "El Mono<br />
Gramático supone la culminación <strong>de</strong> la búsqueda <strong>de</strong>l texto mismo, <strong>de</strong> la<br />
palabra" 12 .<br />
Esses e vários outros títulos que se reportam à produção<br />
poética <strong>de</strong> Octavio Paz encontram-se reunidos <strong>em</strong> Obra poética (1935-<br />
1988) e faz<strong>em</strong> parte, apenas, <strong>de</strong> uma das vertentes altamente produtoras<br />
<strong>de</strong> uma compreensão lúcida e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, alucinante do poeta que<br />
se afina com os probl<strong>em</strong>as do espírito. As vertentes Octavio Paz o<br />
pensador e Octavio Paz o ensaísta esclarec<strong>em</strong> ainda mais o seu conceito<br />
<strong>de</strong> "convergência".<br />
Sua visão <strong>de</strong> mundo profundamente arraigada à dialética<br />
do "aberto” e do "fechado" é motivo recorrente e atravessa a totalida<strong>de</strong> da<br />
sua obra. Em El laberinto <strong>de</strong> la soledad, 1950, se, por um lado,<br />
encontramos uma crítica mordaz ao mexicano "fechado", preso <strong>em</strong> si<br />
mesmo, t<strong>em</strong>eroso <strong>em</strong> abrir-se e revelar-se ao outro e a si mesmo, por<br />
outro, encontramos uma "volta" ao surrealismo, quando suas<br />
consi<strong>de</strong>rações visam, claramente, explorar o subconsciente e o sonho que<br />
11 RODRÍGUEZ P. J., Octavio Paz, p. 138.<br />
12 Ibid<strong>em</strong>, p. 150.
12<br />
levou Breton a <strong>de</strong>finir o movimento como "el <strong>de</strong>scenso vertiginoso en<br />
nosotros mismo, la iluminación sist<strong>em</strong>ática <strong>de</strong> los lugares ocultos" 13 .<br />
Paz, assim como todos os vanguardistas, rechaça os<br />
valores e a moral convencionais da socieda<strong>de</strong>, i<strong>de</strong>ntifica-se com as<br />
"toupeiras" surrealistas, "...hay que rechazar todo lo que separa al hombre:<br />
leyes, bancos, prisiones, ejércitos, iglesia, maestros" 14 . O imperativo é<br />
negar e, por esse motivo, ele <strong>de</strong>fine a poesia mo<strong>de</strong>rna como uma<br />
experiência que implica uma negação do mundo exterior 15 .<br />
Impregnado <strong>de</strong> fortes referências culturais e religiosas, Paz<br />
incorpora à sua poética, a simbologia e as lendas que r<strong>em</strong>ontam à<br />
fundação do México. Com muita freqüência os el<strong>em</strong>entos água e fogo<br />
aparec<strong>em</strong> <strong>em</strong> seus po<strong>em</strong>as; é como se quisesse l<strong>em</strong>brar a orig<strong>em</strong> mítica,<br />
primordial da "terra do sol" 16 . No entanto, os mitos, assim como a poesia,<br />
revelam a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma comunhão ou <strong>de</strong> uma reconciliação total<br />
com a realida<strong>de</strong>, somente consi<strong>de</strong>rada por ele como verda<strong>de</strong>ira, quando<br />
ela ultrapassa os limites <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po e espaço. É através <strong>de</strong>ssas duas<br />
sublimes instâncias do conhecimento - a poesia e os mitos - que o hom<strong>em</strong><br />
<strong>de</strong>scobre correspondências e analogias que não são estranhas à magia <strong>de</strong><br />
produzir o "hechizo verbal" 17 .<br />
13 Em Octavio Paz: un estudio <strong>de</strong> su poesía, Wilson analisa a abra <strong>de</strong> Paz tendo <strong>em</strong> vista a<br />
dialética do "aberto"e do "fechado" presente <strong>em</strong> El laberinto <strong>de</strong> la soledad, p. 73.<br />
14 WILSON, J. , Octavio Paz: un estudio <strong>de</strong> su poesía, p. 77.<br />
15 Ibid<strong>em</strong>, p. 78.<br />
16 Em Solo a dos voces, Paz e Julián Ríos <strong>de</strong>fend<strong>em</strong> a compreensão das civilizações a partir da sua<br />
orig<strong>em</strong> mítica. A propósito da cultura mexicana diz<strong>em</strong> eles:"Agua e fuego. Sobre esta metáfora se<br />
edificó México. Pero ahora h<strong>em</strong>os tapado con c<strong>em</strong>ento, plástico y lugares comunes la boca<br />
profética por don<strong>de</strong> hablaban el fuego y el agua....". p. 73.<br />
17 OJEDA, J. A., La cabeza rota: la poética <strong>de</strong> Octavio Paz, p. 108.
13<br />
A obra <strong>de</strong> Octavio Paz, e mais especificamente O Mono<br />
Gramático, é um ex<strong>em</strong>plo da busca <strong>de</strong>ssa magia, ou <strong>de</strong> um<br />
aperfeiçoamento <strong>de</strong>ssa magia que já nasce com o poeta. Des<strong>de</strong> a infância,<br />
como ele mesmo relata <strong>em</strong> sua conferência "La búsqueda <strong>de</strong>l presente",<br />
proferida diante da Real Acad<strong>em</strong>ia Sueca, por ocasião do recebimento do<br />
Prêmio Nobel/1990, a intimida<strong>de</strong> com os gran<strong>de</strong>s clássicos lhe abriu<br />
caminho para uma aventura muito superior à aventura <strong>de</strong> Simbad,<br />
Robinson, Dartagnan, El Cid, Ulysses e <strong>de</strong> tantos outros heróis: à aventura<br />
da poesia. "Comencé a escribir po<strong>em</strong>as. No sabía qué me llevaba a<br />
escribilos: estaba movido por una necesidad interior difícilmente<br />
<strong>de</strong>finible" 18 .<br />
A aventura da palavra é incorporada à própria aventura da<br />
vida; é ela a responsável pela realização <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s feitos, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />
transformações. Por isso mesmo, <strong>em</strong> uma d<strong>em</strong>onstração inequívoca do<br />
seu <strong>de</strong>sejo por reconciliar os contrários e provar que a verda<strong>de</strong> não é<br />
"diáfana", "transparente" e "unidimensional", mas paradoxal e<br />
transcen<strong>de</strong>nte, Paz t<strong>em</strong> participado das aventuras intelectuais e artísticas<br />
mais significativas <strong>de</strong>ste século: o marxismo e a filosofia <strong>de</strong> Hei<strong>de</strong>gger,<br />
com a qual se familiarizou através da obra <strong>de</strong> Ortega y Gasset e das<br />
traduções que <strong>de</strong> Hei<strong>de</strong>gger fez José Gaos, o estruturalismo, além <strong>de</strong> seu<br />
profundo interesse pela filosofia e cultura oriental, sobretudo, a indiana 19 .<br />
18 Revista Canadiense <strong>de</strong> Estudios Hispánicos, p. 387.<br />
19 Em Vislumbres <strong>de</strong> la Índia:un diálogo con la condición humana, Paz relata a profundida<strong>de</strong> e a<br />
riqueza <strong>de</strong> suas experiências com a cultura indiana, ressaltando o caráter múltiplo, contraditório e,<br />
ao mesmo t<strong>em</strong>po, "convergente" <strong>de</strong>ssa civilização.
14<br />
O Mono Gramático: a experiência da escolha<br />
A escolha da obra O Mono Gramático, como lastro que<br />
sustentará toda argumentação teórica <strong>de</strong>ste trabalho acerca <strong>de</strong> questões<br />
referentes à mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e à intertextualida<strong>de</strong>, é uma <strong>de</strong>corrência natural<br />
<strong>de</strong> nossas preocupações e do nosso interesse <strong>em</strong> melhor compreen<strong>de</strong>r a<br />
relação teoria/prática, no campo da arte literária. Ao sugerir uma reflexão<br />
sobre o T<strong>em</strong>po 20 , a obra propõe uma reflexão sobre todas as coisas que<br />
se constro<strong>em</strong> e se <strong>de</strong>sconstro<strong>em</strong> nele e por meio <strong>de</strong>le.<br />
Muito <strong>em</strong>bora a palavra seja uma <strong>de</strong>ssas "coisas", ela<br />
apresenta proprieda<strong>de</strong>s que transcend<strong>em</strong> as noções gerais <strong>de</strong> T<strong>em</strong>po.<br />
Esta observação suscita um importante esclarecimento: afinal, <strong>de</strong> que<br />
T<strong>em</strong>po trata Octavio Paz? Qual é a relação da sua concepção <strong>de</strong> T<strong>em</strong>po<br />
com as questões da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e da intertextualida<strong>de</strong>?<br />
20 A <strong>de</strong>limitação do T<strong>em</strong>po como principal objeto <strong>de</strong> investigação dos procedimentos<br />
literários utilizados por Octavio Paz na elaboração da narrativa <strong>de</strong> O Mono Gramático,<br />
<strong>de</strong>ve-se à estreita relação existente entre a compreensão <strong>de</strong>sse el<strong>em</strong>ento, não só do<br />
ponto <strong>de</strong> vista literário, mas também filosófico, e à complexida<strong>de</strong> dos conceitos <strong>de</strong><br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> intertextualida<strong>de</strong>.
15<br />
O t<strong>em</strong>a (ou os t<strong>em</strong>as?) sugerido a partir <strong>de</strong> uma narrativa<br />
que foge completamente aos padrões classificatórios já estabelecidos,<br />
possibilita a associação <strong>de</strong> inúmeros discursos e estes, por sua vez,<br />
probl<strong>em</strong>atizam o conceito <strong>de</strong> arte que "...é o contrário da dissipação, no<br />
sentido físico e espiritual da palavra: é concentração, <strong>de</strong>sejo que busca<br />
encarnação" 21 .<br />
Fora do âmbito <strong>em</strong> que se <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong> essas discussões,<br />
muitos conceitos parec<strong>em</strong> vagos, imprecisos. Por esse motivo torna-se<br />
imprescindível localizar e atualizar alguns pontos consi<strong>de</strong>rados polêmicos.<br />
No que diz respeito à mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e à intertextualida<strong>de</strong>, verificam-se, na<br />
própria tradição teórico-crítica, contradições e paradoxos que n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre<br />
viabilizam uma visão convergente <strong>de</strong>sses pontos. Maurice Blanchot <strong>em</strong><br />
L'espace littéraire, Julia Kristeva <strong>em</strong> La révolution du langage poétique e,<br />
principalmente, Antoine Compagnon e o próprio Octavio Paz, <strong>em</strong> Les cinq<br />
paradoxes <strong>de</strong> la mo<strong>de</strong>rnité e La otra voz, respectivamente, tratam as<br />
questões referentes à mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e à intertextualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> modo a<br />
consi<strong>de</strong>rar as dificulda<strong>de</strong>s que o t<strong>em</strong>a apresenta. Compagnon é um dos<br />
que reconhec<strong>em</strong> o limite <strong>de</strong>ssas dificulda<strong>de</strong>s e comenta: "Les auteurs qui<br />
traitent avec pertinence <strong>de</strong> la mo<strong>de</strong>rnité sont pour cette raison difficiles à<br />
21 PAZ, O., Conjunções e disjunções, p. 22.<br />
Em Conjunções e disjunções, Octavio Paz trata do conceito <strong>de</strong> arte consi<strong>de</strong>rando o seu<br />
caráter ambíguo e contraditório. Sendo a Arte regida pelo princípio das "convergências"<br />
nenhum fim a ela po<strong>de</strong> ser atribuído, senão aquele <strong>de</strong> encarnar a experiência sensível<br />
do(s) mundo (s).
16<br />
lire, Benjamin, par ex<strong>em</strong>ple, dont les analyses se dérobent comme du<br />
sable entre les doigts" 22 .<br />
Diante <strong>de</strong> algumas limitações e, <strong>de</strong> ant<strong>em</strong>ão, sabendo da<br />
impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se chegar a resultados absolutos, a nossa expectativa,<br />
no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste trabalho, é po<strong>de</strong>r d<strong>em</strong>onstrar, através <strong>de</strong><br />
análises, que o texto literário mo<strong>de</strong>rno e, sobretudo, O Mono Gramático,<br />
têm por finalida<strong>de</strong> a convergência. Aqui, um outro esclarecimento faz-se<br />
necessário: convergência <strong>de</strong> quê?<br />
Enten<strong>de</strong>r <strong>em</strong> que medida a arte literária <strong>de</strong>senvolve o<br />
conceito <strong>de</strong> "convergência" implica uma compreensão do termo e do<br />
sentido atribuído à palavra estética 23 . Em Conjunções e disjunções,<br />
Octavio Paz aborda este assunto, d<strong>em</strong>onstrando a intrínseca relação<br />
existente entre a gran<strong>de</strong> crise vivenciada pela humanida<strong>de</strong> e a sua<br />
equivocada forma <strong>de</strong> lidar com as oposições. Em outras palavras, ele<br />
d<strong>em</strong>onstra como o anseio espiritual <strong>de</strong> completu<strong>de</strong>, presente como meta a<br />
ser alcançada pelo hom<strong>em</strong>, <strong>em</strong> todos os t<strong>em</strong>pos e <strong>em</strong> todos os lugares, só<br />
encontra satisfação nos momentos <strong>de</strong> total liberação das regras ou da<br />
lógica formal que comanda os indivíduos <strong>em</strong> socieda<strong>de</strong>. Enquanto isso,<br />
<strong>de</strong>vido a uma profunda incompreensão e, conseqüent<strong>em</strong>ente, a uma<br />
profunda intolerância com as diferenças, o hom<strong>em</strong> vive o conflito e a<br />
22 COMPAGNON, A., Les cinq paradoxes <strong>de</strong> la mo<strong>de</strong>rnité, p. 16.<br />
23 Muito <strong>em</strong>bora a compreensão implique uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> percepção ou <strong>de</strong> uma captação <strong>de</strong><br />
sentido, sab<strong>em</strong>os que, no processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>codificação dos signos lingüísticos, na maioria das vezes,<br />
recorr<strong>em</strong>os à simplificação das palavras através da utilização <strong>de</strong> sinônimos. O sist<strong>em</strong>a lingüístico<br />
que constitui o sânscrito adota um outro procedimento. O sentido, propriamente dito <strong>de</strong> uma
17<br />
exasperação do cotidiano. A idéia <strong>de</strong> convergência parte da consciência<br />
da multiplicida<strong>de</strong> e, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> equilíbrio e <strong>de</strong><br />
convivência com os contrários.<br />
Quando discute questões <strong>de</strong> estética, Octavio Paz é<br />
irredutível no que diz respeito ao probl<strong>em</strong>a das "convergências"; ou elas<br />
exist<strong>em</strong> ou não se está falando <strong>de</strong> arte propriamente dita. De acordo com<br />
este raciocínio, torna-se praticamente impossível <strong>de</strong>senvolver uma<br />
compreensão do conceito <strong>de</strong> estética a partir <strong>de</strong> "singularida<strong>de</strong>s" 24 ; a<br />
própria noção <strong>de</strong> estética surge da experiência com a multiplicida<strong>de</strong>; é ela<br />
qu<strong>em</strong> reúne no Corpo todas as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> congregação e<br />
<strong>de</strong>sagregação. Um Corpo é s<strong>em</strong>pre lugar <strong>de</strong> passag<strong>em</strong>; o texto é um<br />
Corpo 25 ; a poesia é Corpo 26 .<br />
Sendo assim, adotar<strong>em</strong>os como procedimento inicial a<br />
divisão do corpus <strong>de</strong>ste trabalho <strong>em</strong> três partes, a saber: "A Falha"; "A<br />
Pausa"; "A Plenitu<strong>de</strong>".<br />
Da primeira parte constará a investigação dos conceitos <strong>de</strong><br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> intertextualida<strong>de</strong>, b<strong>em</strong> como <strong>de</strong> outros conceitos<br />
palavra, resulta <strong>de</strong> uma contextualização <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> fala e esta, por sua vez, possui outras<br />
implicações filosóficas.<br />
24 Aqui, a palavra "singularida<strong>de</strong>s" está <strong>em</strong>pregada no sentido da coisa única, distinta ou que não<br />
t<strong>em</strong> nenhuma relação com as d<strong>em</strong>ais coisas.<br />
25 Em Mil mesetas-capitalismo y esquizofrenia, Deleuze e Guattari, ao falar<strong>em</strong> da finalida<strong>de</strong> do<br />
livro, falam da sua função <strong>de</strong> "Corpo" que é se conectar com o que está fora, passar "intensida<strong>de</strong>s".<br />
p. 10.<br />
26 DELEUZE, G. e GUATARI, F., Mil mesetas: capitalismo y esquisofrenia, p. 131.
18<br />
correlatos, <strong>em</strong> que procurar<strong>em</strong>os não nos ater unicamente à perspectiva<br />
histórica que caracteriza gran<strong>de</strong> parte das avaliações críticas sobre a<br />
matéria <strong>em</strong> questão. Muito <strong>em</strong>bora as limitações do trabalho não nos<br />
permitam uma abordag<strong>em</strong> tão ampla quanto inquestionável, no que diz<br />
respeito à mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e à intertextualida<strong>de</strong>, é nossa intenção<br />
<strong>de</strong>senvolver uma análise que consi<strong>de</strong>re o caráter absoluto e transcen<strong>de</strong>nte<br />
das questões que serão suscitadas, b<strong>em</strong> como a relação que essas<br />
mesmas questões apresentam com o processo do mundo, ou seja, com o<br />
acontecimento histórico <strong>em</strong> si 27 .<br />
Em seguida, tratar<strong>em</strong>os <strong>de</strong> explicitar o nosso entendimento<br />
sobre o papel da arte literária na formação e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma<br />
visão <strong>de</strong> mundo comprometida com a experiência do indivíduo. O objetivo<br />
é discutir a função substantiva da arte, o seu caráter transformador e, com<br />
isso, promover o reconhecimento da sua at<strong>em</strong>poralida<strong>de</strong>. As questões<br />
referentes à autobiografia também farão parte <strong>de</strong> nossas consi<strong>de</strong>rações,<br />
assim como as implicações do ato <strong>de</strong> escrever - Écrire pour quoi...Pour<br />
qui? 28 , parafraseando o título da instigadora obra <strong>de</strong> renomados críticos da<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.<br />
Da segunda parte, constará uma análise exclusiva do<br />
T<strong>em</strong>po. Far<strong>em</strong>os uma abordag<strong>em</strong> do assunto, a partir <strong>de</strong> ângulos<br />
27 Apesar da vasta bibliografia sobre mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e intertextualida<strong>de</strong> nos oferecer, como<br />
possibilida<strong>de</strong>, um amplo questionamento acerca <strong>de</strong>, praticamente, todos os assuntos <strong>de</strong> interesse da<br />
teoria e da crítica literária, dadas as limitações do trabalho, seria impossível citar todos os críticos<br />
<strong>de</strong>ssas áreas, mesmo consi<strong>de</strong>rando <strong>de</strong> extr<strong>em</strong>a relevância outros posicionamentos sobre o assunto.<br />
28 A expressão Écrire pour quoi...Pour qui?, é título da obra que reúne sete ensaios<br />
escritos por quatorze gran<strong>de</strong>s nomes da crítica literária francesa, entre eles Roland
19<br />
aparent<strong>em</strong>ente distintos, ou seja: o T<strong>em</strong>po Absoluto, aquele que não se<br />
inclui na ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> sucessões, e o T<strong>em</strong>po Relativo, aquele regido por<br />
intervalos mensuráveis e perceptíveis ao hom<strong>em</strong> comum. Recorrer<strong>em</strong>os à<br />
Mircea Elia<strong>de</strong> e a Heinrich Zimmer, para nos aprofundarmos nas questões<br />
referentes à simbologia e à mitologia oriental, sobretudo da Índia, que se<br />
reporta à sist<strong>em</strong>atização do conhecimento acerca do T<strong>em</strong>po através da<br />
mística e da filosofia transcen<strong>de</strong>ntalista 29 .<br />
Devido à complexida<strong>de</strong> das questões que envolv<strong>em</strong> esse<br />
t<strong>em</strong>a, e obe<strong>de</strong>cendo às imposições da narrativa <strong>de</strong> O Mono Gramático,<br />
focalizar<strong>em</strong>os o processo <strong>de</strong> construção da linguag<strong>em</strong>, que segue,<br />
rigorosamente, o seu contrário, ou seja, a <strong>de</strong>sconstrução. Como<br />
<strong>em</strong>basamento teórico, tomar<strong>em</strong>os Jacques Derrida e seu posicionamento<br />
acerca da Desconstrução 30 . Procurar<strong>em</strong>os analisar a relação estabelecida<br />
por ele entre a filosofia, a linguag<strong>em</strong> e o texto literário.<br />
Dentro do complexo universo da linguag<strong>em</strong>, tratar<strong>em</strong>os do<br />
signo literário; este, como afirma Roland Barthes, ao contrário do signo<br />
social, <strong>de</strong>cepciona, porque não produz um significado, mas vários, que se<br />
completam, contradiz<strong>em</strong>-se e se anulam no vazio dos nomes 31 . Para<br />
abordar esse assunto, retomar<strong>em</strong>os Genette e o probl<strong>em</strong>a da<br />
Barthes, Maurice Na<strong>de</strong>au, Georges Duby, Pierre Barberis, e que trata do probl<strong>em</strong>a da<br />
escritura e da leitura das produções mo<strong>de</strong>rna e cont<strong>em</strong>porânea.<br />
29 Muito <strong>em</strong>bora, o transcen<strong>de</strong>ntalismo tenha surgido como escola <strong>em</strong> 1803, nos Estados Unidos,<br />
com Emerson, seus principais pilares, i<strong>de</strong>alismo, misticismo e crença no conhecimento à priori da<br />
experiência, são a base das filosofias e das religiões na Índia.<br />
30 Aqui, a palavra "Desconstrução" aparece com letra maiúscula para indicar o processo <strong>de</strong> autorevelação<br />
e indicação do texto <strong>de</strong> seus próprios princípios <strong>de</strong> organização e operação.<br />
31 Em Figuras, no ensaio intitulado "O reverso dos signos", Genette retoma Barthes para explicar a<br />
função do signo literário.
20<br />
simultaneida<strong>de</strong> do signo literário que libera, como possibilida<strong>de</strong>, outros<br />
significados contidos no silêncio da própria escritura.<br />
Sobre o silêncio dos signos nos fala o próprio Octavio Paz<br />
<strong>em</strong> Signos <strong>em</strong> rotação. Através <strong>de</strong> uma análise da tênue linha<br />
d<strong>em</strong>arcatória entre o hom<strong>em</strong> como produto <strong>de</strong> uma consciência histórica e<br />
o hom<strong>em</strong> como produto <strong>de</strong> uma consciência mítica e espiritual, ele<br />
consegue, seguramente, passar-nos uma noção convergente dos t<strong>em</strong>pos<br />
mítico, histórico e presente. Este último prevalece, na medida <strong>em</strong> que<br />
incorpora todos os d<strong>em</strong>ais, inclusive o futuro e se projeta no momento da<br />
reconciliação: "Poesia, momentânea reconciliação: ont<strong>em</strong>, hoje, amanhã;<br />
aqui, e ali; tu, eu, ele, nós. Tudo está presente: será presença" 32 .<br />
Se, por um lado, suas consi<strong>de</strong>rações nos r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> a uma<br />
análise cuidadosa do t<strong>em</strong>po linear, tendo <strong>em</strong> vista que o t<strong>em</strong>po histórico se<br />
sobrepõe e compenetra o t<strong>em</strong>po mítico, por outro, o próprio mito atualiza<br />
todos os t<strong>em</strong>pos, transformando-os <strong>em</strong> "infinitos presentes". No entanto,<br />
convém l<strong>em</strong>brar que a extraordinária capacida<strong>de</strong> dos mitos aos quais<br />
Octavio Paz faz referência está vinculada à própria concepção<br />
cosmogônica do universo; concepção que anula a irreversibilida<strong>de</strong> do<br />
t<strong>em</strong>po linear e recupera o não-t<strong>em</strong>po das origens.<br />
Na introdução <strong>de</strong> Um mapa da <strong>de</strong>sleitura, Harold Bloom<br />
também antecipa pontos <strong>de</strong> convergência da sua obra com as propostas<br />
<strong>de</strong>sconstrutivistas. Ele diz: "Este livro oferece instrução na prática da<br />
32 PAZ, O. , Signos <strong>em</strong> Rotação, p. 123.
21<br />
crítica poética <strong>em</strong> como ler um po<strong>em</strong>a" 33 ; trata da escrita e da "<strong>de</strong>sescrita",<br />
da leitura e da "<strong>de</strong>sleitura". Em primeira e última instâncias, essa instrução<br />
visa a um tipo <strong>de</strong> leitor - o "leitor forte", aquele que "partilha dos dil<strong>em</strong>as<br />
revisionistas", que <strong>de</strong>seja encontrar sua própria relação original com a<br />
verda<strong>de</strong>, seja <strong>em</strong> textos ou na realida<strong>de</strong> (tratada por ele como textos) mas<br />
que também <strong>de</strong>seja abrir os textos recebidos aos sofrimentos <strong>de</strong>le próprio,<br />
ou ao que chama <strong>de</strong> "sofrimento da história" 34 . Este leitor <strong>de</strong>verá ser capaz<br />
<strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r todo processo que constitui o fazer artístico-literário e, <strong>em</strong><br />
seguida, <strong>de</strong>sfazê-lo ou <strong>de</strong>sconstruí-lo para, só assim, po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>sfrutar <strong>de</strong><br />
sua essência, ou <strong>de</strong> sua plenitu<strong>de</strong> "vazia" 35 .<br />
O leitor <strong>de</strong> O Mono Gramático, na medida <strong>em</strong> que<br />
compartilha com o autor (narrador-personag<strong>em</strong>), experiências voltadas<br />
para o aprofundamento dos diferentes níveis <strong>de</strong> consciência, torna-se coresponsável<br />
pela realida<strong>de</strong> criada a partir da palavra. A leitura não é<br />
33 BLOOM, H., Um mapa da <strong>de</strong>sleitura, p. 15.<br />
34 Ibid<strong>em</strong>, p. 15-6<br />
35 Em La otra voz, Octavio Paz, quando trata da difícil tarefa <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r o que é poesia, faz<br />
referências à medicina antiga - e também à filosofia , começando por Platão - que atribu<strong>em</strong> à<br />
faculda<strong>de</strong> poética um "transtorno psíquico". Mesmo discordando <strong>de</strong> que o processo <strong>de</strong> criação seja<br />
apenas uma "faculda<strong>de</strong>", ele admite, como hipótese, a idéia <strong>de</strong> "transtorno psíquico" para<br />
justificar a relacão plenitu<strong>de</strong>/vacuida<strong>de</strong> dizendo: "...atribuían la faculdad poética a un transtorno<br />
psíquico. Era una mania, es <strong>de</strong>cir, un furor sagrado, un entusiasmo, un transporte. Sin <strong>em</strong>bargo,<br />
la manía no es sino uno <strong>de</strong> los polos <strong>de</strong>l transtorno; el otro es abstenia, el vacio interior, ese<br />
'melancólico bostezo' <strong>de</strong> que habla el poeta. Plenitu<strong>de</strong> y vacuidad, vuelo y caída, entusiasmo y<br />
melancolía: poesía". p. 132.
22<br />
simplesmente "uma leitura", é um mergulho, um salto, um vôo rumo ao<br />
<strong>de</strong>sconhecido mundo das idéias, dos pensamentos, dos sentimentos e das<br />
<strong>em</strong>oções que são intensas, contraditórias e incomensuráveis.<br />
Para captar essa realida<strong>de</strong> constituída <strong>de</strong> palavras que ora<br />
diz<strong>em</strong>, ora não diz<strong>em</strong> e, exatamente por não dizer<strong>em</strong>, sobreviv<strong>em</strong> ao<br />
t<strong>em</strong>po, além <strong>de</strong> conhecimento ou informações prévias, exige-se<br />
percepção, sensibilida<strong>de</strong> e, acima <strong>de</strong> tudo, uma postura crítica calcada na<br />
disposição para o enfrentamento com o texto, consigo mesmo e com o<br />
outro.<br />
Como se trata <strong>de</strong> uma narrativa que, a rigor, impõe uma<br />
experiência estética muito mais voltada para o conhecimento <strong>de</strong> uma<br />
realida<strong>de</strong> própria do indivíduo, a relação autor/obra/leitor não acontece<br />
pela via do simples prazer da leitura. Na medida <strong>em</strong> que se submete a<br />
essa experiência, o leitor rompe com um horizonte <strong>de</strong> expectativa estático,<br />
cristalizado pela lógica formal e adquire uma nova visão da realida<strong>de</strong>,<br />
como afirma Hans Robert Jauss <strong>em</strong> sua obra A história da literatura como<br />
provocação à teoria literária 36 .<br />
É sobre esta realida<strong>de</strong> que pretend<strong>em</strong>os trabalhar a noção<br />
do T<strong>em</strong>po e do não-T<strong>em</strong>po, ou seja, do T<strong>em</strong>po não-linear, que não é o<br />
mesmo T<strong>em</strong>po cosmológico, eterno, mas um outro, o "T<strong>em</strong>po da<br />
reflexão", das "co-existências", que não exclui o antes e o <strong>de</strong>pois, mas os<br />
superpõe <strong>em</strong> uma ord<strong>em</strong> estratigráfica. Esse T<strong>em</strong>po, presente <strong>em</strong> O Mono
23<br />
Gramático, seguindo a argumentação filosófica <strong>de</strong> Gilles Deleuze, <strong>em</strong><br />
Lógica do sentido 37 , funciona como "um gran<strong>de</strong> plissado" - o T<strong>em</strong>po e seus<br />
"infinitos presentes" t<strong>em</strong> como po<strong>de</strong>r inexorável, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
transportar o indivíduo <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> à outra, s<strong>em</strong> ser afetado pela<br />
"lógica" ou pela circunstancialida<strong>de</strong> do mundo objetivo 38 ; seguindo a<br />
argumentação teórica <strong>de</strong> Octavio Paz, funciona como "a encarnação das<br />
imagens", ou como a atualização <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas realida<strong>de</strong>s flagradas<br />
através do registro minucioso das percepções e sensações internas e<br />
externas do indivíduo.<br />
A palavra, como el<strong>em</strong>ento viabilizador <strong>de</strong> todo um<br />
processo que resulta na "encarnação das imagens", não é simplesmente<br />
objetiva, material, mas também subjetiva, imaterial e transcen<strong>de</strong>nte. Ela<br />
figura como a chave que <strong>de</strong>cifrará o enigma do texto, o seu silêncio que,<br />
<strong>em</strong> continuação ao não-dito, aguça a imaginação e a sensibilida<strong>de</strong> do<br />
leitor, instigando-o à "busca do fim" 39 . A ela será <strong>de</strong>dicada especial<br />
atenção, tendo <strong>em</strong> vista a sua multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, exibidos com<br />
36 Jauss trata do probl<strong>em</strong>a da obra literária e da sua recepção por um público leitor diferenciado. O<br />
seu objetivo é transpor o abismo que separa a literatura da história, o conhecimento histórico do<br />
estético, consi<strong>de</strong>rando, obviamente, a relação autor/obra/leitor.<br />
37 DELEUZE, G., Lógica do sentido, p.151.<br />
38 Ibid<strong>em</strong>, p. 152. Quando trata do "acontecimento", Deleuze afirma a sua relação com o sentido.<br />
Diz ele: "O brilho, o esplendor do acontecimento é o sentido. O acontecimento não é o que<br />
acontece (aci<strong>de</strong>nte), ele é no que acontece o puro expresso que nos dá sinal e nos espera".<br />
39 As expressões "o fim", "a busca do fim", "a impossibilida<strong>de</strong> do fim" serão retomadas por<br />
diversas vezes no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste trabalho, por se tratar <strong>de</strong> expressões-chave na<br />
compreensão do aspecto filosófico inerente à narrativa <strong>de</strong> O Mono Gramático. Aqui, a expressão<br />
"a busca do fim" refere-se ao po<strong>de</strong>r da palavra que, <strong>de</strong>ntro da estrutura composicional da obra,<br />
funciona como el<strong>em</strong>ento impulsionador do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> conhecimento; "o fim" é a própria<br />
experiência da busca do conhecimento; sendo o conhecimento inesgotável, "o fim" s<strong>em</strong>pre se<br />
dissipa, assim como se dissipam todas realida<strong>de</strong>s no momento <strong>em</strong> que são apreendidas pela<br />
percepção, pela sensibilida<strong>de</strong> e pela linguag<strong>em</strong>.
24<br />
simplicida<strong>de</strong> e maestria, <strong>em</strong> um certo sentido <strong>de</strong>sconcertantes, para o<br />
leitor acostumado à produção literária tradicional.<br />
Por estar inserida no chamado "nouveu roman", a narrativa<br />
<strong>de</strong> O Mono Gramático não oferece uma leitura complacente, n<strong>em</strong> traz para<br />
o leitor o tipo <strong>de</strong> satisfação que normalmente se encontra <strong>em</strong> outros<br />
romances.<br />
Portanto, <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os nos <strong>em</strong>penhar para enten<strong>de</strong>r, como<br />
resposta às nossas indagações, o texto que lança, através da linguag<strong>em</strong>,<br />
um questionamento profundo sobre o sentido da própria linguag<strong>em</strong>.<br />
Da terceira parte, constará, <strong>em</strong> uma "primeira mirada", um<br />
enfoque dos el<strong>em</strong>entos mais ou menos globalizantes que, na estrutura<br />
narrativa <strong>de</strong> O Mono Gramático, promov<strong>em</strong> o "diálogo" entre o texto <strong>de</strong><br />
Octavio Paz e vários outros, sobretudo, o do poeta Valmiki 40 . Em uma<br />
"segunda mirada" acompanhar<strong>em</strong>os, passo a passo, a tajetória do<br />
narrador, na tentativa <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar os el<strong>em</strong>entos constitutivos da narrativa<br />
que se articulam com uma consi<strong>de</strong>rável quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ilustrações, todas<br />
parcialmente imbricadas pela situação contextual do "instante" - do<br />
40 A produção literária <strong>de</strong> Octávio Paz, na sua totalida<strong>de</strong>, é uma proposta <strong>de</strong> "diálogo" com várias<br />
instâncias do conhecimento humano, sobretudo, com os mitos e com a poesia. Apesar da<br />
imprescindibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> referências da sua obra com a <strong>de</strong> outros gan<strong>de</strong>s nomes da poesia e prosa<br />
literária mo<strong>de</strong>rna, como por ex<strong>em</strong>plo, Borges, Cortázar, Jaime Sabines e tantos outros, <strong>de</strong>vido a<br />
<strong>de</strong>limitação do corpus <strong>de</strong>ste trabalho, analisar<strong>em</strong>os, apenas, os "diálogos" que, <strong>em</strong> O Mono<br />
Gramático, promov<strong>em</strong> a intercomunicação <strong>de</strong> diferentes culturas e <strong>de</strong> diferentes mundos.
25<br />
narrador e <strong>de</strong> cada ilustração 41 . Finalmente, na "terceira mirada",<br />
apresentar<strong>em</strong>os nossas consi<strong>de</strong>rações acerca dos el<strong>em</strong>entos que, no<br />
texto literário, resultam na realização prática do conceito <strong>de</strong> convergência.<br />
Procurar<strong>em</strong>os focalizar o probl<strong>em</strong>a das "convergências"<br />
<strong>em</strong> face da escritura que se apresenta multifacetada. O objetivo é<br />
d<strong>em</strong>onstrar como, apesar da aparente fragmentação e da aparente<br />
<strong>de</strong>sconstrução do fazer literário, o texto trabalha com a perspectiva <strong>de</strong><br />
união e transcendência dos contrários.<br />
Ao retomar el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> uma das mais antigas e mais<br />
gloriosas epopéias da humanida<strong>de</strong>, O Rãmãyana, o narrador <strong>de</strong> O Mono<br />
Gramático recupera toda uma discussão acerca dos procedimentos<br />
literários que, no texto, contradiz<strong>em</strong> a argumentação teórica tradicional. O<br />
t<strong>em</strong>po r<strong>em</strong>oto da narrativa hindu se confun<strong>de</strong> com o t<strong>em</strong>po presente da<br />
narrativa <strong>de</strong> O Mono Gramático, mediante a atualização <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong><br />
flagrada por um narrador atento, que percebe, sente e registra todos<br />
acontecimentos da sua experiência ao buscar o caminho <strong>de</strong> Galta 42 . O seu<br />
objetivo é "...ir até o fim", no entanto, esse fim não existe, assim como não<br />
existe realida<strong>de</strong> s<strong>em</strong> palavras, que também se dissipam no t<strong>em</strong>po.<br />
Em O Mono Gramático, da primeira à última página, é<br />
visível a relação entre filosofia e linguag<strong>em</strong>. Quanto aos procedimentos<br />
41 As ilustrações traduz<strong>em</strong> um instante flagrado e congelado pela imag<strong>em</strong> que se apresenta<br />
circunscrita e <strong>de</strong>limitada pelo seu próprio veículo <strong>de</strong> expressão - a fotografia. O narrador <strong>de</strong> O<br />
Mono Gramático, <strong>em</strong> um outro instante, percebe a imag<strong>em</strong>, <strong>de</strong>scongela-a, atribuindo-lhe dinâmica<br />
e multiplicida<strong>de</strong> através da utilização do código lingüístico literário, por natureza e por <strong>de</strong>finição,<br />
móvel, impermanente e plurissignificativo.
26<br />
literários que asseguram à escritura <strong>de</strong> Octavio Paz o caráter da<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, pretend<strong>em</strong>os d<strong>em</strong>onstrar como, <strong>em</strong> essência, eles<br />
ultrapassam a compreensão e as análises puramente intelectivas 43 .<br />
A metodologia que conduzirá nossas investigações não<br />
po<strong>de</strong>ria ser outra senão a da análise comparativa, tendo <strong>em</strong> vista a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> buscar, <strong>em</strong> fontes diversas, o maior esclarecimento<br />
possível das questões apresentadas ou sugeridas no texto literário. De<br />
acordo com a argumentação <strong>de</strong> Eti<strong>em</strong>ble, "comparaison n'est pas<br />
raison 44 ", portanto, o procedimento a ser seguido será aquele que visa,<br />
através da comparação, compreen<strong>de</strong>r e explicar os múltiplos<br />
<strong>de</strong>sdobramentos das relações <strong>de</strong> intertextualida<strong>de</strong> encontradas <strong>em</strong> O<br />
Mono Gramático. O ponto <strong>de</strong> partida será s<strong>em</strong>pre o exame da palavra,<br />
consi<strong>de</strong>rando que "La littérature est faite <strong>de</strong> mots..." 45 .<br />
Em O Rãmãyana, a palavra é responsável pela construção<br />
<strong>de</strong> um sentido que correspon<strong>de</strong> aos valores sociais, políticos, i<strong>de</strong>ológicos<br />
42 Galta - pequeno lugarejo no estado <strong>de</strong> Rajastão a noroeste da Índia, localizado à 10<br />
km da capital <strong>de</strong>ste estado Jaipur.<br />
43 TOURAINE, A., Crítica da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, p. 434-435.<br />
44 Eti<strong>em</strong>ble <strong>em</strong> Comparaison n'est pas raison, trata da utilização do método comparativo<br />
propriamente dito, tendo <strong>em</strong> vista, como o título da obra já antecipa, a comparação pela<br />
simples comparação não solucionar inúmeros questionamentos <strong>de</strong>correntes das<br />
relações <strong>de</strong> intertextualida<strong>de</strong> observadas <strong>em</strong> literaturas <strong>de</strong> diferentes países e <strong>de</strong><br />
diferentes períodos da história da literatura universal.<br />
45 O ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> Eti<strong>em</strong>ble sobre a importância do método comparatista ter como<br />
lastro a investigação da palavra se justifica a partir da seguinte colocação: "A défaut <strong>de</strong><br />
l'amour fou <strong>de</strong>s lettres, à défaut <strong>de</strong> l'expérience <strong>de</strong> la création, on peut au moins exiger<br />
du comparatiste qu'il ait du goût. La littérature étant faite <strong>de</strong> mots, <strong>de</strong> phrases, <strong>de</strong><br />
paragraphes, <strong>de</strong> scènes, d'actes, <strong>de</strong> vers, <strong>de</strong> strophes et d'antistrophes, la littérature<br />
comparée <strong>de</strong>vra s'intéresser aux mots, à leurs relations, et quand ce serait dans la<br />
mesure où ils subiraient l'action <strong>de</strong>s mots, ou <strong>de</strong>s structures <strong>em</strong>pruntées à l'étranger.<br />
Chaque langue a son génie, mais, <strong>de</strong>puis qu'il y a <strong>de</strong>s hommes sur la terrre, les langues<br />
se contaminent. Pourquoi donc le comparatisme négligie-t'il cette interaction, les<br />
avantages (ou les inconvénients) qui en résultent pour les littératures?". p. 87).
27<br />
e, sobretudo, religiosos, <strong>de</strong> um período da humanida<strong>de</strong> <strong>em</strong> que o<br />
"caminho" era a virtu<strong>de</strong>. Através da virtu<strong>de</strong> o hom<strong>em</strong> alcançava a<br />
purificação das energias que o mantinham preso ao tríplice Samsara, ou<br />
ciclo dos infinitos renascimentos e mortes; alcançava o contato com os<br />
seres divinos; alcançava a liberação. Em O Rãmãyana a palavra constrói<br />
um t<strong>em</strong>a e personagens ex<strong>em</strong>plares: Rama, Lakshmana, Sita, Hãnumãn e<br />
o gran<strong>de</strong> opositor <strong>de</strong> todos, Rávana 46 . O t<strong>em</strong>po, muito <strong>em</strong>bora se inscreva<br />
na ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> sucessão, uma vez que a seqüência dos acontecimentos<br />
reproduz<strong>em</strong> uma cronologia linear, recupera o Gran<strong>de</strong> T<strong>em</strong>po ou o t<strong>em</strong>po<br />
primordial através da reatualização dos mitos.<br />
Em O Mono Gramático, a palavra <strong>de</strong>sconstrói todos os<br />
sentidos preestabelecidos. O "caminho" é a busca <strong>de</strong> uma essência que<br />
está no "além-signo". Não existe um t<strong>em</strong>a no sentido concebido pelas<br />
teorias lingüísticas tradicionais; o t<strong>em</strong>a é o próprio fluxo mental do<br />
narrador-personag<strong>em</strong> e este, a partir da "explosão" provocada pela sua<br />
visão do Mono no painel do santuário <strong>de</strong> Galta, experimenta a fusão dos<br />
t<strong>em</strong>pos. Os mitos e os símbolos reaparec<strong>em</strong> na narrativa e também<br />
reatualizam uma verda<strong>de</strong> ou um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> que, basicamente,<br />
consiste na busca <strong>de</strong> uma compreensão do hom<strong>em</strong> para com a sua<br />
condição <strong>de</strong> existente 47 .<br />
46 SCHOLES, R. et KELLOG, R. , A natureza da narrativa, p. 114.<br />
47 Robert Cl<strong>em</strong>ents <strong>em</strong> "Th<strong>em</strong>es and mythes", assim como Brunel, Pichois e Rousseau tratam a<br />
questão dos t<strong>em</strong>as e mitos <strong>de</strong> modo a assegurar-lhes a importância <strong>de</strong> "fio" que, através dos<br />
t<strong>em</strong>pos, conduz o hom<strong>em</strong> ao entendimento <strong>de</strong> si mesmo.
28<br />
Mesmo tendo como ponto <strong>de</strong> partida o exame da palavra,<br />
a comparação procurará a intenção geral que prevalece nas duas<br />
narrativas. Da intenção, passar<strong>em</strong>os a investigar a ênfase dada às<br />
questões sugeridas ou <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adas através das imagens fotográficas e<br />
das imagens criadas a partir do jogo com as palavras; finalmente,<br />
observar<strong>em</strong>os a execução e os resultados obtidos 48 .<br />
Para maior fundamentação da metodologia comparatista,<br />
pretend<strong>em</strong>os, ainda, recorrer a Adrian Marino <strong>em</strong> sua obra Comparatisme<br />
et théorie <strong>de</strong> la littérature, sobretudo nos capítulos que tratam dos<br />
procedimentos <strong>de</strong> análise do texto literário mo<strong>de</strong>rno 49 . O objetivo é não<br />
per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista o fio tênue que, por um lado, conduz a narrativa <strong>de</strong> uma<br />
experiência pessoal, a experiência do próprio narrador que escolhe o<br />
caminho <strong>de</strong> Galta "<strong>em</strong> busca do fim", e, por outro, conduz a narrativa <strong>de</strong> O<br />
Rãmãyana e <strong>de</strong> várias histórias que se entrelaçam, dialogam entre si e,<br />
finalmente, r<strong>em</strong>ontam à história primordial do universo.<br />
Concluindo, apresentar<strong>em</strong>os uma síntese dos principais<br />
argumentos que sustentam a nossa tese <strong>de</strong> que, <strong>em</strong> O Mono Gramático,<br />
Octavio Paz expõe os diferentes níveis da sua experiência com a palavra e<br />
aponta, como possibilida<strong>de</strong>, a elaboração <strong>de</strong> uma escritura que não se<br />
limita ao universo sígnico humano. É ele mesmo qu<strong>em</strong> afirma: "... a<br />
48 Reamk <strong>em</strong> "Comparative literature - its <strong>de</strong>finitions and function" <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> uma metodologia dos<br />
estudos comparativos mais ampla e que consi<strong>de</strong>re os seguintes pontos: intenção geral, ênfase e<br />
execução.<br />
49 Adrian Marino <strong>em</strong> Comparatisme et théorie <strong>de</strong> la littérature, no capítulo intitulado "Une<br />
poétique comparatiste" se opõe ao comparatismo tradicional e argumenta a favor <strong>de</strong> uma<br />
metodologia ampla e compatível com o conceito <strong>de</strong> literatura universal. p. 9-31.
29<br />
diferença entre a escritura humana e a divina resi<strong>de</strong> no fato <strong>de</strong> que o<br />
número <strong>de</strong> signos da primeira é limitado, enquanto o da segunda é infinito:<br />
por isso o universo é um texto <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> sentido, ilegível até mesmo<br />
para os <strong>de</strong>uses" 50 .<br />
Fazer uma leitura inteligível do mundo é, portanto, captar<br />
<strong>em</strong> um milésimo <strong>de</strong> segundo, a vertiginosa realida<strong>de</strong> criada a partir da<br />
palavra não dita, mas sugerida nos espaços silenciosos do texto; é<br />
perceber na "encarnação" e na "dissipação" das imagens a existência <strong>de</strong><br />
uma realida<strong>de</strong> que exce<strong>de</strong>, assim como exce<strong>de</strong> a capacida<strong>de</strong> do hom<strong>em</strong><br />
<strong>de</strong> conviver <strong>em</strong> um mundo <strong>de</strong> impermanências. Em outras palavras, é<br />
vencer o abismo que separa dois mundos aparent<strong>em</strong>ente distintos: um,<br />
objetivo, material, pleno <strong>de</strong> formas, cores, sons e aromas; o outro,<br />
subjetivo, imaterial, pleno <strong>de</strong> percepções, sensações, <strong>em</strong>oções<br />
simultâneas e variadas, estados e processos mentais in<strong>de</strong>cifráveis. A<br />
ponte que une esses dois mundos é a linguag<strong>em</strong>, no caso <strong>de</strong> O Mono<br />
Gramático, uma linguag<strong>em</strong> poética, caleidoscópica que seduz e induz o<br />
leitor a também buscar o caminho <strong>de</strong> Galta 51 ou o "caminho do fim".<br />
50 PAZ, O. , O Mono Gramático, p. 50.<br />
51 Em O Mono Gramático, a palavra "Galta" possui uma dupla função: indicar o espaço físico, o<br />
lugarejo que serve <strong>de</strong> cenário às experiências internas e externas <strong>de</strong> um narrador que tudo observa,<br />
sente e registra e, como metáfora, indicar a busca do conhecimento <strong>de</strong> si e do mundo que o cerca.<br />
*Este trabalho constará ainda <strong>de</strong> dois anexos: um, dos termos <strong>em</strong> sânscrito utilizados no texto<br />
literário e na bibliografia que servirá <strong>de</strong> apoio à investigação <strong>de</strong> conceitos filosóficos que<br />
r<strong>em</strong>ontam à milenar filosofia oriental; o outro, <strong>de</strong> um catálogo <strong>de</strong> fotografias com índice r<strong>em</strong>issivo<br />
às ilustrações que perpassam a estrutura narrativa <strong>de</strong> O Mono Gramático.
A mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> é o transitório, o fugidio, o<br />
contingente; é uma meta<strong>de</strong> da arte, sendo a<br />
outra o eterno e o imutável.<br />
Bau<strong>de</strong>laire<br />
A intertextualida<strong>de</strong> pressupõe um invólucro<br />
histórico não centralizado e um alicerce<br />
<strong>de</strong>scentralizado insondável para a linguag<strong>em</strong> e<br />
a textualida<strong>de</strong>; ao fazê-lo, expõe todas as<br />
contextualizações como sendo limitadas e<br />
limitadoras, arbitárias e restritivas, autoabastecedoras<br />
e autoritárias, teológicas e<br />
políticas. Por mais paradoxal que seja sua<br />
formulação, a intertextualida<strong>de</strong> proporciona um<br />
<strong>de</strong>terminismo libertador.<br />
Vicent Leitch
"A FALHA"<br />
2. MODERNIDADE, INTERTEXTUALIDADE E OUTROS<br />
CONCEITOS CORRELATOS<br />
2.1. do paradoxo à "convergência"<br />
A complexida<strong>de</strong> dos conceitos <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />
intertextualida<strong>de</strong> é aceita como algo unânime e compatível com a<br />
complexida<strong>de</strong> da própria palavra conceito. Impossível compreen<strong>de</strong>r<br />
estes fenômenos s<strong>em</strong> dar especial atenção ao caráter ambíguo <strong>de</strong> suas<br />
proposições. Ambos encerram o probl<strong>em</strong>a da “natureza” e da “função”.<br />
Sendo assim, é perfeitamente compreensível a formulação <strong>de</strong> um ponto<br />
<strong>de</strong> vista baseado na investigação dos múltiplos aspectos que hoje<br />
constitu<strong>em</strong> esses conceitos 1 . Antoine Compagnon <strong>em</strong> Les cinq<br />
paradoxes <strong>de</strong> la mo<strong>de</strong>rnité parte da seguinte argumentação:<br />
On a longt<strong>em</strong>ps opposé ce qui est traditionnel et<br />
ce qui est mo<strong>de</strong>rne, sans même parler <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnité ni<br />
1 Hans Robert Jauss <strong>em</strong> Pour une esthétique <strong>de</strong> la réception, no capítulo La "mo<strong>de</strong>rnité"<br />
dans la tradition littéraire et la conscience d'aujourd'hui', elabora um conceito <strong>de</strong><br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> a partir <strong>de</strong> uma análise da trajetória da palavra mo<strong>de</strong>rnus e chega à<br />
mesma conclusão <strong>de</strong> Antoine Compagnon e outros críticos quanto ao aspecto<br />
paradoxal da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. p. 158-209.
32<br />
<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnisme: serait mo<strong>de</strong>rne ce qui rompt avec la<br />
tradition, et serait traditionnel ce qui résiste à la<br />
mo<strong>de</strong>rnisation. Selon l’étymologie, la tradition est la<br />
transmission d’un modèle ou d’une croyance, d’une<br />
génération à la suivante et d’un siècle à l’autre: elle<br />
suppose l’allégeance à une autorité et la fidélité à une<br />
origine. Parler <strong>de</strong> tradition mo<strong>de</strong>rne serait donc une<br />
absurdité, car cette tradition serait faite <strong>de</strong> rupture 2 .<br />
A idéia do paradoxo po<strong>de</strong> ser compreendida a partir da<br />
relação tradição/mo<strong>de</strong>rna: tradição implica repetição, continuida<strong>de</strong>,<br />
permanência; mo<strong>de</strong>rna, por sua vez, implica ruptura, novida<strong>de</strong>,<br />
impermanência. O antagonismo que se verifica entre os dois termos é o<br />
mesmo encontrado nas avaliações críticas acerca da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Isto<br />
porque a história da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> é uma história <strong>de</strong> antagonismos e <strong>de</strong><br />
contradições; é uma história <strong>de</strong> paradoxos, <strong>em</strong> que o mo<strong>de</strong>rno surge<br />
como negação da tradição <strong>de</strong>nunciando suas "aporias" e seus impasses<br />
lógicos.<br />
Achar a solução a<strong>de</strong>quada para os “impasses” <strong>de</strong>ssa<br />
contraditória relação é, s<strong>em</strong> dúvida, um trabalho da crítica, que <strong>de</strong>ve<br />
i<strong>de</strong>ntificar o modo e os diferentes momentos <strong>em</strong> que ela se apresenta.<br />
Nesse sentido, é comum encontrar a expressão The Mo<strong>de</strong>rn Tradition<br />
para <strong>de</strong>signar um ponto <strong>de</strong> vista estético que começa <strong>em</strong> meados do<br />
século XIX e que se opõe a The Classical Tradition.<br />
2 COMPAGNON, A., Les cinq paradoxes <strong>de</strong> la mo<strong>de</strong>rnité, p. 7.
33<br />
A tradição mo<strong>de</strong>rna começa com o surgimento do “novo”<br />
como valor. Em 1845, Bau<strong>de</strong>laire encabeça um movimento <strong>em</strong> que as<br />
palavras <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> "make it news", "faire du nouveau", entre outras,<br />
<strong>de</strong>cretam o fim da tradição clássica e, <strong>em</strong> contrapartida, criam o que<br />
Valéry chamava <strong>de</strong> “la superstition du nouveau”. O rompimento com o<br />
passado, <strong>de</strong>ntro da nova concepção, significava o rompimento com um<br />
discurso histórico consi<strong>de</strong>rado precário diante do fazer artístico.<br />
Para explicar a relação entre mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e discurso<br />
histórico, Compagnon, assim como o próprio Octavio Paz, parte <strong>de</strong><br />
consi<strong>de</strong>rações acerca da ina<strong>de</strong>quação da palavra mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>: “...ce<br />
mot même <strong>de</strong> naissance est troublant, parce qu’il appartient à un genre<br />
particulier du récit historique, le genre mo<strong>de</strong>rne just<strong>em</strong>ent” 3 .<br />
O discurso histórico r<strong>em</strong>onta às idéias <strong>de</strong> progresso; sua<br />
precarieda<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> no fato <strong>de</strong> vincular o acontecimento artístico a um<br />
t<strong>em</strong>po linear, <strong>de</strong> sucessões, <strong>de</strong> causas e conseqüências. Se, por um<br />
lado, admiti-lo é um absurdo, um equívoco que d<strong>em</strong>onstra uma visão<br />
limitada e limitadora, por outro, é praticamente impossível negá-lo 4 .<br />
O conceito <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> que rompe com o discurso<br />
histórico enfrenta, como <strong>de</strong>safio, muitos questionamentos. Respondê-los<br />
significa abrir mão <strong>de</strong> toda teorização formal para se lançar <strong>em</strong> uma<br />
experiência crítica que também t<strong>em</strong> um sabor <strong>de</strong> ruptura.<br />
3 COMPAGNON, A., Les cinq paradoxes <strong>de</strong> la mo<strong>de</strong>rnité, p. 9-10.<br />
4 Cf. PAZ, O., La otra voz, p. 32-37.
34<br />
Influenciado por uma vasta experiência com as questões<br />
da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, Compagnon se permite encarar os impasses <strong>de</strong>ssa<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> que hoje se apresenta como processo indissociável da<br />
própria história e, conseqüent<strong>em</strong>ente, da idéia <strong>de</strong> progresso.<br />
Compreendê-la implica disposição para o enfrentamento teórico-crítico<br />
sobre esse e outros t<strong>em</strong>as relacionados às questões suscitadas ao longo<br />
<strong>de</strong>sse interminável <strong>de</strong>bate.<br />
Em termos <strong>de</strong> procedimentos, o primeiro passo é<br />
i<strong>de</strong>ntificar os paradoxos; o segundo passo é extrair da experiência crítica<br />
a compreensão do conceito <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> a partir da sua natureza e<br />
da sua função, ou seja, a partir da sua relação com o discurso histórico e<br />
a partir dos el<strong>em</strong>entos que asseguram a <strong>de</strong>terminadas produções o<br />
caráter da transcendência ou da verda<strong>de</strong>ira mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Para<br />
Compagnon o importante é pensar <strong>em</strong> fazer uma história paradoxal da<br />
tradição mo<strong>de</strong>rna; <strong>de</strong>scobrir a face oculta <strong>de</strong> cada mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, suas<br />
"aporias" e antinomias <strong>de</strong>duzidas do discurso ortodoxo.<br />
Embora tenha formalizado uma proposta metodológica e,<br />
por esse motivo, <strong>de</strong>dicamos maior atenção às suas consi<strong>de</strong>rações,<br />
Compagnon não é o primeiro, n<strong>em</strong> o único a pensar a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />
como "história paradoxal". Em O arco e a lira, Signos <strong>em</strong> rotação, e<br />
sobretudo <strong>em</strong> La otra voz, Octavio Paz já manifesta uma visão muito<br />
lúcida acerca das questões da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e, no caso, luci<strong>de</strong>z não<br />
significa negar as contradições e os impasses naturalmente vinculados
35<br />
ao t<strong>em</strong>a. Muito pelo contrário. Se mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e mo<strong>de</strong>rno são palavras<br />
afins e se mo<strong>de</strong>rno é sinônimo <strong>de</strong> novo, a noção <strong>de</strong> valor atribuída à<br />
obra que apresenta novida<strong>de</strong> é perfeitamente compreensível. Resta<br />
saber <strong>em</strong> que consiste a palavra novida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntro do âmbito <strong>em</strong> que se<br />
<strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong> essas discussões.<br />
Muito <strong>em</strong>bora seja o ponto <strong>de</strong> partida <strong>de</strong> toda sua<br />
argumentação, Octavio Paz trata esse assunto com extr<strong>em</strong>a simplicida<strong>de</strong><br />
e esclarece:<br />
...para nós o valor <strong>de</strong> uma obra resi<strong>de</strong> <strong>em</strong> sua<br />
novida<strong>de</strong>: invenção <strong>de</strong> formas ou combinação das<br />
antigas <strong>de</strong> uma maneira insólita, <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong><br />
mundos <strong>de</strong>sconhecidos ou exploração <strong>de</strong> zonas<br />
ignoradas nos conhecidos 5 .<br />
A concepção <strong>de</strong> novida<strong>de</strong> como invenção d<strong>em</strong>onstra<br />
uma preocupação <strong>em</strong> formular um conceito <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> que<br />
ultrapasse uma relação estanque com o discurso histórico. Invenção<br />
implica criação, imaginação, originalida<strong>de</strong>, ou seja, implica um “fazer”<br />
5 Em Signos <strong>em</strong> rotação, Paz utiliza a palavra "novida<strong>de</strong>" como sinônima <strong>de</strong> "novo";<br />
ambas possu<strong>em</strong> significados que corroboram seu posicionamento acerca <strong>de</strong> questões<br />
relacionadas com a invenção e com a originalida<strong>de</strong>. A novida<strong>de</strong> é a qualida<strong>de</strong> ou o<br />
caráter do novo; aquilo que é recente, que t<strong>em</strong> pouco t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> existência ou aquilo que<br />
foi visto pela primeira vez. A relação novo/novida<strong>de</strong>/mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> ocorre <strong>em</strong> face do<br />
espírito que compenetra e impulsiona as ações <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sejo irreprimível<br />
<strong>de</strong> mudança. Sendo o <strong>de</strong>sejo uma incessante ativida<strong>de</strong> humana voltada para o<br />
preenchimento <strong>de</strong> todas as "faltas" - ontológicas, históricas, existenciais - o novo, a<br />
novida<strong>de</strong> e a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> existiram e existirão s<strong>em</strong>pre. p. 133.
36<br />
artístico-literário que, nesse sentido, possui uma tradição que não é<br />
continuida<strong>de</strong>, é ruptura.<br />
Des<strong>de</strong> o romantismo, o antagonismo que se verifica<br />
entre os movimentos literários subseqüentes confirma que tradição não é<br />
continuida<strong>de</strong> e sim ruptura. Daí "...que não seja inexato chamar à<br />
tradição mo<strong>de</strong>rna: tradição da ruptura" 6 .<br />
O discurso histórico, na medida <strong>em</strong> que narra uma<br />
sucessão <strong>de</strong> acontecimentos responsáveis por violentas mudanças<br />
sociais, também se constitui <strong>em</strong> uma história <strong>de</strong> rupturas. A diferença<br />
está na concepção <strong>de</strong> progresso. Sabe-se que, a partir dos adventos da<br />
Revolução Francesa e da Revolução Industrial, a palavra “progresso”<br />
incorporou um campo s<strong>em</strong>ântico <strong>em</strong> que as palavras não mais refletiam<br />
a idéia <strong>de</strong> um <strong>de</strong>senvolvimento material e espiritual como no passado. A<br />
palavra progresso passou a refletir uma nova postura do hom<strong>em</strong> diante<br />
do outro e diante do mundo; uma postura alicerçada no <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />
realização <strong>de</strong> uma suposta liberda<strong>de</strong>, adquirida graças ao acúmulo <strong>de</strong><br />
bens materiais e, conseqüent<strong>em</strong>ente, a uma equivocada noção <strong>de</strong><br />
igualda<strong>de</strong>.<br />
Com a Revolução Industrial cria-se a instituição<br />
“Indústria 7 ”, que passa a simbolizar uma das etapas da humanida<strong>de</strong> <strong>em</strong><br />
6 PAZ, O., Signos <strong>em</strong> rotação, p. 133-134.<br />
7 Raymond Williams <strong>em</strong> Cultura e socieda<strong>de</strong> 1780-1950 faz uma análise <strong>de</strong> cinco<br />
palavras que, a partir da Revolução Francesa e da Revolução Industrial, passam a<br />
constituir um importante sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> referências, <strong>de</strong>lineado <strong>em</strong> face das transformações<br />
ocorridas <strong>em</strong> seu uso. As palavras analisadas são: indústria, d<strong>em</strong>ocracia, classe, arte e<br />
cultura. A primeira e a mais importante, segundo Raymond Williams, é a palavra
37<br />
que <strong>de</strong>senvolvimento e progresso <strong>de</strong>signam processos <strong>de</strong>la resultantes.<br />
Cria-se também uma nova concepção <strong>de</strong> vida <strong>em</strong> socieda<strong>de</strong> à revelia<br />
das necessida<strong>de</strong>s do indivíduo. A ativida<strong>de</strong> do pensar, responsável pela<br />
manutenção do equilíbrio dos diferentes estágios da subjetivida<strong>de</strong><br />
humana, foi relegada a planos secundários; <strong>em</strong> conseqüência, um<br />
processo <strong>de</strong> uniformização ou <strong>de</strong> massificação <strong>de</strong>cretava,<br />
gradativamente, a perda da consciência crítica, <strong>de</strong>cretava o próprio<br />
caos 8 .<br />
indústria. Diz ele: "A palavra mais importante é indústria, e a forma <strong>de</strong> <strong>em</strong>pregá-la se<br />
altera no período que hoje <strong>de</strong>nominamos Revolução Industrial. Anteriormente, indústria<br />
era nome <strong>de</strong> um atributo humano particular, sinônimo <strong>de</strong> 'habilida<strong>de</strong>, assiduida<strong>de</strong>,<br />
perseverança, diligência'. Naturalmente, indústria ainda se <strong>em</strong>prega nesse sentido, mas<br />
nas últimas décadas do século <strong>de</strong>zoito, indústria passou a significar uma outra coisa;<br />
transformou-se <strong>em</strong> substantivo coletivo, a <strong>de</strong>signar as <strong>em</strong>presas fabris e produtivas e<br />
as ativida<strong>de</strong>s gerais a que se <strong>de</strong>dicam". p. 15.<br />
8 No prefácio à edição brasileira do livro A vida do espírito: o pensar; o querer; o julgar,<br />
<strong>de</strong> Hannah Arendt, Eduardo Jardim <strong>de</strong> Moraes comenta a importância <strong>de</strong> uma reflexão<br />
profunda sobre as ativida<strong>de</strong>s humanas focalizadas na obra. Ele chama a atenção para<br />
os perigos ao se eliminar a ativida<strong>de</strong> do pensar e localiza no final do século XVII o início<br />
<strong>de</strong> uma etapa na história da humanida<strong>de</strong> <strong>em</strong> que isso acontece. Diz ele: "O po<strong>de</strong>r<br />
iluminador das idéias sobre o mundo e o universo, do modo como conceberam os<br />
filósofos, <strong>de</strong>sapareceu - e com isto per<strong>de</strong>u-se a segurança que havia <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o<br />
mundo e nele se orientar". p. XIV.
38<br />
Em face do caos, a arte s<strong>em</strong>pre vislumbra a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança e, nesse sentido, é coerente a afirmação:<br />
...as mudanças artísticas, <strong>em</strong> si mesmas, não têm<br />
valor n<strong>em</strong> significação; a idéia <strong>de</strong> mudança é que<br />
t<strong>em</strong> valor e significação. Outra vez: não por si<br />
mesma, mas como agente ou inspiradora das<br />
criações mo<strong>de</strong>rnas 9 .<br />
O espírito que impulsiona todas as mudanças s<strong>em</strong>pre<br />
capta o novo e produz um modo <strong>de</strong> apreensão e representação que<br />
resulta na novida<strong>de</strong>. A partir <strong>de</strong>sse raciocínio, o que se conclui acerca<br />
das produções artísticas, sobretudo mo<strong>de</strong>rnas, é que elas <strong>de</strong>v<strong>em</strong> criar,<br />
imaginar <strong>de</strong> maneira s<strong>em</strong>pre inigualável, uma obra <strong>de</strong> arte que reflita as<br />
preocupações e as aspirações <strong>de</strong> seu t<strong>em</strong>po. Essa conclusão,<br />
naturalmente, vincula-se a uma unanimida<strong>de</strong> da crítica que argumenta<br />
<strong>em</strong> favor da localização, no t<strong>em</strong>po e no espaço, das diferentes<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s.<br />
Em La otra voz, no capítulo intitulado Ruptura e<br />
convergência, Octavio Paz, ao tecer um extenso comentário sobre as<br />
infinitas "mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s", esclarece o papel da arte mo<strong>de</strong>rna. Muito<br />
<strong>em</strong>bora não conste dos objetivos <strong>de</strong>ste trabalho uma análise minuciosa<br />
<strong>de</strong> todas as vertentes teórico-críticas que envolv<strong>em</strong> esse t<strong>em</strong>a, por
39<br />
natureza, complexo e inesgotável, <strong>em</strong> face da ina<strong>de</strong>quação <strong>de</strong><br />
terminologias 10 , convém ressaltar a última mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, ou seja: aquela<br />
que t<strong>em</strong> início no século XVIII e se reporta ao começo da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />
como uma crítica à religião, à filosofia, à moral, ao direito, à história, à<br />
economia e à política; no século XIX, essa mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> atinge o seu<br />
apogeu e, no final <strong>de</strong>sse mesmo século e início do século XX, mergulha<br />
<strong>em</strong> uma profunda crise.<br />
Cada uma <strong>de</strong>ssas etapas, b<strong>em</strong> como todas as<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s anteriores, oferece, no todo ou <strong>em</strong> parte, el<strong>em</strong>entos que<br />
favorec<strong>em</strong> à elaboração do conceito <strong>de</strong> "Arte <strong>de</strong> Conjugação" ou "Arte <strong>de</strong><br />
Convergência". O mais importante <strong>de</strong> todos eles, o T<strong>em</strong>po, é o eixo<br />
catalizador <strong>de</strong> todos os impasses e paradoxos lançados na história nãolinear<br />
da humanida<strong>de</strong>.<br />
No que diz respeito ao século XVIII, sua gran<strong>de</strong><br />
contribuição foi a crítica, entendida como método <strong>de</strong> investigação,<br />
criação e ação. A indiscutível importância <strong>de</strong>ste século encontra nas<br />
palavras <strong>de</strong> Octavio Paz o ponto <strong>de</strong> partida para uma compreensão mais<br />
abrangente das questões da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Afinal, "...Fue un siglo rico en<br />
proyectos <strong>de</strong> reforma social y en utopías" 11 . Estas, consi<strong>de</strong>radas como<br />
saldo negativo do "século <strong>de</strong> ouro" são, na verda<strong>de</strong>, a base dos gran<strong>de</strong>s<br />
9 PAZ, O., Signos <strong>em</strong> rotação, p. 134.<br />
10 O probl<strong>em</strong>a da ina<strong>de</strong>quação <strong>de</strong> terminologias é citado por Octavio Paz e por vários<br />
outros críticos da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Todos faz<strong>em</strong> referência ao caráter transitório da<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> dada a sua vinculação com o mo<strong>de</strong>rno, com o novo e, por sua vez, com a<br />
novida<strong>de</strong>.<br />
11 PAZ, O., La otra voz, p. 33.
40<br />
movimentos dos séculos XIX e XX; "Las utopías son los sueños <strong>de</strong> la<br />
razón" 12 ; são também traços característicos da Ida<strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rna.<br />
No caso das utopias revolucionárias, largamente<br />
diss<strong>em</strong>inadas a partir do século XVIII, o "t<strong>em</strong>po favorável" é o futuro que<br />
<strong>de</strong>ve ser construido aqui, <strong>em</strong> um t<strong>em</strong>po e <strong>em</strong> um espaço acessível ao<br />
hom<strong>em</strong>. Se a Ida<strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rna começa com a crítica à religião, a idéia <strong>de</strong><br />
eternida<strong>de</strong> do cristianismo entra <strong>em</strong> confronto com o surgimento <strong>de</strong> um<br />
outro t<strong>em</strong>po - o futuro, aberto e quase infinito. A eternida<strong>de</strong> cristã lança<br />
todas as questões <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> existencial e cosmológica na linearida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
um t<strong>em</strong>po finito, com um princípio e um fim. A ascensão ao Absoluto, por<br />
sua vez, passa, necessariamente, pelo mistério da morte e da<br />
ressurreição. Já a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> crítica <strong>de</strong>svaloriza a eternida<strong>de</strong>; o t<strong>em</strong>po<br />
é cíclico, praticamente infinito, e a morte é encarada como parte do<br />
processo da evolução natural.<br />
Em termos artístico e literário, no século XIX t<strong>em</strong>os o<br />
romantismo que <strong>de</strong>senvolve <strong>em</strong> relação à mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> um movimento<br />
ambíguo <strong>de</strong> aceitação e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, transgressão <strong>de</strong> seus<br />
princípios mais el<strong>em</strong>entares. Analisando o movimento <strong>em</strong> face das<br />
questões naturalmente vinculadas à mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, Octavio Paz o <strong>de</strong>fine<br />
da seguinte maneira:<br />
Hijo rebel<strong>de</strong>, el romanticismo hace la crítica <strong>de</strong><br />
la razón crítica y opone al ti<strong>em</strong>po <strong>de</strong> la historia<br />
12 Ibid<strong>em</strong>, p. 34.
41<br />
sucesiva el ti<strong>em</strong>po <strong>de</strong>l origen antes <strong>de</strong> la historia, al<br />
ti<strong>em</strong>po futuro <strong>de</strong> las utopías, el ti<strong>em</strong>po instantáneo<br />
<strong>de</strong> las pasiones, el amor y la sangre 13 .<br />
O romantismo é, portanto, consi<strong>de</strong>rado a gran<strong>de</strong><br />
negação da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tal como havia sido concebida no século XVIII<br />
pela razão crítica, utópica e revolucionária. Uma negação que resulta <strong>em</strong><br />
ruptura e, nesse sentido, negação mo<strong>de</strong>rna. Explicar esse paradoxo<br />
implica uma compreensão dos procedimentos ou do modo <strong>de</strong> apreensão<br />
e representação da realida<strong>de</strong> experimentada pelos românticos.<br />
As transgressões <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> uma nova postura<br />
diante do mundo e do outro assum<strong>em</strong> muitas formas, no entanto, s<strong>em</strong>pre<br />
se manifestam <strong>de</strong> duas maneiras: a analogia e a ironia. A primeira,<br />
segundo Paz é "...la vision <strong>de</strong>l universo como un sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong><br />
correspon<strong>de</strong>ncias y la vision <strong>de</strong>l lenguaje como el doble <strong>de</strong>l universo" 14 .<br />
A segunda t<strong>em</strong> vários nomes: "...es la excepción, lo irregular, lo bizarro<br />
como <strong>de</strong>cia Bau<strong>de</strong>laire y, en una palabra, es el gran acci<strong>de</strong>nte: la<br />
muerte" 15 .<br />
Se, por um lado, a analogia abre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />
visão da correspondência universal, mostrando as s<strong>em</strong>elhanças entre<br />
13 PAZ, O., La otra voz, p. 35.<br />
14 Em La otra voz, Paz esclarece a importância e a orig<strong>em</strong> da analogia como<br />
procedimento artístico e literário: "Es una tradición antiquísima, reelaborada y<br />
transmitida por el neoplatonismo renacentista a diversas corrientes herméticas <strong>de</strong> los<br />
siglos XVI y XVII que, <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> alimentar a las sectas filosóficas libertinas <strong>de</strong>l siglo<br />
XVIII, es recogida por los románticos y sus here<strong>de</strong>ros hasta nuestros días". p. 35.<br />
15 Ibid<strong>em</strong>, p. 36.
42<br />
isto e aquilo, entre o macrocosmos e o microcosmos, entre os astros, os<br />
homens e os vermes, por outro, a ironia interrompe essa<br />
correspondência, engendra a <strong>de</strong>sagregação <strong>de</strong> sentidos e, <strong>em</strong><br />
conseqüência, a obscurida<strong>de</strong> se instaura; a mesma obscurida<strong>de</strong> que, <strong>em</strong><br />
maior ou <strong>em</strong> menor intensida<strong>de</strong>, também aparece na prosa e na poesia<br />
mo<strong>de</strong>rna como signo do nosso t<strong>em</strong>po.<br />
Atribui-se o apogeu do século XIX à consolidação <strong>de</strong><br />
valores consi<strong>de</strong>rados polêmicos no século anterior. O oci<strong>de</strong>nte cresceu,<br />
afirmou-se; muito valores se converteram <strong>em</strong> princípios que foram<br />
compartilhados com quase todas as nações da Europa e com os Estados<br />
Unidos. Nas últimas décadas <strong>de</strong>sse século, porém, um profundo malestar<br />
tomou conta dos principais centros da nossa civilização, afetando<br />
tanto as instituições sociais e políticas como também o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong><br />
crenças e valores. Esse mal-estar atingiu os limites da "crise",<br />
inaugurando um período <strong>de</strong> incertezas <strong>em</strong> face dos valores e das idéias
43<br />
que fundaram a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, entre eles a crença <strong>em</strong> um futuro<br />
promissor 16 .<br />
Pod<strong>em</strong>os sob vários ângulos analisar esse período <strong>de</strong><br />
crise, também <strong>de</strong>nominado Ida<strong>de</strong> Cont<strong>em</strong>porânea. O conflito e a<br />
<strong>de</strong>sord<strong>em</strong> que se instalam na vida pública são absorvidos e converg<strong>em</strong><br />
para uma "crise <strong>de</strong> consciências". O progresso tecnológico, a <strong>de</strong>speito<br />
<strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento e <strong>de</strong> suas vantagens é colocado <strong>em</strong> xeque,<br />
sobretudo, após as duas gran<strong>de</strong>s guerras e após o surgimento das<br />
ciências que retomam antigas convicções. Muitas verda<strong>de</strong>s se esfacelam<br />
diante <strong>de</strong> novas <strong>de</strong>scobertas; um t<strong>em</strong>po redondo, s<strong>em</strong> um centro como<br />
referencial, ao mesmo t<strong>em</strong>po que promove uma perplexida<strong>de</strong><br />
paralisante, ur<strong>de</strong>, silenciosamente, a partir da década <strong>de</strong> cinqüenta,<br />
novas estratégias <strong>de</strong> apreensão e representação da realida<strong>de</strong>.<br />
A análise <strong>de</strong>ssas estratégias que constitu<strong>em</strong> as questões<br />
da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> t<strong>em</strong> por objetivo explicar as peculiarida<strong>de</strong>s das<br />
produções mo<strong>de</strong>rnas, tendo <strong>em</strong> vista a experiência <strong>de</strong> seus criadores e<br />
<strong>de</strong> seus fruidores implicar uma compreensão mais abrangente das<br />
infinitas realida<strong>de</strong>s que perpassam o "acontecimento" 17 . O argumento <strong>de</strong><br />
16 Até o século XIX, o hom<strong>em</strong> acreditou no futuro. No final do século XIX e início do<br />
século XX, o futuro <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> existir como possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança e <strong>de</strong> "volta" ao<br />
paraíso. As revoluções e os revolucionários foram <strong>de</strong>salojados da idéia <strong>de</strong> um "t<strong>em</strong>po<br />
favorável" e diante da perda <strong>de</strong> referenciais históricos produzidos à imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> um<br />
futuro utópico, a perplexida<strong>de</strong> e a <strong>de</strong>sord<strong>em</strong> se instauram. Da perplexida<strong>de</strong> ou do<br />
paradoxo à convergência, ou seja, à compreensão <strong>de</strong> um novo t<strong>em</strong>po, o t<strong>em</strong>po que é<br />
um perpétuo recomeço e um contínuo regresso - o t<strong>em</strong>po da poesia; o t<strong>em</strong>po da<br />
reflexão.<br />
17 A palavra "acontecimento" aqui utilizada no sentido <strong>de</strong>leuziano t<strong>em</strong> por objetivo<br />
d<strong>em</strong>onstrar que as produções mo<strong>de</strong>rnas conviv<strong>em</strong> com as idéias <strong>de</strong> multiplicida<strong>de</strong>,
44<br />
Octavio Paz para elaborar o conceito <strong>de</strong> convergência parte <strong>de</strong> uma<br />
nova concepção da realida<strong>de</strong> que passou a integrar a subjetivida<strong>de</strong>, a<br />
<strong>em</strong>oção, a espiritualida<strong>de</strong> e o sentimento do hom<strong>em</strong> <strong>em</strong> face <strong>de</strong> um<br />
mundo fragmentado e <strong>de</strong>sconcertante pela sua absoluta falta <strong>de</strong> sentido.<br />
A arte e a literatura traduz<strong>em</strong>, <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> um profundo<br />
questionamento <strong>de</strong> seus próprios meios <strong>de</strong> expressão, essa busca <strong>de</strong><br />
sentido.<br />
Em todos os t<strong>em</strong>pos e <strong>em</strong> todos os lugares, a arte e a<br />
literatura atuam como instrumentos criadores, <strong>de</strong>cifradores e, ao mesmo<br />
t<strong>em</strong>po, d<strong>em</strong>olidores dos infinitos códigos que permeiam o sentimento do<br />
hom<strong>em</strong> na sua relação com o mundo. Os mecanismos <strong>de</strong><br />
agregação/<strong>de</strong>sagregação, engendrados pelos procedimentos artístico e<br />
literário produz<strong>em</strong> uma dialética implacável que rompe com as limitações<br />
espaciais e t<strong>em</strong>porais. Nesse sentido, atribui-se à arte e à literatura uma<br />
essência transcen<strong>de</strong>nte. As infinitas mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s das quais se<br />
apropriam, como instrumento <strong>de</strong> ruptura e <strong>de</strong> evolução, é que receb<strong>em</strong><br />
da crítica o seu caráter distintivo. E, ainda, "...se a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> não faz<br />
a crítica <strong>de</strong> si mesma, se não se postula como ruptura e só é uma<br />
prolongação do 'mo<strong>de</strong>rno', a tradição se imobiliza" 18 .<br />
Em geral, nas consi<strong>de</strong>rações acerca da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>,<br />
observa-se uma ênfase especial <strong>em</strong> caracterizar o novo a partir das<br />
simultaneida<strong>de</strong>, instantaneida<strong>de</strong>, ou seja, idéias que conduz<strong>em</strong> à compreensão da "arte<br />
<strong>de</strong> conjugação" e <strong>de</strong> "convergência".
45<br />
idéias <strong>de</strong> invenção e <strong>de</strong> originalida<strong>de</strong>. No entanto, convém consi<strong>de</strong>rar os<br />
diferentes enfoques dados ao probl<strong>em</strong>a da "novida<strong>de</strong>".<br />
Na arte clássica a novida<strong>de</strong> era uma variação<br />
do mo<strong>de</strong>lo; na barroca, uma exageração; na<br />
mo<strong>de</strong>rna, uma ruptura. Nos três casos a tradição<br />
vivia como uma relação, polêmica ou não, entre o<br />
antigo e o mo<strong>de</strong>rno: o diálogo das gerações não se<br />
rompia 19 .<br />
Para os antigos, a imitação, além <strong>de</strong> ser um<br />
procedimento legítimo, era também um <strong>de</strong>ver. No entanto, isso não<br />
impedia o surgimento <strong>de</strong> obras realmente originais. A explicação para<br />
esse fenômeno justifica-se pela própria condição do artista que “... vive<br />
na contradição: quer imitar e inventa, quer inventar e copia" 20 . Sendo<br />
assim, a advertência do próprio Paz para os artistas cont<strong>em</strong>porâneos é<br />
<strong>de</strong> que eles <strong>de</strong>v<strong>em</strong> colocar entre parênteses as idéias <strong>de</strong> originalida<strong>de</strong>,<br />
personalida<strong>de</strong> e novida<strong>de</strong>: "são lugares comuns do nosso t<strong>em</strong>po" 21 .<br />
As questões da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> s<strong>em</strong>pre se reportam à<br />
velha dicotomia <strong>de</strong> “antigos” e “mo<strong>de</strong>rnos”, daí a concepção <strong>de</strong> uma arte<br />
que também se subdivi<strong>de</strong> <strong>em</strong> arte dos antigos e arte dos mo<strong>de</strong>rnos.<br />
Partindo do princípio <strong>de</strong> que a verda<strong>de</strong>ira arte ultrapassa as noções<br />
18 Em Signos <strong>em</strong> rotação, Octavio Paz trata da crítica como instrumento capaz <strong>de</strong><br />
distinguir as diferentes mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s e quando a crítica <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> cumprir o seu papel, a<br />
"tradição se imobiliza", no caso, a tradição <strong>de</strong> ruptura. p. 134.<br />
19 PAZ, O., Signos <strong>em</strong> rotação, p. 134.<br />
20 Ibid<strong>em</strong>, p. 135.
46<br />
gerais <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po e espaço, o que se conclui é que essa dicotomia, <strong>em</strong><br />
certo sentido, reflete o equívoco da crítica, ou dos críticos, que se<br />
dispuseram a pensar as questões da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> a partir <strong>de</strong> um ponto<br />
<strong>de</strong> vista puramente histórico.<br />
Sobre as idéias <strong>de</strong> originalida<strong>de</strong>, personalida<strong>de</strong> e<br />
novida<strong>de</strong>, o que Octavio Paz sugere é um questionamento <strong>de</strong>ssas idéias.<br />
Afinal, <strong>em</strong> todos os t<strong>em</strong>pos e <strong>em</strong> todos os lugares se produziram obras<br />
<strong>de</strong> arte com características que visavam a um mesmo fim: manifestar, <strong>de</strong><br />
um modo sensível, a percepção e a compreensão<br />
<strong>de</strong> mundos<br />
in<strong>de</strong>cifráveis, inapreensíveis. A arte s<strong>em</strong>pre fez a ponte entre a<br />
objetivida<strong>de</strong> e a subjetivida<strong>de</strong>; a arte s<strong>em</strong>pre foi "trânsito".<br />
Admitir uma concepção <strong>de</strong> originalida<strong>de</strong> como valor<br />
constitui-se <strong>em</strong> um equívoco s<strong>em</strong>elhante ao equívoco dos mo<strong>de</strong>rnistas,<br />
quando impuseram as idéias <strong>de</strong> "novo" <strong>em</strong> oposição ao "antigo". A noção<br />
<strong>de</strong> valor não se aplica à arte propriamente dita, uma vez que, a essa<br />
noção está implícito todo um discurso que r<strong>em</strong>onta à economia. Este<br />
discurso, por sua vez, encontra nas palavras "<strong>de</strong>senvolvimento" e<br />
"sub<strong>de</strong>senvolvimento" um meio <strong>de</strong> discriminar um povo, uma cultura ou<br />
uma <strong>de</strong>terminada civilização, como superior ou como inferior, a partir <strong>de</strong><br />
uma visão materialista do mundo e do hom<strong>em</strong>. A oposição <strong>de</strong> Octavio<br />
Paz a esse tipo <strong>de</strong> discurso é marcante.<br />
21 Ibid<strong>em</strong>, p. 135.
47<br />
A noção <strong>de</strong> "sub<strong>de</strong>senvolvimento" é uma<br />
excrescência da idéia <strong>de</strong> progresso econômico e<br />
social. À parte <strong>de</strong> que me repugna reduzir a<br />
pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> civilizações e o próprio <strong>de</strong>stino do<br />
hom<strong>em</strong> a um só mo<strong>de</strong>lo, a socieda<strong>de</strong> industrial,<br />
duvido que a relação entre prosperida<strong>de</strong> econômica<br />
e excelência artística seja a <strong>de</strong> causa e efeito 22 .<br />
A total reprovação dos vínculos que se estabelec<strong>em</strong><br />
entre <strong>de</strong>senvolvimento, progresso, industrialização e, por conseqüência,<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, justifica-se a partir da própria fragilida<strong>de</strong> da palavra<br />
mo<strong>de</strong>rno, ou do caráter impermanente <strong>de</strong> sua argumentação 23 . A<br />
estética da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, por ex<strong>em</strong>plo, não se coaduna com a noção <strong>de</strong><br />
um progresso material, tecnológico, interferindo e <strong>de</strong>terminando seus<br />
meios <strong>de</strong> expressão. A relação entre mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e progresso só é<br />
22 PAZ, O., Signos <strong>em</strong> rotação, p. 135.<br />
23 PAZ, O., La otra voz, p. 32.
48<br />
possível na medida <strong>em</strong> que ambas são manifestações <strong>de</strong> uma visão do<br />
t<strong>em</strong>po retilíneo. Sendo assim, mais uma vez o papel da crítica é<br />
requisitado. É ela a responsável pela distinção entre a arte da<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e a arte <strong>de</strong> outras épocas.<br />
Intrinsecamente vinculada às idéias da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, a<br />
vanguarda assumiu esse papel durante um certo t<strong>em</strong>po; ao entrar no<br />
circuito <strong>de</strong> produção e consumo da socieda<strong>de</strong> industrial, per<strong>de</strong>u o seu<br />
potencial <strong>de</strong> negação e <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser "a crítica" para ser um produto.<br />
Hoje, sabe-se que a concepção <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po retilíneo não<br />
mais sobrevive ao fenômeno <strong>de</strong> uma outra arte 24<br />
que, por volta da<br />
década <strong>de</strong> cinqüenta, <strong>de</strong>sponta e começa a mudar radicalmente a noção<br />
<strong>de</strong> t<strong>em</strong>po e espaço; hoje, "...passado, presente e futuro <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser<br />
valores <strong>em</strong> si; tampouco há uma cida<strong>de</strong>, uma região ou um espaço<br />
privilegiado” 25 . A nova concepção alu<strong>de</strong> a um “t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> convergências”,<br />
que <strong>de</strong>creta o fim da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, tal como ela foi concebida 26 . Agora,<br />
“...todos falamos simultaneamente, se não o mesmo idioma, a mesma<br />
linguag<strong>em</strong>. Não há centro e o t<strong>em</strong>po per<strong>de</strong>u sua antiga coerência: leste e<br />
oeste, amanhã e ont<strong>em</strong> se confund<strong>em</strong> <strong>em</strong> cada um <strong>de</strong> nós” 27 .<br />
24 A expressão "outra arte" aqui se refere a uma nova postura assumida pelos escritores<br />
da década <strong>de</strong> cinqüenta <strong>em</strong> relação ao t<strong>em</strong>po.<br />
25 PAZ, O., Signos <strong>em</strong> rotação, p. 136.<br />
26 Maurice Blanchot <strong>em</strong> L'espace littéraire também manifesta uma visão idêntica a <strong>de</strong><br />
Octavio Paz e <strong>de</strong> outros críticos da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, quando trata do papel da arte e do<br />
artista. Em "La question <strong>de</strong> l'art", ele d<strong>em</strong>onstra como e porquê o espaço literário é um<br />
espaço <strong>de</strong> convergência.<br />
27 PAZ, O., Signos <strong>em</strong> rotação, p. 136
49<br />
Os recursos utilizados pela escritura mo<strong>de</strong>rna para<br />
expressar essa nova visão da realida<strong>de</strong> retomam os mesmos<br />
procedimentos utilizados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o romantismo até o simbolismo: a<br />
analogia e a ironia. Esses recursos proporcionam um movimento duplo<br />
<strong>de</strong> abertura e fechamento que resulta na produção <strong>de</strong> um sentido<br />
s<strong>em</strong>pre dispersivo, s<strong>em</strong>pre cambiante. Se, por um lado "...la analogia<br />
opone al ti<strong>em</strong>po sucesivo <strong>de</strong> la historia y a la beatificación <strong>de</strong>l futuro<br />
utópico, el ti<strong>em</strong>po cíclico <strong>de</strong>l mito" 28 , por outro, "... a su vez, la ironía<br />
<strong>de</strong>sgarra el ti<strong>em</strong>po mítico al afirmar la caída en la contigencia, la<br />
pluraridad <strong>de</strong> dioses y <strong>de</strong> mitos, la muerte <strong>de</strong> Dios y <strong>de</strong> sus criaturas" 29 .<br />
A analogia e a ironia, portanto, "ironicamente", provocam o equilíbrio<br />
entre uma visão do t<strong>em</strong>po cíclico, infinito e transcen<strong>de</strong>nte e a visão do<br />
t<strong>em</strong>po linear, <strong>de</strong> causas e conseqüências, ou do t<strong>em</strong>po histórico.<br />
Se os recursos são os mesmos, os interlocutores são<br />
diferentes, daí a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses últimos t<strong>em</strong>pos não coincidir<br />
totalmente com a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outros períodos da história da<br />
humanida<strong>de</strong>.<br />
Antes, el hombre hablaba con el universo; o<br />
cría que hablaba: si no era su interlocutor mítico era<br />
su espejo. En siglo XX el interlocutor mítico y sus<br />
voces misteriosas se evaporan. El hombre se ha<br />
28 Id<strong>em</strong>, La otra voz, p. 36.<br />
29 PAZ, O., La otra voz, p. 36.
50<br />
quedado solo en la ciudad inmensa y su soledad es<br />
la <strong>de</strong> milliones como él 30 .<br />
A mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agora alu<strong>de</strong> a um T<strong>em</strong>po <strong>de</strong><br />
convergência, que não se limita à circunstancialida<strong>de</strong> do mundo objetivo<br />
e, por isso mesmo, procura na reconciliação dos t<strong>em</strong>pos, a solução para<br />
todos os seus impasses e paradoxos. Obviamente, a complexida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ssa última mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma compreensão<br />
abrangente <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados princípios engendrados a partir da própria<br />
idéia <strong>de</strong> convergência. A simultaneida<strong>de</strong>, a instantaneida<strong>de</strong>, a<br />
conjugação, a dissipação, a unida<strong>de</strong>, a multiplicida<strong>de</strong>, o fluxo, o ciclo e<br />
o acontecimento, são exercícios da m<strong>em</strong>ória, no caso, <strong>de</strong> uma m<strong>em</strong>ória<br />
individual e <strong>de</strong> uma m<strong>em</strong>ória universal, cósmica 31 .<br />
A arte mo<strong>de</strong>rna ou a Arte <strong>de</strong> Convergência, naturalmente<br />
absorve as questões da intertextualida<strong>de</strong> fora dos limites da sua relação<br />
30 Ibid<strong>em</strong>, p. 42.<br />
31 Gaston Bachelard, <strong>em</strong> continuação às suas meditações sobre o T<strong>em</strong>po, <strong>em</strong> 1939,<br />
publica no número 2 da revista Messages: Methahysique et poesie, un texto L'intuition<br />
<strong>de</strong> l'instant, que antecipa uma concepção <strong>de</strong> "Arte <strong>de</strong> Convergência": "La poésie est<br />
une méthaphysique instantanée. En court poème, elle doit donner une vision <strong>de</strong><br />
l'univers et le secret d'une âme, un être et <strong>de</strong>s objets, tout à la fois. Si elle suit<br />
simpl<strong>em</strong>ent le t<strong>em</strong>ps <strong>de</strong> la vie, elle est moins que la vie; elle ne peut être plus que la vie<br />
qu'en immobilisant la vie, qu'en vivant sur la dialectique <strong>de</strong>s jois et <strong>de</strong>s peines. Elle est<br />
alors le principe d'une simultanéité où l'être le plus dispersé, le plus désuni conquiert<br />
son unité". p. 103.
51<br />
com a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> "mo<strong>de</strong>rnista" 32 . Mesmo assim, consi<strong>de</strong>rando a<br />
importância da relação mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>/intertextualida<strong>de</strong>, optamos pelo<br />
exame das questões que resultaram na formulação <strong>de</strong> um conceito.<br />
Afinal o que é intertextualida<strong>de</strong>? Qual é a sua função e quais são os seus<br />
limites <strong>de</strong>ntro do âmbito literário?<br />
2.2. a consciência pós-mo<strong>de</strong>rna<br />
Muito <strong>em</strong>bora o t<strong>em</strong>a da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> abra um leque<br />
<strong>de</strong> opções para a interpretação das questões da intertextualida<strong>de</strong> - o que<br />
naturalmente requisita o posicionamento <strong>de</strong> muitos teóricos e críticos<br />
especializados no assunto -, <strong>de</strong>vido a especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste trabalho, nos<br />
limitar-nos-<strong>em</strong>os a abordar alguns pontos que, mais objetivamente,<br />
r<strong>em</strong>et<strong>em</strong>-nos à uma compreensão do conceito <strong>de</strong> convergência 33 .<br />
Como instrumento conceitual, a intertextualida<strong>de</strong> lança<br />
uma luz sobre a questão da originalida<strong>de</strong> artística. Linda Hutcheon <strong>em</strong><br />
Poética do pós-mo<strong>de</strong>rnismo retoma Barthes e Riffaterre que <strong>de</strong>finiram a<br />
32 Em termos <strong>de</strong> procedimento literário, a intertextualida<strong>de</strong> s<strong>em</strong>pre existiu; no entanto, a<br />
associação dos termos mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>/intertextualida<strong>de</strong> ocorre <strong>em</strong> concomitância com o<br />
surgimento da Literatura Comparada como disciplina acadêmica.<br />
33 David Havey <strong>em</strong> A condição pós-mo<strong>de</strong>rna, mesmo reconhecendo a ina<strong>de</strong>quação do<br />
termo "pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>", localiza <strong>em</strong>, mais ou menos, início dos anos setenta, um<br />
período <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s para se estabelecer uma avaliação crítica do hom<strong>em</strong> <strong>em</strong><br />
relação ao mundo, dada a complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma situação "avassaladoramente<br />
presente". Nesse mesmo período, Octavio Paz realiza <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> produção poética<br />
a própria experiência da convergência. O livro <strong>de</strong> po<strong>em</strong>as La<strong>de</strong>ra este é um dos<br />
ex<strong>em</strong>plos.
52<br />
palavra "intertextualida<strong>de</strong>" a partir <strong>de</strong> uma mudança na relação autortexto<br />
para leitor-texto.<br />
A intertextualida<strong>de</strong> substitui o relacionamento<br />
autor-texto, que foi contestado, por um<br />
relacionamento entre o leitor e o texto, que situa o<br />
locus do sentido textual <strong>de</strong>ntro da história do<br />
próprio discurso. Na verda<strong>de</strong>, uma obra literária já<br />
não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada original; se o fosse, não<br />
po<strong>de</strong>ria ter sentido para o leitor. É apenas como<br />
parte <strong>de</strong> discursos anteriores que qualquer texto<br />
obtém sentido e importância 34 .<br />
De acordo com este raciocínio, a função do conceito <strong>de</strong><br />
intertextualida<strong>de</strong> é provar que a originalida<strong>de</strong> artística é fruto <strong>de</strong> uma<br />
experiência individual e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, coletiva, do autor e do leitor,<br />
ou do indivíduo fruidor da obra <strong>de</strong> arte. Seus limites são os limites do<br />
“texto infinito” 35 .<br />
A diferença da intertextualida<strong>de</strong> como procedimento<br />
literário, quase imprescindível nas produções mo<strong>de</strong>rnas, da<br />
intertextualida<strong>de</strong> que se verifica nos d<strong>em</strong>ais períodos da literatura<br />
34 HUTCHEON, L., Poética do pós-mo<strong>de</strong>rnismo, 166.<br />
35 BARTHES, R.,O prazer do texto, 1977.
53<br />
universal, diz respeito à intromissão do el<strong>em</strong>ento paródico da primeira.<br />
Aqui, i<strong>de</strong>ntifica-se um probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> natureza crítica <strong>de</strong> extr<strong>em</strong>a<br />
importância: a intertextualida<strong>de</strong> paródica concebida pela mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />
“mo<strong>de</strong>rnista”, na medida <strong>em</strong> que reflete a concepção <strong>de</strong> “novo” como<br />
valor, cria uma situação contextual que se fecha <strong>em</strong> si mesma. Já a<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> “pós-mo<strong>de</strong>rna” apresenta uma outra versão da paródia, ou<br />
seja, aquela que, ao invés <strong>de</strong> assumir a idéia <strong>de</strong> fechamento, abre<br />
infinitas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> diálogo <strong>de</strong> um texto com vários outros textos 36 .<br />
O discurso da intertextualida<strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>rna é, nesse<br />
sentido, parodicamente duplicado: reconta as histórias da literatura e as<br />
da história. Em uma primeira instância, esse tipo <strong>de</strong> procedimento leva a<br />
uma forma duplamente introvertida <strong>de</strong> esteticismo. Entretanto, este é um<br />
probl<strong>em</strong>a cujas implicações teóricas muito têm <strong>em</strong> comum com a mais<br />
recente teoria historiográfica, no que diz respeito à natureza da redação<br />
da história como narrativização do passado e à natureza do arquivo<br />
como sendo os restos textualizados da história.<br />
Historiografia e metaficção historiográfica são termos<br />
inseparáveis <strong>de</strong> uma compreensão mais ampla das questões referentes<br />
à intertextualida<strong>de</strong>. A metaficção historiográfica é <strong>de</strong>clarada e<br />
resolutamente histórica “...<strong>em</strong>bora admita que o seja <strong>de</strong> uma forma<br />
irônica e probl<strong>em</strong>ática que reconhece que a história não é registro<br />
36 A pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> é caracterizada a partir <strong>de</strong> uma flexibilida<strong>de</strong> que irrompe <strong>em</strong> um<br />
mundo <strong>de</strong> fantasias, <strong>de</strong> imagens, <strong>de</strong> idéias e <strong>de</strong> coisas efêmeras e que apresenta,<br />
como conseqüência, uma arte <strong>de</strong> "sobreposições". A colag<strong>em</strong>, por ex<strong>em</strong>plo, muito
54<br />
transparente <strong>de</strong> nenhuma ‘verda<strong>de</strong>’ indiscutível” 37 . Na medida <strong>em</strong> que<br />
re<strong>de</strong>fine as condições <strong>de</strong> valor do discurso histórico, o que se conclui é<br />
que “...a metaficção historiográfica representa um <strong>de</strong>safio às formas<br />
convencionais (correlatas) <strong>de</strong> redação da ficção e da história, com seu<br />
reconhecimento <strong>em</strong> relação à inevitável textualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas formas” 38 .<br />
Hoje, não mais se questiona o vínculo formal entre<br />
intertextualida<strong>de</strong> e narrativida<strong>de</strong>. O que ainda pesa, <strong>em</strong> termos das<br />
discussões sobre esse assunto, é a hipótese <strong>de</strong> uma diminuição do<br />
âmbito e do valor da ficção. Os teóricos e os críticos mais autorizados<br />
sobre as questões da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e da intertextualida<strong>de</strong> são contrários<br />
a esse tipo <strong>de</strong> avaliação. Eles não vêm nesse vínculo limitação, mas<br />
ampliação.<br />
Linda Hutcheon recorre à “visão pagã” <strong>de</strong> Lyotard, outro<br />
importante crítico da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, para explicar <strong>em</strong> que sentido a<br />
palavra “limitação” po<strong>de</strong> ser compreendida, ou seja, como aquilo que<br />
está restrito ao s<strong>em</strong>pre já narrado, “... <strong>em</strong> que ninguém jamais consegue<br />
ser o primeiro a narrar coisa alguma, não consegue ser a orig<strong>em</strong> sequer<br />
<strong>de</strong> sua própria narrativa” 39 . As implicações i<strong>de</strong>ológicas <strong>de</strong>ssa relação ela<br />
<strong>em</strong>bora tenha sido uma técnica, cujo pioneirismo se atribui aos mo<strong>de</strong>rnistas, foi<br />
largamente utilizada pelos pós-mo<strong>de</strong>rnos.<br />
37 HUTCHEON, L., Poética do pós-mo<strong>de</strong>rnismo, p. 168.<br />
38 Ibid<strong>em</strong>, 169.<br />
39 HUTCHEON, L., Poética da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, p. 169.
55<br />
esclarece, ainda apoiada na argumentação do crítico:<br />
“Lyotard<br />
estabelece <strong>de</strong>liberadamente essa ‘limitação’ como sendo o oposto<br />
daquilo que ele consi<strong>de</strong>ra como a posição capitalista do escritor como<br />
criador, proprietário e <strong>em</strong>presário <strong>de</strong> sua história” 40 .<br />
Nesse sentido, a palavra “intertextualida<strong>de</strong>” po<strong>de</strong> ser<br />
perfeitamente limitada para <strong>de</strong>screver os múltiplos <strong>de</strong>sdobramentos que<br />
constitu<strong>em</strong> esse processo. Baseada <strong>em</strong> uma vasta argumentação, a<br />
sugestão <strong>de</strong> Linda Hutcheon é que se utilize o termo<br />
“interdiscursivida<strong>de</strong>”.<br />
Talvez interdiscursivida<strong>de</strong> seja um termo mais<br />
preciso para as formas coletivas <strong>de</strong> discurso das<br />
quais o pós-mo<strong>de</strong>rno se alimenta parodicamente: a<br />
literatura, as artes visuais, a história, a biografia, a<br />
teoria, a filosofia, a psicanálise, a sociologia... 41 .<br />
O mais importante é observar como a pluralização<br />
discursiva apresenta, como resultado, um tipo <strong>de</strong> produção <strong>em</strong> que o<br />
centro da narrativa histórica ou fictícia é disperso; o efeito é o<br />
estranhamento, é a diferença, não no sentido da não-i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>,<br />
enfatizada pelos mo<strong>de</strong>rnistas e contestada por Linda Hutcheon como<br />
alienada e elitista, n<strong>em</strong> tampouco como el<strong>em</strong>ento uniformizador da<br />
40 Ibid<strong>em</strong>, 169.<br />
41 Ibid<strong>em</strong>, p. 169-170.
56<br />
cultura <strong>de</strong> massa, mas como veículo que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia, nos diferentes<br />
graus da subjetivida<strong>de</strong> humana, estados <strong>de</strong> percepção e <strong>de</strong> realização<br />
da experiência artística.<br />
Qualquer referência à experiência artística nos r<strong>em</strong>ete às<br />
questões <strong>de</strong> estética. As noções mais el<strong>em</strong>entares, no entanto, surg<strong>em</strong><br />
da observação <strong>de</strong> que a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um contato com uma realida<strong>de</strong><br />
mais sutil é inerente à natureza humana. Captar essa realida<strong>de</strong> implica<br />
um aprimoramento dos canais <strong>de</strong> percepção que, na verda<strong>de</strong>, são portas<br />
que se abr<strong>em</strong> a um mundo <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong>s. Se a humanida<strong>de</strong> é<br />
constituída por diferentes níveis <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong>, como ficam as<br />
questões <strong>de</strong> estética ou, antes mesmo, o que é estética?<br />
Apesar da relação entre estética e sensibilida<strong>de</strong>, estética<br />
e as diferentes áreas do conhecimento sensível ou, ainda, estética e a<br />
ciência da arte e do belo, hoje, verifica-se que o nome <strong>de</strong>signa qualquer<br />
análise, investigação ou especulação que tenha por objeto a arte e o<br />
belo 42 . Sendo assim, <strong>de</strong>finir estética é <strong>de</strong>finir o que é arte; <strong>de</strong>finir o belo,<br />
por sua vez, é expressar uma compreensão abrangente <strong>de</strong> um fenômeno<br />
difuso, complexo por natureza, porque reflete muito da condição humana<br />
no que se refere à capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> elaborar e representar as diferentes<br />
percepções da realida<strong>de</strong>.<br />
Se na filosofia mo<strong>de</strong>rna as investigações sobre esses<br />
dois termos coincid<strong>em</strong> ou pelo menos estão estreitamente ligadas, na
57<br />
filosofia antiga isso não ocorria. As noções <strong>de</strong> arte e <strong>de</strong> belo eram<br />
consi<strong>de</strong>radas diferentes e reciprocamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. A doutrina da<br />
arte era chamada pelos antigos, com o nome do seu próprio objeto,<br />
"poética"; ao passo que o belo estava fora da poética e era consi<strong>de</strong>rado<br />
à parte.<br />
Somente no século XVIII é que as duas noções <strong>de</strong> arte e<br />
<strong>de</strong> belo aparec<strong>em</strong> vinculadas como objetos <strong>de</strong> uma única investigação.<br />
Esta vinculação só foi possível mediante o conceito <strong>de</strong> “gosto” entendido<br />
como faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> discernir o belo, seja <strong>de</strong>ntro ou fora da arte. Para<br />
Mikel Dufrenne, o belo t<strong>em</strong> um significado.<br />
Não é uma idéia ou um mo<strong>de</strong>lo. É uma<br />
qualida<strong>de</strong> presente <strong>em</strong> certos objetos - s<strong>em</strong>pre<br />
singulares - que nos são dados à percepção. É a<br />
plenitu<strong>de</strong>, experimentada imediatamente pela<br />
percepção do ser percebido (mesmo se essa<br />
percepção requer longa aprendizag<strong>em</strong> e longa<br />
familiarida<strong>de</strong> com o objeto) 43 .<br />
42 Luigi Pareyson <strong>em</strong> Os probl<strong>em</strong>as da estética reafirma que, dadas as sucessivas<br />
extensões do termo, hoje se enten<strong>de</strong> por estética “toda teoria que, <strong>de</strong> qualquer modo,<br />
se refira à beleza ou à arte”, p. 16.<br />
43 DURFRENNE, M., Estética e filosofia, p. 45.
58<br />
A sua argumentação sobre o belo como objeto que<br />
<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia todo um processo <strong>de</strong> purificação da sensibilida<strong>de</strong>, reafirma<br />
as experiências com a multiplicida<strong>de</strong> e, <strong>em</strong> conseqüência, proporciona<br />
uma compreensão da convergência. As experiências têm no mundo o<br />
seu referencial e, nesse sentido, o belo <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser pura subjetivida<strong>de</strong><br />
para ser também objetivida<strong>de</strong>.<br />
Na relação objetivida<strong>de</strong>/subjetivida<strong>de</strong>, o sentido pleiteado<br />
é o sentido do mundo no qual o hom<strong>em</strong> vive. No entanto, “...o mundo é<br />
inesgotável: ele s<strong>em</strong>pre exce<strong>de</strong> aquilo que viv<strong>em</strong> - como sua principal<br />
solicitu<strong>de</strong> e principal tarefa - os homens <strong>de</strong> uma época” 44 . O belo aspira à<br />
universalida<strong>de</strong> e, assim, restitui ao hom<strong>em</strong> uma noção <strong>de</strong> T<strong>em</strong>po que<br />
coinci<strong>de</strong> com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um encontro com sua essência<br />
primordial.<br />
A relação entre o belo e o mundo é inquestionável e,<br />
sendo esse mundo “inesgotável”, é natural que o hom<strong>em</strong> busque a<br />
realização <strong>de</strong> estados <strong>de</strong> plenitu<strong>de</strong> nele. Nesse sentido, a arte ou a<br />
experiência do belo funciona como o mais eficiente suprimento para a<br />
“gran<strong>de</strong> falha” da humanida<strong>de</strong>. Há, no entanto, que se consi<strong>de</strong>rar as<br />
diferentes acepções atribuídas à palavra "arte", b<strong>em</strong> como os seus<br />
diferentes níveis <strong>de</strong> realização.<br />
44 DUFRENNE, M., Estética e filosofia, p. 46.
59<br />
2.3. a função substantiva da arte<br />
Nos primórdios, o hom<strong>em</strong> criou mitos e imagens. Arte e<br />
religião, juntas, inventavam um modo <strong>de</strong> suprir a gran<strong>de</strong> “falha” da<br />
natureza ou da divinda<strong>de</strong> que havia criado o hom<strong>em</strong> e o havia <strong>de</strong>ixado<br />
no mundo, entregue à sua própria sorte e à sua própria incompletu<strong>de</strong>.<br />
Dessa orig<strong>em</strong> r<strong>em</strong>ota até os dias <strong>de</strong> hoje, o hom<strong>em</strong> vive<br />
<strong>em</strong> busca <strong>de</strong> sentido e, na sua relação com o mundo, o belo surge como<br />
um valor. Mas o que é um valor? De on<strong>de</strong> surge a idéia <strong>de</strong> valor senão<br />
da relação do hom<strong>em</strong> com o objeto que respon<strong>de</strong> a algumas <strong>de</strong> suas<br />
tendências e satisfaz algumas <strong>de</strong> suas necessida<strong>de</strong>s?<br />
As noções <strong>de</strong> valor e <strong>de</strong> objeto são importantes para se<br />
compreen<strong>de</strong>r o probl<strong>em</strong>a da “falha”. A ela atribui-se a dificulda<strong>de</strong> do<br />
hom<strong>em</strong> <strong>de</strong> perceber o belo, apesar da sua se<strong>de</strong> <strong>de</strong> beleza. O mundo e<br />
seus objetos oferec<strong>em</strong> apenas" presenças" cuja plenitu<strong>de</strong> se anuncia <strong>em</strong><br />
um universo sensível e carente <strong>de</strong> percepção 45 . Nesse sentido, o belo,<br />
como valor <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado objeto, resulta <strong>de</strong> uma experiência que<br />
po<strong>de</strong> ser mais ou menos profunda, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do grau <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong><br />
do indivíduo.<br />
45 Ibid<strong>em</strong>, p. 52.
60<br />
Hoje, a necessida<strong>de</strong> do belo se manifesta <strong>de</strong> modo<br />
bastante diferenciado <strong>em</strong> relação a outros períodos da história da<br />
humanida<strong>de</strong>. A relação do hom<strong>em</strong> com o mundo e, conseqüent<strong>em</strong>ente,<br />
com a arte 46<br />
é permeada por uma conturbada e avassaladora<br />
consciência <strong>de</strong> um "presente" que <strong>de</strong>termina seus fins. O caráter <strong>de</strong><br />
urgência que antes prevalecia na experiência artística se <strong>de</strong>svaneceu ou<br />
se transformou <strong>em</strong> um outro tipo <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>. Hoje, o hom<strong>em</strong><br />
necessita do belo na medida <strong>em</strong> que necessita se sentir no mundo e<br />
"...estar no mundo não é ser uma coisa entre outras coisas, é sentir-se<br />
<strong>em</strong> casa entre as coisas, mesmo as mais surpreen<strong>de</strong>ntes e as mais<br />
terríveis, porque elas são expressivas” 47 .<br />
Seguindo esse raciocínio, estar no mundo é estar<br />
consciente; é captar, através da experiência sensível com os objetos, o<br />
sentido da própria existência e da existência do mundo (ou dos mundos);<br />
é i<strong>de</strong>ntificar os limites da sua necessida<strong>de</strong>.<br />
A dificulda<strong>de</strong> do hom<strong>em</strong> mo<strong>de</strong>rno <strong>em</strong> assumir uma<br />
postura consciente <strong>em</strong> relação ao objeto resi<strong>de</strong> no fato da sua<br />
sensibilida<strong>de</strong> e da sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reflexão sobre a necessida<strong>de</strong> do<br />
belo estar<strong>em</strong> condicionadas a uma visão materialista do mundo. A<br />
objetivida<strong>de</strong>, condição indispensável ao mundo mo<strong>de</strong>rno, <strong>de</strong>vido a seus<br />
46 Octavio Paz <strong>em</strong> La otra voz, quando analisa a trajetória da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e sua<br />
relação com o discurso histórico, afirma que a arte foi e será s<strong>em</strong>pre única, o que muda<br />
são "los interlocutores", p.42.<br />
47 DUFRENNE, M., Estética e filosofia, p. 25.
61<br />
excessos, t<strong>em</strong> inviabilizado as experiências reflexivas que dão, <strong>em</strong><br />
conseqüência, uma exata dimensão da necessida<strong>de</strong> interna <strong>de</strong> cada<br />
indivíduo. O verda<strong>de</strong>iro artista não abre mão <strong>de</strong>ssa experiência, por isso,<br />
na sua relação com o mundo, ele consegue i<strong>de</strong>ntificar seus limites e<br />
suas necessida<strong>de</strong>s. Herbert Read <strong>em</strong> A arte <strong>de</strong> agora, agora <strong>de</strong>fen<strong>de</strong><br />
esse ponto <strong>de</strong> vista.<br />
O fato a partir do qual começamos, como<br />
artistas, é a existência <strong>de</strong> uma "necessida<strong>de</strong><br />
interna", uma "precisão interior", uma vonta<strong>de</strong><br />
compulsiva <strong>de</strong> buscar a expressão <strong>de</strong> não sab<strong>em</strong>os<br />
o que; e como artistas o que buscamos é uma<br />
forma concreta - uma configuração <strong>em</strong> cor ou som<br />
ou mesmo palavras - que corresponda a esta<br />
necessida<strong>de</strong>, e, objetivando-a, <strong>de</strong>finido-a,<br />
classificando-a, <strong>de</strong>ixa-nos <strong>em</strong> condições <strong>de</strong> calma<br />
interior, <strong>de</strong> equilíbrio psíquico 48 .<br />
Sendo o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> completu<strong>de</strong> uma necessida<strong>de</strong><br />
inerente à natureza humana, é perfeitamente compreensível que o<br />
hom<strong>em</strong> busque "...um correlativo objetivo, ou uma 'coisa' externa que<br />
criamos, possuímos, da qual nos orgulhamos, e correlatamos com os<br />
nossos estados obscuros <strong>de</strong> sensação 49 ".<br />
48 READ, H., A arte <strong>de</strong> agora, agora, p. 129.<br />
49 READ, H., A arte <strong>de</strong> agora, agora, p. 129.
62<br />
Essa "coisa" in<strong>de</strong>finida é o próprio objeto estético e, na<br />
medida <strong>em</strong> que esse objeto encarna a representação <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong>,<br />
seja ela material ou espiritual, a arte cumpre com o seu papel, ou seja,<br />
preenche algumas necessida<strong>de</strong>s, elimina algumas falhas.<br />
Na verda<strong>de</strong>, Herbert Read sintetiza o que outros críticos<br />
da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> falam sobre o sentido da arte cont<strong>em</strong>porânea; traz à<br />
tona a existência <strong>de</strong> um consenso <strong>em</strong> torno do conceito <strong>de</strong> Arte <strong>de</strong><br />
Reconciliação. Suas colocações sobre a questão da "necessida<strong>de</strong><br />
interna" e da "necessida<strong>de</strong> externa" esclarec<strong>em</strong> e reafirmam as<br />
dificulda<strong>de</strong>s do hom<strong>em</strong> mo<strong>de</strong>rno <strong>em</strong> se relacionar com o belo. O artista,<br />
no entanto, pela sua própria condição, <strong>de</strong>ve possuir habilida<strong>de</strong> para lidar<br />
com o probl<strong>em</strong>a das "necessida<strong>de</strong>s", uma vez que "...arte é a<br />
reconciliação".<br />
Se arte é reconciliação, é também convergência, é<br />
conjugação, é "<strong>de</strong>sejo que busca encarnação". Des<strong>de</strong> os anos<br />
cinqüenta, a arte literária elabora esse <strong>de</strong>sejo, fazendo da palavra o seu<br />
objeto <strong>de</strong> realização. No entanto, o uso da palavra aparece vinculado à<br />
idéia <strong>de</strong> crise; s<strong>em</strong> essa crise não haveria a "pausa", ou o "t<strong>em</strong>po da<br />
reflexão", necessária para se avaliar a relação do hom<strong>em</strong> com o mundo,<br />
com o outro e consigo mesmo. Hoje, essa relação passa pela dificulda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> encontrar na palavra sentido e expressivida<strong>de</strong>. Sendo assim, o<br />
gran<strong>de</strong> mérito da arte literária é dizer, ou melhor, é encarnar as infinitas<br />
realida<strong>de</strong>s que só adquir<strong>em</strong> existência quando são enunciadas. Mas, se
63<br />
a palavra também se dissipa no t<strong>em</strong>po, o que sobrevive a sua<br />
encarnação senão o sentido por ela produzido?<br />
O gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio da arte literária é conseguir apreen<strong>de</strong>r<br />
o sentido das palavras por trás dos nomes. Vencer esse <strong>de</strong>safio é atingir<br />
a plenitu<strong>de</strong>, é conseguir ultrapassar os limites do universo sígnico<br />
humano para se lançar na dimensão do silêncio ou do não-signo que,<br />
exatamente por não dizer, diz. O texto é apenas um "pré-texto"; o texto<br />
verda<strong>de</strong>iro não se inscreve na ord<strong>em</strong> da enunciação, ele é sugerido,<br />
contextualizado ou simplesmente "pressuposto", como afirma Julia<br />
Kristeva <strong>em</strong> La révolution du langage poétique.<br />
...tout le texte est d'<strong>em</strong>blée sous la juridiction <strong>de</strong>s<br />
autres discours qui lui imposent un univers: il s'agira<br />
<strong>de</strong> le transformer. Par rapport au texte comme<br />
pratique significante, tout énoncé est un acte <strong>de</strong><br />
présupposition qui agit comme une incitation à la<br />
transformation. La valeur sémantique du texte est à<br />
chercher précis<strong>em</strong>ent à partir <strong>de</strong> ce statut<br />
dialogique où tout énoncé autre est un acte <strong>de</strong><br />
présupposition; faute <strong>de</strong> prendre en considération<br />
cette présupposition généralisée, on rate le<br />
fonctionn<strong>em</strong>ent spécifique du texte 50 .<br />
50 KRISTEVA, J., La révolution du langage poétique, p. 339.
64<br />
Se toda enunciação é uma pressuposição, o que se<br />
sobrepõe ao processo da produção escrita são as associações que<br />
<strong>de</strong>sconstro<strong>em</strong> o texto e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, reconstro<strong>em</strong> um outro,<br />
diferente, renovado, ou melhor dizendo, transformado. Nesse sentido, o<br />
texto literário revela a experiência estética <strong>de</strong> um indivíduo chamado<br />
"autor" e <strong>de</strong> um outro chamado "leitor" que reag<strong>em</strong> <strong>de</strong> acordo com as<br />
referências internas e externas suscitadas a partir <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada<br />
idéia dita ou sugerida através das associações.<br />
Em geral, as produções mo<strong>de</strong>rnas narram uma<br />
experiência individual, às vezes confusa e probl<strong>em</strong>ática e, apresentam,<br />
como conseqüência, um fim que também não é um fim, ou seja, um fim<br />
que nada conclui, nada revela <strong>de</strong> <strong>de</strong>finitivo para satisfação do leitor. A<br />
natureza e a função <strong>de</strong> uma produção literária com essas características<br />
encontra nas palavras <strong>de</strong> Jean Bloch-Michel algumas explicações.<br />
Em La "nueva novela", ele apresenta seu ponto vista<br />
acerca da chamada "literatura da palavra"; analisa o contexto histórico,<br />
social e artístico que motivou o surgimento <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> literatura e a<br />
i<strong>de</strong>ntifica a uma dupla corrente que, por um lado, busca um encontro<br />
com uma verda<strong>de</strong> psicológica profunda e, por outro, busca um encontro<br />
com uma verda<strong>de</strong> social mais exata. Sobre essas duas correntes que<br />
caminham juntas, construindo e <strong>de</strong>sconstruindo o texto literário mo<strong>de</strong>rno<br />
Jean Bloch-Michel afirma:
65<br />
La primera se preocupa más por la expressión<br />
<strong>de</strong> los movimientos <strong>de</strong>l pensamiento bruto que por<br />
conferir forma a las elaboraciones a las que conduce<br />
este pensamiento. La segunda da testimonio <strong>de</strong> la<br />
<strong>de</strong>saparición <strong>de</strong> la lengua culta en su uso hablado,<br />
<strong>de</strong> la falta <strong>de</strong> soporte social <strong>de</strong> que pa<strong>de</strong>ce ya en su<br />
uso escrito, y que preten<strong>de</strong> adaptar a las exigencias<br />
<strong>de</strong> la estética literária un nuevo lenguaje d<strong>em</strong>ótico,<br />
hablada tanto por los hombres cultos como por los<br />
que no lo son 51 .<br />
Esse tipo <strong>de</strong> texto exige outros procedimentos ou outras<br />
formas <strong>de</strong> análise para que se possa extrair <strong>de</strong>le algum sentido. Sendo<br />
assim, a reinvidicação <strong>de</strong> Harold Bloom por uma crítica antitética<br />
encontra justificativa, na medida <strong>em</strong> que seu objetivo é não reduzir o<br />
texto a um conjunto <strong>de</strong> idéias, <strong>de</strong> imagens, <strong>de</strong> objetos ou <strong>de</strong> fon<strong>em</strong>as. A<br />
crítica antitética t<strong>em</strong> por finalida<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r aos questionamentos<br />
acerca da natureza e da função das produções mo<strong>de</strong>rnas 52 .<br />
Se o "novo romance" não t<strong>em</strong> como preocupação a<br />
satisfação do leitor, as tensões <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> uma nova estrutura são<br />
acrescidas pelo entrelaçamento dos el<strong>em</strong>entos da prosa e da poesia 53 .<br />
Apesar <strong>de</strong> não existir uma linha d<strong>em</strong>arcatória, esta última é a que mais<br />
51 MICHEL, J.B., La "nueva novela", p. 131.<br />
52 Em O mapa da <strong>de</strong>sleitura, Harold Bloom trata do probl<strong>em</strong>a do "<strong>de</strong>scentramento" da<br />
produção mo<strong>de</strong>rna que se constrói a partir <strong>de</strong> "<strong>de</strong>svios". Em A angústia da influência,<br />
ele justifica a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma crítica antitética que possa repon<strong>de</strong>r aos<br />
questionamentos que a produção mo<strong>de</strong>rna faz sobre si mesma.
66<br />
apresenta <strong>em</strong>pecilhos à compreensão do leitor: "Poesia é angústia da<br />
influência, é <strong>de</strong>sapropriação, é <strong>de</strong>sentendimento, mal-compreensão,<br />
mésalliance" 54 ; ao mesmo t<strong>em</strong>po, "Poesia é Romance Familiar. A poesia<br />
é o encantamento <strong>de</strong> incesto, disciplinado pela resistência a esse mesmo<br />
encantamento" 55 .<br />
A obscurida<strong>de</strong> ou a "absurdida<strong>de</strong>" 56 que se verifica nas<br />
produções mo<strong>de</strong>rnas, sobretudo nas <strong>de</strong> cunho poético, têm explicação<br />
na escolha <strong>de</strong> seus procedimentos. Das três maneiras possíveis <strong>de</strong><br />
comportamento <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> composição - sentir, observar, transformar<br />
-, esta última é a mais importante e a que predomina.<br />
Toda formulação teórica acerca da poesia mo<strong>de</strong>rna<br />
também se aplica à prosa. Os procedimentos narrativos que se<br />
inscrev<strong>em</strong> <strong>de</strong>ntro do chamado "novo romance" são distintos do anterior,<br />
como afirma Jean Bloch-Michel:<br />
De acuerdo con la ten<strong>de</strong>ncia a que pertenece,<br />
lo que el autor <strong>de</strong> la nueva novela ofrece es, o el<br />
soliloquio alambicado <strong>de</strong> un personaje<br />
frequent<strong>em</strong>ente fracasado que habla como los<br />
d<strong>em</strong>entes, los débiles <strong>de</strong> espíritu o los obesos, o la<br />
53 Em Préface <strong>de</strong> "Charmes", Paul Valéry <strong>de</strong>fine os el<strong>em</strong>entos composicionais da prosa<br />
e da poesia e d<strong>em</strong>onstra os resultados obtidos junto à inevitável busca <strong>de</strong> sentido<br />
atribuída ao texto.<br />
54 BLOOM, H., O mapa da <strong>de</strong>sleitura, p. 133.<br />
55 Ibid<strong>em</strong>, p. 133.<br />
56 Hugo Frie<strong>de</strong>rich <strong>em</strong> A estrutura da lírica mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a "absurdida<strong>de</strong>" do texto<br />
poético que, <strong>em</strong> outras palavras, significa o predomínio da harmonia e da eufonia,<br />
consi<strong>de</strong>rados predicados superiores à clareza, justeza, completação e ord<strong>em</strong>. A poesia
67<br />
imagen glacial <strong>de</strong> un mundo constituido únicamente<br />
por superficies, poblado <strong>de</strong> seres que no hablan o<br />
que hablan para no <strong>de</strong>cir nada 57 .<br />
À primeira vista esse tipo <strong>de</strong> literatura não possui<br />
nenhuma função, uma vez que fala do nada. Entretanto, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong><br />
sua falta <strong>de</strong> complacência com o leitor, a <strong>de</strong>speito também do cuidado<br />
<strong>em</strong> evitar as facilida<strong>de</strong>s sentimentais ou formais da literatura tradicional,<br />
o "novo romance" respon<strong>de</strong> à sensibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um público bastante<br />
consi<strong>de</strong>rável. Isto porque ele possui regras que, inevitavelmente,<br />
induz<strong>em</strong> autor e leitor a buscar<strong>em</strong> a experiência do conhecimento <strong>de</strong> si<br />
mesmo, do outro (ou dos outros) e do mundo circundante. Quais são<br />
essas regras 58 ; <strong>em</strong> que medida elas contribu<strong>em</strong> para uma diferenciação<br />
entre a "novo romance" e o "romance tradicional"? A resposta <strong>de</strong> Jean<br />
Bloch-Michel é alicerçada na teoria <strong>de</strong> Robbe-Grillet.<br />
Se trata <strong>de</strong> reglas esencialmente negativas, lo<br />
que no <strong>de</strong>be sorpren<strong>de</strong>r, ya que toda ten<strong>de</strong>ncia,<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> un arte, no pue<strong>de</strong> situarse ante las otras<br />
más que negándolas. Ahora bien: lo que Robbeeufônica<br />
não se apresenta com um sentido, o seu compromisso é com o<br />
"encantamento".<br />
57 MICHEL,J.B., La "nueva novela", p. 2.<br />
58 Alain Robbe-Grillet <strong>de</strong>fine Le "Nouveau Roman", a partir das seguintes regras: "Le<br />
Nouveau Roman n'est pas une théorie, c'est une recherche"; "Le Nouveau Roman ne<br />
fait que poursuivre une évolution constante du genre romanesque"; "Le Nouveau<br />
Roman ne s'intéresse qu'à l'homme et à sa situation dans le mon<strong>de</strong>"; "Le Nouveau<br />
Romen ne vise qu'a une subjectivité totale"; "Le nouveau Roman s'adresse à tous les<br />
hommes <strong>de</strong> bonne foi"; "Le Nouveau Roman ne propose pas <strong>de</strong> signification toute faite".<br />
Dictionnaire <strong>de</strong> littérature cont<strong>em</strong>poraine, 1963.
68<br />
Grillet rechaza son precisamente los el<strong>em</strong>entos<br />
consi<strong>de</strong>rados hasta hora como esenciales <strong>de</strong> la<br />
estrutura <strong>de</strong> la novela: el novelista, dice, <strong>de</strong>be ante<br />
todo excluir <strong>de</strong> su obra la anécdota, la historia, el<br />
relato, o como quiera llamarse, sobre el que se<br />
construía la novela tradicional 59 .<br />
Seguindo este raciocínio, o "novo romance" não <strong>de</strong>ve<br />
contar uma história e, como conseqüência, não <strong>de</strong>ve ter personag<strong>em</strong>,<br />
significando que os seres humanos nele figurados não <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser<br />
tratados como sujeitos ou protagonistas. Para alcançar esta objetivação<br />
do ser humano o "novo romance" <strong>de</strong>ve evitar igualmente a psicologia.<br />
Tendo <strong>em</strong> vista que, "...Una novela no es la historia <strong>de</strong> la aventura<br />
acontecida a uno o varios personajes, sino la aventura misma <strong>de</strong> la<br />
novela que se está haciendo, y, para el lector, <strong>de</strong> la novela que se lee" 60 .<br />
O "novo romance" é, portanto, a encarnação da "arte <strong>de</strong> la mirada", ou<br />
seja, um tipo <strong>de</strong> narrativa que se baseia na <strong>de</strong>scrição atenta, porém<br />
limitada do que "eu" vejo 61 .<br />
Convém ressaltar que as regras <strong>de</strong>finidas por Robbe-<br />
Grillet não são aplicáveis ao conjunto das produções mo<strong>de</strong>rnas. O que<br />
há <strong>de</strong> comum <strong>em</strong> todas elas é a postura do narrador, não mais se<br />
apresentando como responsável por uma história a ser narrada. O<br />
59 MICHEL, J.B., La "nueva novela", p. 21.<br />
60 Ibid<strong>em</strong>, p. 22.
69<br />
narrador é o próprio autor e este narra a sua experiência. Nesse sentido,<br />
é que surge o probl<strong>em</strong>a da autobiografia ou da autobiografia<br />
ficcionalizada.<br />
O solilóquio, introduzido como suporte do "novo<br />
romance", representa uma mudança fundamental no chamado "ponto <strong>de</strong><br />
vista" do escritor, "...el autor se entrega por entero a la obra y - sea esto<br />
cierto o sólo aparente - parece que el movimiento <strong>de</strong> la obra fuese el<br />
mismo que el <strong>de</strong> su propia creación" 62 .<br />
As principais características <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> obra também<br />
são <strong>de</strong>scritas:<br />
La obra colma un ti<strong>em</strong>po enteramente<br />
ocupado por una "palabra hablada" que llega a<br />
nosotros sin que aparent<strong>em</strong>ente, entre ella y<br />
61 Harold Bloom, <strong>em</strong> O canône oci<strong>de</strong>ntal, assim como Alain Touraine, argumenta <strong>em</strong><br />
<strong>de</strong>fesa do sujeito, do "eu" individual, dizendo: "Eu próprio insisto <strong>em</strong> que o eu individual<br />
é o único método e todo padrão para a apreensão do valor estético". p. 31.<br />
62 MICHEL, J.B., La "nueva novela", p. 134.
70<br />
nosotros, exista la mediación <strong>de</strong> una forma<br />
elaborada. Esta palabra no consigue <strong>de</strong> buenas a<br />
primeras formular la expresión clara y completa <strong>de</strong><br />
su própio objeto. Vuelve al objeto, lo toma <strong>de</strong><br />
nuevo, lo repite, re<strong>em</strong>plazando la precisión<br />
expresiva por la acumulación <strong>de</strong> <strong>de</strong>talles<br />
significativos 63 .<br />
A produção literária mo<strong>de</strong>rna, na medida <strong>em</strong> que<br />
privilegia a palavra, também se submete a ela, porém, qu<strong>em</strong> fala? Qu<strong>em</strong><br />
é, pois, esse personag<strong>em</strong> que fala só e <strong>em</strong> voz alta? Se só aparece na<br />
narrativa <strong>de</strong> modo episódico, aquele que fala é qualquer um. Porém, se<br />
está no centro da obra, ou melhor, se é aquele que diz ou aquele que<br />
narra, é imprescindível que seu solilóquio seja compreendido por um<br />
outro. Mas "...el hombre que habla solo y en voz alta no es un hombre<br />
'normal'. Se lo fuese, o se callaria o bien hablaría a alguien. En silencio,<br />
quizá se hablase a sí mismo, quizá monologase interiormente" 64 .<br />
Cada narrativa é uma narrativa <strong>em</strong> especial, uma vez<br />
que se reporta à subjetivida<strong>de</strong> daquele que narra. Sendo assim, é<br />
legítimo afirmar que o probl<strong>em</strong>a da verossimilhança incorre no probl<strong>em</strong>a<br />
da "verda<strong>de</strong>". E o que é a verda<strong>de</strong> senão aquilo que "eu" percebo e a<br />
que consigo dar existência através <strong>de</strong> uma experiência profunda com a<br />
palavra? E qu<strong>em</strong> é esse "eu" que percebe?<br />
63 Ibid<strong>em</strong>, p. 134.<br />
64 Ibid<strong>em</strong>, p. 135.
71<br />
Esses e outros questionamentos <strong>de</strong> natureza<br />
estritamente filosófica hoje aportam à teoria e à crítica literárias, quase<br />
por imposição. As produções mo<strong>de</strong>rnas, na medida <strong>em</strong> que manifestam<br />
a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer uma ponte entre os mundos objetivo e<br />
subjetivo, também revelam a vivência e os mecanismos utilizados para<br />
dar forma e sentido 65<br />
a um turbilhão <strong>de</strong> idéias, pensamentos,<br />
sentimentos, <strong>em</strong>oções, percepções múltiplas e tudo que é possível <strong>de</strong><br />
ser captado pelo indivíduo atento e, sobretudo, sensível à permanência e<br />
à impermanência do(s) mundo(s).<br />
Roland Barthes <strong>em</strong> Escrever... para quê? para qu<strong>em</strong>?<br />
discute o probl<strong>em</strong>a das escrituras mo<strong>de</strong>rna e se preocupa <strong>em</strong> <strong>de</strong>finir o<br />
ato <strong>de</strong> escrever. Para ele "...escrever é colocar-se naquilo a que se<br />
chama agora um imenso 'intertexto', quer dizer: colocar a sua linguag<strong>em</strong>,<br />
a sua própria produção <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong>, no próprio infinito da linguag<strong>em</strong>" 66 .<br />
Sendo assim, o narrador que fala cria uma espécie <strong>de</strong> compromisso com<br />
a sua verda<strong>de</strong>.<br />
A autobiografia, na medida <strong>em</strong> que viabiliza a inclusão <strong>de</strong><br />
procedimentos narrativos abertos, flexíveis e adaptáveis à experiência do<br />
autor, torna-se uma modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escrita recorrente e quase<br />
indispensável para os autores mo<strong>de</strong>rnos. A ficcionalização é uma<br />
65 A "forma" e o "sentido" produzidos pela escritura mo<strong>de</strong>rna são s<strong>em</strong>pre dispersivos,<br />
uma vez que a realida<strong>de</strong> que aporta à percepção e à sensibilida<strong>de</strong> do narrador-autorpersonag<strong>em</strong><br />
é s<strong>em</strong>pre instantânea.<br />
66 BARTHES et alii. Escrever...para quê? para qu<strong>em</strong>?, p.15.
72<br />
<strong>de</strong>corrência natural do trânsito que se estabelece entre a experiência<br />
concreta, objetiva e a experiência psicológica, <strong>em</strong>ocional e sensitiva do<br />
autor.<br />
O que a crítica hoje consi<strong>de</strong>ra como "autobiografismo" é<br />
exatamente esse processo indissociável da escritura que, a partir do<br />
relato <strong>de</strong> uma experiência individual, cria uma situação <strong>de</strong> convergência,<br />
ou seja, cria a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> representações coletivas. Se hoje<br />
"falamos simultaneamente, se não o mesmo idioma, a mesma<br />
linguag<strong>em</strong>", é porque a linguag<strong>em</strong> reúne condições para que o hom<strong>em</strong><br />
realize uma das suas mais po<strong>de</strong>rosas experiências, a experiência da e<br />
com a palavra 67 .<br />
A palavra é o instrumento <strong>de</strong> acesso à compreensão do<br />
hom<strong>em</strong> e do mundo circundante; s<strong>em</strong> a palavra esse mundo não existiria<br />
como tal e o hom<strong>em</strong>, <strong>em</strong> meio à insignificância <strong>de</strong> suas relações, não<br />
teria n<strong>em</strong> o quê, n<strong>em</strong> porquê buscar. Se caminhamos para um "fim" que<br />
não existe é porque a finalida<strong>de</strong> do existir é existir <strong>em</strong> um t<strong>em</strong>po <strong>de</strong><br />
infinitos presentes.<br />
67 Em La doctrine du mantra, no capítulo intitulado Vâk ou la parole, Arthur Avalon, um<br />
dos mais ilustres pesquisadores da palavra, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua essência primordial até a sua<br />
utilização nos t<strong>em</strong>pos atuais, apresenta um estudo <strong>em</strong> que suas implicações cósmicas,<br />
sutis e grosseiras reflet<strong>em</strong> a visão <strong>de</strong> mundo dos indivíduos que a utilizam.
O t<strong>em</strong>po é a figura do mistério, e o mistério, a figura do t<strong>em</strong>po.<br />
Jean Yves-Tadié
"A PAUSA"<br />
3. O "TEMPO" OU A MEDIDA DO MUNDO<br />
3.1.nos primórdios<br />
Tanto para os antigos orientais como para os mais<br />
mo<strong>de</strong>rnos filósofos e historiadores do oci<strong>de</strong>nte, a concepção <strong>de</strong> T<strong>em</strong>po,<br />
<strong>em</strong> essência, possui uma orig<strong>em</strong> que ultrapassa a idéia <strong>de</strong> uma vida<br />
individual ou mesmo <strong>de</strong> uma raça. Esta colocação, encontrada na obra<br />
Mitos e símbolos na arte e civilização da Índia, <strong>de</strong> Heinrich Zimmer, parte<br />
da argumentação <strong>de</strong> T<strong>em</strong>po como "... consciência t<strong>em</strong>poral da própria<br />
natureza. Esta conhece não apenas os séculos, mas eras - geológicas,<br />
astronômicas -, transcen<strong>de</strong>ndo-as" 1 .<br />
Na Índia milenar, é possível encontrar um conceito <strong>de</strong><br />
T<strong>em</strong>po cuja dimensão incorpora os d<strong>em</strong>ais conceitos formulados até a<br />
cont<strong>em</strong>poraneida<strong>de</strong>. Entretanto, no que diz respeito a sua<br />
fundamentação, i<strong>de</strong>ntificam-se divergências que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser consi<strong>de</strong>radas.<br />
A principal <strong>de</strong>las diz respeito à visão <strong>de</strong> mundo hindu que difere,<br />
1 ZIMMER, H., Mitos e símbolos na arte e civilização índia, p. 22-23.
74<br />
substancialmente, da visão oci<strong>de</strong>ntal. No capítulo intitulado "A eternida<strong>de</strong><br />
do t<strong>em</strong>po", Dr. Zimmer comenta:<br />
V<strong>em</strong>os na história do mundo a biografia da<br />
espécie humana, <strong>em</strong> particular do hom<strong>em</strong> oci<strong>de</strong>ntal,<br />
a qu<strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ramos o mais importante m<strong>em</strong>bro da<br />
família. A biografia é uma forma <strong>de</strong> ver e representar<br />
que se concentra no singular, no irreproduzível, <strong>em</strong><br />
algum dos âmbitos da existência, revelando então os<br />
indícios <strong>de</strong>notadores <strong>de</strong> direção e sentido.<br />
Pensamos <strong>em</strong> egos, <strong>em</strong> vidas e indivíduos, não na<br />
Vida 2 .<br />
No Oci<strong>de</strong>nte, o sentido procurado é o sentido do mundo,<br />
no caso, um mundo material, cheio <strong>de</strong> limitações. Sendo assim, o hom<strong>em</strong><br />
não consegue perceber com niti<strong>de</strong>z a importância que a concepção <strong>de</strong><br />
longas eras (yugas) geológicas t<strong>em</strong> na formulação <strong>de</strong> uma filosofia<br />
prática, voltada para a vida humana.<br />
A visão hindu busca na elaboração do conceito <strong>de</strong> T<strong>em</strong>po<br />
a compreensão da própria Unida<strong>de</strong>, ou do próprio Deus (Brahm), <strong>em</strong> seu<br />
aspecto manifestado; enquanto isso, a visão oci<strong>de</strong>ntal busca na biografia<br />
humana a compreensão da individualida<strong>de</strong>. Sendo a primeira muito<br />
anterior à formalização do pensamento nos mol<strong>de</strong>s científicos, verifica-se,<br />
na apresentação <strong>de</strong> seus principais argumentos, a presença<br />
prepon<strong>de</strong>rante dos mitos.
75<br />
Os mitos indianos, por sua vez, pod<strong>em</strong> ser comparados a<br />
qualquer outro grupo <strong>de</strong> mitos tradicionais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que neles se i<strong>de</strong>ntifique<br />
uma preocupação <strong>em</strong> apreen<strong>de</strong>r e representar a realida<strong>de</strong> assim como<br />
ela era vista nos primórdios 3 . Mircea Elia<strong>de</strong>, <strong>em</strong> Imagens e símbolos, trata<br />
a questão dos mitos indianos a partir da relação existente entre o mito,<br />
como forma original do espírito, e o T<strong>em</strong>po.<br />
Como se admite hoje, um mito narra os<br />
acontecimentos in princípio, ou seja, 'no começo', <strong>em</strong><br />
um instante primordial e at<strong>em</strong>poral, num lapso <strong>de</strong><br />
t<strong>em</strong>po sagrado. Esse t<strong>em</strong>po mítico ou sagrado é<br />
qualitativamente diferente do t<strong>em</strong>po profano, da<br />
contínua e irreversível duração na qual está inserida<br />
nossa existência cotidiana e <strong>de</strong>ssacralizada. Ao<br />
narrar um mito, reatualizamos <strong>de</strong> certa forma o<br />
t<strong>em</strong>po sagrado no qual se suce<strong>de</strong>ram os<br />
acontecimentos <strong>de</strong> que falamos 4 .<br />
Os mitos expressam uma noção da realida<strong>de</strong> possível <strong>de</strong><br />
ser concebida pela coletivida<strong>de</strong> que os criou. Por esse motivo é que as<br />
narrativas ou as representações <strong>de</strong> t<strong>em</strong>pos r<strong>em</strong>otos possu<strong>em</strong>, como<br />
característica fundamental, um simbolismo extraordinário, que as torna<br />
2 ZIMMER, H., Mitos e símbolos na arte e civilização índia, p. 23.<br />
3 Nas civilizações arcaicas, a atuação da divinda<strong>de</strong> era representada através dos mitos<br />
que, <strong>de</strong> um modo geral, encarnavam a figura <strong>de</strong> animais ou seres humanos com formas e<br />
po<strong>de</strong>res extraordinários. A realida<strong>de</strong> mítica, por sua vez, estava fora do t<strong>em</strong>po das<br />
sucessões; a realida<strong>de</strong> mítica faz parte do Gran<strong>de</strong> T<strong>em</strong>po ou do T<strong>em</strong>po Sagrado, que<br />
nunca teve princípio e nunca terá fim.<br />
4 ELIADE., M., Imagens e símbolos, p. 53.
76<br />
completamente fora da lógica dos princípios científicos, ou do modo como<br />
o hom<strong>em</strong>, na atualida<strong>de</strong> e sobretudo no oci<strong>de</strong>nte, compreen<strong>de</strong> o processo<br />
<strong>de</strong> formação dos mundos 5 . De um modo geral, essas narrativas r<strong>em</strong>ontam<br />
a um passado <strong>em</strong> que a noção <strong>de</strong> T<strong>em</strong>po coincidia com a própria noção<br />
da eternida<strong>de</strong>; são narrativas extensas e tratam do el<strong>em</strong>ento sagrado<br />
inerente à criação.<br />
Dentro da concepção hindu, entre outras tantas,<br />
i<strong>de</strong>ntificam-se duas formulações acerca do T<strong>em</strong>po: uma, que concebe a<br />
vida como um fluir constante <strong>de</strong> energias que se conjugam, perpassamse,<br />
dissipam-se e se transformam incessant<strong>em</strong>ente; outra, que concebe a<br />
vida a partir da observação do T<strong>em</strong>po <strong>em</strong> seu aspecto cíclico. Na<br />
primeira, segundo o Atarva Veda, o T<strong>em</strong>po é o Gran<strong>de</strong> Criador: "...O<br />
T<strong>em</strong>po criou a terra, no T<strong>em</strong>po o sol ar<strong>de</strong>. No T<strong>em</strong>po estão todos os<br />
seres, no T<strong>em</strong>po o olho cont<strong>em</strong>pla o exterior" 6 (XIX-53-6); na segunda, o<br />
T<strong>em</strong>po é o próprio Samsara, ou a roda da vida, e seus infinitos ciclos <strong>de</strong><br />
construção, manutenção e <strong>de</strong>sintegração do universo. Ambas encerram o<br />
princípio <strong>de</strong> uma essência absoluta, compenetrando tudo e promovendo o<br />
próprio movimento dos mundos 7 .<br />
5 Em Mito e realida<strong>de</strong>, Mircea Elia<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolve um importante estudo acerca da<br />
realida<strong>de</strong> mítica, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios até os t<strong>em</strong>pos atuais. Como resultado, t<strong>em</strong>-se a<br />
formulação <strong>de</strong> um conceito <strong>de</strong> mito que consi<strong>de</strong>ra a Verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada época.<br />
6 Atarva Veda, p. 782.<br />
7 Dentro da concepção hindu, o T<strong>em</strong>po é s<strong>em</strong>pre Absoluto; a ela filia-se a compreensão<br />
<strong>de</strong> Brahm, o princípio único, que a tudo compenetra e a tudo transcen<strong>de</strong>. As duas<br />
principais <strong>de</strong>rivações <strong>de</strong>ssa concepção diz<strong>em</strong> respeito ao conceito <strong>de</strong> T<strong>em</strong>po como um<br />
fluxo, incessante e infinito, e ao conceito <strong>de</strong> T<strong>em</strong>po como ciclo, também incessante e<br />
infinito.
77<br />
Des<strong>de</strong> t<strong>em</strong>pos r<strong>em</strong>otos, essa essência absoluta é<br />
consi<strong>de</strong>rada incognoscível. O T<strong>em</strong>po, assim como outros el<strong>em</strong>entos da<br />
natureza (tatwas), é simplesmente um <strong>de</strong> seus aspectos manifestados.<br />
Por isso a ele s<strong>em</strong>pre se fez reverência.<br />
Em termos <strong>de</strong> registro, a palavra T<strong>em</strong>po ou "kala"<br />
aparece pela primeira vez no RG-VEDA - SAMHITA, (X-42-9) que, na<br />
tradução <strong>de</strong> Nag Sharan Singh, do <strong>de</strong>vanagri para o inglês, diz:<br />
9. Having driven away the assailant, he triumphs: at<br />
the time (of battle) he selects his antagonist as does<br />
a gambler. The man who, <strong>de</strong>sirous of gratifying the<br />
gods, withholds not his riches, him the powerful<br />
INDRA associates with wealth 8 .<br />
8 RG-VEDA SAMHITÃ, p.141.
78<br />
Aqui, o "t<strong>em</strong>po da batalha" alu<strong>de</strong> à própria condição do<br />
hom<strong>em</strong> que, para evoluir, t<strong>em</strong> que lutar 9 . No entanto, ele não <strong>de</strong>ve se<br />
apegar às riquezas ou aos resultados <strong>de</strong> seus triunfos; <strong>de</strong>ve, unicamente,<br />
preocupar-se <strong>em</strong> agradar aos <strong>de</strong>uses para atrair o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Indra. Esse<br />
po<strong>de</strong>r significa a Supr<strong>em</strong>a Sabedoria que libera o hom<strong>em</strong> do seu karma,<br />
ou da ignorância que produz uma visão parcial das coisas 10 .<br />
Para um oci<strong>de</strong>ntal, a dificulda<strong>de</strong> <strong>em</strong> interpretar os textos<br />
sagrados está <strong>em</strong> compreen<strong>de</strong>r e aceitar as formulações acerca dos<br />
mitos como, por ex<strong>em</strong>plo, o mito do po<strong>de</strong>roso <strong>de</strong>us Indra, explicado por<br />
Heinrich Zimmer através da lenda "A procissão das formigas". Extraída<br />
dos Puranas, essa lenda conta como o <strong>de</strong>us Indra, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> instruído no<br />
caminho da realização espiritual, liberta-se <strong>de</strong> maya, ou da ilusão do<br />
mundo.<br />
Na referência aos ciclos cósmicos (éons) 11 , i<strong>de</strong>ntifica-se<br />
uma concepção <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po e espaço infinitos que, nas palavras <strong>de</strong> Heinrich<br />
Zimmer, correspon<strong>de</strong> aos estágios <strong>de</strong> <strong>em</strong>anação, fruição e dissolução do<br />
9 Johan Huizunga, <strong>em</strong> Homo Lu<strong>de</strong>ns, no capítulo O Jogo e a Guerra, trata da orig<strong>em</strong><br />
r<strong>em</strong>ota do hom<strong>em</strong> e do seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> alcançar a vitória absoluta. Diz ele: "O <strong>de</strong>sejo<br />
inato <strong>de</strong> ser o primeiro continuará levando os grupos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r a entrar <strong>em</strong> competição,<br />
po<strong>de</strong>ndo até conduzi-los a inacreditáveis extr<strong>em</strong>os <strong>de</strong> cegueira e megalomania<br />
<strong>de</strong>senfreada. Pouca diferença faz que se adira à doutrina <strong>de</strong> ont<strong>em</strong>, que interpretava a<br />
história como produto <strong>de</strong> forças econômicas 'inevitáveis e imutáveis', ou que se cri<strong>em</strong><br />
novas concepções do mundo que simplesmente vão colocar um rótulo pseudocientífico<br />
no <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> triunfar. No fundo, o probl<strong>em</strong>a é s<strong>em</strong>pre 'ganhar'- <strong>em</strong>bora saibamos muito<br />
b<strong>em</strong> que esta forma <strong>de</strong> 'ganhar' não po<strong>de</strong> dar lucro". p. 114.<br />
10 Dentro dos princípios filosóficos da milenar tradição hindu, a compreensão da Unida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da compreensão do Etad vai tad - isto é aquilo. Em outras palavras, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> uma visão ampla e transcen<strong>de</strong>nte do hom<strong>em</strong> <strong>em</strong> relação ao processo do mundo.<br />
11 Éons - (Latim: Aegon; grego: Aion) Períodos <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po, eras. Entre os gnósticos do<br />
antigo Egito, eram "gênios" (anjos) encarregados <strong>de</strong> levar a cabo a "obra divina".
79<br />
universo para que haja, mais uma vez, a re<strong>em</strong>anação, fruição e assim por<br />
diante. Sobre a importância da lenda,<br />
...sua abrangência refere-se não somente à vida<br />
individual, mas também à história da socieda<strong>de</strong> e ao<br />
movimento do cosmos. Cada movimento da<br />
existência t<strong>em</strong> como pano <strong>de</strong> fundo esse pleroma, e<br />
assim é medido e julgado 12 .<br />
Em quase todas as narrativas <strong>de</strong> t<strong>em</strong>pos primordiais,<br />
i<strong>de</strong>ntifica-se, na subversão do t<strong>em</strong>po profano, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> alcançar a<br />
eternida<strong>de</strong>, o plano divino. Nas socieda<strong>de</strong>s arcaicas isso era possível<br />
através da reatualização dos mitos e, conseqüent<strong>em</strong>ente, do<br />
restabelecimento do Gran<strong>de</strong> T<strong>em</strong>po ou do T<strong>em</strong>po Sagrado.<br />
Transcen<strong>de</strong>r o t<strong>em</strong>po profano, reencontrar o<br />
Gran<strong>de</strong> T<strong>em</strong>po mítico, equivale a uma revelação da<br />
realida<strong>de</strong> última. Realida<strong>de</strong> estreitamente metafísica,<br />
que não po<strong>de</strong> ser abordada <strong>de</strong> outra maneira senão<br />
através dos mitos e símbolos 13 .<br />
12 ZIMMER, H., Mitos e símbolos na arte e civilização índia, p. 18.<br />
13 ELIADE, M., Imagens e símbolos, p. 58.
80<br />
A concepção do T<strong>em</strong>po cíclico e infinito, ou seja, a crença<br />
na criação e na <strong>de</strong>struição periódicas do Universo encontra-se na<br />
essência <strong>de</strong> todas as socieda<strong>de</strong>s arcaicas. Contudo, a Índia elaborou<br />
uma doutrina <strong>de</strong> ciclos cósmicos que eleva a números espantosos as<br />
criações e <strong>de</strong>struições do Universo. Essa doutrina consi<strong>de</strong>ra o yuga, ou<br />
"ida<strong>de</strong>", a menor unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> medida. Por sua vez, cada yuga é precedido<br />
e seguido <strong>de</strong> uma aurora e um crepúsculo que ligam as ida<strong>de</strong>s entre si.<br />
Para que haja um ciclo <strong>completo</strong> ou um mahâyuga, quatro yugas <strong>de</strong><br />
durações diferentes - sendo a mais longa no início e a mais curta no fim -<br />
realizam funções específicas no Gran<strong>de</strong> Plano da evolução 14 .<br />
Segundo a escola indiana, Pâñcharâta, a teoria dos ciclos<br />
cósmicos se relaciona com a doutrina da queda do conhecimento, ou<br />
seja, na medida <strong>em</strong> que vão passando os yugas, além da diminuição do<br />
t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> vida humana e do relaxamento dos costumes, ocorre também<br />
um <strong>de</strong>clínio contínuo da inteligência. Por esse motivo é que o último yuga<br />
ou kali yuga é consi<strong>de</strong>rado a "ida<strong>de</strong> das trevas".<br />
A relação existente entre a concepção <strong>de</strong> T<strong>em</strong>po, a<br />
doutrina dos ciclos cósmicos e a <strong>de</strong>usa Kâli é que Kâli é o último nome da<br />
gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>usa, da Shakti, esposa do <strong>de</strong>us Shiva. Kâli, no entanto,<br />
relaciona-se com kâla, "t<strong>em</strong>po". Portanto, Kâli não seria apenas "a negra",<br />
mas também a incorporação do T<strong>em</strong>po 15 .<br />
14 Cada yuga possui um nome extraído das <strong>de</strong>signações dadas aos lances no jogo <strong>de</strong><br />
dados:krita, treta, dwâpara e kâli.<br />
15 Sobre a etimologia da palavra kali , Mircea Elia<strong>de</strong> comenta: "Qualquer que seja essa<br />
etimologia, a relação entre kâla, o 'T<strong>em</strong>po', a <strong>de</strong>usa Kâli e kali yuga é aceitável sob o
81<br />
De todas as consi<strong>de</strong>rações acerca da doutrina dos ciclos<br />
cósmicos, a mais importante para a análise do texto literário O Mono<br />
Gramático não é a infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> números atribuída à complexa medida<br />
dos yugas e mahâyugas, mas a concepção do T<strong>em</strong>po como criaçãomanutenção-<strong>de</strong>struição<br />
do universo. Em Vislumbres <strong>de</strong> la Índia: un<br />
diálogo con la condición humana, Octavio Paz explica por que:<br />
Cada civilización es una visión <strong>de</strong>l ti<strong>em</strong>po.<br />
Instituiciones, obras <strong>de</strong> arte, técnicas, filosofias, todo<br />
lo que hac<strong>em</strong>os o soñamos es un tejido <strong>de</strong> ti<strong>em</strong>po.<br />
I<strong>de</strong>a y sentimento <strong>de</strong>l transcurrir, el ti<strong>em</strong>po no es<br />
mera sucessión; para todos los pueblos es un<br />
proceso que posee una dirección o apunta hacia un<br />
fin. El ti<strong>em</strong>po tiene un sentido. Mejor dicho: el ti<strong>em</strong>po<br />
es el sentido <strong>de</strong>l existir, inclusive si afirmamos que<br />
éste carece <strong>de</strong> sentido 16 .<br />
plano da estrutura do t<strong>em</strong>po: o T<strong>em</strong>po é 'negro' porque é irracional, duro, s<strong>em</strong> pieda<strong>de</strong>, e<br />
Kâli, como todas as outras gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>usas, é senhora do T<strong>em</strong>po, dos <strong>de</strong>stinos que forja<br />
e realiza". p. 61.<br />
16 PAZ, O., Vislumbres <strong>de</strong> la Índia: un diálogo con la condición humana, p. 200.
82<br />
Esse posicionamento reflete uma compreensão que<br />
engloba as duas concepções <strong>de</strong> T<strong>em</strong>po <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> uma anterior e<br />
absolutamente inquestionável <strong>de</strong>ntro das religiões e filosofias hindu - a do<br />
T<strong>em</strong>po Absoluto. Uma é a concepção do T<strong>em</strong>po como fluxo, incessante e<br />
infinito; a outra é do T<strong>em</strong>po como ciclos <strong>de</strong> renascimentos e mortes ou<br />
Samsara 17 . Do entrelaçamento <strong>de</strong>sses dois T<strong>em</strong>pos, as energias que se<br />
conjugam, perpassam-se e se dissipam incessant<strong>em</strong>ente dão existência a<br />
infinitas realida<strong>de</strong>s que também se dissipam. Só o T<strong>em</strong>po sobrevive a<br />
tudo, só o T<strong>em</strong>po é ilimitado, só o T<strong>em</strong>po é real.<br />
Ciente <strong>de</strong>ssa verda<strong>de</strong>, o hom<strong>em</strong> 18 , na sua relação com o<br />
mundo, compreen<strong>de</strong> que a única possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sair do T<strong>em</strong>po, <strong>de</strong><br />
quebrar o círculo <strong>de</strong> ferro das existências, é a abolição da condição<br />
humana 19 . Para o budismo, esse objetivo é alcançado através do<br />
Nirvana; é o resultado <strong>de</strong> uma vonta<strong>de</strong> exacerbada <strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong>finitivamente a sua condição <strong>de</strong> existente. Aqui se estabelece o gran<strong>de</strong><br />
questionamento filosófico acerca do real e do irreal, do ilusório e do nãoilusório.<br />
Mircea Elia<strong>de</strong> esclarece:<br />
17 A concepção <strong>de</strong> T<strong>em</strong>po como ciclo, ou Samsara, abre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relativização<br />
do T<strong>em</strong>po quando este apresenta-se relacionado ao Samsara individual, que t<strong>em</strong> um<br />
começo e um fim. No caso do Samsara cosmológico, não existe princípio, n<strong>em</strong> fim,<br />
apenas a eternida<strong>de</strong>.<br />
18 Em todos os t<strong>em</strong>pos e <strong>em</strong> todos os lugares, as filosofias têm <strong>de</strong>dicado um capítulo à<br />
parte para falar do hom<strong>em</strong> e da sua condição <strong>de</strong> "existente". Em todas elas verifica-se<br />
uma preocupação <strong>em</strong> ressaltar a diferença entre o hom<strong>em</strong> consciente, aquele que<br />
usufrui das experiências no mundo e, a partir <strong>de</strong>las, adquire uma nova visão da realida<strong>de</strong><br />
e aquele outro que simplesmente vive os acontecimentos do dia-a-dia. O hom<strong>em</strong><br />
consciente compreen<strong>de</strong> a natureza do T<strong>em</strong>po e, por isso mesmo, busca a<br />
transcendência dos opostos; o outro vive o conflito e a exasperação do cotidiano.<br />
19 Em Vislumbres <strong>de</strong> la Índia: un diálogo con la condición humana, Octavio Paz faz um<br />
balanço da sua trajetória como ser humano e como poeta que procura, através <strong>de</strong> um
83<br />
A existência no T<strong>em</strong>po é ontologicamente uma<br />
inexistência, uma irrealida<strong>de</strong>. É neste sentido que se<br />
<strong>de</strong>ve compreen<strong>de</strong>r a afirmação do i<strong>de</strong>alismo indiano,<br />
e <strong>em</strong> primeiro lugar do Vedanta, <strong>de</strong> que o mundo é<br />
ilusório, <strong>de</strong> que lhe falta realida<strong>de</strong>, pois sua duração<br />
é limitada, e, na perspectiva do eterno retorno, é<br />
uma não-duração 20 .<br />
Muito <strong>em</strong>bora a <strong>de</strong>scoberta do T<strong>em</strong>po cíclico infinito ou<br />
Samsara cosmológico tenha levado o povo indiano a renunciar ao mundo,<br />
não se po<strong>de</strong> afirmar que esta seja a única atitu<strong>de</strong> assumida. No The<br />
Bhagavad Gitã, texto sagrado que narra a trajetória do príncipe guerreiro<br />
Arjuna há uma referência muito clara a um outro caminho que não leva<br />
necessariamente ao abandono do mundo. Sri Krisna ou O Benaventurado<br />
Senhor, falando a Arjuna, diz:<br />
Abandoning attachament to the fruits of action,<br />
Constantly content, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt,<br />
Even when he sets out upon action,<br />
He yet does (in effect) nothing whatsoever.<br />
[IV - 20]<br />
A renúncia é, portanto, ao fruto da ação. A ação<br />
propriamente dita <strong>de</strong>ve ser executada, uma vez que é por seu meio que o<br />
mergulho profundo nas experiências <strong>de</strong> uma vida interna e externa, um encontro com a<br />
sua essência e com a essência das coisas.<br />
20 ELIADE, M., Imagens e símbolos, p. 64.
84<br />
hom<strong>em</strong> alcança diferentes níveis <strong>de</strong> percepção das realida<strong>de</strong>s interna e<br />
externa, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir a sua verda<strong>de</strong>ira "vocação" 21 .<br />
A interpretação <strong>de</strong> Mircea Elia<strong>de</strong> sobre o mito <strong>de</strong> Indra é<br />
idêntica à <strong>de</strong> Octavio Paz, no que diz respeito ao mito <strong>de</strong> Hãnumãn, uma<br />
vez que reflete uma visão equilibrada do T<strong>em</strong>po cósmico e do t<strong>em</strong>po<br />
histórico, tendo <strong>em</strong> vista que:<br />
...o mito do T<strong>em</strong>po cíclico e infinito, rasgando as<br />
ilusões tramadas pelos ritmos menores do T<strong>em</strong>po,<br />
ou seja, pelo t<strong>em</strong>po histórico, revela-nos ao mesmo<br />
t<strong>em</strong>po a precarieda<strong>de</strong> e, enfim, a irrealida<strong>de</strong><br />
ontológica do Universo, e o caminho da nossa<br />
libertação 22 .<br />
Se, por um lado, o importante é manter a consciência b<strong>em</strong><br />
<strong>de</strong>sperta para acompanhar o movimento ou o entrelaçamento <strong>de</strong>sses dois<br />
t<strong>em</strong>pos, por outro, é assustador, sobretudo para um<br />
21 Em continuação à análise e interpretação do mito <strong>de</strong> Indra, t<strong>em</strong>-se a confirmação <strong>de</strong><br />
que o caminho da ação, <strong>de</strong>sapegada <strong>de</strong> seus resultados, faz parte das formulações do<br />
pensamento indiano. Após ouvir longamente a Brhaspsti, Indra compreen<strong>de</strong> que cada<br />
um <strong>de</strong>ve seguir o seu caminho e realizar a sua vocação, ou, <strong>em</strong> outras palavras, o seu<br />
<strong>de</strong>ver. Sendo assim, a sua vocação, o seu <strong>de</strong>ver é continuar Indra, realizar aventuras<br />
heróicas, <strong>de</strong>sta feita s<strong>em</strong> orgulho ou presunção, pois agora ele já conhece a ilusão <strong>de</strong><br />
toda "situação", mesmo a <strong>de</strong> rei dos <strong>de</strong>uses.<br />
22 ELIADE, M., Imagens e símbolos, p. 66.
85<br />
oci<strong>de</strong>ntal, pensar na infinita ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> nascimentos-mortes-renascimentos<br />
ou Samsara. A saída apontada por doutrinas filosóficas e por técnicas<br />
místicas, que visam à liberação, consiste na utilização <strong>de</strong> mitos que se<br />
inser<strong>em</strong> <strong>de</strong>ntro dos ciclos cósmicos. O objetivo é transcen<strong>de</strong>r o mundo do<br />
sofrimento e esse mundo, ilusório e passageiro, o mundo do Samsara, o<br />
mundo da dor e da ignorância, é o mundo que se <strong>de</strong>senvolve sob o signo<br />
do T<strong>em</strong>po. A libertação <strong>de</strong>sse mundo e a obtenção da salvação<br />
equival<strong>em</strong> a uma libertação do T<strong>em</strong>po cósmico 23 .<br />
3.2. o t<strong>em</strong>po e o não-t<strong>em</strong>po<br />
Des<strong>de</strong> as civilizações mais primitivas, o hom<strong>em</strong> esteve à<br />
procura da salvação ou da libertação da ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> renascimentos e<br />
mortes. Por esse motivo, nos textos mais antigos é comum encontrar<br />
referências ao T<strong>em</strong>po <strong>em</strong> seus dois aspectos: o finito - o T<strong>em</strong>po<br />
<strong>de</strong>terminado - e o infinito ou o não-T<strong>em</strong>po. Tanto um como o outro são<br />
provenientes <strong>de</strong> um mesmo princípio absoluto. A evolução consiste no<br />
regresso, ou seja, na saída <strong>de</strong> uma condição múltipla, fragmentada, para<br />
a perfeita realização do Absoluto. Transcen<strong>de</strong>r o T<strong>em</strong>po é, portanto, uma<br />
ação que implica recorrência <strong>de</strong> um simbolismo, ao mesmo t<strong>em</strong>po,<br />
cosmológico e espacial.<br />
23 Ibid<strong>em</strong>, p. 70.
86<br />
A filosofia budista recorre ao simbolismo dos Sete Passos<br />
do Buda e do ovo cósmico para explicar a reversibilida<strong>de</strong> do T<strong>em</strong>po. E<br />
para falar sobre esse assunto, Mircea Elia<strong>de</strong> faz referência às gran<strong>de</strong>s<br />
linhas da filosofia do T<strong>em</strong>po elaborada pelo budismo, sobretudo pelo<br />
budismo Mahãyâna.<br />
Para os budistas o t<strong>em</strong>po também é constituído<br />
por um fluxo contínuo (samtâna) e, pelo próprio fato<br />
da flui<strong>de</strong>z do t<strong>em</strong>po, toda 'forma' que se manifesta<br />
no t<strong>em</strong>po não é apenas perecível, mas também<br />
ontologicamente irreal 24 .<br />
A flui<strong>de</strong>z do T<strong>em</strong>po encontra na teoria da<br />
instantaneida<strong>de</strong>, extraída do Tattvasangraha, a sua fundamentação, ou<br />
seja: "... a existência e a não-existência não são as diferentes imagens <strong>de</strong><br />
uma mesma coisa, mas a coisa <strong>em</strong> si" 25 . Em outras palavras, uma coisa<br />
só é verda<strong>de</strong>ira no instante <strong>em</strong> que é percebida; <strong>em</strong> seguida, ela se<br />
<strong>de</strong>svanece, dissipa-se. Sendo assim, a noção <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
um fragmento <strong>de</strong> segundos. Para Buda, que transcen<strong>de</strong>u o ciclo cósmico,<br />
todos os T<strong>em</strong>pos são transformados <strong>em</strong> presente, ou seja, a<br />
irreversibilida<strong>de</strong> do T<strong>em</strong>po <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> existir 26 .<br />
24 ELIADE, M., Imagens e símbolos, p. 76.<br />
25 Tattvasagraha, p. 137.<br />
26 O pensamento <strong>de</strong> Gilles Deleuze acerca do Acontecimento retoma os mesmos<br />
princípios da filosofia budista Mahãyãna. O presente é fusão <strong>de</strong> todos os t<strong>em</strong>pos ou o<br />
regresso ao t<strong>em</strong>po das origens.
87<br />
Como possibilida<strong>de</strong>, a reversibilida<strong>de</strong> do T<strong>em</strong>po é uma<br />
meta a ser alcançada. Tornar o T<strong>em</strong>po reversível é alcançar a<br />
imobilida<strong>de</strong>, o equilíbrio, a libertação.<br />
Des<strong>de</strong> t<strong>em</strong>pos im<strong>em</strong>oriais até os dias <strong>de</strong> hoje, o T<strong>em</strong>po<br />
t<strong>em</strong> sido el<strong>em</strong>ento norteador do pensamento humano <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> uma<br />
compreensão do mundo. No princípio, um simbolismo extraordinário e, ao<br />
mesmo t<strong>em</strong>po paradoxal, reunia imagens e mitos que visavam à<br />
transcendência do T<strong>em</strong>po através da superação dos limites impostos à<br />
própria condição do hom<strong>em</strong> 27 .<br />
Esse objetivo, perseguido <strong>em</strong> todas as civilizações, chega<br />
à era mo<strong>de</strong>rna e ao oci<strong>de</strong>nte, travestido <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>alismo que faz explodir<br />
guerras e revoluções. Ao tentar subverter uma <strong>de</strong>terminada ord<strong>em</strong>, todas<br />
as revoluções e todos os revolucionários tentaram subverter o T<strong>em</strong>po. A<br />
<strong>de</strong>struição da ord<strong>em</strong> ou do "T<strong>em</strong>po <strong>de</strong>sfavorável" implica no retorno a um<br />
mundo <strong>de</strong> perfeição, i<strong>de</strong>alizado a partir <strong>de</strong> valores extraídos da<br />
coletivida<strong>de</strong> 28 .<br />
Se estamos no kali yuga, como afirmam as mais antigas<br />
filosofias orientais, estamos vivendo um T<strong>em</strong>po <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição; a síntese,<br />
ou o caos, vislumbra a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma nova ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouro ou krita<br />
yuga. A prova mais concreta <strong>de</strong>sse fato está na linguag<strong>em</strong> <strong>de</strong>sse nosso<br />
t<strong>em</strong>po; uma linguag<strong>em</strong> complexa que, por um lado, reflete, através da<br />
27 ELIADE, M., Imagens e símbolos, p. 80-81.<br />
28 As idéias <strong>de</strong> T<strong>em</strong>po como eternida<strong>de</strong> e T<strong>em</strong>po como futuro, direta e indiretamente<br />
representam o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> "regresso" ao T<strong>em</strong>po primordial; a eternida<strong>de</strong> é o próprio
88<br />
fragmentação ou da negação <strong>de</strong> sentidos preestabelecidos, a experiência<br />
dos indivíduos e, por outro, anuncia um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> plenitu<strong>de</strong>, na medida<br />
<strong>em</strong> que busca a expressão <strong>de</strong> uma essência original . A busca <strong>de</strong>ssa<br />
essencia original, por sua vez, implica a busca <strong>de</strong> um "caminho" que, na<br />
verda<strong>de</strong>, é a busca da outrida<strong>de</strong> 29 .<br />
A produção literária <strong>de</strong> Octavio Paz realiza,<br />
gradativamente e <strong>em</strong> diferentes níveis, o conceito <strong>de</strong> convergência. Em<br />
1956, quando publica El arco y la lira, o conceito <strong>de</strong> outrida<strong>de</strong> já antecipa<br />
a formulação <strong>de</strong> um novo conceito <strong>de</strong> T<strong>em</strong>po - o t<strong>em</strong>po da reflexão. Em<br />
Signos <strong>em</strong> rotação, 1964, quando trata das questões da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e<br />
i<strong>de</strong>ntifica, na falência do futuro, o fim das concepções que alimentaram<br />
períodos <strong>de</strong> "obscurida<strong>de</strong>s" e "utopias", trata também da "solitu<strong>de</strong>" na<br />
"multitu<strong>de</strong>" do hom<strong>em</strong> mo<strong>de</strong>rno <strong>em</strong> face da perda das referências. A<br />
confusão e a <strong>de</strong>sord<strong>em</strong> <strong>de</strong>correntes da total ausência <strong>de</strong> princípios<br />
norteadores e formadores <strong>de</strong> novas li<strong>de</strong>ranças constitu<strong>em</strong> iminências -<br />
que são presenças - ameaçadoras do caos.<br />
Absoluto; já o futuro é o paraíso, ou seja, um espaço at<strong>em</strong>poral on<strong>de</strong> se realizam,<br />
apenas, ações elevadas.<br />
29 Em O arco e a lira Octavio Paz explica o seu conceito <strong>de</strong> outrida<strong>de</strong>. Ele diz: "...a<br />
outrida<strong>de</strong> é antes <strong>de</strong> mais nada a percepção <strong>de</strong> que somos outros s<strong>em</strong> <strong>de</strong>ixarmos <strong>de</strong> ser<br />
o que somos, e que, s<strong>em</strong> <strong>de</strong>ixarmos <strong>de</strong> estar on<strong>de</strong> estamos, nosso verda<strong>de</strong>iro ser está<br />
<strong>em</strong> outra parte. Somos outra parte. Em outra parte quer dizer: aqui, agora mesmo<br />
enquanto faço isto ou aquilo. E também: estou só e estou contigo, num não sei on<strong>de</strong> que<br />
é s<strong>em</strong>pre aqui. Contigo e aqui: qu<strong>em</strong> és tu, qu<strong>em</strong> sou eu, on<strong>de</strong> estamos quando<br />
estamos aqui?". p. 325.
89<br />
Diante da perplexida<strong>de</strong> provocada pela iminência do caos,<br />
Paz, através da recorrência aos mitos e à poesia, sobretudo ao mito <strong>de</strong><br />
Hãnumãn, <strong>em</strong> O Mono Gramático, faz-nos pensar nos sentidos atribuídos<br />
ao caos pelas mais antigas correntes filosóficas do hinduismo 30 . Caos é<br />
<strong>de</strong>struição, dissolução, é também convergência, na medida <strong>em</strong> que<br />
reconcilia ou reintegra tudo que um dia foi separado do Gran<strong>de</strong> Corpo, o<br />
Absoluto.<br />
Em La otra voz,1990, Paz <strong>de</strong>fine o papel da poesia <strong>de</strong> fim<br />
<strong>de</strong> século e atribui-lhe o caráter revelador <strong>de</strong> todos os enigmas<br />
produzidos no T<strong>em</strong>po. Muito <strong>em</strong>bora a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> revelação conte,<br />
unicamente, com a instantaneida<strong>de</strong>, ela não é resultado <strong>de</strong> um "aci<strong>de</strong>nte"<br />
ou <strong>de</strong> um mero acaso. Muito pelo contrário, ela ocorre <strong>em</strong> face <strong>de</strong> uma<br />
compreensão ampla das infinitas realida<strong>de</strong>s, elaborada, ou melhor, urdida<br />
às custas da percepção, da sensibilida<strong>de</strong>, da crítica ou, resumidamente,<br />
da reflexão. A poesia, como afirma Octavio Paz é o presente e se esse<br />
presente, para nós, é confuso, resta-nos a reflexão como caminho que se<br />
abre à compreensão da Convergência.<br />
3.3. <strong>de</strong>sconstrução e construção da linguag<strong>em</strong><br />
30 A mais antiga tradição filosófica hindu assume, "orgulhosamente", o princípio da<br />
convergência, na medida <strong>em</strong> que a sua essência resi<strong>de</strong> na compreensão da<br />
multiplicida<strong>de</strong>.
90<br />
Desconstrução e construção da linguag<strong>em</strong> é um t<strong>em</strong>a que<br />
se apresenta intrinsecamente relacionado à questão do T<strong>em</strong>po. É<br />
interessante observar que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios, todo processo <strong>de</strong><br />
construção da linguag<strong>em</strong> esteve associado à necessida<strong>de</strong> do hom<strong>em</strong><br />
enten<strong>de</strong>r e explicar o mundo. Em outras palavras, a linguag<strong>em</strong> exerceu,<br />
assim como exerce até hoje, uma função geradora <strong>de</strong> sentido, no caso,<br />
um sentido do mundo.<br />
A linguag<strong>em</strong> representava a ponte que unia a<br />
materialida<strong>de</strong> do mundo objetivo à percepção e à sensibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />
outro mundo mais sutil. A partir daí infinitas realida<strong>de</strong>s foram registradas;<br />
cada uma, a seu modo, expressando as condições e as possibilida<strong>de</strong>s<br />
dos homens <strong>de</strong> seus respectivos T<strong>em</strong>pos. Observa-se, portanto, que, no<br />
passado r<strong>em</strong>oto, as narrativas, além <strong>de</strong> extensas, buscavam contar uma<br />
história que justificasse a própria vida ou a compreensão que se tinha da<br />
vida 31 . E, a ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> uma ord<strong>em</strong> superior e transcen<strong>de</strong>nte, a qu<strong>em</strong> os<br />
antigos reconheciam e adoravam como sendo a própria divinda<strong>de</strong>, a vida<br />
também se organizava <strong>em</strong> múltiplos aspectos e direções.<br />
De um modo geral, essas narrativas falam <strong>de</strong> seres<br />
extraordinários, cuja conduta espelhava uma essência divina. Dentro da<br />
literatura oriental t<strong>em</strong>os o ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> Rama, Sita e <strong>de</strong> Hãnumãn, <strong>em</strong> O<br />
31 SCHOLLES, R. & KELLOG, R., A natureza da narrativa, p. 112.
91<br />
Rãmãyana; no Mahabárata, Arjuna e seus irmãos; na Epopéia <strong>de</strong><br />
Gilgamesh, o herói que <strong>em</strong>presta seu nome à narrativa. Na literatura<br />
oci<strong>de</strong>ntal, t<strong>em</strong>os os heróis da Ilíada, da Odisséia, da Eneida, <strong>de</strong> Os<br />
Lusíadas, entre outros. As histórias narradas tratam <strong>de</strong> um T<strong>em</strong>po <strong>de</strong><br />
lutas e <strong>de</strong> afirmação do hom<strong>em</strong> <strong>em</strong> seu espaço; <strong>em</strong> geral <strong>de</strong>fendia seus<br />
reinos e seus princípios ético, moral e religioso. Nesse T<strong>em</strong>po havia a<br />
necessida<strong>de</strong> do reconhecimento <strong>de</strong> uma ord<strong>em</strong> que, uma vez instituída,<br />
era respeitada por todos, graças à imposição <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r adquirido<br />
através da arte <strong>de</strong> guerrear 32 .<br />
As narrativas, que retratam as gran<strong>de</strong>s guerras, retratam<br />
também seus heróis, seus reis e rainhas. Com o passar do t<strong>em</strong>po, as<br />
guerras foram assumindo uma outra conotação, seus heróis foram<br />
per<strong>de</strong>ndo as qualida<strong>de</strong>s extraordinárias, os reis e rainhas foram ce<strong>de</strong>ndo<br />
espaço para diferentes caracterizações <strong>de</strong> personagens e o t<strong>em</strong>po das<br />
narrativas também diminuiu.<br />
No que diz respeito à linguag<strong>em</strong>, verifica-se uma trajetória<br />
que varia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a recorrência aos mitos e à riquíssima simbologia que os<br />
representava, construindo um sentido e atribuindo valores compatíveis<br />
com a época, até o exercício da palavra como el<strong>em</strong>ento agenciador da<br />
<strong>de</strong>sconstrução ou da construção <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s vividas ou imaginadas.<br />
Sendo assim, <strong>em</strong> diferentes períodos, a linguag<strong>em</strong> produziu uma imag<strong>em</strong><br />
do hom<strong>em</strong> e do mundo no qual vivia, refletindo, como ainda hoje, infinitas<br />
32 Em Homo lu<strong>de</strong>ns, Johan Huizinga trata da natureza da guerra intrínseca à natureza
92<br />
limitações. Duas <strong>de</strong>las se <strong>de</strong>stacam como flagrantes <strong>de</strong> um estágio<br />
evolutivo distante daquilo que se po<strong>de</strong>ria chamar <strong>de</strong> i<strong>de</strong>al: a incapacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> perceber o mundo circundante e a incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> elaborar, na sua<br />
totalida<strong>de</strong>, uma expressão daquilo que foi percebido.<br />
As obras literárias que ultrapassam esse nível <strong>de</strong><br />
limitações negam a linguag<strong>em</strong> ou, pelo menos, negam a rigi<strong>de</strong>z do<br />
sist<strong>em</strong>a lingüístico que as constitui. Com o surgimento <strong>de</strong> disciplinas<br />
acadêmicas que tinham por objetivo explicar o processo <strong>de</strong> construção da<br />
linguag<strong>em</strong>, muitas questões foram esclarecidas, pelo menos no que diz<br />
respeito aos seus aspectos fundamentais. Em conseqüência, as formas<br />
<strong>de</strong> abordag<strong>em</strong> do texto, sobretudo do texto literário mo<strong>de</strong>rno, passaram a<br />
exigir um outro posicionamento da crítica. Os métodos tradicionais, na<br />
medida <strong>em</strong> que se prend<strong>em</strong> ao sist<strong>em</strong>a lingüístico comum, limitam-se à<br />
enumeração <strong>de</strong> características mais ou menos conhecidas ou ao<br />
enquadramento do texto <strong>em</strong> uma das escolas literárias.<br />
Rodolphe Gasché, no ensaio intitulado "La<br />
<strong>de</strong>sconstucción como crítica", retoma Derrida para explicar os<br />
fundamentos do método <strong>de</strong>sconstrutivista e para falar da sua importância<br />
na abordag<strong>em</strong> dos textos literários mo<strong>de</strong>rnos.<br />
La <strong>de</strong>sconstrucción no ha <strong>de</strong> ser confundida<br />
con el nihilismo, con la metafísica <strong>de</strong> la ausência, o<br />
con una teologia negativa. No es una d<strong>em</strong>olición o<br />
humana.
93<br />
un <strong>de</strong>smantelamiento por oposición, ni reclama una<br />
reedificación o una reconstrucción. Al mismo ti<strong>em</strong>po,<br />
la <strong>de</strong>sconstrucción no es lo que sostienen las<br />
<strong>de</strong>finiciones positivistas <strong>de</strong>l New Criticism. Aqui, la<br />
<strong>de</strong>sconstrucción dice representar el momento en el<br />
que en un texto el argumento comienza a socavar-se<br />
a si mismo; o, <strong>de</strong> acuerdo con la noción <strong>de</strong> función<br />
poética y estética <strong>de</strong> Jakobson, la relación <strong>de</strong> un<br />
mensaje comunicativo con él mismo que, <strong>de</strong> este<br />
modo, se convierte en su propio objeto; o,<br />
finalmente, la auto-revelación e indicación <strong>de</strong>l texto<br />
<strong>de</strong> sus propios principios <strong>de</strong> organización y<br />
operación 33 .<br />
Em Margens da filosofia, é o próprio Derrida qu<strong>em</strong> vai<br />
falar da relação entre a filosofia, a linguag<strong>em</strong> e o texto literário. Em "O<br />
poço e a pirâmi<strong>de</strong>": introdução à s<strong>em</strong>iologia <strong>de</strong> Hegel, ele faz<br />
consi<strong>de</strong>rações acerca do conceito <strong>de</strong> signo e, por conseguinte, fala sobre<br />
sua função.<br />
A presença a si do saber absoluto, a<br />
consciência <strong>de</strong> estar-junto-a-si no logos, no conceito<br />
absoluto, só serão <strong>de</strong>sviadas <strong>de</strong> si mesma durante o<br />
t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> um <strong>de</strong>svio e o t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> um signo. O<br />
t<strong>em</strong>po do signo é então o t<strong>em</strong>po do retorno. Significa<br />
a presença a si, <strong>de</strong>volve a presença a si mesma,<br />
organiza a circulação <strong>de</strong> sua provisão. Des<strong>de</strong><br />
33 DERRIDA, J. et alii., La <strong>de</strong>sconstrucción como crítica, In: Teoria literária y <strong>de</strong>sconstrucción,
94<br />
s<strong>em</strong>pre o movimento da presença perdida já terá<br />
engajado o processo <strong>de</strong> sua reapropriação 34 .<br />
Se o signo é presença, presença que é consciência, o<br />
signo só existe ou "acontece" <strong>em</strong> um T<strong>em</strong>po - o T<strong>em</strong>po do retorno.<br />
Retorno <strong>de</strong> quê? Esta pergunta motivou muitas reflexões que resultaram<br />
na teoria do signo e esta, por sua vez, r<strong>em</strong>ete à Filosofia do Espírito. E<br />
"...se o espírito é o estar-próximo-<strong>de</strong>-si da idéia, po<strong>de</strong>-se já reconhecer ao<br />
signo esta primeira <strong>de</strong>terminação mais geral: o signo é uma forma ou um<br />
movimento <strong>de</strong> estar-próximo-a-si do absoluto" 35 .<br />
Na verda<strong>de</strong>, toda reflexão <strong>de</strong> Derrida acerca do signo e<br />
da Filosofia do Espírito r<strong>em</strong>ete a Aristóteles e a seus livros Sobre a Alma.<br />
Foi ele qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>finiu os signos, os símbolos, a fala e a escrita a partir dos<br />
path<strong>em</strong>ater tes psykhes, estados, afecções ou paixões da alma. A<br />
abertura do Peri Hermeneias é citado por Derrida, como argumento para a<br />
relação que se estabelece entre o signo, a filosofia do espírito e o T<strong>em</strong>po:<br />
Os sons <strong>em</strong>itidos pela voz (ta en tè phonè) são<br />
os símbolos das afecções da alma, e as palavras<br />
escritas são os símbolos das palavras <strong>em</strong>itidas pela<br />
voz. E do mesmo modo que a escrita não é a<br />
mesma <strong>em</strong> todos os homens, as palavras faladas<br />
também não são as mesmas, <strong>em</strong>bora [são, <strong>em</strong><br />
primeiro lugar, os signos: s<strong>em</strong>eia protôs] sejam<br />
p. 260-261<br />
34 DERRIDA, J., Margens da filosofia, p. 108.
95<br />
idênticos <strong>em</strong> nós [o que exatamente permite fazer<br />
ciência <strong>de</strong>les], como são idênticas as coisas, <strong>de</strong> que<br />
esses estados são a imag<strong>em</strong>. Este assunto foi<br />
tratado no nosso livro Da alma... 36 .<br />
Uma releitura <strong>de</strong> Hegel, sob a ótica <strong>de</strong>rridiana, resulta na<br />
associação da teoria do signo com outras instâncias do conhecimento<br />
como, por ex<strong>em</strong>plo, a l<strong>em</strong>brança, a imaginação, a intuição, a inteligência,<br />
que acabam constituindo um "poço", ou um "reservatório", <strong>de</strong> on<strong>de</strong> surgirá<br />
a estatura e o estatuto do signo 37 .<br />
Na medida <strong>em</strong> que se estabelec<strong>em</strong> laços indissociáveis<br />
com o T<strong>em</strong>po e com tudo que se constrói nele e por meio <strong>de</strong>le, o signo se<br />
realiza como convergência: negação e afirmação <strong>de</strong> si e do mundo que<br />
representa. Tanto é assim que o próprio Derrida questiona o que significa<br />
o T<strong>em</strong>po, como ele significa e <strong>em</strong> que se constitui o processo <strong>de</strong><br />
significação.<br />
Produção e intuição, o conceito <strong>de</strong> signo será,<br />
pois, o lugar <strong>de</strong> cruzamento <strong>de</strong> todos os traços<br />
contraditórios. Todas as oposições <strong>de</strong> conceitos aí<br />
se reún<strong>em</strong>, aí se resum<strong>em</strong> e se abismam. Todas as<br />
35 Ibid<strong>em</strong>, p. 110.<br />
36 Ibid<strong>em</strong>, p. 112.<br />
37 Em O Mono Gramático, o tratamento dado por Octavio Paz ao signo lingüístico<br />
também adquire a competência <strong>de</strong> "poço" ou <strong>de</strong> "reservatório", na medida <strong>em</strong> que o<br />
texto propriamente dito é uma recorrência, ou melhor, é um mergulho profundo na<br />
l<strong>em</strong>brança ou m<strong>em</strong>ória, na imaginação, na intuição e na inteligência do narrador e do<br />
leitor que o acompanha nas "veredas" <strong>de</strong> Galta.
96<br />
contradições parec<strong>em</strong> se resolver aí, mas<br />
simultaneamente, o que se anuncia sob o nome <strong>de</strong><br />
signo parece irredutível ou inacessível a todas as<br />
oposições formais <strong>de</strong> conceitos: sendo, ao mesmo<br />
t<strong>em</strong>po, o interior e o exterior, o espontâneo e o<br />
receptivo, o inteligível e o sensível, o mesmo e o<br />
outro etc, o signo não é nada disso tudo, n<strong>em</strong> isto,<br />
n<strong>em</strong> aquilo, etc. 38 .<br />
Se "o signo não é nada disso tudo, n<strong>em</strong> isso n<strong>em</strong> aquilo"<br />
afinal, o que é o signo? A resposta <strong>de</strong> Derrida parte <strong>de</strong> uma compreensão<br />
dialética do "signo no horizonte do não-signo, da presença para além do<br />
signo". Aqui torna-se evi<strong>de</strong>nte a relação entre signo e corpo,<br />
consi<strong>de</strong>rando que ambos são el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> convergência e <strong>de</strong> passag<strong>em</strong>.<br />
Muito <strong>em</strong>bora essa concepção abra infinitamente o campo<br />
para uma caracterização do signo, Derrida continua afirmando que "...o<br />
momento do signo é <strong>de</strong> provisão, <strong>de</strong> reserva provisória" 39<br />
e insiste no<br />
progresso <strong>de</strong> uma s<strong>em</strong>iologia que <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> fazer do signo um aci<strong>de</strong>nte<br />
<strong>em</strong>pírico. Isto porque, referindo-se ao signo, ele afirma que a imaginação,<br />
a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> seu caráter abstrato, é um momento <strong>em</strong> que a<br />
racionalida<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolve <strong>em</strong> vista da verda<strong>de</strong>.<br />
O exame da relação signo/verda<strong>de</strong> leva ao<br />
aprofundamento da função do signo. De acordo com a s<strong>em</strong>iologia<br />
hegeliana, o signo une uma "representação in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte" e uma<br />
38 DERRIDA, J., Margens da filosofia, p. 116.
97<br />
"intuição", <strong>em</strong> outros termos, um conceito (significado) e a percepção<br />
sensível (<strong>de</strong> um significante).<br />
Todas essas concepções têm por objetivo explicar a<br />
relação entre o signo e o T<strong>em</strong>po; o T<strong>em</strong>po e o espaço; o espaço e a<br />
forma como o hom<strong>em</strong> lida com os aspectos internos e externos <strong>de</strong> uma<br />
ou mais realida<strong>de</strong>s que se entrelaçam e que, somente através das<br />
representações sígnicas tornam-se, "presenças".<br />
A linguag<strong>em</strong>, como produto da inteligência, é para Hegel<br />
uma manifestação <strong>de</strong> suas representações <strong>em</strong> um el<strong>em</strong>ento exterior.<br />
Com outras palavras, Derrida explica a relação entre a lexiologia, a<br />
psicologia, a antropologia e a psicofisiologia. O objetivo é tornar clara a<br />
noção <strong>de</strong> "i<strong>de</strong>alida<strong>de</strong>", uma vez que, <strong>em</strong> termos hegelianos, a i<strong>de</strong>alida<strong>de</strong><br />
é a negação do real.<br />
A i<strong>de</strong>alida<strong>de</strong>, no entanto, é diferenciada e hierarquizada<br />
<strong>de</strong> acordo com a sua potência. Sendo assim, reconhecer o conceito e o<br />
valor <strong>de</strong> i<strong>de</strong>alida<strong>de</strong> implica o reconhecimento da "metáfora" que se<br />
encarrega <strong>de</strong> produzir o que a filosofia chama <strong>de</strong> "sentido".<br />
A visão é, correlativamente, um sentido i<strong>de</strong>al; por<br />
<strong>de</strong>finição, mais i<strong>de</strong>al que o tato ou o paladar. A visão po<strong>de</strong> ainda dar seu<br />
sentido à teoria; "ela suspen<strong>de</strong> o <strong>de</strong>sejo, <strong>de</strong>ixa as coisas ser<strong>em</strong>, reserva<br />
ou interdita a consumação" 40 .<br />
39 Ibid<strong>em</strong>, p. 117.<br />
40 DERRIDA, J., Margens da filosofia, p. 129.
98<br />
A relação entre o signo e os sentidos, sobretudo a visão e<br />
a audição, é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância para a análise da obra O Mono<br />
Gramático, haja vista a compreensão da superação do visível no audível<br />
favorecer a assimilação da idéia <strong>de</strong> planos que se perpassam,<br />
interpenetram-se e realizam, no plano da inteligência, uma reflexão sobre<br />
a linguag<strong>em</strong> oral e sobre a linguag<strong>em</strong> escrita e, ainda, sobre sua<br />
representação no T<strong>em</strong>po.<br />
Todas as especulações acerca das escritas alfabética e<br />
hieroglífica têm por objetivo <strong>de</strong>finir o "papel" ou a função do signo <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong> um universo amplo e extr<strong>em</strong>amente complexo chamado linguag<strong>em</strong>. No<br />
que diz respeito à linguag<strong>em</strong> literária, observam-se <strong>de</strong>terminadas<br />
especificida<strong>de</strong>s:"...a Literatura é uma Retórica do silêncio. Toda sua arte<br />
consiste <strong>em</strong> fazer da linguag<strong>em</strong> veículo <strong>de</strong> saber e <strong>de</strong> opinião geralmente<br />
rápido, um lugar <strong>de</strong> incerteza e <strong>de</strong> interrogação" 41 .<br />
Em Signos <strong>em</strong> rotação, Octavio Paz adota uma<br />
perspectiva histórica para analisar a função dos signos <strong>em</strong> face do<br />
po<strong>em</strong>a. Ele fala da orig<strong>em</strong> das artes que, nos primórdios, preocupava-se<br />
com a representação do universo como um todo indissociável: "...a poesia<br />
nasce no silêncio e no balbuciamento, no não po<strong>de</strong>r dizer, mas aspira<br />
irresistivelmente à recuperação da linguag<strong>em</strong> como uma realida<strong>de</strong> total 42 .<br />
Em seguida, fala do <strong>de</strong>senvolvimento das civilizações e da divisão das<br />
artes. Ele faz referência a um período <strong>em</strong> que não havia consciência<br />
41 GENETE, G., Reverso dos signos, In: Figuras, p. 195.
99<br />
histórica e, <strong>em</strong> conseqüência, a consciência mítica se encarregava <strong>de</strong><br />
criar um mundo que acontecia fora da ord<strong>em</strong> t<strong>em</strong>poral.<br />
Há, portanto, <strong>em</strong> suas consi<strong>de</strong>rações uma reflexão sobre<br />
dois períodos que, na cont<strong>em</strong>poraneida<strong>de</strong>, fund<strong>em</strong>-se e resultam <strong>em</strong> um<br />
outro questionamento acerca do próprio T<strong>em</strong>po. É o que nos faz pensar<br />
Octavio Paz.<br />
O hom<strong>em</strong> mo<strong>de</strong>rno fez com que o futuro<br />
<strong>de</strong>scesse à terra, enraizou-o no solo e <strong>de</strong>u-lhe uma<br />
data: converteu-o <strong>em</strong> história. Agora, ao per<strong>de</strong>r seu<br />
sentido, a história per<strong>de</strong>u seu império sobre o futuro<br />
e também sobre o presente. Ao <strong>de</strong>sfigurar-se o<br />
42 PAZ, O., Signos <strong>em</strong> rotação, p. 120.
100<br />
futuro, a história cessa <strong>de</strong> justificar nosso presente.<br />
A pergunta que o po<strong>em</strong>a faz é - qu<strong>em</strong> é que diz isto<br />
que digo e a qu<strong>em</strong> o diz? 43 .<br />
Hoje, o po<strong>em</strong>a lança uma pergunta sobre o sentido<br />
atribuído ao passado e essa pergunta não é uma dúvida, é uma busca.<br />
Além <strong>de</strong> busca é também uma crença que se afirma não <strong>em</strong> uma forma<br />
específica, <strong>de</strong>finida ou preestabelecida <strong>em</strong> um t<strong>em</strong>po diferente do t<strong>em</strong>po<br />
da apreensão e representação <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada realida<strong>de</strong>, mas<br />
signos que se projetam <strong>em</strong> um espaço animado e que possu<strong>em</strong> múltiplos<br />
significados possíveis. O significado final <strong>de</strong>sses signos o poeta não<br />
conhece: está no t<strong>em</strong>po, "...o t<strong>em</strong>po que faz<strong>em</strong>os entre todos e que a<br />
todos nos <strong>de</strong>sfaz" 44 .<br />
A idéia <strong>de</strong> uma Arte <strong>de</strong> Convergência, el<strong>em</strong>ento central da<br />
obra <strong>de</strong> Octavio Paz, encontra ressonância na teoria e na crítica literária<br />
que procuram compreen<strong>de</strong>r a arte e todo processo <strong>de</strong> criação a partir <strong>de</strong><br />
seu criador - o hom<strong>em</strong>.<br />
O hom<strong>em</strong> quer i<strong>de</strong>ntificar-se com suas<br />
criações, reunir-se consigo mesmo e com seus<br />
s<strong>em</strong>elhantes: ser o mundo s<strong>em</strong> cessar e ser ele<br />
mesmo. Nossa poesia é consciência da separação e<br />
tentativa <strong>de</strong> reunir o que foi separado. No po<strong>em</strong>a, o<br />
43 Ibid<strong>em</strong>, p. 122.<br />
44 PAZ, O., Signos <strong>em</strong> rotação, p.122.
101<br />
ser e o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser pactuam por um instante, como<br />
o fruto e os lábios. Poesia, momentânea<br />
reconciliação: ont<strong>em</strong>, hoje, amanhã; aqui e ali; tu, eu<br />
ele, nós. Tudo está presente: será presença 45 .<br />
Diante <strong>de</strong> qualquer escritura, sobretudo da escritura<br />
mo<strong>de</strong>rna, t<strong>em</strong>-se o probl<strong>em</strong>a da recepção. Hans Robert Jauss <strong>em</strong> A<br />
história da literatura como provocação à teoria literária, retoma Georg<br />
Gadamer para explicar a idéia <strong>de</strong> texto 46 como resposta a uma pergunta<br />
que o leitor <strong>de</strong>ve saber e compreen<strong>de</strong>r qual é. Nesse contexto é inserida<br />
a explicação sobre a "mudança do horizonte <strong>de</strong> expectativa" que, <strong>em</strong><br />
outras palavras, <strong>de</strong>corre da presença do el<strong>em</strong>ento estético inerente à<br />
obra, ou seja, aquele ou aquilo que transforma, que acrescenta ao já<br />
conhecido algo que vai motivar uma nova visão da coisa representada. A<br />
posição do leitor é, portanto, a posição daquele que participa do processo<br />
<strong>de</strong> construção da obra. Isto porque:<br />
As antigas fronteiras se apagam e reaparec<strong>em</strong><br />
outras; assistimos ao fim da idéia da arte como<br />
cont<strong>em</strong>plação estética e voltamos a algo que o<br />
Oci<strong>de</strong>nte havia esquecido: o renascimento da arte<br />
45 Ibid<strong>em</strong>, p. 122-123.<br />
46 Roland Barthes <strong>em</strong> Escrever para quê? para qu<strong>em</strong>?, <strong>de</strong>fine o "texto" como sendo "...uma<br />
prática que implica a subversão dos gêneros; num texto já não se reconhece a figura do<br />
romance, ou a figura da poesia, ou a figura do ensaio(...) O texto contém s<strong>em</strong>pre sentido,<br />
mas contém, <strong>de</strong> certo modo, regressões <strong>de</strong> sentido(...) O sentido regressa, mas como<br />
diferença, e não como i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>". p. 30-31.
102<br />
como ação e representação coletivas e <strong>de</strong> seu<br />
compl<strong>em</strong>ento contraditório, a meditação solitária (...)<br />
As obras do t<strong>em</strong>po que nasce não estarão regidas<br />
pela idéia da sucessão linear e sim pela idéia <strong>de</strong><br />
combinação: conjugação, dispersão e reunião <strong>de</strong><br />
linguagens, espaços e t<strong>em</strong>pos. A festa e a<br />
cont<strong>em</strong>plação. A arte da conjugação 47 .<br />
A palavra hoje se situa no âmbito da busca <strong>de</strong> sentido. O<br />
sentido do mundo ainda é obscuro porque o que ora se diz não t<strong>em</strong> a<br />
significação que procuramos e o que procuramos está "...mais além, <strong>em</strong><br />
um horizonte que mal começa a se aclarar. Realida<strong>de</strong> s<strong>em</strong> rosto e que<br />
está aí, diante <strong>de</strong> nós, não como um muro: como espaço vazio" 48 .<br />
Toda reflexão <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ada pelo próprio Octavio Paz<br />
sobre a linguag<strong>em</strong> t<strong>em</strong> como objetivo explicar a inversão <strong>de</strong> um processo<br />
que, no passado, consagrava à palavra um lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque, <strong>de</strong><br />
exaltação, até mesmo quando negada. Nos t<strong>em</strong>pos atuais a palavra é<br />
inominável. Pelo menos esse é um <strong>de</strong>safio lançado pelo autor "...que ou<br />
qu<strong>em</strong> po<strong>de</strong> nomear hoje a palavra?" 49 .<br />
Portanto, não é mais o hom<strong>em</strong> que pergunta; é a<br />
linguag<strong>em</strong> que o interroga e o obriga a se <strong>de</strong>frontar com uma solidão<br />
distinta - a solidão diante do futuro. Se a perspectiva <strong>de</strong> um t<strong>em</strong>po<br />
47 PAZ, O., Signos <strong>em</strong> rotação, p. 137.<br />
48 PAZ, O., Signos <strong>em</strong> rotação, p. 120-121.<br />
49 Ibid<strong>em</strong>, p. 121.
103<br />
retilíneo não mais existe, passado e futuro também <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> existir, só<br />
existe "...um presente interminável e, não obstante, <strong>em</strong> contínuo<br />
movimento" 50 .<br />
A formulação <strong>de</strong> um novo conceito <strong>de</strong> T<strong>em</strong>po 51 , portanto,<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da compreensão da Lógica do Acontecimento 52 , que consiste na<br />
apresentação <strong>de</strong> um presente contínuo, s<strong>em</strong>pre atualizado por diferentes<br />
dimensões da existência. Nesse sentido, a multiplicida<strong>de</strong>, como el<strong>em</strong>ento<br />
fundamental da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e da intertextualida<strong>de</strong>, encontra o seu ponto<br />
<strong>de</strong> equilíbrio e <strong>de</strong> afirmação na dialética que rege a "diferença" e a<br />
"repetição" 53 . Esse presente contínuo e "interminável", como diz Octavio<br />
Paz, não significa estagnação na medida <strong>em</strong> que ele está <strong>em</strong> constante<br />
movimento. Do mesmo modo, a repetição, ao contrário da cópia,<br />
engendra a diferença e a fruição do próprio T<strong>em</strong>po.<br />
50 Ibid<strong>em</strong>, p. 121.<br />
51 O conceito <strong>de</strong>leuziano <strong>de</strong> T<strong>em</strong>po t<strong>em</strong> seu gran<strong>de</strong> lastro <strong>em</strong> Bergson.<br />
52 Sousa Dias <strong>em</strong> Lógica do acontecimento: Deleuze e a filosofia, explica o que é o<br />
Acontecimento. Diz ele: "O acontecimento é virtual, melhor, é 'o' virtual. Porque o virtual<br />
não é a virtualida<strong>de</strong> caótica, mas a virtualida<strong>de</strong> tornada consistente no plano <strong>de</strong><br />
imanência estendido sobre o caos, o virtual feito, por esse plano, real, uma realida<strong>de</strong><br />
distinguível <strong>de</strong> toda a atualida<strong>de</strong>". p.89-90.<br />
53 Em Deleuze: une philosophie <strong>de</strong> l'évén<strong>em</strong>ent, François Zourabichvil explica a dialética<br />
da "diferença" e da "repetição": "La différenciation <strong>de</strong> la différence a pour corrélat une<br />
répétition qui diverge ou qui sonne faux, et différence et répétition est la logique <strong>de</strong> la<br />
multiplicité intensive comme concept du t<strong>em</strong>ps. Chaque fois la différence-dimension<br />
revient, mais elle revient en different, donc à un autre niveau, sur un autre plan, dans une<br />
autre dimension". p. 84.
HÃNUMÃN, HANUMAT, HANUMAT. A celebrated<br />
monkey chief. He was able to fly and is a<br />
conspicuous figure in The Rãmãyana ...Hãnumãn<br />
jumped from India to Ceylon in one bound; he tore<br />
up the trees, carried away the Himalayas, seized<br />
the clouds and performed many other won<strong>de</strong>rful<br />
exploits...Among his accomplishments, Hãnumãn<br />
was a grammarian; and The Rãmãyana says: "The<br />
chief of monkeys is perfect; no one equals him in<br />
the sãstras, in learning, and in ascertaining the<br />
sense of the scriptures (or in moving at will). It is<br />
well known Hãnumãn was the ninth author of<br />
grammar".<br />
John Dowson, M.R.A.S.<br />
A classical dictionary of<br />
hindu mythology
"A PLENITUDE"<br />
3. O MONO GRAMÁTICO<br />
3.1.primeira mirada<br />
A primeira mirada 1 <strong>em</strong> O Mono Gramático é, s<strong>em</strong> dúvida<br />
nenhuma, provocada pela curiosida<strong>de</strong> da associação do nome Octavio<br />
Paz ao título <strong>de</strong> uma obra, no mínimo, inusitada, pelas suas<br />
características estruturais e t<strong>em</strong>áticas. Consagrado como um dos<br />
principais poetas e pensadores do mundo cont<strong>em</strong>porâneo, <strong>em</strong> qualquer<br />
circunstância, sua assinatura incita o estudioso a ultrapassar os limites<br />
da "mirada" para "ouvir" o que está para além <strong>de</strong>la. A primeira regra a ser<br />
interiorizada, o próprio Paz <strong>em</strong> Signos <strong>em</strong> rotação, fazendo referência ao<br />
poeta, já anuncia:<br />
No passado foi o hom<strong>em</strong> da visão. Hoje aguça<br />
o ouvido e percebe que o próprio silêncio é voz,<br />
1 Em Margens da filosofia Derrida retoma Hegel para explicar a relação entre a<br />
i<strong>de</strong>alida<strong>de</strong> da linguag<strong>em</strong> e as regiões da sensibilida<strong>de</strong> que ele <strong>de</strong>staca como as<br />
principais, a visão e a audição; sendo esta última a mais eficiente e a mais po<strong>de</strong>rosa<br />
porque atua na consciência do indivíduo por meio <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ias vibratórias produzidas<br />
através do som. Por esse motivo, utilizamos a palavra "mirada" <strong>em</strong> lugar <strong>de</strong> "leitura",<br />
tendo <strong>em</strong> vista, <strong>em</strong> um primeiro momento, o texto sugerir a apreensão da realida<strong>de</strong>
106<br />
murmúrio que busca a palavra <strong>de</strong> sua encarnação.<br />
O poeta escuta o que diz o t<strong>em</strong>po, ainda que ele<br />
diga : nada. Sobre a página algumas palavras se<br />
reún<strong>em</strong> ou se <strong>de</strong>spregam. Essa configuração é<br />
uma prefiguração: iminência <strong>de</strong> presença 2 .<br />
Sendo assim, à primeira mirada segu<strong>em</strong>-se a segunda, a<br />
terceira, a quarta, a quinta e assim in<strong>de</strong>finidamente. Não existe um limite<br />
estabelecido para uma completa apreensão do texto, que funciona como<br />
um caleidoscópio; a cada mirada, uma nova imag<strong>em</strong>; a cada nova<br />
imag<strong>em</strong>, vislumbram-se realida<strong>de</strong>s completamente distintas, conectadas,<br />
simplesmente, por um universo sígnico que exce<strong>de</strong> a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
representação, no caso, a linguag<strong>em</strong> alfabética, a escrita.<br />
Essas informações estão, subliminarmente, contidas no<br />
título da obra; o título é, na verda<strong>de</strong>, uma das chaves que <strong>de</strong>cifrará um<br />
entre tantos outros enigmas do texto. O leitor, antes mesmo <strong>de</strong> se tornar<br />
cúmplice do narrador e da narrativa, é induzido a resolver esse enigma, a<br />
vencer essa prova 3 . Algumas pistas são oferecidas: o verbete do A<br />
classical dictionary of hindu mythology, logo no início, induz a um diálogo<br />
visual para, <strong>em</strong> um segundo momento, fundir-se ou se dissolver na realida<strong>de</strong> audível,<br />
muito <strong>em</strong>bora o texto seja escrito.<br />
2 PAZ, O., Signos <strong>em</strong> rotação, p. 122.<br />
3 Consi<strong>de</strong>rando que a estrutura <strong>de</strong> O Mono Gramático está centrada <strong>em</strong> uma<br />
perspectiva do "jogo", como el<strong>em</strong>ento inerente à natureza humana, convém observar<br />
que o próprio narrador chama a atenção do leitor para suas regras, suas provas e suas<br />
armadilhas. O título da obra é, portanto, a primeira prova a ser vencida.
107<br />
profundo com uma civilização perdida no T<strong>em</strong>po da reflexão. As relações<br />
<strong>de</strong> intertextualida<strong>de</strong> são, a partir daí, evi<strong>de</strong>ntes.<br />
O Mono Gramático é Hãnumãn, um dos mais<br />
importantes personagens <strong>de</strong> O Rãmãyana - po<strong>em</strong>a épico ou texto<br />
sagrado que narra a trajetória do príncipe Rama, consi<strong>de</strong>rado um<br />
Avatara; a sétima encarnação do <strong>de</strong>us Visnu. A história, ou as várias<br />
histórias que compõ<strong>em</strong> a obra na sua totalida<strong>de</strong> (e por esse motivo O<br />
Rãmãyana é também consi<strong>de</strong>rado como a primeira novela <strong>de</strong> cavalaria),<br />
r<strong>em</strong>onta a um período da humanida<strong>de</strong> <strong>em</strong> que todo conhecimento<br />
adquirido era fruto da reflexão, da atitu<strong>de</strong> cont<strong>em</strong>plativa e da perfeita<br />
observância das leis cósmicas. São inúmeras as passagens <strong>em</strong> que o<br />
protagonista <strong>de</strong> ações transformadoras invoca o po<strong>de</strong>r da palavra<br />
através dos mantras e, <strong>em</strong> conseqüência, é investido <strong>de</strong> uma<br />
extraordinária capacida<strong>de</strong> para exercitar, com magnanimida<strong>de</strong> e<br />
equilíbrio, todas as suas potencialida<strong>de</strong>s.<br />
Hãnumãn é o célebre "macaco-chefe", aquele que realiza<br />
façanhas jamais vistas ou mencionadas <strong>em</strong> toda a história da<br />
humanida<strong>de</strong>. Em O Rãmãyana ele aparece pela primeira vez no<br />
Kishkindhakanda, ou seja, na parte <strong>em</strong> que o virtuoso rei Sugriva,<br />
percebendo as dificulda<strong>de</strong>s do príncipe Rama e <strong>de</strong> seu irmão<br />
Lakshamana para salvar a princesa Sita das garras do d<strong>em</strong>ônio Rávana,<br />
o envia para auxiliá-los na batalha que, segundo a ord<strong>em</strong> cosmológica,<br />
estava para acontecer. Hãnumãn é também citado no Sundarakanda, no
108<br />
Yudhakanda e no Uttarakanda; é reconhecido como o "macaco-perfeito",<br />
o "nono-gramático" 4 ; ninguém a ele se iguala <strong>em</strong> sabedoria e <strong>em</strong><br />
capacida<strong>de</strong> para interpretar o sentido das sagradas escrituras. Ele voa,<br />
pula da Índia para o Ceilão, arranca árvores, carrega os Himalayas,<br />
pren<strong>de</strong> nuvens, ajuda Rama e seu irmão a <strong>de</strong>rrotar o exército do terrível<br />
Rávana e, finalmente, <strong>de</strong>strói o reino <strong>de</strong> Lankã. S<strong>em</strong> Hãnumãn O<br />
Rãmãyana não seria a mesma fonte on<strong>de</strong> as civilizações, até hoje,<br />
recorr<strong>em</strong> para saciar sua se<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimento e <strong>de</strong> sabedoria 5 .<br />
O primeiro contato com o texto ocorre, portanto, <strong>em</strong> face<br />
do "gran<strong>de</strong> pulo" que nós, leitores e fruidores das experiências da<br />
narrativa <strong>de</strong> O Mono Gramático, somos forçados a dar. No caso, um<br />
"pulo" para trás, para a Ida<strong>de</strong> Antiga, ou para um passado r<strong>em</strong>oto,<br />
milenar, cheio <strong>de</strong> ruínas que, a todo momento, l<strong>em</strong>bra-nos a existência<br />
<strong>de</strong> um t<strong>em</strong>po que não é esse nosso, mas um outro - o t<strong>em</strong>po da reflexão.<br />
A fotografia <strong>de</strong> Eusebio Rojas (Fig.1) 6<br />
inicia o texto<br />
mostrando a vereda <strong>de</strong> Galta. Uma vereda é s<strong>em</strong>pre um caminho<br />
estreito e, entre tantas acepções atribuídas ao termo, encontramos<br />
4 Muito <strong>em</strong>bora no A classical dictionary of hindu mythology a referência a Hanumãn é<br />
<strong>de</strong> que ele foi o nono autor da gramática, não encontramos, <strong>em</strong> outros dicionários e <strong>em</strong><br />
vários outros textos que tratam <strong>de</strong> filosofia oriental, nenhuma referência aos oito autores<br />
anteriores a ele.<br />
5 Em Comparatisme et théorie <strong>de</strong> la littérature, no capítulo "La littérature universelle ou<br />
la littérature", Adrian Marino trata da ignorância do oci<strong>de</strong>nte <strong>em</strong> relação à literatura<br />
oriental até o século XVIII. Ele cita autores como Valmiki, Viasa e Firdousi e, <strong>em</strong><br />
seguida, afirma: "... dans les pr<strong>em</strong>ières décennies du XIX· siècle, la littérature orientale<br />
est reconnue indispensable pour la connaissance du 'genre humain'".p. 45.<br />
6 A fotografia <strong>de</strong> Eusebio Rojas (Fig. 1), b<strong>em</strong> como todas as d<strong>em</strong>ais que serão<br />
analisadas no corpus <strong>de</strong>ste trabalho po<strong>de</strong>rão ser consultadas no Anexo II.
109<br />
"senda", "atalho", "rumo", "caminho", "direção", "ocasião", "momento",<br />
"oportunida<strong>de</strong>". Cada uma <strong>de</strong>ssas palavras, ou todas elas, alud<strong>em</strong> à<br />
difícil tarefa <strong>de</strong> escolher e vencer obstáculos, provas, o que nos permite<br />
l<strong>em</strong>brar os rituais <strong>de</strong> iniciação encontrados <strong>em</strong>, praticamente, todas as<br />
religiões e filosofias 7 . O caminho da salvação, ou da realização espiritual,<br />
só é alcançado mediante a superação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado limite - o do<br />
corpo, o da mente ou o <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada circunstância espacial e<br />
t<strong>em</strong>poral. Aqui surg<strong>em</strong> as primeiras indagações direcionadas, mais<br />
objetivamente, ao texto e a seu narrador: por que escolher o caminho <strong>de</strong><br />
Galta? Quais são os obstáculos a ser<strong>em</strong> vencidos? E para quê?<br />
Todas as indagações ou consi<strong>de</strong>rações sobre as<br />
indagações, visam, antes <strong>de</strong> mais nada, enten<strong>de</strong>r o papel e os limites da<br />
escolha 8 . No texto qu<strong>em</strong> escolhe é o narrador. E este, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as<br />
primeiras páginas, dissua<strong>de</strong> qu<strong>em</strong> quer que seja <strong>de</strong> tentar acompanhá-lo<br />
simplesmente por curiosida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong>leite.<br />
O caminho <strong>de</strong> Galta é tortuoso; é o caminho da Nivritti<br />
que se opõe ao da Pravritti, ou caminho da ação subjetiva, como explica<br />
toda tradição milenar filosófico-religiosa da Índia; é o caminho da<br />
7<br />
No Kathopanishad, um dos mais antigos textos sagrados da filosofia hindu,<br />
encontramos uma referência explícita à idéia do caminho estreito e difícil estar<br />
associado ao <strong>de</strong>spertar da consciência, à iluminação. No Capítulo III, verso XIV, os<br />
sábios falam ao aspirante: "Levante-se, <strong>de</strong>sperte (O Hom<strong>em</strong>)! Realize (aquele Atman)<br />
que t<strong>em</strong> alcançado os excelentes (Mestres). Este caminho é como o agudo fio <strong>de</strong> uma<br />
navalha, duro <strong>de</strong> trilhar e difícil <strong>de</strong> cruzar - assim diz<strong>em</strong> os sábios". p.64.<br />
8 Toda escolha pressupõe mais <strong>de</strong> uma opção. Quando o narrador diz que: "O melhor<br />
será escolher o caminho <strong>de</strong> Galta...", o leitor é induzido a pensar na existência <strong>de</strong><br />
outras realida<strong>de</strong>s conhecidas por ele e, entre elas, Galta é consi<strong>de</strong>rada a "melhor",<br />
muito <strong>em</strong>bora, logo <strong>em</strong> seguida, ele negue qualquer convicção.
110<br />
interiorização, da análise, da busca <strong>de</strong> uma compreensão do mundo e <strong>de</strong><br />
si mesmo que transcenda os limites puramente intelectivos 9 .<br />
Muito <strong>em</strong>bora <strong>de</strong>screva com admirável riqueza <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>talhes Galta e "seu poeirento caminho", o narrador <strong>de</strong>ixa-nos<br />
perplexos e fort<strong>em</strong>ente inclinados a pensar <strong>em</strong> Galta como metáfora ou<br />
como pretexto, uma vez que, assumindo os riscos <strong>de</strong> sua escolha, lançase<br />
no mundo incognoscível das idéias, ou melhor, da reflexão sobre as<br />
idéias para, através <strong>de</strong> uma experiência visceral com a palavra, tentar<br />
assegurar-lhes a existência. Mesmo assim a dúvida permanece: Galta é<br />
metáfora <strong>de</strong> quê? Por que o narrador usaria Galta como pretexto para<br />
expressar suas preocupações com um mundo que ele mesmo reconhece<br />
incomensurável, inapreensível? A chance <strong>de</strong> obtermos essas respostas<br />
está no próprio texto e se configura através <strong>de</strong> uma atitu<strong>de</strong> necessária,<br />
quase impositiva - a atitu<strong>de</strong> da reflexão 10 .<br />
3.2. segunda mirada<br />
9 Em Salvo o nome, quando Jacques Derrida trata dos procedimentos da Teologia<br />
Negativa, ele faz referência à escolha <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado "caminho". De acordo com a<br />
sua argumentação, quanto mais contradições e aporias tiver esse caminho, mais se<br />
vislumbrará, como possibilida<strong>de</strong>, um encontro do indivíduo com a sua essência.<br />
10 A atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> reflexão, i<strong>de</strong>ntificada no texto como uma "quase imposição", correspon<strong>de</strong><br />
a antiquíssimos procedimentos <strong>de</strong> escolas filosóficas, sobretudo as orientais, que<br />
<strong>de</strong>senvolveram métodos eficientes <strong>de</strong> compreensão das realida<strong>de</strong>s interna e externa.<br />
Mediante um processo minucioso <strong>de</strong> observação, análise, cont<strong>em</strong>plação (e aqui vale<br />
l<strong>em</strong>brar que cont<strong>em</strong>plação para os antigos significava uma ação extr<strong>em</strong>amente<br />
dinâmica <strong>de</strong> interação entre o observador e o objeto observado), o praticante ou o autor<br />
da reflexão alcançava a visão da unida<strong>de</strong> na multiplicida<strong>de</strong>.
111<br />
A segunda mirada, <strong>em</strong> O Mono Gramático, já implica<br />
uma tentativa <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> seus el<strong>em</strong>entos constitutivos. Nas<br />
pegadas do narrador, o leitor é, praticamente, obrigado a se localizar <strong>em</strong><br />
face <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> infinitamente múltipla e paradoxal que vai se<br />
<strong>de</strong>scortinando a cada registro <strong>de</strong> percepções e <strong>de</strong> sensações do<br />
caminho.<br />
Classificada como uma "pseudo-novela" 11 , O Mono<br />
Gramático é uma obra <strong>de</strong> caráter <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente filosófico e revela, <strong>em</strong><br />
seus vinte e nove capítulos 12 (ou partes), a experiência profunda <strong>de</strong> um<br />
"eu" que observa outros "eus" e o outro (ou os outros?), <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um<br />
contexto que sintetiza a visão <strong>de</strong> um narrador ciente <strong>de</strong> suas limitações.<br />
As infinitas realida<strong>de</strong>s se multiplicam, transformam-se, se<br />
perpassam, interpenetram-se, formando um leque e oferecendo, como<br />
possibilida<strong>de</strong>, uma imag<strong>em</strong> do hom<strong>em</strong> e do mundo que é, ao mesmo<br />
t<strong>em</strong>po, simples e complexa. Enten<strong>de</strong>r esse paradoxo é o mesmo<br />
11 A terminologia "pseudo-novela" aplicada à obra O Mono Gramático <strong>de</strong>ve-se a uma<br />
tentativa da crítica <strong>em</strong> classificá-la. A palavra "pseudo" v<strong>em</strong> antes <strong>de</strong> "novela" para<br />
justificar a diferente caracterização do gênero; os vários relatos não narram "histórias",<br />
mas as experiências interna e externa do narrador.<br />
12 Aqui a palavra "capítulos" não t<strong>em</strong> a mesma significação <strong>de</strong> uma divisão estanque e<br />
<strong>de</strong>sconectada com o restante da narrativa; "capítulos" aqui significa "etapas", no caso,<br />
etapas da consciência do narrador que vão sendo vencidas mediante os diferentes<br />
estados <strong>de</strong> percepção da realida<strong>de</strong> e do seu conseqüente registro.
112<br />
que enten<strong>de</strong>r o objetivo do caminho - não o do narrador, que cuida da<br />
sua própria experiência - mas, daquele que mergulha <strong>em</strong> todos os<br />
"agenciamentos" 13 promovidos pelo próprio texto. O primeiro <strong>de</strong>les po<strong>de</strong><br />
ser encontrado logo no início da narrativa, quando o narrador diz:<br />
O melhor será escolher o caminho <strong>de</strong> Galta,<br />
percorrê-lo <strong>de</strong> novo (inventá-lo à medida que o<br />
percorro) e s<strong>em</strong> perceber, quase insensivelmente, ir<br />
até o fim - s<strong>em</strong> me preocupar <strong>em</strong> saber o que eu<br />
quis dizer ir até o "fim", n<strong>em</strong> o que eu quis dizer ao<br />
escrever essa frase 14 .<br />
No primeiro capítulo, a primeira fala do narrador revela<br />
uma convicção que logo se <strong>de</strong>svanece e se transforma <strong>em</strong> uma onda <strong>de</strong><br />
negativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconcertante para o leitor que busca o início <strong>de</strong> uma<br />
"história". O texto não t<strong>em</strong> história, ou melhor, a história do texto é a<br />
história <strong>de</strong> uma experiência pessoal, no caso, a do narrador, com a<br />
palavra.<br />
A linguag<strong>em</strong>, ao invés <strong>de</strong> linhas <strong>de</strong> articulação ou <strong>de</strong><br />
segmentarida<strong>de</strong>, utilizando a terminologia <strong>de</strong> Deleuze e Guattari, produz<br />
linhas <strong>de</strong> fuga e movimentos contínuos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sterritorialização e<br />
13 Gilles Deleuze e Félix Guattari <strong>em</strong> Mil mesetas: capitalismo y esquizofrenia utilizam a<br />
terminologia "agenciamento" para <strong>de</strong>signar um estado <strong>de</strong> variação constante da<br />
linguag<strong>em</strong> que, <strong>em</strong> conseqüência, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia um processo associativo in<strong>de</strong>finido e<br />
ilimitado.<br />
14 PAZ, O. , O Mono Gramático, p. 11.
113<br />
<strong>de</strong>sestratificação 15 , como d<strong>em</strong>onstram suas reflexões sobre os<br />
acontecimentos do caminho. Galta não é metáfora, é rizoma 16 ; é um<br />
canal que constitui todo um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> relações, permitindo uma<br />
conexão (ou várias?) entre realida<strong>de</strong>s distintas; é um meio por on<strong>de</strong><br />
transitam todos os <strong>de</strong>sejos, <strong>em</strong>oções, sensações, pensamentos e "s<strong>em</strong>ipensamentos".<br />
A velocida<strong>de</strong> com que esses acontecimentos aportam à<br />
percepção e à sensibilida<strong>de</strong> do narrador é contida pela representação<br />
possível - a linguag<strong>em</strong>. No entanto, a linguag<strong>em</strong> é cheia <strong>de</strong><br />
"armadilhas" 17 , como adverte o próprio narrador.<br />
Enquanto caminha, o narrador mergulha nos labirintos da<br />
mente e conclui que o fim não existe; só existe o caminho; o caminho é o<br />
fim, não exatamente o caminho <strong>de</strong> Galta, mas o caminho da<br />
aprendizag<strong>em</strong> contínua, da reflexão que produz diferentes estados <strong>de</strong><br />
consciência. Mesmo reconhecendo a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> existir um fim,<br />
ele admite:<br />
15 As palavras "<strong>de</strong>sterritorialização e <strong>de</strong>sestratificação" utilizadas por Deleuze e Guattari<br />
<strong>em</strong> Mil mesetas: capitalismo y esquisofrenia, pod<strong>em</strong> ser compreendidas no sentido<br />
dicionarizado. Aplicadas às suas reflexões sobre o que é um livro e quais são suas<br />
funções, a <strong>de</strong>sterritorialização e a <strong>de</strong>sestratificação são procedimentos que resultam<br />
nos "agenciamentos". p. 10-11.<br />
16 Deleuze e Guattari <strong>de</strong>fin<strong>em</strong> rizoma como procedimento lingüístico que visa abarcar a<br />
multiplicida<strong>de</strong>. Fazendo uma comparação com a lógica da árvore, o rizoma é o mapa e<br />
a árvore é o cálculo. O mapa "...no reproduce un inconsciente cerrado sobre si mismo,<br />
lo construye. Contribuye a la conexión <strong>de</strong> los campos, al <strong>de</strong>sbloqueo <strong>de</strong> los corpos sin<br />
órganos, a su máxima apertura en el plan <strong>de</strong> consistencia. (...) El mapa es abierto,<br />
conectable en todas sus dimensiones, <strong>de</strong>smontable, alterable, susceptible <strong>de</strong> recibir<br />
constant<strong>em</strong>ente modificaciones. Pue<strong>de</strong> ser roto, alterado, adaptarse a distintos<br />
montajes, iniciado por um individuo, um grupo, una formación social. Pue<strong>de</strong> dibujarse<br />
en el pare<strong>de</strong>, concebirse como una obra <strong>de</strong> arte, construirse como una acción política o<br />
como una meditación". Mil mesetas: capitalismo y esquisofrenia. p. 18.<br />
17 PAZ, O., O Mono gramático, p. 11.
114<br />
S<strong>em</strong> esse fim que constant<strong>em</strong>ente nos ilu<strong>de</strong>,<br />
n<strong>em</strong> caminharíamos n<strong>em</strong> haveria caminhos. Mas o<br />
fim é a refutação e a con<strong>de</strong>nação do caminho: no<br />
fim o caminho se dissolve, o encontro se dissipa. E<br />
o fim - também se dissipa 18 .<br />
A profundida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa reflexão assinala um dos<br />
el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> repetição mais importantes da narrativa - o T<strong>em</strong>po. No<br />
T<strong>em</strong>po, os signos constro<strong>em</strong> realida<strong>de</strong>s na tentativa <strong>de</strong> preencher a<br />
incognoscível ausência, o silêncio sugerido pelo próprio signo entre uma<br />
frase e outra ou entre um registro e outro. Como <strong>em</strong> uma escala musical,<br />
não oci<strong>de</strong>ntal, o T<strong>em</strong>po se apresenta, <strong>em</strong> compassos assimétricos,<br />
marcando, <strong>de</strong>ntro da irregularida<strong>de</strong>, a própria regularida<strong>de</strong> 19 .<br />
À primeira vista, regularida<strong>de</strong> implica submissão às<br />
regras (ou à Regra) 20 ; manutenção do hábito; significa também<br />
permanência, ou seja, o oposto daquilo que é oferecido ao hom<strong>em</strong>, ao<br />
ser existente - a irregularida<strong>de</strong>, a impermanência. A busca do fim e a<br />
impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alcançá-lo, porque ele constant<strong>em</strong>ente se dissipa,<br />
18 PAZ, O., O Monogrático, p. 11-12.<br />
19 A relação do T<strong>em</strong>po <strong>em</strong> O Mono Gramático, com a escala musical do oriente se<br />
justifica pelos movimentos conjunção/disjunção, simetria/assimetria presentes <strong>em</strong><br />
ambos.<br />
20 A palavra "Regra" aparece com letras maiúsculas porque se refere à Regra Superior,<br />
Divina e, por isso mesmo, perfeita.
115<br />
abr<strong>em</strong>, portanto, um espaço para que se manifeste o duplo, o ambíguo, o<br />
contraditório, o inusitado e o simultâneo 21 . O fim do caminho é a<br />
transcendência dos pares <strong>de</strong> opostos; é a percepção e a convivência<br />
com a multiplicida<strong>de</strong> - é a Convergência.<br />
O narrador procura obstinadamente essa experiência e,<br />
por esse motivo, ele está s<strong>em</strong>pre recomeçando: "Voltar a caminhar, ir <strong>de</strong><br />
novo ao encontro..." 22 . Do ponto <strong>de</strong> vista das experiências do narrador<br />
que é o próprio autor, i<strong>de</strong>ntificamos que esse encontro se realiza na<br />
busca <strong>de</strong> correspondências da sua compreensão do mundo, via palavra,<br />
com as artes visuais, sobretudo com aquelas que, a partir do século XX,<br />
incorporam uma nova concepção da relação movimento/estaticida<strong>de</strong>.<br />
A reprodução fotográfica do quadro <strong>de</strong> Paul Cézanne<br />
(Fig. 2), Árvore formando arcos, é um dos ex<strong>em</strong>plos da inter-relação<br />
literatura/pintura 23 . As palavras invad<strong>em</strong> a pintura e a pintura inva<strong>de</strong> as<br />
palavras confirmando as novas tendências da arte mo<strong>de</strong>rna. A forma não<br />
captada <strong>em</strong> sua totalida<strong>de</strong> pela imprecisão da palavra é reproduzida na<br />
tela que exibe, através <strong>de</strong> uma superposição <strong>de</strong> cores, traços, ângulos,<br />
21 A simultaneida<strong>de</strong> é um dos el<strong>em</strong>entos imprescindíveis à concepção <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.<br />
Enquanto narra a sua trajetória até as ruínas <strong>de</strong> Galta, o narrador, ao registrar todos os<br />
acontecimentos, cria uma atmosfera <strong>de</strong> convergência na medida <strong>em</strong> que tudo acontece<br />
a um só t<strong>em</strong>po; <strong>em</strong> outras palavras, cria a sensação e fortes impressões da<br />
simultaneida<strong>de</strong>.<br />
22 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 12.<br />
23 A palavra na obra <strong>de</strong> Octavio Paz e, sobretudo, <strong>em</strong> O Mono Gramático, per<strong>de</strong> o seu<br />
caráter puramente figurativo, na medida <strong>em</strong> que a " A forma retórica é uma superfície,<br />
<strong>de</strong>limitada pelas duas linhas, a do significante presente e a do significado ausente"<br />
(GENETTE, Figuras, p.202). A "ausência" sugerida pelo próprio signo promove, através<br />
das reproduções fotográficas, uma apreensão simultânea das diferentes realida<strong>de</strong>s.
116<br />
folhas, troncos e, ao fundo, um espaço in<strong>de</strong>finido 24 , que também alu<strong>de</strong><br />
ao caminho procurado pelo narrador, uma imag<strong>em</strong>. Do mesmo modo, a<br />
in<strong>de</strong>finição do quadro como objeto, que n<strong>em</strong> é real e n<strong>em</strong> é imaginário,<br />
encontra nas palavras um sentido que não é único mas plural 25 .<br />
A apreensão da imag<strong>em</strong> do quadro <strong>de</strong> Cézanne, no<br />
início do segundo capítulo <strong>de</strong> O Mono Gramático, apresenta-se <strong>em</strong><br />
conexão com a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> uma paisag<strong>em</strong> que está a uns duzentos<br />
metros do narrador. O momento é <strong>de</strong> cont<strong>em</strong>plação 26<br />
e <strong>de</strong> reflexão<br />
sobre a natueza das coisas "...tudo está <strong>em</strong>penhado <strong>em</strong> ser, só ser" 27 . O<br />
mundo das coisas e das impressões <strong>de</strong>ixadas pelas coisas não<br />
correspon<strong>de</strong> à coisa <strong>em</strong> si e, sendo assim: "Não é lícito projetar nossos<br />
sentimentos nas coisas n<strong>em</strong> lhes atribuir nossas sensações e paixões.<br />
Tampouco o será reconhecer nelas um guia, um projeto <strong>de</strong> vida?" 28 .<br />
Se o mundo das coisas não nos assegura a realização<br />
<strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> vida, <strong>em</strong> que <strong>de</strong>veríamos nos fixar ou o que<br />
<strong>de</strong>veríamos estabelecer como fim? Está é, s<strong>em</strong> dúvida nenhuma, a<br />
24 Ao espaço in<strong>de</strong>finido do quadro <strong>de</strong> Cézanne, atribuí-se a sua preocupação <strong>em</strong><br />
representar uma "visão" também s<strong>em</strong>pre mais além.<br />
25 A propósito da relação pintura/linguag<strong>em</strong>, Barthes <strong>em</strong> O óbvio e o obtuso esclarece:<br />
"...a imag<strong>em</strong> não é a expressão <strong>de</strong> um código, é variação <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong><br />
codificação: não é o <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> um sist<strong>em</strong>a , e sim geração <strong>de</strong> sist<strong>em</strong>as". p.136.<br />
26 A palavra "cont<strong>em</strong>plação", <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos r<strong>em</strong>otos, tinha uma significação distinta da que<br />
se t<strong>em</strong> hoje, sobretudo no Oci<strong>de</strong>nte. Ao contrário <strong>de</strong> uma ação passiva, a cont<strong>em</strong>plação<br />
para os orientais significava uma ação <strong>de</strong> completa interação entre aquele que<br />
cont<strong>em</strong>plava e aquilo ou aquele que era objeto da cont<strong>em</strong>plação.<br />
27 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 19.<br />
28 Ibid<strong>em</strong>, p. 15-16.
117<br />
indagação do leitor que acompanha os <strong>de</strong>sdobramentos do objetivo<br />
principal <strong>de</strong>sse e <strong>de</strong> outros capítulos - <strong>de</strong>scobrir a natureza das coisas<br />
para além dos nomes. O narrador t<strong>em</strong>, para si mesmo, uma expectativa:<br />
"...apren<strong>de</strong>r a arte da imobilida<strong>de</strong> na agitação do torvelinho 29 , apren<strong>de</strong>r a<br />
ficar quieto e a ser transparente como essa luz fixa no meio das<br />
folhagens frenéticas - po<strong>de</strong> ser um projeto <strong>de</strong> vida" 30 .<br />
Consi<strong>de</strong>rando a data <strong>de</strong> publicação <strong>de</strong> O Mono<br />
Gramático, 1974, atribui-se às reflexões do narrador o propósito <strong>de</strong><br />
realizar no plano da arte literária o conceito <strong>de</strong> convergência. A "arte da<br />
imobilida<strong>de</strong> na agitação do torvelinho" é o resultado prático <strong>de</strong> uma<br />
postura calcada <strong>em</strong> uma observação profunda das infinitas<br />
manifestações da natureza da Natureza e da natureza humana,<br />
consi<strong>de</strong>radas símiles da Natureza do Absoluto. A experiência da<br />
convergência é a prova da imensa similitu<strong>de</strong> que engendra os planos da<br />
existência individual e da existência cósmica.<br />
No terceiro capítulo, uma fotografia <strong>de</strong> Eusebio Rojas<br />
mostra a colina <strong>de</strong> Galta (Fig.3). As idéias <strong>de</strong> impermanência, trânsito e<br />
passag<strong>em</strong> são reforçadas pela imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>solação e pela própria<br />
<strong>de</strong>scrição do narrador que, no início, fala <strong>em</strong> "turbilhões <strong>de</strong> poeira",<br />
29 Nesse capítulo a palavra "torvelinho" aparece com muita freqüência, não só para<br />
<strong>de</strong>screver as colinas <strong>de</strong> Galta "aplainadas pelo vento", mas para <strong>de</strong>signar a ativida<strong>de</strong><br />
mental do narrador que é intensa e quase incontrolável, como <strong>em</strong> um torvelinho.<br />
30 Ibid<strong>em</strong>., p. 16.
118<br />
"torvelinhos", "erosão"; <strong>de</strong>pois fala <strong>em</strong> "tapetes <strong>de</strong> areia fina sobre os<br />
quais os meninos e o vento vão rolar" 31 .<br />
A idéia <strong>de</strong> "luz fixa" que se sobrepõe a todos os trânsitos,<br />
por um lado, r<strong>em</strong>ete-nos a uma reflexão filosófica <strong>de</strong> tradição Védica: a<br />
"luz fixa" é o "Gran<strong>de</strong> Olho" retratado simbolicamente no Atarva Veda; é<br />
o T<strong>em</strong>po Absoluto, imutável e imperecedouro; por outro lado, é apenas<br />
exercício <strong>de</strong> retórica. Ciente das limitações do signo lingüístico que não<br />
transpõe o abismo existente entre o objeto percebido, e o objeto<br />
representado através <strong>de</strong> uma forma - a palavra -, <strong>em</strong> um certo sentido,<br />
precária porque não consegue abarcar a totalida<strong>de</strong> da coisa <strong>em</strong> si, o<br />
narrador <strong>em</strong> seguida adverte: "A fixi<strong>de</strong>z é s<strong>em</strong>pre momentânea"; é um<br />
equilíbrio perfeito que dura apenas um instante - o instante do trânsito<br />
que se <strong>de</strong>svanece e, por isso mesmo, é trânsito" 32 .<br />
Essa e muitas outras reflexões sobre<br />
permanência/impermanência,<br />
mobilida<strong>de</strong>/imobilida<strong>de</strong>,<br />
fixi<strong>de</strong>z/momentaneida<strong>de</strong>, suger<strong>em</strong> uma avaliação profunda sobre o<br />
conhecimento acerca do T<strong>em</strong>po . Nesse sentido, a doutrina budista com<br />
sua complexa Teoria da Momentaneida<strong>de</strong> 33 v<strong>em</strong> à tona e apresenta<br />
31 Ibid<strong>em</strong>, p. 22.<br />
32 Trânsito aqui po<strong>de</strong> ser compreendido como passag<strong>em</strong> <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> a outra. O<br />
instante do trânsito é o instante da percepção, <strong>em</strong> que as realida<strong>de</strong>s objetiva e subjetiva<br />
se compenetram, formando uma única realida<strong>de</strong>.<br />
33 A Teoria da Momentaneida<strong>de</strong> é <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> budista e afirma a absoluta impermanência<br />
<strong>de</strong> todas as coisas. Tudo que existe é resultado <strong>de</strong> uma ilusória noção <strong>de</strong> permanência<br />
ocasionada pelas contínuas combinações e aglomerações <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos da existência<br />
(Dharmas), que proporcionam uma falsa idéia <strong>de</strong> permanência e unida<strong>de</strong> das coisas,<br />
inclusive <strong>de</strong> uma alma (ego).
119<br />
uma concepção <strong>de</strong> T<strong>em</strong>po como um fluir constante <strong>de</strong> energias que se<br />
multiplicam, perpassam-se, interpenetram-se, criando coisas que se<br />
metamorfoseiam incessant<strong>em</strong>ente, infinitamente.<br />
Esse T<strong>em</strong>po não t<strong>em</strong> começo n<strong>em</strong> fim, assim como não<br />
t<strong>em</strong> fim a corrente <strong>de</strong> pensamentos que vão e vêm à mente do narrador,<br />
<strong>em</strong> ziguezague, cobrando existência e reunindo passado, presente e<br />
futuro <strong>em</strong> um eterno "agora". A m<strong>em</strong>ória é responsável pela<br />
presentificação <strong>de</strong> experiências que aconteceram <strong>em</strong> um t<strong>em</strong>po e <strong>em</strong> um<br />
espaço que não são os mesmos da escritura. As experiências são os<br />
pensamentos, tanto é assim que o narrador afirma: "...apesar <strong>de</strong> não vêlos,<br />
sinto que estão aqui <strong>de</strong> novo e esperam ser nomeados" 34 .<br />
Em seguida, a atenção do narrador volta-se para<br />
especulações acerca dos signos e <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> representação<br />
<strong>em</strong> termos <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong>. Ele pensa <strong>em</strong> Galta e, na medida <strong>em</strong> que os<br />
pensamentos exig<strong>em</strong> uma nomeação e ele a faz, Galta existe. O nome é<br />
uma iminência <strong>de</strong> presença que surgirá e, <strong>em</strong> seguida, também<br />
<strong>de</strong>saparecerá. Ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que ele afirma a existência <strong>de</strong> Galta<br />
porque ele pensa e pronuncia seu nome, "...Galta não está aqui: ela me<br />
aguarda no final <strong>de</strong>sta frase. Ela me aguarda para <strong>de</strong>saparecer" 35 .<br />
O instante <strong>em</strong> que Galta surge à mente do narrador e se<br />
transforma <strong>em</strong> realida<strong>de</strong>, por causa do nome, é também o momento do<br />
trânsito, ou seja, é o momento <strong>em</strong> que ele mergulha <strong>em</strong> todas as<br />
34 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 17.
120<br />
sensações causadas pelas imagens que brotam dos pensamentos. Para<br />
adquirir existência, o narrador nomeia tudo que sente, tudo que vê e<br />
compara o ato <strong>de</strong> escrever a uma cerimônia: "Isto que escrevo é também<br />
uma cerimônia, rodopio <strong>de</strong> uma palavra que aparece e <strong>de</strong>saparece <strong>em</strong><br />
seus giros. Construo torres <strong>de</strong> ar" 36 .<br />
No transcorrer <strong>de</strong> toda narrativa, a relação <strong>de</strong> Octavio<br />
Paz com a palavra ocorre <strong>de</strong> modo a alcançar a transcendência do signo<br />
lingüístico limitado e limitador <strong>de</strong> um processo mental que rompe com as<br />
fronteiras do inconsciente, da irrealida<strong>de</strong> e da irreversibilida<strong>de</strong> do T<strong>em</strong>po<br />
para se lançar na busca do silêncio ou do não-signo. É função do poeta<br />
ouvir com atenção o que diz o T<strong>em</strong>po, mesmo quando ele não diz<br />
nada 37 .<br />
A palavra, com todas as suas<br />
possibilida<strong>de</strong>s/impossibilida<strong>de</strong>s, promove a apreensão <strong>de</strong> mundos<br />
sensíveis à percepção comum e <strong>de</strong> outros mundos, magnificamente<br />
microscópicos, sinestésicos que, por isso mesmo, exig<strong>em</strong> maior atenção<br />
e sensibilida<strong>de</strong>. À <strong>de</strong>scrição minuciosa das colinas <strong>de</strong> Galta achatadas<br />
pelo vento e <strong>de</strong> todos os el<strong>em</strong>entos que compõ<strong>em</strong> aquela paisag<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>solação, segu<strong>em</strong>-se, no quarto capítulo, outras reflexões sobre a<br />
relação fixi<strong>de</strong>z/momentaneida<strong>de</strong>.<br />
A oposição entre movimento e imobilida<strong>de</strong> procura<br />
resgatar o sentido da relativida<strong>de</strong> da qual toda linguag<strong>em</strong> é revestida. A<br />
35 Ibid<strong>em</strong>, p. 17.
121<br />
frase que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia essas reflexões - "A fixi<strong>de</strong>z é s<strong>em</strong>pre<br />
momentanea" 38 - <strong>de</strong>nuncia através do advérbio "s<strong>em</strong>pre" um processo<br />
contínuo <strong>de</strong> incessantes transformações que atinge todas as épocas <strong>em</strong><br />
diferentes circunstâncias. O narrador questiona o objetivo da frase e<br />
conjectura acerca do objeto ou da essência <strong>de</strong> que é feita a linguag<strong>em</strong>.<br />
Finalmente, ele expõe a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse processo que busca "socavar" 39<br />
o texto, a frase, a palavra.<br />
Volto à minha observação inicial: por meio <strong>de</strong><br />
uma sucessão <strong>de</strong> análises pacientes e na direção<br />
contrária à ativida<strong>de</strong> normal do falante, cuja função<br />
consiste <strong>em</strong> produzir e construir frases, enquanto<br />
que aqui se trata <strong>de</strong> <strong>de</strong>smontá-las e <strong>de</strong>sacoplá-las -<br />
<strong>de</strong>sconstruí-las, digamos assim -, <strong>de</strong>veríamos<br />
r<strong>em</strong>ontar a corrente, <strong>de</strong>sandar o caminho e, <strong>de</strong><br />
expressão figurada <strong>em</strong> expressão figurada, chegar<br />
até a raiz, a palavra original, primordial, da qual<br />
todas as outras são metáforas 40 .<br />
Seguindo este procedimento, a palavra se <strong>de</strong>snuda,<br />
per<strong>de</strong> a sua função significante, uma vez que o significado está s<strong>em</strong>pre<br />
mais além. Se uma palavra é s<strong>em</strong>pre metáfora <strong>de</strong> outra, não existe<br />
36 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 18.<br />
37 Cf. PAZ, O., Signos <strong>em</strong> rotação, p. 122.<br />
38 A relação fixi<strong>de</strong>z/momentaneida<strong>de</strong> é a mesma que se estabelece entre o instante e o<br />
trânsito.<br />
39 A expressão "socavar" é utilizada por Rodolphe Gasché para <strong>de</strong>finir o papel da crítica<br />
<strong>de</strong>sconstrutivista. La dseconstrucción como crítica, In: Teoria literaria y <strong>de</strong>sconstrucción,<br />
p. 258.
122<br />
princípio, não existe palavra original, não existe fixi<strong>de</strong>z, a não ser aquela<br />
do instante <strong>em</strong> que o narrador constrói uma frase. Mesmo assim ele<br />
continua a registrar suas reflexões <strong>em</strong> um frenético solilóquio, cheio <strong>de</strong><br />
afirmações e <strong>de</strong> oposições que se anulam e reaparec<strong>em</strong>, tendo como<br />
resultado a mesma frase que <strong>de</strong>u orig<strong>em</strong> a todas as análises e reflexões<br />
anteriores - "a fixi<strong>de</strong>z é s<strong>em</strong>pre momentânea".<br />
Aqui, i<strong>de</strong>ntificamos no probl<strong>em</strong>a da repetição o eixo que<br />
dá sustentação à estrutura narrativa <strong>de</strong> O Mono Gramático. Do começo<br />
ao fim, os el<strong>em</strong>entos da prosa e da poesia tencionam a produção <strong>de</strong> um<br />
sentido s<strong>em</strong>pre cambiante. De um lado, o ritmo estabelecido pelos<br />
el<strong>em</strong>entos da poesia proporcionam o <strong>de</strong>senvolvimento da narrativa<br />
mediante a pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentidos atribuídos à palavra e <strong>de</strong> uma outra<br />
"voz", imperiosa, que, <strong>em</strong> silêncio, aponta para outros significados do<br />
além-signo; a cada repetição um novo ponto <strong>de</strong> reflexão e <strong>de</strong><br />
convergência é introduzido. Do outro, muito <strong>em</strong>bora não haja uma<br />
"história", no sentido tradicional, os el<strong>em</strong>entos da prosa atuam no texto,<br />
provendo a narrativa <strong>de</strong> acontecimentos que, por sua vez, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>iam<br />
outros acontecimentos através <strong>de</strong> um processo associativo incessante e<br />
in<strong>de</strong>finido.<br />
No quarto capítulo, o texto requisita o olhar. As<br />
reproduções fotográficas dos quadros <strong>de</strong> Sophie Täuber-Arp, Equilíbrio<br />
(Fig.4) e <strong>de</strong> Malcon Varon, Natalida<strong>de</strong> (Fig.5), retratando uma escultura<br />
40 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 24-25.
123<br />
<strong>de</strong> Joseph Cornell exib<strong>em</strong>, com bastante proprieda<strong>de</strong>, a fragilida<strong>de</strong> ou a<br />
sutileza que há por trás dos nomes. Em ambas, o probl<strong>em</strong>a da fixi<strong>de</strong>z e<br />
da momentaneida<strong>de</strong> encontra-se representado; a realização do equilíbrio<br />
e da natalida<strong>de</strong> está por um fio; qualquer movimento ou qualquer "sopro"<br />
farão surgir uma nova imag<strong>em</strong> ou uma nova visão da realida<strong>de</strong> e, por<br />
conseguinte, concepções diferentes daquilo que <strong>de</strong>signam seus nomes.<br />
Nas duas obras, encontramos a representação plástica<br />
do t<strong>em</strong>a, objeto das gran<strong>de</strong>s especulações filosóficas e literárias: a<br />
criação. Tanto a natalida<strong>de</strong> como o equilíbrio, apresentam-se vinculados<br />
à instantaneida<strong>de</strong> que, por sua vez, traz implícita os conceitos <strong>de</strong><br />
conjugação e dissipação. Esses conceitos, basilares na compreensão da<br />
convergência, são também indissociáveis da concepção <strong>de</strong> T<strong>em</strong>po<br />
aceita e incorporada por Octavio Paz à sua produção literária e à sua<br />
vida 41 .<br />
Conjugação e dissipação são mecanismos do T<strong>em</strong>po<br />
que segue o seu incessante fluxo <strong>em</strong> espiral e, por esse motivo, é<br />
também cíclico. A cada novo ciclo o acumúlo <strong>de</strong> experiências resulta na<br />
ampliação da m<strong>em</strong>ória individual e da m<strong>em</strong>ória universal, cósmica. A<br />
m<strong>em</strong>ória individual sofre intervalos (mortes) e repetições (nascimentos),<br />
s<strong>em</strong>pre acrescida <strong>de</strong> novas experiências; do mesmo modo a m<strong>em</strong>ória<br />
cósmica segue reintegrando, dissipando e transformando infinitamente e<br />
41 Em Vislumbres <strong>de</strong> la Índia, Octavio Paz reafirma muitas convicções que foram<br />
incorporadas à sua produção literária e à sua vida; uma <strong>de</strong>las diz respeito ao T<strong>em</strong>po.
124<br />
<strong>em</strong> níveis ainda inimagináveis, pela ciência e pelo hom<strong>em</strong> mo<strong>de</strong>rno,<br />
matéria e energia.<br />
Transcen<strong>de</strong>ndo os movimentos <strong>de</strong><br />
conjugação/dissipação está o T<strong>em</strong>po Absoluto, aquele do qual trata o<br />
Atarva Veda: "... O T<strong>em</strong>po criou a terra, no T<strong>em</strong>po o sol ar<strong>de</strong>. No T<strong>em</strong>po<br />
estão todos os seres, no T<strong>em</strong>po o olho cont<strong>em</strong>pla o exterior" (XIX-53-<br />
6) 42 . Esse conceito, apesar <strong>de</strong> sintético, r<strong>em</strong>ete-nos à simbologia do<br />
"Gran<strong>de</strong> Olho" 43 que, longe da mística e da religiosida<strong>de</strong> que impregnam<br />
toda tradição filosófica oriental, sobretudo hindu, procura explicar a<br />
"Causa" ou "Princípio Único" 44 <strong>de</strong> todas as manifestações.<br />
Do mesmo modo que tudo se dissipa, tudo volta,<br />
ressurge e exige um recomeço. Se o objetivo é um fim que não existe, o<br />
caminho a ser trilhado <strong>de</strong>ve visar apenas à experiência <strong>de</strong> todos seus<br />
"agenciamentos". O narrador permanece atento e, <strong>de</strong>sta feita, o espaço<br />
externo das ruínas <strong>de</strong> Galta é o ponto <strong>de</strong> partida para suas observações.<br />
No quinto capítulo, a figura <strong>de</strong> Hanumãn aparece<br />
associada às ruínas <strong>de</strong> Galta: primeiro, através <strong>de</strong> uma reprodução<br />
fotográfica <strong>de</strong> Eusebio Rojas (Fig.6), <strong>em</strong> uma escultura <strong>de</strong> pedra no oco<br />
42 Atarva Veda, p. 782.<br />
43 Em O Mono Gramático, Octavio Paz, na insistente referência a uma luz fixa que se<br />
sobrepõe a todo movimento, alu<strong>de</strong> ao "Gran<strong>de</strong> Olho", ou seja, ao T<strong>em</strong>po Absoluto que<br />
tudo compenetra e transcen<strong>de</strong>.<br />
44 A "Causa", ou "Princípio Único", é também conhecida como "Princípio <strong>de</strong> Vida" que<br />
representa a noção mais antiga da orig<strong>em</strong> da vida. Pod<strong>em</strong>os extraí-lo da concepção<br />
Viraj do Purusha Sukta do Rig Veda, passando pela concepção <strong>de</strong> Prãjãpati (também<br />
conhecido como o Senhor das Criaturas) dos Brahamanas e pelas concepções <strong>de</strong><br />
Hiranyagarbha (o ovo cósmico) e Brahamã dos Upanishads. Cosmologicamente é o<br />
Logos ou a Mônada <strong>de</strong> nossa filosofia oci<strong>de</strong>ntal. Subjetivamente é concebido como<br />
Atman (Ser Interno), fonte <strong>de</strong> toda vida psicovital.
125<br />
<strong>de</strong> uma árvore, sendo adorado por seis cabeças <strong>de</strong> cobras, também <strong>em</strong><br />
pedra; <strong>de</strong>pois, o narrador <strong>de</strong>screve a sua visão <strong>de</strong> uma outra imag<strong>em</strong> do<br />
"macaco-perfeito", o "nono gramático", eternizado <strong>em</strong> uma outra pedra<br />
<strong>de</strong> uns quarenta centímetros <strong>de</strong> altura; sua forma l<strong>em</strong>bra vagamente<br />
uma figura humana. As imagens e os símbolos vão se tornando<br />
contu<strong>de</strong>ntes e a imag<strong>em</strong> do Mono li<strong>de</strong>ra todas as repetições.<br />
Com palavras, o narrador recria as imagens flagradas<br />
pela câmara fotográfica <strong>de</strong> Eusebio Rojas: o Palácio <strong>de</strong> Galta (Fig.7), <strong>em</strong><br />
seguida, a piscina <strong>de</strong> seu Santuário (Fig.8). Tudo é <strong>de</strong>smoronamento,<br />
<strong>de</strong>solação e, no entanto, o narrador continua percorrendo todos as<br />
veredas com o mesmo interesse e com a mesma motivação <strong>de</strong> qu<strong>em</strong><br />
aguarda o inesperado: a revelação ou a <strong>de</strong>cifração <strong>de</strong> todos os enigmas<br />
aprisionados no T<strong>em</strong>po e nos t<strong>em</strong>plos ruinosos <strong>de</strong> Galta.<br />
Acompanhar o registro contínuo das ativida<strong>de</strong>s física e<br />
mental do narrador leva o leitor à exaustão. Mesmo diante das repetições<br />
ele sabe que um estado <strong>de</strong> atenção permanente significa o primeiro<br />
passo para tentar compreen<strong>de</strong>r o verda<strong>de</strong>iro significado das experiências<br />
que a narrativa, através da palavra e das reproduções fotográficas,<br />
consegue agenciar" 45 . Sendo assim, dos maiores aos menores indícios,<br />
45 Mais uma vez retomamos o conceito <strong>de</strong> "agenciamento" <strong>de</strong> Deleuze e Guattari, <strong>de</strong>sta<br />
feita aplicado, objetivamente, à escritura. Em Mil mesetas: capitalismo y esquisofrenia,<br />
eles diz<strong>em</strong>: "Escribir no tiene nada que ver con significar, sino con <strong>de</strong>slindar,<br />
cartografar, incluso futuros parajes". p. 11.
126<br />
t<strong>em</strong>-se um universo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s da vida 46 que flui <strong>em</strong><br />
concomitância com um T<strong>em</strong>po.<br />
A fotografia <strong>de</strong> Eusebio Rojas <strong>de</strong> uma gigantesca<br />
escultura <strong>de</strong> Hanumãn (Fig. 9) confirma essas infinitas possibilida<strong>de</strong>s. A<br />
enorme rocha l<strong>em</strong>bra muito mais um falo - o símbolo da fecundida<strong>de</strong> da<br />
natureza e, por isso mesmo adorado pelos antigos -, do que<br />
propriamente as formas do Gran<strong>de</strong> Mono.<br />
Como tudo no universo possui o seu duplo, o anverso e o<br />
reverso, ao lado da rocha ou <strong>de</strong> Hanumãn ou do "falo" existe uma fenda<br />
que l<strong>em</strong>bra o órgão sexual f<strong>em</strong>inino ou yoni. A idéia da recriação<br />
aparece, portanto, representada por uma imag<strong>em</strong> andrógina 47 ; ao<br />
contrário <strong>de</strong> dizer uma única coisa, diz várias. Convém, mais uma vez,<br />
l<strong>em</strong>brar o conceito <strong>de</strong> rizoma, uma vez que "fenda" é também lugar <strong>de</strong><br />
passag<strong>em</strong>, assim como "recriação" é passag<strong>em</strong>.<br />
A antiga esplanada dos Palácios <strong>de</strong> Galta, fotografada<br />
por Eusebio Rojas (Fig.10), é percorrida pelo narrador que penetra <strong>em</strong><br />
suas <strong>de</strong>pendências e <strong>de</strong>scobre sob os escombros o lado magnífico<br />
46 Aqui retomamos o conceito <strong>de</strong> "vida" encontrado na obra do Dr Zimmer, Mitos e<br />
símbolos na arte e civilização da Índia, já comentado no capítulo anterior.<br />
47 O simbolismo da androginia é muito antigo na Índia e t<strong>em</strong> por objetivo representar o<br />
processo <strong>de</strong> criação através da copulação - o que nos faz l<strong>em</strong>brar a teoria <strong>de</strong> Purusha<br />
(Consciência) e Prakriti (Matéria Primordial), cuja união produz os diferentes universos.<br />
A mais conhecida representação da androginia é Ardhanãrishwara, <strong>em</strong> que Shiva é<br />
representado como uma meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> hom<strong>em</strong>, sendo outra meta<strong>de</strong> mulher e que leva a<br />
cabo o processo <strong>de</strong> criação gerando Skanda (filho mais velho <strong>de</strong> Shiva; o mais novo é<br />
Ganesha). A meta<strong>de</strong> f<strong>em</strong>inina é consi<strong>de</strong>rada mais violenta, impulsiva e criativa que a<br />
meta<strong>de</strong> masculina. O capítulo III do Shatarudrasamhitã (Hino das c<strong>em</strong> formas <strong>de</strong><br />
Rudra, o mesmo Shiva) do Shiva Purana, trata <strong>de</strong>talhadamente <strong>de</strong>ssa forma simbólica<br />
<strong>de</strong> Shiva. Os Vishnuistas também têm seu símbolo andrógino através <strong>de</strong> Ardhanãri -<br />
Nãrãyana (Ardha=meta<strong>de</strong>; Nari=mulher; Nãrãyana=Senhor do mundo).
127<br />
daquela civilização que soube valorizar seus antepassados; eram sábios,<br />
seres divinos que foram imortalizados <strong>em</strong> gigantescas esculturas <strong>de</strong><br />
pedras, <strong>em</strong> narrativas sagradas e gloriosas, como é o caso <strong>de</strong> O<br />
Rãmãyana, ou <strong>em</strong> imensos painéis pintados com cores fortes, que<br />
<strong>de</strong>notam a convicção e a fé daquele povo <strong>em</strong> seus <strong>de</strong>uses. É um <strong>de</strong>sses<br />
painéis que arrebata o narrador e o faz mergulhar no T<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que o<br />
Gran<strong>de</strong> Mono realizava extraordinárias façanhas; é a sua primeira visão<br />
do Mono que provoca uma explosão (Pletora) e gera, <strong>em</strong> conseqüência,<br />
uma impressão da multiplicida<strong>de</strong>.<br />
A visão do Gran<strong>de</strong> Mono é cosmogônica, fun<strong>de</strong> todos os<br />
T<strong>em</strong>pos <strong>em</strong> apenas um, que é também único, aquele <strong>de</strong> que trata O<br />
Ramayana 48 . Nesse T<strong>em</strong>po a unida<strong>de</strong> existia como princípio da criação e<br />
Hanumãn simboliza o Gran<strong>de</strong> Diss<strong>em</strong>inador: "...as gotas <strong>de</strong> suor 49 que<br />
escorr<strong>em</strong> <strong>de</strong> seu corpo são uma po<strong>de</strong>rosa chuva que cai sobre milhões<br />
<strong>de</strong> matrizes marinhas e terrestres..." 50 . A androginia do Mono reflete,<br />
simbolicamente, a concepção da Orig<strong>em</strong> Primordial e projeta, no T<strong>em</strong>po,<br />
um perfil do hom<strong>em</strong> divino, Rama.<br />
Em seguida à explosão provocada pela visão do Mono,<br />
ocorre uma sobreposição <strong>de</strong> t<strong>em</strong>pos (o do narrador que <strong>de</strong>screve restos<br />
48 Em O Rãmãyana o T<strong>em</strong>po é o Gran<strong>de</strong> Senhor. A ele são atribuídas proprieda<strong>de</strong>s que<br />
se confund<strong>em</strong> com a própria noção da divinda<strong>de</strong>; é ele o Senhor <strong>de</strong> todos os<br />
nascimentos e mortes; o T<strong>em</strong>po é o Senhor do "trânsito"; o T<strong>em</strong>po é a própria imag<strong>em</strong><br />
da eternida<strong>de</strong>.<br />
49 Existe na Índia um outro simbolismo importante e que está relacionado com a<br />
criação: o simbolismo do suor. O suor é resultado da austerida<strong>de</strong> (Tapas), por isso<br />
representa o produto do po<strong>de</strong>r (esforço) criador. Além <strong>de</strong>sse mito citado na p.88 do<br />
Shatapata Brahamana, outros Brahamanas (<strong>Texto</strong>s Védicos) mencionam a criação do<br />
mundo através do suor resultante da austerida<strong>de</strong>.
128<br />
<strong>de</strong> um painel pintado há muitos anos e o da cena, propriamente dita, a<br />
que se reporta o painel), <strong>de</strong> espaços (Galta e Cambridge) e <strong>de</strong> planos.<br />
Há s<strong>em</strong>pre uma ord<strong>em</strong> superior, divina, compenetrando e interferindo na<br />
ord<strong>em</strong> humana. As "agregações" e "<strong>de</strong>sagregações", promovidas pelas<br />
imagens que estão <strong>em</strong> Galta e <strong>em</strong> Cambridge 51 , criam uma atmosfera <strong>de</strong><br />
convergência 52 . A partir daí o probl<strong>em</strong>a das repetições volta para<br />
reafirmar uma antiga teoria que orientou e, ainda hoje, orienta muitos<br />
princípios filosóficos e religiosos: a teoria das correspondências entre<br />
macro e microcosmo. No sexto capítulo, a fala do narrador é um<br />
solilóquio confuso que visa apreen<strong>de</strong>r a inter-relação <strong>de</strong>sses dois<br />
universos.<br />
As árvores repet<strong>em</strong> às árvores, as areias às<br />
areias, a selva <strong>de</strong> letras é repetição, o areal é<br />
repetição, a pletora é vazio, o vazio é pletora, repito<br />
as repetições, perdido no matagal <strong>de</strong> signos,<br />
errante pelo areal s<strong>em</strong> signos, manchas na pare<strong>de</strong><br />
sob este sol <strong>de</strong> Galta, manchas nesta tar<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Cambridge, matagal e areal, manchas diante <strong>de</strong><br />
mim que congregam e <strong>de</strong>sagregam paisagens<br />
incertas 53 .<br />
50 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 38-39.<br />
51 Não se po<strong>de</strong> afirmar com segurança a qual dos dois complexos universitários Paz faz<br />
referência quando menciona Cambridge. Po<strong>de</strong> ser tanto o complexo universitário dos<br />
Estados Unidos, cida<strong>de</strong> vizinha <strong>de</strong> Boston, on<strong>de</strong> se encontra a Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Harvard e o <strong>Instituto</strong> <strong>de</strong> Tecnologia <strong>de</strong> Massachusetts, ou na Inglaterra.<br />
52 No texto escrito a idéia <strong>de</strong> convergência está representada através dos pronomes<br />
d<strong>em</strong>onstrativos "este" ( ...sob este sol <strong>de</strong> Galta) e "nesta" (...nesta tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cambridge).
129<br />
A fotografia <strong>de</strong> Robert David (Fig.11), um nanquim <strong>de</strong><br />
Henri Michaux 54 - "manchas incertas", "matagal <strong>de</strong> signos", "areal s<strong>em</strong><br />
signos" plasmam uma realida<strong>de</strong> que po<strong>de</strong> ser interpretada como o<br />
negativo da fotografia <strong>de</strong> Lauros Giraudon (Fig.12) - O episódio <strong>de</strong> O<br />
Rãmãyana: o cerco <strong>de</strong> Lankã, logo abaixo. Todas as impressões<br />
resultam <strong>em</strong> d<strong>em</strong>olições: "É és sou: sou é és: és é sou. D<strong>em</strong>olições:<br />
<strong>de</strong>ito sobre minhas triturações, habito minhas d<strong>em</strong>olições" 55 .<br />
A outrida<strong>de</strong> e a consciência do processo do mundo<br />
resultam na recuperação <strong>de</strong> uma m<strong>em</strong>ória individual e <strong>de</strong> uma m<strong>em</strong>ória<br />
coletiva. As "d<strong>em</strong>olições", às quais o narrador faz referência, são, na<br />
verda<strong>de</strong>, as incontáveis civilizações que <strong>em</strong>ergiram no T<strong>em</strong>po e<br />
submergiram nele. Assim como suce<strong>de</strong>u a Ayodhya, Lankã e Galta,<br />
suce<strong>de</strong>rá a todas as d<strong>em</strong>ais civilizações. As "triturações", por sua vez,<br />
alud<strong>em</strong> às guerras, aos massacres e à luta incessante do hom<strong>em</strong> sob a<br />
face da terra, s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> um fim que se dissipa.<br />
A narrativa transcorre focalizando, repetições que têm,<br />
nas fotografias, suas correspondências ou que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>iam outras<br />
correspondências, como é o caso das reproduções <strong>de</strong> O Nu, <strong>de</strong> Isamu<br />
Noguchi (Fig.13) e da Ilustração para as iluminações <strong>de</strong> Rimbaud<br />
53 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 40.<br />
54 A pintura <strong>de</strong> Henri Michaux estabelece correspondências com a segunda categoria<br />
das artes plásticas <strong>de</strong> tradição tântrica. Isto porque, a predominância da metáfora<br />
converte o quadro <strong>em</strong> uma tatuag<strong>em</strong> que nos convida tanto a <strong>de</strong>cifrá-lo como a<br />
cont<strong>em</strong>plá-lo. Há uma intromissão do el<strong>em</strong>ento verbal na pintura, ou uma "profanação<br />
da pintura pelo signo".<br />
55 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 40.
130<br />
(Fig.14), <strong>de</strong> Max Walter Svanberg 56 . As impressões das realida<strong>de</strong>s<br />
sugeridas nessas duas obras conduz<strong>em</strong> o fluxo mental do narrador até à<br />
filha <strong>de</strong> Prãjãpati, Esplendor 57 :<br />
Esplendor, diz a lenda, é um ente sobrenatural, surge<br />
das sombras e vai ser fecundada pelas águas que, <strong>de</strong>ntro da concepção<br />
filosófica hindu, simboliza o el<strong>em</strong>ento da criação. A <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>sse ato<br />
exige do narrador um tratamento especial; a linguag<strong>em</strong> utilizada para<br />
esse fim é carregada <strong>de</strong> um erotismo mágico e transcen<strong>de</strong>nte. A<br />
realida<strong>de</strong> do mundo objetivo é subjugada <strong>em</strong> face <strong>de</strong> imagens<br />
transubstanciais.<br />
A água cor <strong>de</strong> sol molha seu pêlo e penetra<br />
entre os lábios da vulva. A língua morna da chama<br />
na umida<strong>de</strong> da vagina; a língua entra e apalpa às<br />
cegas as pare<strong>de</strong>s palpitantes. A água <strong>de</strong> muitos<br />
<strong>de</strong>dos abre as valvas e fricciona o obstinado botão<br />
erétil, escondido entre pregas escorregadias.<br />
Enlaçam-se e <strong>de</strong>senlaçam-se os reflexos, as<br />
chamas, as ondas. Sombras trêmulas sobre o<br />
espaço que respira como um animal, sombras <strong>de</strong><br />
uma borboleta dupla que abre, fecha, abre as asas.<br />
Nus. Sobre o corpo estendido <strong>de</strong> Esplendor sob<strong>em</strong><br />
e <strong>de</strong>sc<strong>em</strong> as ondas. Sombras <strong>de</strong> um animal<br />
56 Em vários ensaios Octavio Paz trata da influência das artes visuais e da sua relação<br />
com a literatura. Em Os filhos do barro e no ensaio Dois séculos <strong>de</strong> pintura norteamericana<br />
(1776-1971) ele fala do papel <strong>de</strong>ssas artes, sobretudo da pintura que, a partir<br />
do século XX, per<strong>de</strong>u completamente <strong>de</strong> vista os parâmetros clássicos e passou a<br />
procurar movimento, conexão, antes mesmo <strong>de</strong> qualquer significação.
131<br />
bebendo sombras entre as pernas abertas da<br />
mulher. A água: a sombra; a luz: o silêncio. A luz: a<br />
água: a sombra: o silêncio. O silêncio: a água; a luz:<br />
a sombra 58 .<br />
A recorrência ao erotismo encontra nas palavras do<br />
próprio Paz uma compreensão da sexualida<strong>de</strong> humana que é distinta<br />
dos animais: é transfiguração, transgressão, perversão, imaginação que<br />
resulta <strong>em</strong> rito, <strong>em</strong> teatro. A valorização da sexualida<strong>de</strong> implica uma<br />
valorização do erotismo. O fim do erotismo seria o "... fim <strong>de</strong> toda essa<br />
gama <strong>de</strong> sentimentos e sensações que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o neolítico, ou que talvez<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> antes, enriqueceu a sensibilida<strong>de</strong> e a imaginação dos homens e<br />
das mulheres" 59 .<br />
57 No sétimo capítulo, o narrador <strong>de</strong>screve a visão <strong>de</strong> Esplendor, a filha <strong>de</strong> Prãjãpati, o<br />
<strong>de</strong>us da criação, segundo registros do Satapatha Brahamana, II-4-3.<br />
58 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 44.<br />
59 Id<strong>em</strong>, Convergências, p. 75.
132<br />
Ao lado <strong>de</strong> imagens ou "torres <strong>de</strong> ar" que, a todo<br />
momento, forjam uma realida<strong>de</strong> quase inacessível ao hom<strong>em</strong> comum,<br />
uma fotografia <strong>de</strong> René Fuerst (Fig.15) mostra a floresta virg<strong>em</strong> da<br />
Amazônia brasileira.<br />
Se t<strong>em</strong>po e espaço são intercambiáveis, e se tudo não<br />
passa <strong>de</strong> uma constelação <strong>de</strong> signos, é compreensível que, logo <strong>em</strong><br />
seguida, o narrador se transporte para a Birmânia e comente sobre sua<br />
vegetação. A flora <strong>de</strong> uma quantida<strong>de</strong> enorme <strong>de</strong> países, incluindo o<br />
Brasil, e <strong>de</strong> seres extraordinários que conseguiram, na floresta,<br />
diferentes estados <strong>de</strong> realização - Buda e Hãnumãn - compõ<strong>em</strong> o<br />
cenário da multiplicida<strong>de</strong>. Finalmente, o narrador conclui: "...consegui<br />
reduzir o bosque a um catálogo" 60 .<br />
A idéia <strong>de</strong> redução ou <strong>de</strong> síntese v<strong>em</strong> <strong>de</strong> uma analogia<br />
entre o matagal <strong>de</strong> signos e a escolha <strong>de</strong> um caminho. A reprodução<br />
fotográfica <strong>de</strong> A floresta perfumada, <strong>de</strong> Max Ernst 61 (Fig.16), fechada,<br />
espessa, obscura e quase impenetrável, abre caminho para uma reflexão<br />
sobre a natureza dos signos. A relação mais imediata que se estabelece<br />
entre a imag<strong>em</strong> da floresta e os signos parte da conclusão a que chega o<br />
Gran<strong>de</strong> Mono sobre esse assunto:<br />
60 PAZ, O., Mono Gramático, p. 49.<br />
61 Em fevereiro <strong>de</strong> 1970, na Galeria Le Point Cardinal, Paris, Octavio Paz, no seu<br />
discurso <strong>de</strong> abertura da primeira exposição <strong>de</strong> arte tântrica no Oci<strong>de</strong>nte, comenta a<br />
atmosfera <strong>de</strong> convergência que predomina, sobretudo, no universo das artes. Muitas<br />
correspondências entre artistas plásticos, poetas mo<strong>de</strong>rnos e a arte tântrica são<br />
estabelecidas. O nome <strong>de</strong> Max Ernst é citado ao lado <strong>de</strong> Miró, Klee, Victor Brauner e<br />
Henri Michaux, autores <strong>de</strong> uma produção plástica que convida o observador à<br />
<strong>de</strong>cifração e à cont<strong>em</strong>plação da metáfora que é o próprio quadro. Essa característica,
133<br />
...a diferença entre a escritura humana e a divina<br />
resi<strong>de</strong> no fato <strong>de</strong> que o número <strong>de</strong> signos da<br />
primeira é limitado, enquanto que o da segunda é<br />
infinito: por isso o universo é um texto <strong>de</strong>sprovido<br />
<strong>de</strong> sentido, ilegível até mesmo para os <strong>de</strong>uses 62 .<br />
A ilegibilida<strong>de</strong> do universo é, portanto, uma <strong>de</strong>corrência<br />
das limitações <strong>de</strong> seu sist<strong>em</strong>a lingüístico. O signo não reproduz sua<br />
essência; o hom<strong>em</strong>, por sua vez, carente <strong>de</strong> essência se confun<strong>de</strong> na<br />
busca do não-signo.<br />
No nono capítulo, esse assunto adquire profundida<strong>de</strong> e<br />
expressão na fala do narrador que d<strong>em</strong>onstra claramente o seu objetivo:<br />
provar que a realida<strong>de</strong> além dos signos está fora do alcance do "nós"<br />
dos leitores e do "eu" do narrador.<br />
...nenhuma realida<strong>de</strong> é minha, nenhuma realida<strong>de</strong><br />
me (nos) pertence, todos viv<strong>em</strong>os <strong>em</strong> outra parte,<br />
além <strong>de</strong> on<strong>de</strong> estamos, todos somos uma realida<strong>de</strong><br />
distinta da palavra eu ou da palavra nós, nossa<br />
realida<strong>de</strong> mais íntima está fora <strong>de</strong> nós e não é<br />
nossa, n<strong>em</strong> é una mas plural, plural e instantânea,<br />
nós somos essa pluralida<strong>de</strong> que se dispersa, o eu é<br />
segundo Paz, já se encontra muito b<strong>em</strong> representada na segunda categoria das artes<br />
tântricas.<br />
62 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 49-50.
134<br />
talvez real, mas o eu não é eu n<strong>em</strong> tu n<strong>em</strong> ele, o eu<br />
não é meu n<strong>em</strong> teu... 63<br />
A outrida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sta feita, surge como el<strong>em</strong>ento clarificador<br />
da relação entre a realida<strong>de</strong> objetiva e a realida<strong>de</strong> dos signos. Esta<br />
última envolve a realida<strong>de</strong> do espírito, inapreensível e s<strong>em</strong>pre mais além<br />
da capacida<strong>de</strong> humana. Sendo assim, e, se nossa realida<strong>de</strong> é "plural e<br />
instantânea", a <strong>de</strong>si<strong>de</strong>ntificação do sujeito, como estratégia que<br />
viabilizará uma <strong>de</strong>cifração do universo sígnico, do hom<strong>em</strong> e do mundo,<br />
vislumbra, como possibilida<strong>de</strong>, a compreensão da natureza das coisas.<br />
Esse procedimento é recomendado pelo narrador <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da<br />
narrativa, quando nas páginas 24 e 25 ele propõe "<strong>de</strong>sandar o caminho"<br />
até chegar à raíz, à palavra original.<br />
A fotografia das Árvores <strong>de</strong> Clau<strong>de</strong> le Lorrain (Fig.17),<br />
retoma a idéia <strong>de</strong> conjugação/dissipação e convergência. A Natureza é a<br />
encarnação da multiplicida<strong>de</strong> mais essencial; por sua vez, a Natureza<br />
também está submetida ao T<strong>em</strong>po e ao seu inexorável processo <strong>de</strong><br />
criação/manutenção/<strong>de</strong>struição. Tanto a apreensão da imag<strong>em</strong><br />
fotográfica como das imagens produzidas por meio da palavra visam a<br />
um mesmo fim: apreen<strong>de</strong>r o mecanismo do T<strong>em</strong>po, atuando sobre as<br />
infinitas manifestações que surg<strong>em</strong> nele e por meio <strong>de</strong>le. Enquanto não<br />
se consegue abarcar a totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse processo que engendra uma<br />
ord<strong>em</strong> universal e transcen<strong>de</strong>nte, o importante é o caminho que se abre<br />
63 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 54-55.
135<br />
entre uma frase e outra, entre uma imag<strong>em</strong> e outra; o importante é o "fim<br />
provisoriamente <strong>de</strong>finitivo" 64 .<br />
No décimo e no décimo primeiro capítulos, o erotismo<br />
reaparece mesclado por uma simbologia que r<strong>em</strong>onta aos mitos<br />
cosmogônicos: "Aqui juntaram-se os planetas que, consumida sua<br />
provisão <strong>de</strong> méritos, ca<strong>em</strong> do firmamento" 65 . No décimo capítulo, o<br />
narrador fala <strong>em</strong> terceira pessoa e <strong>de</strong>screve as impressões do Mono <strong>de</strong><br />
um estranho ritual <strong>em</strong> que mulheres saciam seus <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> sexo e <strong>de</strong><br />
vinho. As imagens eróticas 66 criadas a partir da <strong>de</strong>scrição das mulheres e<br />
<strong>de</strong> suas atitu<strong>de</strong>s têm uma referência direta com o Sundara Kanda 67 , IX.<br />
As fotografias <strong>de</strong> pinturas, intituladas Constelações<br />
(Figs.18 e 19), suger<strong>em</strong> o estreitamento da relação corpo<br />
humano/constelações <strong>de</strong> signos. Octavio Paz explica essa relação a<br />
partir das concepções tântricas do hom<strong>em</strong> e do universo: "O céu e a<br />
terra, o sol e a lua, os astros e os planetas são corpos <strong>em</strong> perpétua,<br />
rítmica conjunção e disjunção. O corpo humano, por sua vez, é um<br />
espaço povoado <strong>de</strong> constelações e <strong>de</strong> signos" 68 , um universo s<strong>em</strong>ântico,<br />
uma linguag<strong>em</strong> que engendra correspondências: "...se o arquétipo<br />
64 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 58.<br />
65 Ibid<strong>em</strong>., p. 59<br />
66 Em História <strong>de</strong> la filosofia índia prebudista, no capítulo Maestros <strong>de</strong> moral erótica,<br />
Benimadhab Barua trata da categórica finalida<strong>de</strong> hedonística implícita na moral erótica.<br />
Para isto ele retoma um dos mais antigos e mais importantes tratados da sexualida<strong>de</strong><br />
humana - o KAMA SUTRA.<br />
67 Sundara Kanda, IX - um dos "kandas" ou cantos que compõ<strong>em</strong> a estrutura poética <strong>de</strong><br />
O Rãmãyana. Neste Kanda, Valmiki faz referência às belas amantes do terrível Rávana<br />
- rainhas e princesas raptadas que acabavam assumindo a <strong>de</strong>gradação e a luxúria<br />
imposta no palácio das trevas como normas a ser<strong>em</strong> seguidas por todas.<br />
68 PAZ, O., Convergências, p. 214.
136<br />
s<strong>em</strong>ântico do corpo é o céu estrelado, o corpo é o arquétipo erótico da<br />
linguag<strong>em</strong>" 69 . No caso da linguag<strong>em</strong> que <strong>de</strong>screve os quadros<br />
Constelações, as correspondências estabelecidas visam a clarificar o<br />
papel dos signos <strong>em</strong> face das transfigurações.<br />
O décimo primeiro capítulo t<strong>em</strong> início com a reprodução<br />
fotográfica do quadro Postura Sexual <strong>de</strong> Mula Bandha (Fig.20). Muito<br />
<strong>em</strong>bora a referência a este quadro date <strong>de</strong> 1.700, sabe-se que o Mula<br />
Bandha é um dos exercícios tântricos da milenar hatha yoga e t<strong>em</strong> por<br />
objetivo o <strong>de</strong>spertar da energia vital ou Kundalini, localizada na base da<br />
coluna. O bloqueio <strong>de</strong>ssa energia através do ato sexual resulta na subida<br />
<strong>de</strong>ssa energia até o sarasara ou chákara (centro <strong>de</strong> energia sutil),<br />
localizado no alto da cabeça. Os resultados alcançados com esse tipo <strong>de</strong><br />
exercício, segundo o tantrismo, encontram-se associados ao <strong>de</strong>spertar<br />
<strong>de</strong> elevados níveis <strong>de</strong> consciência.<br />
A orientação para que se faça a leitura do quadro antes<br />
mesmo da leitura do texto v<strong>em</strong> do próprio Paz.<br />
A posição da pintura e da escultura, no<br />
tantrismo, é s<strong>em</strong>elhante à da poesia. Como os<br />
po<strong>em</strong>as, as formas plásticas só são inteligíveis <strong>em</strong><br />
relação ao contexto: são partículas; como os<br />
po<strong>em</strong>as, cada pintura e escultura é por si mesma<br />
69 Ibid<strong>em</strong>, p. 214.
137<br />
um micro-cosmo do sist<strong>em</strong>a: um todo autosuficiente<br />
70 .<br />
O texto se reporta ao ato sexual <strong>de</strong> Esplendor e <strong>de</strong> seu<br />
parceiro. Começa com "a transfiguração <strong>de</strong> suas brinca<strong>de</strong>iras e abraços"<br />
que o narrador chama <strong>de</strong> "cerimônia insensata". A transfiguração é a<br />
própria imag<strong>em</strong> do casal refletida na pare<strong>de</strong> do quarto e toda a <strong>de</strong>scrição<br />
<strong>de</strong>sse ato é acompanhada <strong>de</strong> indagações acerca das coisas <strong>em</strong> si e <strong>de</strong><br />
sua representação sígnica.<br />
A analogia entre as figuras "insubstanciais" e<br />
"quiméricas" que aparec<strong>em</strong> e <strong>de</strong>saparec<strong>em</strong> na pare<strong>de</strong> do quarto do<br />
casal <strong>de</strong> amantes e a própria permanência/impermanência dos signos é<br />
visível. A <strong>de</strong>scrição, inicialmente fragmentada, dos corpos dos amantes,<br />
induz a inúmeras associações: se um corpo é s<strong>em</strong>pre lugar <strong>de</strong><br />
passag<strong>em</strong> e <strong>de</strong> troca, os amantes, "imersos na realida<strong>de</strong> passional <strong>de</strong><br />
seus corpos", trocam <strong>em</strong>oções e sensações que os transportam para<br />
uma dimensão diferente "...da outra paixão que se <strong>de</strong>senrolava na<br />
pare<strong>de</strong>" 71 .<br />
70 PAZ, O., Convergências, p. 215.<br />
71 Id<strong>em</strong>, O Mono Gramático, p. 65-66.
138<br />
As fotografias <strong>de</strong> esboços <strong>de</strong> Richard Hamilton (Figs.21 e<br />
22) acentuam a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma interpretação analógica: corpos<br />
dos amantes/corpos dos signos. Os esboços mostram corpos ou<br />
fragmentos <strong>de</strong> corpos f<strong>em</strong>ininos e toda representação possível suscita<br />
muito mais o olhar e, <strong>em</strong> seguida, o sentir <strong>de</strong> uma totalida<strong>de</strong> que não<br />
po<strong>de</strong> ser representada. O mesmo acontece com Esplendor e seu<br />
parceiro ao perceber<strong>em</strong> suas imagens projetadas através <strong>de</strong> sombras na<br />
pare<strong>de</strong>.<br />
O erotismo que conduz à <strong>de</strong>scrição dos movimentos dos<br />
amantes se mistura à leveza e à sensibilida<strong>de</strong> poética do narrador,<br />
suscitando comparações, associações, divagações, algumas s<strong>em</strong><br />
nenhuma coerência espacial e t<strong>em</strong>poral. Ele transita <strong>de</strong> um espaço a<br />
outro, <strong>de</strong> um t<strong>em</strong>po a outro e evoca os mortos da peste <strong>de</strong> Londres, a<br />
Virg<strong>em</strong>, Fourier, o cadáver <strong>de</strong> Sardanapalo, o Calvário e os incêndios. A<br />
atmosfera <strong>de</strong> caos e <strong>de</strong> convergência resulta <strong>em</strong> cinzas. Mesmo assim,<br />
toda cinza que se dispersa ao sabor do vento, <strong>de</strong>pois volta a se reunir, a<br />
se congregar para fazer ressurgir outras formas.<br />
A fotografia Kundalini (Fig. 23), <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> um lingam<br />
cont<strong>em</strong>porâneo, como explica o índice <strong>de</strong> ilustrações, é mais uma<br />
sobreposição da imag<strong>em</strong> fotográfica e dos signos. Kundalini ou energia<br />
vital <strong>em</strong> torno do lingam é uma representação <strong>de</strong> Shiva, o po<strong>de</strong>r criador.<br />
A fotografia mostra apenas a parte principal do lingam, on<strong>de</strong> se vê a<br />
figura iluminada <strong>de</strong> Kundalini, fazendo um contorno <strong>em</strong> direção à parte
139<br />
superior. Logo abaixo, o narrador <strong>de</strong>screve o momento culminante do ato<br />
sexual realizado por Esplendor e seu parceiro:<br />
O hom<strong>em</strong> está ajoelhado e sob o arco <strong>de</strong> suas<br />
pernas esten<strong>de</strong>-se o corpo <strong>de</strong> Esplendor, a parte<br />
superior s<strong>em</strong>i-erguida para facilitar as investidas <strong>de</strong><br />
seu parceiro. Após alguns enérgicos movimentos<br />
<strong>de</strong> ataque, o pênis atravessa o canal formado pelos<br />
seios e ressurge na região sombreada da garganta,<br />
próxima à boca da mulher. Ela tenta inutilmente<br />
acariciar com a língua a cabeça do m<strong>em</strong>bro: sua<br />
posição a impe<strong>de</strong>. Com um gesto rápido, mas s<strong>em</strong><br />
violência, o hom<strong>em</strong> <strong>em</strong>purra para cima e para<br />
frente, faz saltar os seios e, entre eles <strong>em</strong>erge seu<br />
pênis como um nadador que volta à superfície,<br />
agora sim, frente aos lábios <strong>de</strong> Esplendor. Ela o<br />
ume<strong>de</strong>ce com a língua, o agarra e o conduz à gruta<br />
vermelha 72 .<br />
A fotografia <strong>de</strong> Giraudon reproduz A Morte <strong>de</strong><br />
Sardanapalo (Fig. 24), <strong>de</strong> Eugène Delacroix. O quadro, apesar <strong>de</strong> formas<br />
b<strong>em</strong> <strong>de</strong>lineadas, cores e luminosida<strong>de</strong> contrastantes, é confuso;<br />
transmite <strong>de</strong>sespero e sofrimento. A apreensão das imagens, na sua<br />
totalida<strong>de</strong>, sugere uma espécie <strong>de</strong> ritual ou <strong>de</strong> uma batalha que chega<br />
72 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 67-68.
140<br />
ao seu final. As figuras masculinas e f<strong>em</strong>ininas estão <strong>de</strong>snudas ou<br />
parcialmente <strong>de</strong>snudas; as expressões são <strong>de</strong> cansaço, violência,<br />
ociosida<strong>de</strong> e morte.<br />
Descen<strong>de</strong>nte da segunda fase do romantismo, Delacroix<br />
expressa a sua visão do mundo <strong>em</strong> conformida<strong>de</strong> com um universo<br />
imaginário dilacerado pelos conflitos da vida e da morte. Para Esplendor<br />
e seu parceiro a idéia <strong>de</strong> morte só aparece a partir da divisão <strong>de</strong> seu<br />
corpo, seguida da dissipação <strong>de</strong> sua sombra nas pare<strong>de</strong>s do quarto: "O<br />
corpo <strong>de</strong> Esplendor se contorce, se parte, se divi<strong>de</strong> <strong>em</strong> uma, duas, três,<br />
quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, <strong>de</strong>z partes - até <strong>de</strong>saparecer<br />
completamente" 73 .<br />
No décimo segundo capítulo, ocorre, mais uma vez, a<br />
fusão <strong>de</strong> t<strong>em</strong>pos e espaços. O muro <strong>de</strong>crépito do terraço no palácio <strong>de</strong><br />
Galta, ainda guarda as imagens das proezas <strong>de</strong> Hãnumãn <strong>em</strong> Lankã; as<br />
imagens são presenças <strong>de</strong> um passado glorioso on<strong>de</strong> o conhecimento, a<br />
virtu<strong>de</strong> e a busca <strong>de</strong> aproximação à divinda<strong>de</strong> eram metas a ser<strong>em</strong><br />
alcançadas pelo hom<strong>em</strong>. Naquele t<strong>em</strong>po, o b<strong>em</strong> sobrepujava o mal; a luz<br />
da sabedoria dispersava as trevas da ignorância e as perspectivas <strong>de</strong><br />
uma vida <strong>em</strong> comunhão com as po<strong>de</strong>rosas forças da Natureza, cada vez<br />
mais, induziam o hom<strong>em</strong> a confiar na Ord<strong>em</strong> Superior que criou os<br />
73 A divisão do corpo <strong>de</strong> Esplendor ou Sri, <strong>em</strong> <strong>de</strong>z partes, refere-se à lenda <strong>de</strong> Prãjãpati<br />
que, <strong>de</strong>vido à exuberante beleza <strong>de</strong> sua filha, atraiu o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z divinda<strong>de</strong>s e com<br />
elas teve que dividi-la. As divinda<strong>de</strong>s são: Agni, Soma, Varuna, Mitra, Indra, Brihaspati,<br />
Savitri, Pushan, Saraswati e Tuashtr.
141<br />
mundos e por isso mesmo os governava. Hãnumãn é o herói divino; seus<br />
"olhos <strong>de</strong> faróis que perfuram os torvelinhos e cortam o espaço<br />
petrificado" <strong>de</strong>ixam através dos t<strong>em</strong>pos a imag<strong>em</strong> do po<strong>de</strong>roso<br />
servidor 74 .<br />
Esse período é aquele <strong>de</strong>nominado pela tradição<br />
filosófica hindu <strong>de</strong> dwapara yuga 75 ; completamente diferente do período<br />
<strong>em</strong> que se localizam narrador e leitor, ou seja, o kaly yuga, ou a "ida<strong>de</strong><br />
negra", simbolizando o fim, o caos, a <strong>de</strong>struição, o último dos períodos<br />
que compõ<strong>em</strong> os ciclos da criação, enquanto o dwapara yuga é o<br />
segundo.<br />
Seguindo, ainda, a sobreposição imag<strong>em</strong> fotográfica/<br />
signos lingüísticos, o Santuário <strong>de</strong> Galta, <strong>de</strong> Eusebio Rojas (Fig.25) e,<br />
próximo a ele, uma mulher esten<strong>de</strong>ndo roupas sob olhar da "outra",<br />
r<strong>em</strong>ete-nos a correspondências que envolv<strong>em</strong> a questão do simples e do<br />
complexo. Da mais simples à mais complexa ativida<strong>de</strong> humana resulta<br />
um objeto que se oferece à cont<strong>em</strong>plação. O estado <strong>de</strong> cont<strong>em</strong>plação<br />
<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia outras ativida<strong>de</strong>s ou outras ações que também resultam <strong>em</strong><br />
outros objetos. O sentido da visão é, portanto, o<br />
74 A figura <strong>de</strong> Hãnumãn nos r<strong>em</strong>ete a outros personagens lendários que, apesar <strong>de</strong><br />
extraordinariamente po<strong>de</strong>rosos eram servos. Hanumãn, general do exército <strong>de</strong><br />
macacos, torna-se servo <strong>de</strong> Rama, <strong>em</strong> O Rãmãyana; Bhishma, general dos Kauravas,<br />
<strong>em</strong> O Mahabhárata, torna-se servo <strong>de</strong> Duryodhana, filho mais novo <strong>de</strong> Dhritarashtra,<br />
que usurpou o reino <strong>de</strong> Bhárata, pertencente aos filhos <strong>de</strong> Pandu.<br />
75 Os estudos filológicos confirmam que o núcleo <strong>de</strong> O Rãmãyana é anterior ao<br />
Mahabhárata. Sendo assim, o período que faz referências aos acontecimentos da<br />
batalha <strong>de</strong> Lankã estão localizados no dwapara yuga.
142<br />
veículo que suscita a audição; a audição, por sua vez, procura na voz os<br />
sentidos sugeridos ou <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ados pelo objeto. Quando a voz é o<br />
silêncio, o sentido permanece inapreensível, obscuro, uma vez que, o<br />
sist<strong>em</strong>a lingüístico comum, não permite a apreensão <strong>de</strong> uma totalida<strong>de</strong>.<br />
Tudo é <strong>de</strong>solação, ruína, precarieda<strong>de</strong> e miséria; a<br />
imundície, a <strong>de</strong>struição dos edifícios, as fontes, antes borbulhantes <strong>de</strong><br />
águas límpidas e sagradas, agora são águas paradas, que exalam mau<br />
cheiro e atra<strong>em</strong> insetos e outros animais venenosos. Os freqüentadores<br />
<strong>de</strong>sse local, que já foi cenário <strong>de</strong> muitos acontecimentos extraordinários,<br />
são os macacos, as vacas famintas, o cão coxo, os meninos, as famílias<br />
<strong>de</strong> párias, <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes da casta dos Balmiks 76 ; os peregrinos que<br />
chegam para fazer suas abluções na aurora e <strong>de</strong>scansam enquanto<br />
aguardam o crepúsculo para repetir<strong>em</strong> as orações e oferendas às suas<br />
divinda<strong>de</strong>s.<br />
As fotografias dos peregrinos e do sãdhu 77 (Figs.26-27),<br />
<strong>de</strong> Eusebio Rojas, revelam um outro veículo que supera as<br />
impossibilida<strong>de</strong>s da linguag<strong>em</strong>: a i<strong>de</strong>ntificação. Quando se refere aos<br />
peregrinos, o narrador simplesmente <strong>de</strong>screve suas ações; é algo que<br />
ele observa, analisa e compara <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado contexto: as<br />
ruínas <strong>de</strong> Galta. Quando se refere ao sãdhu, o narrador não escon<strong>de</strong> o<br />
76 Blamiks - M<strong>em</strong>bros <strong>de</strong> uma casta cuja <strong>de</strong>scendência o próprio narrador <strong>de</strong> O Mono<br />
Gramático atribui ao poeta Valmiki.<br />
77 Sãdhu - Um santo que pratica austerida<strong>de</strong>s espirituais.
143<br />
seu interesse, a sua satisfação <strong>em</strong> compartilhar do seu "chá", do seu<br />
"bhang" 78 e da sua "serenida<strong>de</strong>", uma vez que é impossível comunicarse<br />
com palavras. A sua admiração pelo sãdhu é visível.<br />
Todas as tar<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>pois do banho, diz suas<br />
preces, come a ceia que os <strong>de</strong>votos lhe levam,<br />
toma uma xícara <strong>de</strong> chá e dá umas tragadas <strong>de</strong><br />
haxixe no seu cachimbo ou toma um pouco <strong>de</strong><br />
bhang <strong>em</strong> uma xícara <strong>de</strong> leite - não para estimular a<br />
imaginação, ele diz, mas para acalmá-la. Busca a<br />
equanimida<strong>de</strong>, o ponto on<strong>de</strong> cessa a oposição<br />
entre a visão interior e a exterior, entre o que v<strong>em</strong>os<br />
e o que imaginamos 79 .<br />
A i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> objetivos utrapassa as barreiras da<br />
língua, da cultura e dos procedimentos utilizados pelo sãdhu e pelo<br />
narrador na busca <strong>de</strong> uma visão <strong>de</strong> convergência. Em outras palavras,<br />
ultrapassa todos os t<strong>em</strong>pos e todos os espaços. O importante é alcançar<br />
"o ponto on<strong>de</strong> cessa visão interior e a exterior".<br />
Os macacos estão por toda parte. Talvez para tornar<br />
s<strong>em</strong>pre viva a presença <strong>de</strong> Hãnumãn e para l<strong>em</strong>brar a infinita similitu<strong>de</strong><br />
da Natureza.<br />
78 Bhang ou Bhangã - bebida intoxicante preparada do haxixe.<br />
79 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 76.
144<br />
A fotografia <strong>de</strong> um dos macacos <strong>de</strong> Galta, <strong>de</strong> Eusebio<br />
Rojas (Fig. 28), retoma a experiência do narrador com a multiplicida<strong>de</strong> e<br />
com o trânsito. Suas conjecturas acerca do T<strong>em</strong>po resultam na seguinte<br />
conclusão: "...a hora é um bloco <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po puro" 80 .<br />
No décimo terceiro capítulo, permanece a idéia <strong>de</strong><br />
trânsito, no entanto, o objetivo do narrador é estabelecer comparações;<br />
refletir sobre as correspondências entre o macro e microcosmos. O<br />
resultado <strong>de</strong>sse mergulho no mundo dos signos é o in<strong>de</strong>cifrável.<br />
Assimetria entre duas partes: acima,<br />
copulação entre machos e fêmeas da mesma<br />
espécie; abaixo, copulação <strong>de</strong> uma fêmea humana<br />
com machos <strong>de</strong> diferentes espécies animais e com<br />
outra fêmea - nunca com o hom<strong>em</strong>. Por quê?<br />
Repetição, analogia, exceção. Sobre o espaço<br />
imóvel - muro, céu, página, tanque, jardim - todas<br />
essas figuras se enlaçam, traçam o mesmo signo e<br />
parec<strong>em</strong> dizer o mesmo, mas o que diz<strong>em</strong>? 81 .<br />
As dúvidas do narrador apenas confirmam a existência<br />
<strong>de</strong> um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> signos que ultrapassa a relação<br />
significante/significado; esse sist<strong>em</strong>a inacessível à capacida<strong>de</strong><br />
puramente intelectiva do hom<strong>em</strong> comum exige percepção, sensibilida<strong>de</strong><br />
80 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 78.<br />
81 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 81.
145<br />
e, sobretudo, corag<strong>em</strong> para se <strong>de</strong>frontar com um universo on<strong>de</strong>, entre as<br />
palavras e as coisas 82 , resi<strong>de</strong> o inusitado.<br />
A reprodução fotográfica <strong>de</strong> uma miniatura <strong>de</strong> uma<br />
Nãyikã 83<br />
(Fig. 29) faz a ponte entre a complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um mundo<br />
extraordinariamente mágico, surpreen<strong>de</strong>nte e subjetivo e <strong>de</strong> um outro -<br />
aquele <strong>em</strong> que se localiza o narrador.<br />
No décimo quarto capítulo, ocorre mais uma<br />
convergência: t<strong>em</strong>po e espaço se fund<strong>em</strong> e se confund<strong>em</strong> na <strong>de</strong>scrição<br />
que faz o narrador <strong>de</strong> um acontecimento que ele localiza no Vale do<br />
México 84 e, <strong>em</strong> seguida, transporta para Allahabad, importante cida<strong>de</strong> do<br />
estado <strong>de</strong> Uttar Pra<strong>de</strong>sh, ao noroeste da Índia. Ele <strong>de</strong>screve,<br />
minuciosamente, as cenas <strong>de</strong> uma peregrinação.<br />
A fotografia <strong>de</strong> Martin Hülimann (Fig.30) mostra uma<br />
multidão <strong>de</strong> peregrinos 85 . Todos os tipos aparec<strong>em</strong> representados <strong>de</strong><br />
acordo com a visão e com a percepção sensível do narrador. O<br />
82 Em Las palabras y las cosas, no capítulo intitulado El hombre y sus dobles, Michel<br />
Foucault analisa as possibilida<strong>de</strong>s humanas <strong>de</strong> acesso ao conhecimento. Ele diz: "El<br />
'humanismo' <strong>de</strong>l Renascimento, el 'racionalismo'<strong>de</strong> los clásicos han podido dar muy bien<br />
un lugar <strong>de</strong> privilegio a los humanos en el or<strong>de</strong>n <strong>de</strong>l mundo, pero no han podido pensar<br />
al hombre. El hombre, en la analítica <strong>de</strong> la finitu<strong>de</strong>, es un extraño duplicado <strong>em</strong>píricotranscen<strong>de</strong>ntal,<br />
ya que es un ser tal que en él se tomará conocimento <strong>de</strong> aquello que<br />
hace posible todo conocimento".p. 310.<br />
83 Nãyikã - entida<strong>de</strong> sobrenatural, <strong>em</strong> geral, participante <strong>de</strong> rituais festivos, orgiásticos e<br />
<strong>de</strong> caráter efêmero.<br />
84 Em Vislumbres <strong>de</strong> la Índia Octavio Paz faz comparações entre as culturas mexicana e<br />
indiana, tornando muito mais evi<strong>de</strong>ntes as s<strong>em</strong>elhanças e as diferenças existentes entre<br />
ambas.<br />
85 Allahabad - importante cida<strong>de</strong> do estado <strong>de</strong> Uttar Pra<strong>de</strong>sh ao norte da Índia, on<strong>de</strong> se<br />
realiza o maior festival religioso da Índia e do mundo; o Purana Kumbala Mela, que<br />
acontece <strong>de</strong> doze <strong>em</strong> doze anos. O último aconteceu <strong>em</strong> janeiro <strong>de</strong> 1989 e contou com<br />
a participação estimada <strong>de</strong> trinta milhões <strong>de</strong> pessoas.
146<br />
momento é <strong>de</strong> "transpasse". O T<strong>em</strong>po e todas as realida<strong>de</strong>s que se<br />
originam <strong>de</strong>le converg<strong>em</strong> para aquele caminhar que "era a cerimônia<br />
im<strong>em</strong>orável da abolição das diferenças" 86 . Os peregrinos também<br />
buscavam um caminho e o narrador admite um fato:<br />
Os peregrinos sabiam algo que eu ignorava: o<br />
ruído das sílabas 87 humanas era um rumor a mais<br />
entre outros rumores daquela tar<strong>de</strong>. Um rumor<br />
diferente e, não obstante, idêntico aos guinchos dos<br />
macacos, aos gritos dos periquitos e ao mugido do<br />
vento. Saber disso era reconciliar-se com o t<strong>em</strong>po,<br />
reconciliar os t<strong>em</strong>pos 88 .<br />
Ao lado da fotografia <strong>de</strong> Martin Hürlimann, uma aquarela<br />
<strong>de</strong> Garuda 89 (Fig. 31) é quase uma redundância. A androginia do <strong>de</strong>us<br />
veículo <strong>de</strong> Vishnu r<strong>em</strong>ete todos os acontecimentos aos primórdios. A<br />
idéia, na verda<strong>de</strong>, é a <strong>de</strong> reconciliação dos T<strong>em</strong>pos.<br />
A narrativa segue e também é uma reconciliação ou uma<br />
recompilação <strong>de</strong> outros textos, outras histórias, outras referências <strong>de</strong><br />
mundos distantanciados pelo T<strong>em</strong>po <strong>de</strong> causas e conseqüências. A<br />
narrativa é um diálogo com outras civilizações. A lenda <strong>de</strong> Esplendor,<br />
86 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 85.<br />
87 Silabas aqui significam as sílabas místicas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, ou mantras, entoadas <strong>em</strong><br />
ocasiões especiais para atrair o po<strong>de</strong>r da divinda<strong>de</strong>.<br />
88 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 85-86.<br />
89 Garuda - conhecido como "O veículo <strong>de</strong> Vishnu"
147<br />
extraída do Satapatha Brahamana, II-4-3 é um ex<strong>em</strong>plo. O texto é um<br />
po<strong>em</strong>a e, no entanto, "...O Po<strong>em</strong>a não é outro senão Esplendor" 90 .<br />
No décimo sexto capítulo, a palavra "reconciliação" v<strong>em</strong><br />
associada a uma outra - "liberação". O narrador mergulha no significado<br />
<strong>de</strong>ssas palavras, na profundida<strong>de</strong> da relação existente entre esses dois<br />
termos. Suas reflexões resultam <strong>em</strong> indagações; suas respostas às<br />
indagações resultam <strong>em</strong> um solilóquio confuso e ina<strong>de</strong>quado às formas<br />
discursivas que optam pela linearida<strong>de</strong> e imediata compreensão <strong>de</strong> seus<br />
conteúdos. As indagações e reflexões do narrador têm uma outra<br />
finalida<strong>de</strong>: a experiência com a outrida<strong>de</strong>, como ele mesmo explica.<br />
Quando me procurava por <strong>de</strong>ntro, não me<br />
encontrava: saía e mesmo fora, me reconhecia.<br />
Dentro e fora encontrava s<strong>em</strong>pre outro. Meu corpo<br />
e eu, minha sombra e eu, sua sombra. Minhas<br />
sombras: meus corpos: outros. Diz<strong>em</strong> que há gente<br />
vazia: eu estava pleno, repleto <strong>de</strong> mim. No entanto,<br />
nunca estava <strong>em</strong> mim e nunca podia entrar <strong>em</strong><br />
mim: s<strong>em</strong>pre havia o outro. S<strong>em</strong>pre era outro 91 .<br />
O resultado <strong>de</strong>sse intricado processo <strong>de</strong> d<strong>em</strong>olição <strong>de</strong><br />
conceitos, <strong>de</strong> valores, <strong>de</strong> imagens concebidas <strong>em</strong> um t<strong>em</strong>po anterior à<br />
experiência da convergência é a síntese; a simplificação <strong>de</strong> todos os<br />
métodos que conduz<strong>em</strong> o hom<strong>em</strong> ao conhecimento <strong>de</strong> si mesmo, do<br />
90 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 89.
148<br />
mundo e do outro. Tudo se resume na simplicida<strong>de</strong>: "Reconciliação era<br />
eu. Não era você n<strong>em</strong> casa, n<strong>em</strong> passado n<strong>em</strong> futuro. Não era lá. Não<br />
era regresso, não era voltar ao país <strong>de</strong> olhos fechados. Era sair ao ar<br />
livre, dizer: bom dia 92 .<br />
Uma fotografia do observatório <strong>de</strong> Jaipur, <strong>de</strong> Octavio Paz<br />
(Fig.32) e uma outra que reproduz o quadro Extinção das luzes inúteis,<br />
<strong>de</strong> Yves Tanguy (Fig.33) são imagens da reconciliação/liberação<br />
procurada por ambos. As duas fotografias suger<strong>em</strong> realida<strong>de</strong>s que<br />
ultrapassam o visível, ou aquilo que é simplesmente apreendido pelos<br />
sentidos mais comuns. De um observatório, a nossa visão se abre para<br />
um mundo <strong>de</strong>sconhecido, cujo espaço infinito nos r<strong>em</strong>ete ao infinito da<br />
nossa própria essência, também <strong>de</strong>sconhecida.<br />
Já na fotografia do quadro Extinção das luzes inúteis, o<br />
apelo à uma percepção aberta e altamente disciplinada para suportar as<br />
solicitações do maravilhoso é uma confirmação do i<strong>de</strong>alismo surreal: um<br />
"além imanente" que <strong>de</strong>ve ser buscado com humanismo e<br />
espiritualida<strong>de</strong>. A apreensão da imag<strong>em</strong> só é possível se admitimos uma<br />
91 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 92-93.<br />
92 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 95.
149<br />
"lógica" especial que, ao contrário <strong>de</strong> congregar, <strong>de</strong>sagrega, para, <strong>em</strong><br />
seguida, viabilizar inúmeras associações 93 .<br />
Esse i<strong>de</strong>al, <strong>de</strong> acordo com as impressões do narrador,<br />
resume a complexida<strong>de</strong> e todos<br />
questionamentos acerca da<br />
materialida<strong>de</strong> do mundo objetivo na simplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um "bom dia". O que<br />
se quer dizer com isso? Em outras palavras, o que quer<strong>em</strong> dizer todas<br />
as referências que, no texto, a todo momento, alud<strong>em</strong> à complexida<strong>de</strong> do<br />
universo e <strong>de</strong> toda a existência e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, apresentam como<br />
síntese a simplicida<strong>de</strong>, a dissipação?<br />
Utopia? Misticismo? Delírio provocado pela perplexida<strong>de</strong><br />
da crise da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>? Não. Na verda<strong>de</strong>, as referências e o texto<br />
como um todo são um apelo ao direito à plenitu<strong>de</strong> inerente à natureza<br />
humana. Por esse motivo, a natureza da narrativa <strong>de</strong> O Mono Gramático<br />
é discutir a linguag<strong>em</strong>, suas possibilida<strong>de</strong>s e impossibilida<strong>de</strong>s; discutir a<br />
sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conduzir o hom<strong>em</strong> à sublime aventura do<br />
conhecimento.<br />
No décimo sétimo capítulo, a fotografia do Palacio <strong>de</strong><br />
Galta (Fig. 34), é seguida <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>scrição minuciosa <strong>de</strong> todos os<br />
93 Robert Short no ensaio intitulado Dada e Surrealismo explica como a linha mestra do<br />
Surrealismo, a <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>, proporciona ao hom<strong>em</strong> mo<strong>de</strong>rno alternativas para<br />
alcançar a reconciliação/liberação. Segundo Short: "O argumento surrealista é que, se<br />
se conseguisse reestimular e <strong>de</strong>senvolver a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> associação mental, o mundo<br />
<strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> ser um aglomerado <strong>de</strong> fragmentos avulsos on<strong>de</strong> o hom<strong>em</strong> se sente<br />
estranho e perdido (...) Ao invés, ou pelo menos paralelamente à análise lógica que se<br />
d<strong>em</strong>onstrou ina<strong>de</strong>quada, os surrealistas propõ<strong>em</strong> o pensamento analógico, capaz <strong>de</strong><br />
permitir a reclassificação da experiência <strong>de</strong> modo <strong>em</strong>ocional e intuitivo". BRADURY,<br />
Malcon e MCFARLANE, James, Mo<strong>de</strong>rnismo: guia geral, p. 245.
150<br />
<strong>de</strong>talhes do palácio. A figura <strong>de</strong> Esplendor é materializada pelo narrador<br />
que se transporta para o t<strong>em</strong>po da narrativa conduzindo-a pela mão a<br />
um universo <strong>de</strong> sensações, <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s e irrealida<strong>de</strong>s que comungam<br />
um mesmo instante - o trânsito e o transpasse. A lógica formal é<br />
totalmente rompida e prevalece as associações, as correspondências, as<br />
analogias e a "obsessão": do narrador que registra tudo que sente, tudo<br />
que vê, tudo que imagina que aconteceu nos pátios, nos salões e nos<br />
santuários <strong>de</strong> Galta carcomidos pelo T<strong>em</strong>po; do garoto <strong>de</strong> olhos<br />
inteligentes, que brincava com <strong>de</strong>formações e <strong>de</strong>composições da<br />
palavra; dos príncipes <strong>de</strong> Rajastán que levantaram edifícios não para<br />
durar mas para <strong>de</strong>slumbrar e fascinar. Enquanto passeia <strong>de</strong> mãos dadas<br />
com Esplendor, o narrador atualiza os séculos e suas civilizações.<br />
A fotografia <strong>de</strong> Martin Hürlimann, Casas <strong>de</strong> peregrinos,<br />
Pushkar (Fig. 35), é um ex<strong>em</strong>plo arquitetônico <strong>de</strong> como mudam os<br />
costumes, as crenças, a visão que o hom<strong>em</strong> t<strong>em</strong> <strong>de</strong> si mesmo e do<br />
mundo que o cerca. Finalmente, o narrador chega à confluência <strong>de</strong> todos<br />
os acontecimentos.<br />
Agora na gran<strong>de</strong> esplanada não havia tanques<br />
n<strong>em</strong> músicos e nos pequenos balcões não se<br />
escondiam mais as nayikãs: nesse dia os párias da<br />
casta Balmik celebravam a festa <strong>de</strong> Hanumãn e a<br />
irrealida<strong>de</strong> daquela arquitetura e a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua
151<br />
ruína presente se fundiam num terceiro termo,<br />
brutalmente imediato e alucinante 94 .<br />
O terceiro termo "alucinante" estava, portanto, ali,<br />
impondo uma lógica diferente <strong>de</strong> todas as lógicas conhecidas pelo<br />
hom<strong>em</strong> comum; "alucinante" porque a lógica do trânsito é a mesma do<br />
transe; é a lógica dos sentidos, das <strong>em</strong>oções, da sensibilida<strong>de</strong> e da<br />
percepção que transcen<strong>de</strong> a materialida<strong>de</strong> do mundo objetivo. Tudo se<br />
fun<strong>de</strong> e se confun<strong>de</strong> <strong>em</strong> uma realida<strong>de</strong> única e inesgotável, mas que<br />
simplesmente se dissipa "num piscar <strong>de</strong> olhos".<br />
No décimo oitavo capítulo, a reprodução fotográfica<br />
Catedral <strong>de</strong> Salisbury, (Fig. 36), <strong>de</strong> John Constable, é a imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> um<br />
<strong>em</strong>aranhado escuro <strong>de</strong> formas que l<strong>em</strong>bram uma mata fechada, uma<br />
floresta. Em seguida, o texto se reporta às imagens dos arvoredos, no<br />
caso "arvoredos ininteligíveis", "arvoredos intraduzíveis" - "é ele e só<br />
ele", afirma o narrador. O signo "arvoredo" é apenas o ponto <strong>de</strong> partida<br />
para mais uma reflexão sobre a natureza das coisas, dos nomes e da<br />
função do poeta.<br />
O poeta não é o que nomeia as coisas, mas o<br />
que dissolve seus nomes, o que <strong>de</strong>scobre que as<br />
coisas não têm nomes e que os nomes com os<br />
quais as chamamos não são os seus (...) Graças ao<br />
poeta, o mundo per<strong>de</strong> seus nomes. Então, por um<br />
94 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 101.
152<br />
instante, pod<strong>em</strong>os vê-lo tal qual ele é - <strong>em</strong> azul<br />
adorável. E essa visão nos abate, nos enlouquece;<br />
se as coisas são, mas não têm nome: sobre a terra<br />
não há medida alguma 95 .<br />
Se as coisas possu<strong>em</strong> uma essência inominável, por quê<br />
e para quê tentar nomeá-las, produzir-lhes sentidos que não<br />
correspond<strong>em</strong> à sua natureza? Esta indagação, que não é só do<br />
narrador, é inquietante e r<strong>em</strong>issiva, no caso, aos procedimentos das<br />
origens, quando o hom<strong>em</strong> procurava apenas ouvir o som; o som era o<br />
sentido. O sentido foi convertido <strong>em</strong> representações sígnicas, <strong>em</strong><br />
palavras, <strong>em</strong> escritas e se per<strong>de</strong>u no caminho; per<strong>de</strong>u o próprio sentido.<br />
Se ainda continuamos a nomear as coisas é porque a nossa única<br />
realida<strong>de</strong> possível ainda é a realida<strong>de</strong> das palavras, mesmo<br />
reconhecendo os seus limites e a sua finitu<strong>de</strong>.<br />
A fotografia Tentativa <strong>de</strong> visão primordial da flor, do<br />
álbum Les origines (Fig. 37), é o Gran<strong>de</strong> Olho que, impassível,<br />
cont<strong>em</strong>pla o exterior s<strong>em</strong> a preocupação <strong>de</strong> nomear, classificar, produzir<br />
sentidos. As coisas <strong>em</strong> si mesmas são ilegíveis e a visão ou a sensação<br />
da realida<strong>de</strong>, tal como ela é, produz a alucinação, a loucura.<br />
A visão <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>, na medida <strong>em</strong> que <strong>de</strong>scortina<br />
um mundo on<strong>de</strong> as coisas só são <strong>em</strong> essência, acelera um processo <strong>em</strong><br />
que o <strong>de</strong>sejo ou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> plenitu<strong>de</strong> do narrador culmina com a<br />
95 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 104.
153<br />
sua d<strong>em</strong>onstração <strong>de</strong> fascínio pelo "outro lado", pela condição nãohumana<br />
<strong>de</strong> ultrapassar o limiar das coisas inteligíveis.<br />
...à medida que a noite se acumula <strong>em</strong> minha<br />
janela, sinto que não sou daqui, mas <strong>de</strong> lá, <strong>de</strong>sse<br />
mundo que acaba <strong>de</strong> se extinguir e aguarda a<br />
ressurreição da aurora. De lá venho, <strong>de</strong> lá vi<strong>em</strong>os e<br />
para lá haver<strong>em</strong>os <strong>de</strong> voltar 96 .<br />
Enquanto a "visão primordial" ultrapassa o t<strong>em</strong>po <strong>de</strong><br />
causas e conseqüências, o que se oferece ao hom<strong>em</strong> é uma experiência<br />
com a multiplicida<strong>de</strong>. No capítulo décimo, nono um turbilhão <strong>de</strong> cores,<br />
sabores, sons, aromas, sensações <strong>de</strong> frescor e também <strong>de</strong> ardor, <strong>de</strong><br />
cheiros fortes, <strong>de</strong>sagradáveis misturados ao vaivém <strong>de</strong> homens,<br />
mulheres, bichos e pássaros, surge como uma onda e sugere uma<br />
localização do eu que observa a sua solidão e a solidão do outro na<br />
multidão: "...a multitu<strong>de</strong>, suas ondas e vagas, sua multionda e sua<br />
multivaga, o multissol sobre a solivaga, a pobretu<strong>de</strong> sob a solionda, a<br />
ondassol <strong>em</strong> sua solitu<strong>de</strong>, a solitu<strong>de</strong> sobre a pobretu<strong>de</strong>, a multissó" 97 .<br />
No vigésimo capítulo, uma outra "vereda": o acen<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
uma luz <strong>de</strong>sperta os sentidos do narrador que passa a refletir sobre a<br />
existência <strong>de</strong> mundos ou <strong>de</strong> reinos <strong>de</strong>sconhecidos. A referência a seres<br />
extraordinários, microscópicos revela suas preocupações com o trânsito<br />
96 Ibid<strong>em</strong>, p. 107.
154<br />
realida<strong>de</strong>/fantasia e com o probl<strong>em</strong>a do olhar: "O microscópio da fantasia<br />
<strong>de</strong>scobre criaturas diferentes daquelas da ciência, mas não menos reais;<br />
<strong>em</strong>bora essas visões sejam nossas, também são <strong>de</strong> um terceiro: alguém<br />
as olha (se olha?) através do olhar" 98 .<br />
Os questionamentos suscitados conduz<strong>em</strong> o narrador às<br />
suas l<strong>em</strong>branças <strong>de</strong> um quadro e <strong>de</strong> seu autor: "Penso <strong>em</strong> Richard Dadd<br />
pintando durante nove anos, <strong>de</strong> 1855 a 1864, The fairy-feller's<br />
masterstroke, no manicômio <strong>de</strong> Broadmoor" 99 .<br />
A história <strong>de</strong> Dadd é terrível e a leitura que o narrador faz<br />
do quadro e da sua vida d<strong>em</strong>onstra a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma separação:<br />
vida e obra se misturam, confund<strong>em</strong>-se; uma é reflexo da outra; uma<br />
traduz a outra e vice-versa. Na fotografia do quadro <strong>de</strong> Dadd (Fig.38),<br />
seres estranhos, enraizados e petrificados, aguardam um acontecimento<br />
que modificará toda situação focalizada e enquadrada <strong>em</strong> uma<br />
concepção <strong>de</strong> mundo totalmente mágica. A realida<strong>de</strong> está suspensa no<br />
ar, assim como está suspenso o machado do lenhador que romperá o<br />
mistério da "nefasta avelã". O lenhador jamais dará o seu golpe e toda<br />
realida<strong>de</strong> apreendida permanecerá na angústia da espera.<br />
O t<strong>em</strong>a da espera acompanhado pelo instigante<br />
questionamento sobre o olhar foi captado por Dadd que pintou "a visão<br />
da visão". Nesse sentido, a visão que não é aquela mostrada no quadro,<br />
mas uma outra que está mais além, à espera <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado<br />
97 PAZ, O., O Mono Gramático Ibid<strong>em</strong>, p. 109.
155<br />
acontecimento, coinci<strong>de</strong> com a busca <strong>de</strong> um caminho cujo fim s<strong>em</strong>pre se<br />
dissipa ou também está s<strong>em</strong>pre mais além.<br />
No vigésimo primeiro capítulo, a fotografia <strong>de</strong> Marcel<br />
Hamelle (Fig. 39) mostra um vaso no qual <strong>de</strong>sponta, <strong>em</strong> alto-relevo, a<br />
figura <strong>de</strong> um macaco. A presença do Mono é sugerida pela figura <strong>de</strong> seu<br />
símile. A relação Símio/símiles reintroduz o probl<strong>em</strong>a das repetições e da<br />
m<strong>em</strong>ória: "Nos <strong>de</strong>sfila<strong>de</strong>iros do caminho <strong>de</strong> Galta aparece e <strong>de</strong>saparece<br />
o Mono Gramático: monograma do Símio perdido entre símiles" 100 . O<br />
Mono "...é o elefante entre os macacos, o leão, o touro dos símios!" 101 ; é<br />
a gran<strong>de</strong> matriz da espécie.<br />
No vigésimo segundo capítulo, o narrador trata da interrelação<br />
literatura/pintura. É visível a sua preocupação <strong>em</strong> d<strong>em</strong>onstrar<br />
que, tanto a literatura como a pintura buscam, <strong>de</strong> acordo com seus meios<br />
<strong>de</strong> expressão, o mesmo fim, ou seja, apreen<strong>de</strong>r através da imag<strong>em</strong> ou<br />
da palavra, realida<strong>de</strong>s percebidas ou imaginadas <strong>em</strong> um espaço/t<strong>em</strong>po<br />
s<strong>em</strong>pre mais além. Essas realida<strong>de</strong>s encontram-se no limiar <strong>de</strong> um<br />
universo plural e transcen<strong>de</strong>nte, aguardando presença e sentido.<br />
A pintura nos oferece uma visão, a literatura<br />
nos convida a buscá-la e, assim, traça um caminho<br />
imaginário até ela. A pintura constrói presenças, a<br />
literatura <strong>em</strong>ite sentidos e <strong>de</strong>pois corre atrás <strong>de</strong>les.<br />
98 Ibid<strong>em</strong>, p. 110.<br />
99 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 111.<br />
100 Ibid<strong>em</strong>, p. 115.<br />
101 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 38.
156<br />
O sentido é aquilo que <strong>em</strong>it<strong>em</strong> as palavras e que<br />
está além <strong>de</strong>las, aquilo que se foi entre as malhas<br />
das palavras e que elas quiseram reter ou agarrar.<br />
O sentido não está no texto mas fora 102 .<br />
Sendo assim, as reproduções <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos do Gran<strong>de</strong><br />
Mono (Figs.40 e 41) são, simplesmente, referências ou pontos <strong>de</strong> partida<br />
para inúmeras interpretações do que ele realmente é: multiplicida<strong>de</strong> e<br />
convergência. O Mono, como <strong>de</strong>fine o narrador no vigésimo terceiro<br />
capítulo, "é servidor da metamorfose universal".<br />
No vigésimo quarto capítulo, as reflexões do narrador<br />
estão centradas na busca <strong>de</strong> sentido para o caminho. Se a palavra<br />
"caminho" é metáfora <strong>de</strong> outras metáforas, nesse caso, especificamente,<br />
o caminho é metáfora <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sejo irredutível <strong>de</strong> autoconhecimento e<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r para proce<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>cifração do universo. Isso ocorre via<br />
escritura poética, via linguag<strong>em</strong> que não é linguag<strong>em</strong>, como adverte o<br />
narrador:"...o caminho da escritura poética resulta na abolição da<br />
escritura: no final, ele nos obriga a enfrentar uma realida<strong>de</strong> indizível" 103 .<br />
Aos poucos, o caminho da escritura poética revela algo<br />
muito próximo da essência das coisas e dos seres exatamente por não<br />
dizer. Esse aparente paradoxo encontra explicação no resultado dos<br />
procedimentos poéticos.<br />
102 Ibid<strong>em</strong>, p. 116.
157<br />
A poesia nos alimenta e nos aniquila, nos dá<br />
a palavra e nos con<strong>de</strong>na ao silêncio. É a percepção<br />
necessariamente momentânea (não resistiríamos<br />
mais) do mundo s<strong>em</strong> medida que um dia<br />
abandonamos e ao qual voltamos ao morrer. A<br />
linguag<strong>em</strong> finca suas raízes nesse mundo mas<br />
transforma suas ações e reações <strong>em</strong> signos e<br />
símbolos 104 .<br />
A fotografia do quadro <strong>de</strong> Francis Bacon, Parelha (Fig.<br />
42), é uma imag<strong>em</strong> ou uma mancha que se ass<strong>em</strong>elha a sombra <strong>de</strong> dois<br />
corpos <strong>de</strong>itados <strong>em</strong> um gramado, entrelaçados, como se estivess<strong>em</strong> se<br />
amando. Essa é a primeira "visão" do leitor. A visão do narrador vai mais<br />
além. A partir <strong>de</strong> associações e correspondências ele retoma a idéia <strong>de</strong><br />
corpo e, nesse caso, o corpo é a poesia que, assim como os corpos dos<br />
amantes, consegue construir e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, dissipar todos os<br />
sentidos. "A poesia está vazia como a clareira do bosque no quadro <strong>de</strong><br />
Dadd: ela não é senão o lugar da aparição que é, simultaneamente, o da<br />
<strong>de</strong>saparição. Rien n'aura eu lieu que le lieu" 105 .<br />
No vigésimo quinto capítulo, o narrador mergulha na<br />
realida<strong>de</strong> poética "insensata", "vertiginosa" e, ao mesmo t<strong>em</strong>po,<br />
necessária à sobrevivência do hom<strong>em</strong> e da linguag<strong>em</strong>. Ele narra suas<br />
impressões: está no centro <strong>de</strong> um "t<strong>em</strong>po redondo". Muito <strong>em</strong>bora faça<br />
103 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 119.<br />
104 Ibid<strong>em</strong>, p. 121.<br />
105 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 122.
158<br />
referência a um t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>terminado - seis da tar<strong>de</strong> 106 -, ele admite que o<br />
t<strong>em</strong>po transcorre e não transcorre. Essa alusão ao T<strong>em</strong>po nos r<strong>em</strong>ete à<br />
suspensão da lógica formal para que possamos a<strong>de</strong>ntrar - narrador e<br />
leitor - na esfera do incognoscível, do indizível, do non-sense.<br />
A fotografia Visão (Fig. 43), <strong>de</strong> Odilon Redon, b<strong>em</strong> como<br />
uma outra fotografia do Palácio <strong>de</strong> Galta (Fig.44), <strong>de</strong> Eusebio Rojas, são<br />
surpeen<strong>de</strong>ntes. A primeira por exibir a imag<strong>em</strong> do Gran<strong>de</strong> Olho que<br />
parece se voltar para uma dimensão muito além daquela experimentada<br />
pelo narrador; a segunda por mostrar as ruínas do Palácio <strong>de</strong> Galta <strong>em</strong><br />
um estado <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>gradação. As duas alud<strong>em</strong> a um t<strong>em</strong>po e a um<br />
espaço distintos, no entanto, "intercambiáveis", assim como é<br />
intercambiável a natureza interna e externa <strong>de</strong> todos os seres e <strong>de</strong> todas<br />
as coisas.<br />
No início da narrativa, ele se propõe a ir <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> um<br />
fim inexistente. O caminho <strong>de</strong> Galta, s<strong>em</strong>pre impondo um recomeço, faz<br />
com que ele realize a convergência ou a fusão <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po e espaço:<br />
"Cada t<strong>em</strong>po é diferente; cada lugar é único e todos são o mesmo - o<br />
mesmo. Tudo é agora" 107 .<br />
A fotografia <strong>de</strong> Yan (Fig.45) revela uma Vênus petrificada<br />
<strong>em</strong> uma enorme rocha na gruta <strong>de</strong> la Magdalaine e, <strong>em</strong> seguida, os<br />
traços <strong>de</strong> R. Vergnes (Fig.46) reproduz<strong>em</strong> uma cópia da mesma. Pedra,<br />
traços, caminho e escritura. Tudo se resume no "corpo que se oferece<br />
106 A referência que o narrador faz a um t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>terminado, "seis da tar<strong>de</strong>", t<strong>em</strong> por
159<br />
como uma totalida<strong>de</strong> plena, igualmente ao olhar e igualmente intocável:<br />
o corpo é s<strong>em</strong>pre um além corpo" 108 .<br />
A analogia corpo/escritura ou corpo/texto é muito mais<br />
visível no vigésimo sexto capítulo e resulta na imag<strong>em</strong><br />
convergência/transcendência, assim traduzida pelo narrador:<br />
Todo corpo é uma linguag<strong>em</strong> que, no instante<br />
<strong>de</strong> sua plenitu<strong>de</strong> se <strong>de</strong>svanece; toda linguag<strong>em</strong>, ao<br />
alcançar o estado <strong>de</strong> incan<strong>de</strong>scência, se revela<br />
como um corpo ininteligível. A palavra é uma<br />
<strong>de</strong>sencarnação: abolição do sentido, regresso ao<br />
corpo. A poesia é corporal: reverso dos nomes 109 .<br />
No vigésimo sétimo capítulo, o Gran<strong>de</strong> Mono reaparece<br />
no Santuário <strong>de</strong> Galta e nas l<strong>em</strong>branças do narrador que ainda <strong>de</strong>screve<br />
com surpresa e admiração suas proezas. As qualida<strong>de</strong>s divinas a ele<br />
atribuídas justificam a adoração <strong>de</strong> sua imag<strong>em</strong>; justificam os ritos e<br />
também a gran<strong>de</strong> obra do poeta Valmiki - O Rãmãyana.<br />
A fotografia <strong>de</strong> J. Swaminathan (Fig. 47) mostra o altar<br />
do Mono adornado com grinaldas <strong>de</strong> flores; já as fotografias <strong>de</strong> Eusebio<br />
Rojas reproduz<strong>em</strong> a figura <strong>de</strong> um Yogue tântrico (Fig. 48) e <strong>de</strong> dois<br />
Sãdhus no Santuário <strong>de</strong> Galta (Figs. 49-50).<br />
objetivo assinalar a questão do T<strong>em</strong>po Absoluto e do T<strong>em</strong>po Relativo.<br />
107 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 128.<br />
108 Ibid<strong>em</strong>, p. 130-131.<br />
109 Ibid<strong>em</strong>, p. 131.
160<br />
A reunião <strong>de</strong> todas as imagens, as fotográficas e as<br />
criadas pela palavra fluente do narrador, intensificam cada vez mais a<br />
idéia <strong>de</strong> convergência. No vigésimo oitavo capítulo, ele trata da<br />
experiência da convergência a partir da metáfora da poeira.<br />
A visão da poeira é a da convergência <strong>de</strong><br />
todos os pontos. Fim do caminho(...) A<br />
convergência é quietu<strong>de</strong> porque <strong>em</strong> seu ápice os<br />
diferentes movimentos ao se fundir<strong>em</strong> se anulam;<br />
ao mesmo t<strong>em</strong>po, do alto <strong>de</strong>sse cimo <strong>de</strong><br />
imobilida<strong>de</strong>, perceb<strong>em</strong>os o universo como uma<br />
ass<strong>em</strong>bléia <strong>de</strong> mundos <strong>em</strong> rotação 110 .<br />
Um Tetraedro <strong>de</strong> cristal (Fig.51), do Arts Council of Great<br />
Britain, Londres, e uma Estibinita <strong>de</strong> Baia Sprie (Fig.52), <strong>de</strong> Maurice<br />
Babey, Basiléia, são formas apreendidas <strong>em</strong> reproduções fotográficas,<br />
que correspond<strong>em</strong> ao processo associativo do narrador. O Tetraedro é o<br />
reflexo que, a cada ângulo, <strong>de</strong>ixa entrever as distintas realida<strong>de</strong>s; a<br />
Estibinita é a petrificação. Ambos são corpos e são "Po<strong>em</strong>as:<br />
cristalizações do jogo universal da analogia, objetos diáfanos que, ao<br />
reproduzir<strong>em</strong> o mecanismo e o movimento rotativo da analogia, geram<br />
novas analogias" 111 .<br />
110 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 141-142.<br />
111 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 143.
161<br />
O texto também é um corpo e através <strong>de</strong>le tudo é<br />
entrevisto. O contínuo construir-se/<strong>de</strong>sconstruir-se, o andar e o<br />
<strong>de</strong>sandar, associam-se às repetições, às analogias e a novas<br />
correspondências.<br />
Agora me dou conta <strong>de</strong> que meu texto não ia<br />
a parte alguma, exceto ao encontro <strong>de</strong> si mesmo.<br />
Observo também que as repetições são metáforas<br />
e que as reiterações são analogias: um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong><br />
espelhos que aos poucos foram revelando outro<br />
texto 112 .<br />
112 Ibid<strong>em</strong>, p. 144.
162<br />
No vigésimo nono e último capítulo, a fotografia <strong>de</strong> K. C.<br />
Knowlton (Fig.53) mostra uma mulher nua, concebida a partir <strong>de</strong> um<br />
processo eletrônico <strong>em</strong> que milhares <strong>de</strong> pontos reunidos formam a<br />
imag<strong>em</strong>; esta, por sua vez, permite inúmeras associações, como, por<br />
ex<strong>em</strong>plo, a que faz o narrador, ao retomar a idéia do corpo <strong>de</strong> Esplendor<br />
que é, ao mesmo t<strong>em</strong>po, reunião e dissipação. Sobre o corpo <strong>de</strong><br />
Esplendor e sobre a relação que se estabelece entre corpo/escritura, o<br />
narrador afirma:<br />
Esplendor é esta página, aquilo que separa<br />
(libera) e tece (reconcilia) as diferentes partes que a<br />
compõ<strong>em</strong>, aquilo (aquela) que está lá, no fim do<br />
que eu digo, no fim <strong>de</strong>sta página e que aparece<br />
aqui ao se dissipar, ao se pronunciar esta<br />
frase... 113 .<br />
O texto (corpo) é, portanto, resultado do entrelaçamento<br />
<strong>de</strong> outros corpos (as frases) e que, ao final, resulta na<br />
reconciliação/liberação. Todo processo <strong>de</strong> construção do texto, que é<br />
corpo, e que o narrador chama <strong>de</strong> "seqüência litúrgica", conta com a<br />
participação <strong>de</strong> um outro, o leitor. É o narrador qu<strong>em</strong> conclui: "...a<br />
seqüência litúrgica e a dissipação <strong>de</strong> todos os ritos pela dupla<br />
113 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 147.
163<br />
profanação (tua e minha), reconciliação/liberação da escritura e da<br />
leitura" 114 .<br />
A fotografia do Palácio <strong>de</strong> Galta (Fig. 54), <strong>de</strong> Eusebio<br />
Rojas, (Fig. 54), pela absoluta falta <strong>de</strong> niti<strong>de</strong>z, também sugere uma idéia<br />
<strong>de</strong> dissipação e <strong>de</strong> fim, no caso, da narrativa <strong>de</strong> O Mono Gramático,<br />
escrita <strong>em</strong> Cambridge, no verão <strong>de</strong> 1970.<br />
3.3. a terceira mirada<br />
Através da terceira mirada é possível extrair da narrativa<br />
<strong>de</strong> O Mono Gramático seus principais objetivos: uma reflexão sobre a<br />
linguag<strong>em</strong>, suas possibilida<strong>de</strong>s e impossibilida<strong>de</strong>s, suas relações com<br />
infinitas realida<strong>de</strong>s e uma reflexão profunda acerca da existência <strong>de</strong><br />
mundos incomensuráveis e inapreensíveis. Essas preocupações são<br />
reiteradas ao longo da narrativa e encontram no T<strong>em</strong>po o gran<strong>de</strong> lastro<br />
que, gradativamente, vai dando sustentação à busca <strong>de</strong> um "caminho".<br />
Des<strong>de</strong> o início, a narrativa constrói-se e <strong>de</strong>sconstrói-se a<br />
partir da concepção <strong>de</strong> um T<strong>em</strong>po Absoluto que compenetra e<br />
transcen<strong>de</strong> as noções <strong>de</strong> "fluxo" e <strong>de</strong> "ciclo". Enquanto estas são<br />
resultantes <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> observação do movimento do cosmo, ao<br />
114 Ibid<strong>em</strong>, p. 149.
164<br />
T<strong>em</strong>po Absoluto, associa-se o conceito <strong>de</strong> Brahm<br />
ou Brahman, a<br />
"Causa" ou o "Princípio Único", ou, ainda, o "Supr<strong>em</strong>o Absoluto" 115 .<br />
Muito <strong>em</strong>bora <strong>em</strong> algumas tradicionais escolas <strong>de</strong><br />
filosofia oriental as noções <strong>de</strong> "fluxo" e <strong>de</strong> "ciclo" tenham recebido<br />
consi<strong>de</strong>rações distintas, <strong>em</strong> O Mono Gramático é visível uma<br />
compreensão transcen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sse processo que envolve uma realida<strong>de</strong><br />
objetiva e uma outra subjetiva. À realida<strong>de</strong> objetiva atribui-se tanto a<br />
noção <strong>de</strong> ciclo - e o narrador enfatiza esse aspecto quando inclui as<br />
repetições, promove as associações e <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia as analogias -, como<br />
também a noção <strong>de</strong> fluxo que, no texto, encontra-se representada nas<br />
referências a um t<strong>em</strong>po que não t<strong>em</strong> começo n<strong>em</strong> fim.<br />
O fluxo, por sua vez, engendra, <strong>em</strong> espiral, o próprio<br />
ciclo e, sendo assim, as repetições jamais são cópias fiéis da matriz ou<br />
da s<strong>em</strong>ente que <strong>de</strong>u orig<strong>em</strong> a todas as manifestações. Essa s<strong>em</strong>ente,<br />
contida no eu que "...não é eu, n<strong>em</strong> tu n<strong>em</strong> ele, o eu não é meu n<strong>em</strong> teu,<br />
é um estado, um piscar <strong>de</strong> olhos, é a percepção que se dissipa..." 116 , é<br />
também o fundamento que <strong>de</strong>termina a condição do ser existente: a<br />
impermanência, a multiplicida<strong>de</strong>.<br />
A linearida<strong>de</strong> e a relativida<strong>de</strong>, atributos do T<strong>em</strong>po, <strong>de</strong><br />
acordo com algumas concepções oci<strong>de</strong>ntais, só aparec<strong>em</strong> na narrativa<br />
115 O T<strong>em</strong>po ou kala é consi<strong>de</strong>rado um dos vinte e três Tatwas ou el<strong>em</strong>entos da<br />
natureza <strong>de</strong> Brahm.<br />
116 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 54.
165<br />
subliminarmente, na medida <strong>em</strong> que é possível se estabelecer um antes<br />
(o início da narrativa) e um <strong>de</strong>pois (o fim da narrativa); um aqui<br />
(Cambridge) e um ali, que se torna aqui através da m<strong>em</strong>ória, (Galta). No<br />
entanto, esses atributos, b<strong>em</strong> como todos os d<strong>em</strong>ais que incorporam<br />
outras concepções acerca do T<strong>em</strong>po, são absorvidos pelo T<strong>em</strong>po<br />
Absoluto - conceito que predomina e que reafirma as convicções do<br />
narrador acerca do caminho e da convergência.<br />
Por estar fora da ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> sucessões, é no T<strong>em</strong>po<br />
Absoluto que tudo se constrói, <strong>de</strong>sconstrói-se e encontra seu "fim<br />
provisoriamente <strong>de</strong>finitivo"; as agregações e <strong>de</strong>sagregações,<br />
simplesmente faz<strong>em</strong> parte do processo do mundo ou do infinito ciclo da<br />
criação/manutenção/<strong>de</strong>struição do universo (Samsara). Os seres e as<br />
coisas, submetidos ao fluxo e à metamorfose universal, evolu<strong>em</strong>,<br />
adquir<strong>em</strong> novas formas e buscam novos sentidos para a existência.<br />
O sentido procurado está s<strong>em</strong>pre mais além; das cinco<br />
portas 117 do ser humano que se abr<strong>em</strong> às percepções e sensações do<br />
mundo, a visão e audição são as mais requisitadas. A visão, através <strong>de</strong><br />
reproduções fotográficas e até mesmo da distribuição da forma-palavra<br />
na folha <strong>em</strong> branco; a audição, através <strong>de</strong> uma voz que, por trás do<br />
signo, recomenda-nos o t<strong>em</strong>po da reflexão. S<strong>em</strong> esse t<strong>em</strong>po não há n<strong>em</strong><br />
117 As cinco portas são os cinco sentidos: paladar, tato, olfato, visão e audição.
166<br />
a experiência n<strong>em</strong> a compreensão da convergência, muito menos a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma transcendência.<br />
O t<strong>em</strong>po da reflexão é a medida do mundo - <strong>de</strong>sse<br />
mundo fragmentado e <strong>de</strong>stituído <strong>de</strong> referências que possam suportar o<br />
"trânsito", o "sinal dos t<strong>em</strong>pos" 118 . Se, por um lado, ele nos impõe como<br />
condição um estado <strong>de</strong> alerta intenso, portanto exaustivo e<br />
comprometedor das nossas potencialida<strong>de</strong>s, por outro, oferece-nos<br />
como possibilida<strong>de</strong> a luci<strong>de</strong>z, mesmo que seja vertiginosa e<br />
enlouquecedora, ao revelar a natureza das coisas. E a natureza das<br />
coisas, como d<strong>em</strong>onstram as experiências do próprio narrador, é a<br />
incessante conjugação/dissipação que promove todos os<br />
acontecimentos 119 ; é a essência única e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, plural,<br />
incomensurável e inapreensível que flui <strong>em</strong> concomitância com a<br />
essência do Absoluto.<br />
Essa visão enlouquecedora e convergente é que nos<br />
oferece a compreensão da extr<strong>em</strong>a relativida<strong>de</strong> da vida individual <strong>em</strong><br />
relação ao cosmo, com todas as suas eras, todos os seus mundos, todas<br />
as suas civilizações que sobreviveram e ainda hoje sobreviv<strong>em</strong> na<br />
iminência do Nada 120 .<br />
118 A expressão "sinal dos t<strong>em</strong>pos", aqui, refere-se ao Apocalipse que, na tradição<br />
religiosa cristã, <strong>em</strong> meio a uma situação que é também <strong>de</strong> caos e <strong>de</strong> convergência,<br />
alu<strong>de</strong> aos sinais que prenunciam a "Gran<strong>de</strong> Revelação".<br />
119 Acontecimentos, aqui, refer<strong>em</strong>-se à Lógica do Acontecimento <strong>de</strong> Deleuze que<br />
reafirma a fusão dos t<strong>em</strong>pos passado, presente e futuro <strong>em</strong> um presente s<strong>em</strong>pre<br />
contínuo, interminável.<br />
120 O Nada aqui tanto se refere ao Sunia-Vada do Budismo Hinaya, ou seja, à<br />
concepção <strong>de</strong> que Deus é um "vasto vazio", como ao Net-Net (isto não, isto não) das<br />
mais tradicionais escolas do hinduismo que conceb<strong>em</strong> a existência <strong>de</strong> uma Ord<strong>em</strong>
167<br />
Em O Mono Gramático, a ação do T<strong>em</strong>po Absoluto,<br />
compenetrando e absorvendo o t<strong>em</strong>po relativo, ocorre <strong>em</strong> função <strong>de</strong> um<br />
espaço que também é múltiplo, contraditório e paradoxal. Muito <strong>em</strong>bora,<br />
<strong>em</strong> uma primeira instância, o narrador <strong>de</strong>termine o espaço da narrativa,<br />
Galta, <strong>em</strong> uma segunda instância, as referências espaciais que<br />
constitu<strong>em</strong> os registros dos acontecimentos do caminho são infinitas e<br />
culminam com uma <strong>de</strong>finição do espaço on<strong>de</strong> se realizou a experiência<br />
da escritura - Cambridge.<br />
Os espaços e os T<strong>em</strong>pos se perpassam, interpenetramse,<br />
momentaneamente, instantaneamente para ressurgir<strong>em</strong> <strong>em</strong> uma<br />
outra vereda dos pensamentos que brotam da mente alucinadamente<br />
ágil do narrador. Este, <strong>em</strong> reposta às suas experiências com a<br />
multiplicida<strong>de</strong>, projeta, no fazer literário, o seu sentimento <strong>de</strong> plenitu<strong>de</strong>,<br />
advindo <strong>de</strong> uma relação s<strong>em</strong>pre reabastecedora com a palavra.<br />
A linguag<strong>em</strong> como veículo que traduz as impressões do<br />
mundo, <strong>em</strong> O Mono Gramático, pulsa, contorce-se, na tentativa <strong>de</strong><br />
liberar a sua essência. Muito <strong>em</strong>bora o texto se organize <strong>em</strong> termos da<br />
Superior através da negação. Nos dois casos a iminência do Nada sugere o inusitado,<br />
ou o inesperado, ou, ainda, um acontecimento inserido na ord<strong>em</strong> do não-eu e do nãot<strong>em</strong>po.
168<br />
correspondência imagens/signos, a sua estrutura discursiva sugere, ao<br />
mesmo t<strong>em</strong>po, a informalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um monólogo (e, na medida <strong>em</strong> que o<br />
narrador afirma que o seu objetivo é dar existência a <strong>de</strong>terminadas<br />
realida<strong>de</strong>s através da palavra, ele também manifesta a sua necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> compreensão do mundo) e <strong>de</strong> um diálogo confuso com os infinitos<br />
"eus", interno e externo do narrador e <strong>de</strong> vários "outros" com os quais ele<br />
se i<strong>de</strong>ntifica ou encontram-se presentificados na narrativa. Devido ao<br />
caráter dispersivo <strong>de</strong>sses infinitos "eus", o diálogo se transforma <strong>em</strong> um<br />
solilóquio, às vezes "alambicado", parafraseando Jean Bloch-Michel, do<br />
qual o narrador procura, obstinadamente, extrair um sentido.<br />
Apesar dos inúmeros questionamentos sobre a<br />
linguag<strong>em</strong> encontrados no próprio texto, O Mono Gramático é uma<br />
tentativa <strong>de</strong> resposta às inquietações da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Isto,<br />
naturalmente, <strong>de</strong>vido à realização <strong>de</strong> procedimentos narrativos que, por<br />
um lado, impõ<strong>em</strong> uma relação <strong>de</strong> intertextualida<strong>de</strong> profundamente<br />
arraigada aos mitos e à poesia e, por outro, promove o mecanismo da<br />
<strong>de</strong>sconstrução e construção da linguag<strong>em</strong>, visando, obviamente, ao<br />
"transpasse" ou a uma nova forma <strong>de</strong> representação que não seja n<strong>em</strong><br />
limitada, n<strong>em</strong> limitadora <strong>de</strong> uma visão <strong>de</strong> convergência.
CONCLUSÃO<br />
Partindo <strong>de</strong> dois cenários distintos e, ao mesmo t<strong>em</strong>po,<br />
convergentes, Galta e Cambridge, e <strong>de</strong> dois t<strong>em</strong>pos, o da narrativa <strong>de</strong> O<br />
Mono Gramático e <strong>de</strong> O Rãmãyana, o narrador cria um universo<br />
plurissignificativo e multifacetado favorável às reflexões sobre a<br />
linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> seus múltiplos aspectos e funções. Em um primeiro<br />
momento, o sentido da linguag<strong>em</strong> se per<strong>de</strong> <strong>em</strong> divagações, indagações<br />
e conjecturas do narrador acerca do caminho e <strong>de</strong> um fim estabelecido<br />
como meta para, ao final, oferecer, como possibilida<strong>de</strong>, um encontro com<br />
a sua verda<strong>de</strong>ira essência e com a essência da(s) realida<strong>de</strong>(s) que<br />
traduz.<br />
Como resultado <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstrução e, ao<br />
mesmo t<strong>em</strong>po, construção da linguag<strong>em</strong>, outros sentidos, diferentes<br />
daqueles cristalizados pelas teorias lingüísticas, são atribuídos à<br />
linguag<strong>em</strong> <strong>de</strong> O Mono Gramático. Daí <strong>de</strong>corre uma compreensão do<br />
texto como corpo, cuja função é, simplesmente, colocar-se <strong>em</strong> contato<br />
com o que está fora, passar "intensida<strong>de</strong>s" e reunir condições para que<br />
se perceba a multiplicida<strong>de</strong>, o trânsito e a transcendência do instante 1 .<br />
Profundamente filosófica, a linguag<strong>em</strong> <strong>de</strong> O Mono<br />
Gramático tece uma teia interminável <strong>de</strong> relações que vai,<br />
1 Construída a partir <strong>de</strong> uma concepção do texto como corpo, a linguag<strong>em</strong> <strong>de</strong> O Mono<br />
Gramático sugere, entre uma palavra e outra ou entre uma frase e outra, o trânsito. A
169<br />
gradativamente, conduzindo narrador e leitor, não exatamente ao<br />
caminho <strong>de</strong> Galta, uma vez que Galta é metáfora <strong>de</strong> outras metáforas,<br />
mas ao caminho da investigação dos procedimentos literários utilizados<br />
na elaboração do próprio texto, b<strong>em</strong> como da análise <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados<br />
t<strong>em</strong>as consi<strong>de</strong>rados polêmicos para o hom<strong>em</strong> mo<strong>de</strong>rno e que, por sua<br />
vez, encontram-se representados através dos registros do caminho.<br />
A escolha do caminho e a busca <strong>de</strong> um fim que não<br />
existe; a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recomeçar s<strong>em</strong>pre a caminhar, mesmo<br />
sabendo que o fim não é o fim; a natureza da Natureza e a natureza das<br />
coisas; a mobilida<strong>de</strong> e a imobilida<strong>de</strong>; o pensamento e a idéia <strong>de</strong> trânsito;<br />
a originalida<strong>de</strong> e a cópia; os mitos, os símbolos, os rituais e as escrituras<br />
sagradas; Hãnumãn e seus símiles; Esplendor, os sãdhus, os balmiks,<br />
todos reunidos pela gloriosa pena do poeta Valmiki são agora vivificados<br />
pela prosa poética <strong>de</strong> Octavio Paz.<br />
O entendimento <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>sses t<strong>em</strong>as <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>,<br />
antes <strong>de</strong> mais nada, <strong>de</strong> um total <strong>de</strong>spojamento <strong>de</strong> conceitos formulados<br />
<strong>em</strong> um t<strong>em</strong>po que não correspon<strong>de</strong> ao T<strong>em</strong>po requisitado pelo<br />
acontecimento 2 da narrativa. Passado, presente e futuro se confund<strong>em</strong><br />
na experiência do narrador e do leitor que, à medida que avançam nas<br />
reflexões suscitadas pelo próprio texto, aproximam-se, cada vez mais, <strong>de</strong><br />
uma experiência com a multiplicida<strong>de</strong>. Dessa experiência resulta uma<br />
transcendência, por sua vez, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> um instante ou <strong>de</strong> um estado, que nas<br />
práticas <strong>de</strong> Suddha Haya Yoga chama-se Plena Atenção.
170<br />
compreensão da "Arte <strong>de</strong> Convergência: cruzamento <strong>de</strong> t<strong>em</strong>pos,<br />
espaços e formas" 3 .<br />
Os el<strong>em</strong>entos da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e da intertextualida<strong>de</strong><br />
são, portanto, claramente i<strong>de</strong>ntificados na narrativa <strong>de</strong> O Mono<br />
Gramático, tanto por uma concepção <strong>de</strong> estética, manifestada através <strong>de</strong><br />
sua estrutura híbrida, complexa e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, acessível ao leitor<br />
que admite a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> troca <strong>de</strong> experiências e <strong>de</strong> "intensida<strong>de</strong>s",<br />
como pelo caráter existencialista 4<br />
dos vários t<strong>em</strong>as que, s<strong>em</strong> dúvida<br />
nenhuma, apresentam-se interligados.<br />
O texto, a ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> uma concepção <strong>de</strong> T<strong>em</strong>po<br />
calcada na milenar teoria da momentaneida<strong>de</strong> é, <strong>em</strong> sua totalida<strong>de</strong>, um<br />
fluxo <strong>de</strong> idéias, pensamentos, s<strong>em</strong>ipensamentos, visões, impressões <strong>de</strong><br />
mundos, cuja realida<strong>de</strong> exce<strong>de</strong> a realida<strong>de</strong> dos signos que constitu<strong>em</strong> o<br />
sist<strong>em</strong>a lingüístico dos homens comuns. Ao mesmo t<strong>em</strong>po, na medida<br />
<strong>em</strong> que incorpora a noção <strong>de</strong> um T<strong>em</strong>po cíclico, o texto é também um<br />
círculo - não um círculo que se fecha, mas um círculo que, <strong>em</strong> espiral,<br />
abre-se ao infinito. A cada volta, as repetições são acrescidas <strong>de</strong> outros<br />
2 Aqui, a palavra "acontecimento" refere-se à concepção <strong>de</strong> Gilles Deleuze que reúne<br />
no t<strong>em</strong>po do "agora" o passado e todas as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> prospecção para o futuro.<br />
O acontecimento é, portanto, o eterno "presente", o eterno "agora".<br />
3 PAZ, O., Convergências, p.180.<br />
4 A palavra "existencialista" aqui é utilizada não no sentido do Existencialismo sartreano<br />
mas no sentido <strong>de</strong> um profundo questionamento acerca da existência do mundo, dos<br />
seres e <strong>de</strong> todas coisas nele manifestadas.
171<br />
el<strong>em</strong>entos, filhos do T<strong>em</strong>po Absoluto, o qual compenetra e transcen<strong>de</strong><br />
os anteriores.<br />
Sendo assim, Hanuman, a matriz universal, espalha<br />
seus símiles 5<br />
e, através <strong>de</strong>les, diss<strong>em</strong>ina o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cifração dos<br />
signos divinos; aparece e <strong>de</strong>saparece no <strong>em</strong>aranhado da "floresta-<strong>de</strong>palavras"<br />
e nos "<strong>de</strong>sfila<strong>de</strong>iros-da-linguag<strong>em</strong>" com o propósito <strong>de</strong> l<strong>em</strong>brar<br />
a existência do além-signo e do além-sentido; impõe, como condição<br />
para sobrevivência da espécie, a compreensão <strong>de</strong> uma vida que flui <strong>em</strong><br />
concomitância com os movimentos <strong>de</strong> conjugação e dissipação inerentes<br />
ao T<strong>em</strong>po.<br />
O estado <strong>de</strong> variação constante da linguag<strong>em</strong> <strong>de</strong> O<br />
Mono Gramático proporciona a percepção <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> plural -<br />
plural e instantânea. Essa percepção é que permite, ao narrador e ao<br />
leitor, o trânsito e o transe; o transpasse <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> a outra, ou a<br />
várias; permite, ainda, uma luci<strong>de</strong>z alucinante. Tanto é assim que, ciente<br />
<strong>de</strong>ssa possibilida<strong>de</strong>, o narrador adverte: "...Não pod<strong>em</strong>os ver s<strong>em</strong> o risco<br />
<strong>de</strong> enlouquecer..." 6<br />
O texto é um corpo, o corpo da poesia, o corpo <strong>de</strong><br />
Esplendor que se surpreen<strong>de</strong> ao ver sua sombra e a sombra <strong>de</strong> seu<br />
5 A analogia entre os símiles <strong>de</strong> Hanuman e o próprio hom<strong>em</strong> se estabelece na medida<br />
<strong>em</strong> que a história da humanida<strong>de</strong> é também uma história da busca <strong>de</strong> sentido para o<br />
mundo através da palavra.<br />
6 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 107.
172<br />
parceiro refletida na pare<strong>de</strong> do quarto on<strong>de</strong> se realiza o sagrado ritual do<br />
amor. Esplendor é também uma lenda - a lenda da filha <strong>de</strong> Prãjãpati -, ou<br />
seja, uma narrativa que nos r<strong>em</strong>ete à possibilida<strong>de</strong>, <strong>em</strong>bora r<strong>em</strong>ota, <strong>de</strong><br />
um acontecimento histórico perdido no t<strong>em</strong>po primordial.<br />
As alusões à relação corpo-<strong>de</strong>-Esplendor e corpo-dapoesia<br />
são diretas. Como processo <strong>de</strong> busca da plenitu<strong>de</strong>, ambos os<br />
corpos são textos in<strong>de</strong>cifráveis. Da lenda da filha <strong>de</strong> Prajãpati extrai-se,<br />
<strong>em</strong> uma primeira instância, uma relação do texto com os el<strong>em</strong>entos da<br />
prosa e, <strong>em</strong> seguida, a explicação para o movimento <strong>de</strong><br />
reconciliação/liberação do "eu" e <strong>de</strong> tudo que um dia foi separado <strong>de</strong> sua<br />
essência 7 . Assim, durante a cerimônia do amor, do corpo <strong>de</strong> Esplendor<br />
seu parceiro consegue ver apenas partes. O mesmo acontece com ela<br />
<strong>em</strong> relação ao corpo <strong>de</strong>le. Somente ao final, atingida a realização do<br />
<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> um encontro com a mais profunda e original experiência da<br />
vida, a sensação <strong>de</strong> plenitu<strong>de</strong> que inva<strong>de</strong> os amantes lhes permite a<br />
visão da totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus corpos.<br />
Toda cerimônia se passa <strong>em</strong> um T<strong>em</strong>po que "transcorre<br />
e não transcorre", significando dizer que toda prática amorosa implica na<br />
7 Iuri Lotman <strong>em</strong> A estrutura do texto artístico, no capítulo VI, analisa a trajetória da<br />
relação entre prosa e poesia e conclui: "Consi<strong>de</strong>rar a poesia e a prosa enquanto<br />
construções in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, isoladas uma da outra e po<strong>de</strong>ndo ser <strong>de</strong>scritas s<strong>em</strong><br />
correlação recípocra ("a poesia é o discurso ritimicamente organizado; a prosa é o<br />
discurso ordinário") levará inseparadamente o investigador à impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>limitar estes fenômenos.Chocando com a abundância das formas intermediárias, o<br />
investigador será forçado a concluir que é impossível traçar <strong>em</strong> geral uma fronteira<br />
<strong>de</strong>terminada entre o verso e a prosa". p. 182-183.
173<br />
subversão do T<strong>em</strong>po na ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> sucessão. O erotismo que<br />
acompanha a <strong>de</strong>scrição das <strong>em</strong>oções, percepções e sensações dos<br />
jogos do amor institui suas regras, tornando irredutíveis os efeitos<br />
causados na consciência dos envolvidos: os amantes, o narrador e o<br />
próprio leitor.<br />
No processo <strong>de</strong> visualização ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>cifração do corpoda-poesia<br />
ocorre o mesmo fenômeno: a linguag<strong>em</strong>, os mecanismos<br />
composicionais que se articulam na produção <strong>de</strong> imagens r<strong>em</strong>ontam a<br />
realida<strong>de</strong>s distintas das experimentadas no mundo objetivo. Lidamos<br />
com um tipo <strong>de</strong> matéria que nega o espírito 8 , daí a dificulda<strong>de</strong> da<br />
<strong>de</strong>cifração do corpo-da-poesia . As repetições que se suced<strong>em</strong><br />
organizam a produção <strong>de</strong> um sentido s<strong>em</strong>pre dispersivo; na medida <strong>em</strong><br />
que sugere o silêncio ou a existência do não-signo, a linguag<strong>em</strong> da<br />
poesia não se limita ao sist<strong>em</strong>a lingüístico comum; ela ultrapassa,<br />
transita e transcen<strong>de</strong> a relação objetivida<strong>de</strong>/subjetivida<strong>de</strong>. Daí <strong>de</strong>corre<br />
uma lógica, na maioria das vezes, insensata, absurda 9 . Tão absurda<br />
quanto a lógica que comanda a criação/<strong>de</strong>struição/reintegração do<br />
universo e <strong>de</strong> todas as coisas nele manifestadas.<br />
As repetições, as analogias, as metáforas alud<strong>em</strong> à<br />
impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um estado original único e absoluto; do Absoluto<br />
8 Em O arco e a lira Octavio Paz manifesta o seu posicionamento contrário às formas<br />
<strong>de</strong> pensamento que se prend<strong>em</strong> à oposição espírito/matéria. p. 325.<br />
9 Ainda, <strong>em</strong> O arco e a lira Paz cita Bréton para reafirmar a sua convicção <strong>em</strong> uma<br />
outra existência ou <strong>em</strong> uma "outrida<strong>de</strong>". p. 325.
174<br />
nada sab<strong>em</strong>os, dos mistérios da sua existência conhec<strong>em</strong>os apenas<br />
aquilo que foi produzido pela inteligência humana ao longo <strong>de</strong>sses<br />
milênios <strong>de</strong> evolução. Quanto ao estado original, graças ao<br />
<strong>de</strong>senvolvimento das ciências, hoje sab<strong>em</strong>os que a idéia <strong>de</strong> "único"<br />
refere-se a um estado indiferenciado da matéria, localizado no T<strong>em</strong>po<br />
primordial.<br />
O esforço das civilizações <strong>em</strong> compreen<strong>de</strong>r esses<br />
mistérios gerou, inicialmente, um conhecimento intuitivo, baseado na<br />
convicção <strong>de</strong> que uma hierarquia <strong>de</strong> seres extraordinários comandava os<br />
mundos e que a eles distribuía a sabedoria e a graça dos <strong>de</strong>uses.<br />
Apoiadas nesse conhecimento, as civilizações primitivas conseguiram se<br />
organizar <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al que cont<strong>em</strong>plava o b<strong>em</strong>, o amor, a<br />
prosperida<strong>de</strong>, a honra e a virtu<strong>de</strong>. Em O Rãmãyana t<strong>em</strong>os o registro <strong>de</strong><br />
uma civilização assim. O príncipe Rama é o ser perfeito, o ex<strong>em</strong>plo ou a<br />
incorporação da tolerância e da obediência aos seus pais que, por sua<br />
vez, obe<strong>de</strong>ciam aos <strong>de</strong>uses.<br />
Naquele t<strong>em</strong>po, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o hom<strong>em</strong> agisse <strong>em</strong><br />
conformida<strong>de</strong> com a lei universal, o contato com a divinda<strong>de</strong> se fazia <strong>de</strong><br />
forma praticamente direta. Hãnumãn, <strong>de</strong>signado pelo rei Sugriva para<br />
auxiliar Rama na batalha contra o terrível Rávana, transforma-se no herói<br />
divino e recebe, até hoje, a adoração e as oferendas daqueles que<br />
conhec<strong>em</strong> as suas extraordinárias façanhas.
175<br />
O poeta Valmiki transmite às posteriores civilizações o<br />
dharma 10 que prevaleceu <strong>em</strong> um t<strong>em</strong>po muito r<strong>em</strong>oto e do qual o hom<strong>em</strong><br />
mo<strong>de</strong>rno, sobretudo no oci<strong>de</strong>nte, t<strong>em</strong> apenas vagas referências. O poeta<br />
Octavio Paz, cidadão do mundo e indivíduo preocupado com a<br />
transposição das barreiras que, ao longo da nossa trajetória evolutiva,<br />
encarregaram-se <strong>de</strong> criar um estado <strong>de</strong> alienação contrário à vida do<br />
espírito, invoca Hãnumãn e propõe um diálogo com a condição<br />
humana 11 .<br />
A opção pela forma discursiva do diálogo é um indicativo<br />
<strong>de</strong> que o narrador busca o entendimento <strong>de</strong> questões que ultrapassam o<br />
conhecimento puramente intelectivo. Transportada para a narrativa <strong>de</strong> O<br />
Mono Gramático, a experiência da convergência revela o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> uma<br />
realida<strong>de</strong> que está s<strong>em</strong>pre mais além 12 , o que não significa um <strong>de</strong>sejo<br />
utópico, uma vez que a própria experiência conduz à compreensão da<br />
multiplicida<strong>de</strong> e, conseqüent<strong>em</strong>ente, da condição <strong>de</strong> extr<strong>em</strong>a relativida<strong>de</strong><br />
do indivíduo <strong>em</strong> relação ao cosmo.<br />
O narrador questiona, surpreen<strong>de</strong>-se e surpreen<strong>de</strong> o<br />
leitor, tece comentários e faz comparações. Seu interlocutor, no entanto,<br />
é um "eu" que permanece <strong>em</strong> silêncio; é um "eu" que se inscreve na<br />
10 Dharma - palavra sânscrita que significa lei divina.<br />
11 A escolha da preposição com ao invés <strong>de</strong> sobre visa transmitir exatamente a idéia <strong>de</strong><br />
comunhão, simultaneida<strong>de</strong>, comparação, concorrência, união, ou seja, todas idéias<br />
comuns à sua forma <strong>de</strong> pensar o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento material e espiritual da<br />
humanida<strong>de</strong>.<br />
12 Northrop Frye <strong>em</strong> Anatomia da crítica: segundo ensaio, trata da narrativa simbólica<br />
como "...um ritual ou imitação da ação humana como um todo, e não simplesmente<br />
como a mímesis práxeos ou imitação <strong>de</strong> uma ação". p. 107. Hanuman é, ao mesmo
176<br />
ord<strong>em</strong> do não-eu, como ele mesmo afirma: "nossa realida<strong>de</strong> mais íntima<br />
está fora <strong>de</strong> nós e não é nossa, n<strong>em</strong> una mas plural, plural e<br />
instantânea" 13 .<br />
Se as respostas aos seus questionamentos <strong>de</strong>pend<strong>em</strong><br />
<strong>de</strong> um "eu" silencioso, enigmático e profundamente dispersivo, a saída é<br />
tentar extrair das experiências instantâneas com esse "eu" o máximo <strong>de</strong><br />
consciência, para uma compreensão mais ampla do significado da vida 14 .<br />
Do começo ao fim o narrador <strong>de</strong>senvolve esse diálogo<br />
interno que mais dá a impressão <strong>de</strong> um solilóquio confuso e s<strong>em</strong> muita<br />
perspectiva <strong>de</strong> se chegar a conclusões <strong>de</strong>finitivas. No entanto, vários<br />
"eus" e vários "outros" aparec<strong>em</strong> <strong>em</strong> diferentes momentos <strong>de</strong> sua<br />
caminhada e com eles o narrador mantém algum tipo <strong>de</strong> diálogo. O seu<br />
<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> se comunicar é dirigido por uma surpreen<strong>de</strong>nte necessida<strong>de</strong><br />
interior <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação e <strong>de</strong> respostas. Quando encontra um sãdhu no<br />
santuário <strong>de</strong> Galta, ele se i<strong>de</strong>ntifica com seu objetivo e, após observá-lo<br />
<strong>em</strong> seus hábitos e práticas religiosas diz: "... Busca a equanimida<strong>de</strong>, o<br />
t<strong>em</strong>po, símbolo, lenda e mito e, sendo assim, o narrador através <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntificação,<br />
imita ou atualiza suas ações no t<strong>em</strong>po da narrativa e da leitura.<br />
13 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 54-55.<br />
14 Em Crítica da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, no capítulo intitulado A mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> plena, Alain<br />
Touraine <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> um conceito <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> que coinci<strong>de</strong> com a formulação do<br />
conceito <strong>de</strong> convergência <strong>de</strong> Octavio Paz. Ele diz: "A mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> realizada já não<br />
julga os comportamentos <strong>de</strong> acordo com a sua conformida<strong>de</strong> à lei divina ou <strong>em</strong> função<br />
da sua utilida<strong>de</strong> social; seu único objetivo é a felicida<strong>de</strong>, isto é, criar no indivíduo o<br />
sentimento <strong>de</strong> ser sujeito e <strong>de</strong> ser reconhecido como capaz <strong>de</strong> ações sociais que visam<br />
aumentar a sua consciência <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> criativida<strong>de</strong>". p. 434-435.
177<br />
ponto on<strong>de</strong> cessa a oposição entre a visão interior e a exterior, entre o<br />
que v<strong>em</strong>os e o que imaginamos" 15 . Em seguida, manifesta um <strong>de</strong>sejo:<br />
"...eu gostaria <strong>de</strong> falar com o sãdhu mas ele não enten<strong>de</strong> a minha língua<br />
e eu não falo a sua. Assim, <strong>de</strong> vez <strong>em</strong> quando me limito a compartilhar<br />
<strong>de</strong> seu chá, <strong>de</strong> seu bhang e <strong>de</strong> sua serenida<strong>de</strong>" 16 .<br />
A gran<strong>de</strong> questão <strong>de</strong> O Mono Gramático é, portanto, a<br />
partir <strong>de</strong> uma experiência individual, no caso, a experiência do narrador,<br />
reconstituir a trajetória do hom<strong>em</strong> <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> sua própria evolução,<br />
incluindo os mitos e a poesia, ou seja, as mais profundas e as mais<br />
sublimes formas do conhecimento, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios até os t<strong>em</strong>pos<br />
atuais 17 . Quando retoma os mitos, o narrador mergulha nas profun<strong>de</strong>zas<br />
da natureza humana para tentar resgatar-lhe a consciência <strong>de</strong> t<strong>em</strong>pos<br />
im<strong>em</strong>oriais; quando retoma a poesia, ele reatualiza o discurso mais<br />
eficiente e universal para expressar as necessida<strong>de</strong>s do espírito.<br />
Como a base do conhecimento mítico encontra-se<br />
profundamente arraigada na cultura oriental, é natural que o narrador,<br />
que é o próprio Octavio Paz, fosse buscar nesta civilização e, sobretudo<br />
na civilização hindu, a orig<strong>em</strong> <strong>de</strong> princípios cuja transcendência<br />
15 PAZ, O., O Mono Gramático, p.76.<br />
16 Ibid<strong>em</strong>, p.76.<br />
17 Jean-Yves Tadié <strong>em</strong> O romance do século XX afirma: "Na gran<strong>de</strong> recapitulação do<br />
século, as formas arcaicas coexist<strong>em</strong> com as mais novas". p.200.
178<br />
ultrapassa a compreensão do hom<strong>em</strong> comum 18 . Assim, verifica-se <strong>em</strong><br />
todo <strong>de</strong>correr da narrativa, uma atitu<strong>de</strong> reflexiva <strong>de</strong> natureza<br />
especulativa bastante acentuada, com vista à apreensão e à<br />
representação <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> extraordinariamente múltipla e, ao<br />
mesmo t<strong>em</strong>po, única. O registro minucioso <strong>de</strong> todos os acontecimentos<br />
d<strong>em</strong>onstra o estado <strong>de</strong> plena atenção do narrador. Esse estado é que<br />
vai, aos poucos, <strong>de</strong>ixando-o vislumbrar fragmentos <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong> que<br />
tudo congrega, tudo dissipa e, instantaneamente, vertiginosamente,<br />
promove a transcendência.<br />
Em face da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tentar compreen<strong>de</strong>r as<br />
dificulda<strong>de</strong>s do caminho <strong>de</strong> Galta, o leitor, que acompanha os<br />
<strong>de</strong>sdobramentos das reflexões <strong>em</strong>preendidas pelo narrador, é também<br />
levado a assumir uma atitu<strong>de</strong> especulativa. Do maior ao menor indício,<br />
surge uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>svendamento <strong>de</strong> seus mistérios 19 . A<br />
concepção oriental <strong>de</strong> T<strong>em</strong>po, a terminologia <strong>em</strong> sânscrito, as<br />
referências mitológicas, as lendas que se mesclam às reproduções<br />
18 A diferenciação <strong>de</strong> um tipo especial <strong>de</strong> hom<strong>em</strong> <strong>em</strong> relação aos homens comuns<br />
figura <strong>em</strong> toda a extensão da obra <strong>de</strong> Octavio Paz e, à primeira vista, suscita um<br />
importante questionamento quanto à sua postura intelectual. Alain Touraine <strong>em</strong> Crítica<br />
da Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> <strong>de</strong>dica um capítulo à parte para tratar da probl<strong>em</strong>ática do intelectual<br />
cont<strong>em</strong>porâneo. Ele diz: "O papel dos intelectuais <strong>de</strong>veria ser ajudar na <strong>em</strong>ergência do<br />
Sujeito, aumentando a vonta<strong>de</strong> e a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os indivíduos ser<strong>em</strong> agentes da sua<br />
própria vida". p. 432. Esse é, na verda<strong>de</strong>, um dos principais objetivos da obra <strong>de</strong> Paz,<br />
na medida <strong>em</strong> que ele, enquanto narrador, poeta ou mesmo crítico, não se coloca como<br />
doador <strong>de</strong> "verda<strong>de</strong>s". Muito pelo contrário. Ele instiga o leitor a buscar aquilo que o<br />
diferencia dos homens comuns, ou seja, a consciência, um estado <strong>de</strong> plena atenção<br />
para com a vida.<br />
19 A elaboração do Anexo I surgiu da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma investigação <strong>de</strong> alguns<br />
"indícios" que aparec<strong>em</strong> no texto e que nos r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> a uma cultura e a uma filosofia<br />
distintas das nossa.
179<br />
fotográficas <strong>de</strong> pinturas, <strong>de</strong> esculturas ou mesmo <strong>de</strong> pessoas e lugares<br />
são "veredas", "sendas", "atalhos", "caminhos" que permit<strong>em</strong> entrever<br />
um fim 20 . Além <strong>de</strong>sses indícios, o narrador também expõe as suas<br />
preocupações e as suas dificulda<strong>de</strong>s do caminho.<br />
O texto, <strong>em</strong> nenhum momento, apresenta-se como uma<br />
realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finitiva. Muito pelo contrário. As realida<strong>de</strong>s consi<strong>de</strong>radas<br />
"<strong>de</strong>finitivas", "imutáveis" e "imóveis" receb<strong>em</strong> da linguag<strong>em</strong> um convite à<br />
mobilida<strong>de</strong>, à transcendência; "...falar e escrever, narrar e pensar, é<br />
transcorrer, ir <strong>de</strong> um lado a outro: passar" 21 . A colag<strong>em</strong> ou a<br />
sobreposição <strong>de</strong> planos e <strong>de</strong> imagens, recursos também utilizados na<br />
composição da estrutura narrativa <strong>de</strong> O Mono Gramático, visam passar<br />
uma apreensão simultânea e extr<strong>em</strong>amente dinâmica da realida<strong>de</strong>.<br />
Mesmo estando t<strong>em</strong>aticamente relacionadas às<br />
diferentes versões dadas à questão do "caminho", todas as reproduções<br />
fotográficas receb<strong>em</strong>, do texto escrito, um tratamento que as impregna<br />
<strong>de</strong> múltiplas significações. Como <strong>em</strong> um jogo <strong>de</strong> espelhos, a imag<strong>em</strong><br />
fotográfica reflete mais <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong>: aquela circunscrita ao espaço<br />
da fotografia e outras <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adas a partir das associações. A<br />
fotografia Vereda <strong>de</strong> Galta po<strong>de</strong> ser citada como um ex<strong>em</strong>plo. Além da<br />
imag<strong>em</strong>, Galta é o caminho trilhado pelo narrador e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, é<br />
20 A palavra "fim" aqui está <strong>em</strong>pregada no sentido <strong>de</strong> "objetivo", no caso, da narrativa<br />
<strong>de</strong> O Mono Gramático viabilizar a experiência da convergência.<br />
21 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 116.
180<br />
metáfora, é rizoma, é conjunção e disjunção, é ponto <strong>de</strong> convergência.<br />
"...Não há fim e tampouco há princípio: tudo é centro. N<strong>em</strong> antes n<strong>em</strong><br />
<strong>de</strong>pois, n<strong>em</strong> adiante n<strong>em</strong> atrás, n<strong>em</strong> fora n<strong>em</strong> <strong>de</strong>ntro: tudo está <strong>em</strong><br />
tudo." 22<br />
Como um caminho que abre as portas às experiências<br />
transcen<strong>de</strong>ntais, Galta não é simplesmente uma escolha <strong>de</strong>liberada do<br />
narrador. Aliás, ele afirma não querer pensar <strong>em</strong> "Galta e seu poeirento<br />
caminho" e, no entanto, "Galta está aqui, <strong>de</strong>slizou <strong>em</strong> um recanto <strong>de</strong><br />
meus pensamentos ..." 23<br />
Essa referência alu<strong>de</strong> à ilusão do T<strong>em</strong>po <strong>de</strong><br />
sucessão e à ilusão da escolha. O caminho que nos levará à realização<br />
plena do nosso <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> simplesmente <strong>de</strong> um<br />
gesto nosso. Se "tudo está <strong>em</strong> tudo", nós estamos no T<strong>em</strong>po e <strong>de</strong>le<br />
extraímos a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>rmos qu<strong>em</strong> somos, <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
vi<strong>em</strong>os e para on<strong>de</strong> vamos 24 .<br />
É nas ruínas <strong>de</strong> Galta que o narrador experimenta a<br />
sensação da fusão dos t<strong>em</strong>pos e dos espaços, muito <strong>em</strong>bora,<br />
fisicamente, esteja sentado <strong>em</strong> um jardim, <strong>em</strong> Cambridge - "Os t<strong>em</strong>pos e<br />
os lugares são intercambiáveis..." 25 . Daí, <strong>de</strong>corr<strong>em</strong> as repetições e, <strong>em</strong><br />
conseqüência, a multivisão - "Cada t<strong>em</strong>po é diferente; cada lugar é único<br />
e todos são o mesmo - o mesmo. Tudo é agora" 26 .<br />
22 PAZ, O., O Mono Gramático, p. 140-141.<br />
23 Ibid<strong>em</strong>, p.17.<br />
24 Em O arco e a lira Octavio Paz vai mais além. Ele questiona: "Em que t<strong>em</strong>po<br />
viv<strong>em</strong>os?". p. 324.<br />
25 Paz, O., O Mono Gramático, p. 126.<br />
26 Ibid<strong>em</strong>, p.128.
181<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista dos procedimentos utilizados na<br />
elaboração do texto literário, verifica-se uma correspondência <strong>de</strong>ssa<br />
visão convergente da existência. O texto não t<strong>em</strong> um começo n<strong>em</strong> um<br />
fim. A narrativa simplesmente reproduz reproduções, reflete uma imag<strong>em</strong><br />
já refletida nos espelhos do T<strong>em</strong>po. Em seus muros enegrecidos e<br />
<strong>de</strong>crépitos, Galta reproduz a história <strong>de</strong> Rama e, por toda parte, louva as<br />
ações <strong>de</strong> Hãnumãn, o "Espírito Santo da Índia".<br />
O narrador cont<strong>em</strong>pla as imagens <strong>de</strong>ssa civilização<br />
corroída pelo t<strong>em</strong>po, toma contato com os adoradores <strong>de</strong> Hanumãn e<br />
reproduz, reatualiza, revisita, reconstrói todas as impressões <strong>de</strong>ssa<br />
experiência a partir <strong>de</strong> um olhar e <strong>de</strong> uma sensibilida<strong>de</strong> voltados para a<br />
percepção do T<strong>em</strong>po <strong>de</strong> agora e "...o agora já não se projeta num futuro:<br />
é um s<strong>em</strong>pre instantâneo" 27 .<br />
O leitor, por sua vez, envolvido no turbilhão <strong>de</strong> idéias,<br />
pensamentos, s<strong>em</strong>ipensamentos e sentimentos variados do(s) mundo(s),<br />
entre a perplexida<strong>de</strong> e a vertig<strong>em</strong> <strong>de</strong> um conhecimento transcen<strong>de</strong>nte,<br />
ren<strong>de</strong>-se ao texto e à extraordinária capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu narrador-autor <strong>de</strong><br />
fundir os t<strong>em</strong>pos e os espaços. Este, ao elaborar <strong>de</strong> forma poética um<br />
conceito <strong>de</strong> convergência, consegue prescrever lições <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e<br />
<strong>de</strong> intertextualida<strong>de</strong>, na medida <strong>em</strong> que oferece, como possibilida<strong>de</strong> para<br />
o entendimento <strong>de</strong>sses t<strong>em</strong>as, uma reflexão profunda sobre o T<strong>em</strong>po.<br />
27 Paz, O., O arco e a lira, p. 323.
BIBLIOGRAFIA<br />
1. DE OCTAVIO PAZ<br />
1.1. Ensaio<br />
Al paso. México: Seix Barral, 1992.<br />
Clau<strong>de</strong> Lévi-Strauss ou o novo festim <strong>de</strong> Esopo. Trad.Sebastião Leite.<br />
São Paulo: Perspectiva, 1993.<br />
Conjunções e disjunções. Trad. Lúcia Teixeira Wisnik. São Paulo:<br />
Perspectiva, 1979.<br />
Convergências: ensaios sobre arte e literatura. Trad. Moacir Werneck <strong>de</strong><br />
Castro. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Rocco, 1991.<br />
Corriente alterna. México: Siglo XXI, 1984.<br />
Cuadrivio. México: Joaquín Mortiz, 1991.<br />
El mono gramático. Barcelona: Seix Barral, 1990.<br />
El ogro filantrópico. México: Joaquín Mortiz, 1979.<br />
El signo y el garabato. México: Joaquín Mortiz, 1992.<br />
Hombres en su siglo. México: Seix Barral, 1990.<br />
In/mediacones. Barcelona: Seix Barral, 1979.
183<br />
Itinerário. México: Fondo <strong>de</strong> Cultura Económica, 1993.<br />
La búsqueda <strong>de</strong>l comiezo. Madri: Fundamentos, 1974.<br />
La llama doble: amor y erotismo. México: Seix Barral, 1993.<br />
La otra voz: poesía y fin <strong>de</strong> siglo. México: Seix Barral, 1990.<br />
Las peras <strong>de</strong>l olmo. Barcelona: Seix Barral, 1986.<br />
Le singe grammairien. Paris, Flamarion, 1972.<br />
Los hijos <strong>de</strong>l limo. Barcelona: Seix Barral, 1989.<br />
Los signos en rotación y otros ensayos. Edição <strong>de</strong> Carlos Fuentes. Madri:<br />
Alianza Editorial, 1971.<br />
Marcel Duchamp ou o castelo da pureza. Trad. Sebastião Uchoa Leite.<br />
São Paulo: Perspectiva, 1990.<br />
México en la obra <strong>de</strong> Octavio Paz. México: Fondo <strong>de</strong> Cultura Econômica,<br />
3 v., 1987.<br />
O arco e a lira. Trad. Olga Savary. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Fronteira, 1982.<br />
(Coleção Logos).<br />
Obras completas. México: Fondo <strong>de</strong> Cultura Económica, 6 v., 1994.<br />
O labirinto da solidão e post-scriptum. Trad. Eliane Zagury. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Paz e Terra, 1984.<br />
O mono gramático. Trad.Lenora <strong>de</strong> Barros e José Simão. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Guanabara S.A., 1988.<br />
Os filhos do barro. Trad.Olga Savary. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Fronteira,<br />
1984.
184<br />
Pasión crítica. Barcelona: Seix Barral, 1985.<br />
Pequeña crónica <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s días. México: Fondo <strong>de</strong> Cultura Económica,<br />
1990.<br />
Poesía en movimiento. México: Siglo XXI, 1991.<br />
Posdata. México: Siglo XXI, 1970.<br />
Primeras letras (1931-1934). México: Vuelta, 1988.<br />
Puertas al campo. Barcelona: Seix Barral, 1989.<br />
Signos <strong>em</strong> rotação. Trad. Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: Perspectiva,<br />
1976.<br />
Sombras <strong>de</strong> obras. Barcelona: Seix Barral, 1986.<br />
Sor Juana <strong>de</strong> la Cruz o las trampas <strong>de</strong> la fe. México: Fondo <strong>de</strong> Cultura<br />
Económica, 1982.<br />
Traducción: literatura y literalidad. Barcelona: Tusquets, 1971.<br />
Teatro <strong>de</strong> signos/transparências. Edición <strong>de</strong> Julián Rios. Madri:<br />
Fundamentos, 1974.<br />
Ti<strong>em</strong>po nublado. México: Seix Barral, 1990.<br />
Vislumbres <strong>de</strong> la Índia: un diálogo con la condición humana. Barcelona:<br />
Seix barral, 1995.<br />
1.2. Poesia<br />
¿Áquila ou sol? México: Fondo <strong>de</strong> Cultura Econômica, 1951.
185<br />
Árbol a<strong>de</strong>ntro (1976-1987). Barcelona:Seix Barral, 1987.<br />
Blanco. México: Joaquín Mortiz, 1967.<br />
Discos visuales. México: Era, 1968.<br />
La<strong>de</strong>ra este. México: Joaquín Mortiz, 1969.<br />
La estación violenta. México: Fondo <strong>de</strong> Cultura Económica, 1958.<br />
Liberdad bajo palabra. México: Fondo <strong>de</strong> Cultura Económica, 1949.<br />
Luna silvestre. México: Fábula, 1933.<br />
No pasaran! México: Simbad, 1936.<br />
Obra poética (1935-1988). Barcelona: Seix Barral, 1990.<br />
Pasado en claro. México: Fondo <strong>de</strong> Cultura Económica, 1975.<br />
Pedra <strong>de</strong> sol. Trad. Horácio Costa. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Guanabara, 1988.<br />
Piedra <strong>de</strong> sol. México: Fondo <strong>de</strong> Cultura Económica, 1957.<br />
Raíz <strong>de</strong>l hombre. México: Simbad, 1937.<br />
Renga. México: Joaquín Mortiz, 1972.<br />
Salamandra (1958-1961). México: Joaquín Mortiz, 1962.<br />
S<strong>em</strong>illas para un himno. México: Fondo <strong>de</strong> Cultura Económica, 1954.<br />
Topon<strong>em</strong>as. México: Era, 1971.<br />
Vuelta. Barcelona: Seix Barral, 1976.
186<br />
1.3. Teatro<br />
La hija <strong>de</strong> Rapaccini. México: Era, 1990.<br />
1.4. Dispersos<br />
América en plural y en singular (entrevista a Sérgio Marras). Vuelta,<br />
México, n. 194, jan. 1993.<br />
Contrarronda: México, Estados Unidos, América Central, etc. Vuelta,<br />
México, n. 131, out. 1987.<br />
La conjura <strong>de</strong> los letrados. Vuelta, México, n. 185, abr.1992.<br />
Los nacionalismos y otros b<strong>em</strong>oles (entrevista a Sérgio Marras). Vuelta,<br />
México, n. 195, fev. 1993.<br />
Repaso en forma <strong>de</strong> preámbulo. Vuelta, México, n.130, set. 1987.<br />
Ti<strong>em</strong>pos, lugares, encuentros. (Entrevista a Alfred Mac Adam). Anthropos,<br />
Barcelona, n. 14, 1992.<br />
Una gran<strong>de</strong>za caida. (Entrevista a Alberto Ruy Sánchez). Artes <strong>de</strong><br />
México, México, n.1, 1989.<br />
Unidad, mo<strong>de</strong>rnidad, tradición. Anthropos, Barcelona, n.14, 1992.<br />
Vislumbres <strong>de</strong> la Índia. Vuelta, México, n.221, abr.1995.
187<br />
2. SOBRE OCTAVIO PAZ<br />
ANDRADE, Alberto Mário Perrone. Introducción a la poesía actual: para<br />
leer Octavio Paz. América Hispânica, Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ, n.3, janjun.1991.<br />
BECERRA, Eduardo. El mono gramático: convocar una ausencia,<br />
interrogar un vacío. Cua<strong>de</strong>rnos hispanoamericanos, Madri, n. 525,<br />
mar. 1994.<br />
CAMPOS, Haroldo <strong>de</strong>. Poseía y mo<strong>de</strong>rnidad. Vuelta, México, n.99, fev.<br />
1985.<br />
________. Constelações para Octavio Paz. In: ____ e Paz, Octavio.<br />
Transblanco. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Guanabara, 1986.<br />
________. Reflexões sobre a transcrição <strong>de</strong> "Blanco", com um excurso<br />
sobre a teoria da tradução do poeta mexicano. In: _____ e Paz,<br />
Octavio. Transblanco. São Paulo: Siciliano, 1994.<br />
________. Ruptura dos gêneros na literatura latino-americana. São Paulo:<br />
Perspectiva, 1977.<br />
________. Transblanco. Folha <strong>de</strong> São Paulo, 25 mar. 1984. Folhetim.<br />
COSTA, Horácio. Poiésis e política: o mo<strong>de</strong>lo intelectual <strong>de</strong> Octavio Paz.<br />
Revista USP, São Paulo, <strong>de</strong>z-fev. 1990-91.<br />
Cua<strong>de</strong>rnos hispanoamericanos, homenaje a Octavio Paz, Madri, n. 3443-<br />
345, jan-mar. 1979. Edição especial.<br />
DIEZ, Luiz Alfonso. Posía y pensamiento en Octavio Paz. Revista<br />
Nacional <strong>de</strong> Cultura, Caracas, n.212-215, 1973.<br />
FLORES, Angel. Aproximaciones a Octavio Paz. México: Joaquín Mortiz,<br />
1974.
188<br />
GIMFERRER, Pere. Lecturas <strong>de</strong> Octavio Paz. Barcelona: Anagrama,<br />
1980.<br />
GONZÁLEZ, Javier. El cuerpo y la letra: la cosmología poética <strong>de</strong> Octavio<br />
Paz. México: Fondo <strong>de</strong> Cultura Económica, 1990.<br />
JOSEF, Bella. Octavio Paz: o exercício poético da luci<strong>de</strong>z. América<br />
Hispânica, Rio <strong>de</strong> Janeiro:UFRJ, n.5, jan-jun. 1991.<br />
LAFER, Celso. O poeta, a palavra e a máscara. In: PAZ, Octavio. Signos<br />
<strong>em</strong> rotação. São Paulo: Perspectiva, 1976.<br />
________ e CAMPOS, Haroldo <strong>de</strong>. Conversa sobre Octavio Paz. Revista<br />
da USP, São Paulo, <strong>de</strong>z. 1990-jan.1991.<br />
LEITE, Sebastião Uchoa. Octavio Paz: o mundo como texto. In: PAZ,<br />
Octavio. Signos <strong>em</strong> rotação. São Paulo: Perspectiva, 1976.<br />
LEMAITRE, Monique. Octavio Paz: poesía y poética. México: UNAM,<br />
1976.<br />
MACIEL, Maria Esther. A Poesia <strong>em</strong> T<strong>em</strong>pos Sombrios. Jornal do Brasil,<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, 4 <strong>de</strong>z. 1993. Ca<strong>de</strong>rno Idéias.<br />
________. Quatro olhares sobre "Blanco" <strong>de</strong> Octavio Paz. América<br />
Hispânica, Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ, n.5, jan-jun. 1991.<br />
________. Octavio Paz: Ruptura e Convergência. Ensaios <strong>de</strong> S<strong>em</strong>iótica,<br />
Belo Horizonte: UFMG, n.26, 1992-1993.<br />
MAGIS, Carlos H. La poesía hermética <strong>de</strong> Octavio Paz. México: Colégio<br />
<strong>de</strong> México, 1978.<br />
MALPARTIDA, Juan (coord.) Anthropos, Madri, n.14, 1992. Número<br />
especial <strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> a Octavio Paz.
189<br />
________. Por el camino <strong>de</strong>l medio. Cua<strong>de</strong>rnos hispanoamericanos,<br />
Madri, n.525, mar.1994.<br />
MATAMORO, Blas. El espejo que soy me <strong>de</strong>shabita. Cua<strong>de</strong>rnos<br />
hispanoamericanos, Madri, n. 525, mar.1994.<br />
MILÁN, Eduardo. Tensão do dizer <strong>em</strong> "Blanco"<strong>de</strong> Octavio Paz. In: PAZ,<br />
Octavio e CAMPOS, Haroldo. Transblanco. São Paulo: Siciliano,<br />
1994.<br />
MORA, Jorge Aguilar. La divina pareja: historia y mito en Octavio Paz.<br />
México: Era, 1991.<br />
NUSSBERG, Maya Schärer. Octavio Paz: trayectórias y visiones. México:<br />
Fondo <strong>de</strong> Cultura Económica, 1989.<br />
OJEDA, Jorge Arturo. La cabeza rota: la poética <strong>de</strong> Octavio Paz. Puebla:<br />
Pr<strong>em</strong>iá, 1983.<br />
ORTEGA, Julio. Uma hipótese <strong>de</strong> leitura. In: PAZ, Octavio e CAMPOS,<br />
Haroldo. Transblanco. São Paulo: Siciliano, 1994.<br />
PERDIGÓ, Luisa. La estética <strong>de</strong> Octavio Paz. Madri: Playor, 1975.<br />
PICCHIO, Luciana Stegagno. Octavio Paz: raízes. América Hispânica, Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro: UFRJ, n.5, jan-jun. 1991.<br />
PUCCINI, Dario. Octavio Paz: tradição e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. América Hispânica,<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ, n.5, jan-jun.1991.<br />
RÍOS, Julián.Un coup <strong>de</strong> Dadd. In: ROGGIANO, Alfredo (org.) Octavio<br />
Paz. Madri: Fundamentos, 1979.<br />
ROBAYNA, Andrés Sánches. Transblanco <strong>de</strong> Octavio Paz e Haroldo <strong>de</strong><br />
Campos. In: PAZ, Octavio e CAMPOS, Haroldo. Transblanco. São<br />
Paulo: Siciliano, 1994.
190<br />
RODRÍGUEZ, Padron Jorge. Octavio Paz. Madrid: Jucar, 1975.<br />
ROGGIANO, Alfredo (org.). Octavio Paz. Madri: Fundamentos, 1979.<br />
ROJO, Enrique González. El rey va <strong>de</strong>snudo: los ensaios políticos <strong>de</strong><br />
Octavio Paz. México: Editora Posada, S.A., 1989.<br />
SANCHEZ, Alberto Ruy. Una introdución a Octavio Paz. México: Joaquín<br />
Mortiz, 1990.<br />
SANTÍ, Enrico Mario. <strong>Texto</strong>s e contextos: Hei<strong>de</strong>gger, Paz y la poética.<br />
Revista Iberoamericana, Madri, 1978.<br />
SANDOVAL, Rodolfo Mata. Octavio Paz e Haroldo <strong>de</strong> Campos:<br />
contradições da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> na América Latina. São Paulo: USP,<br />
1993. (Dissertação <strong>de</strong> Mestrado).<br />
SARDUY, Severo. Renga, po<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Octavio Paz, Jacques Roubaud,<br />
Edoardo Sanguinetti y Charles Tomlinson. In: Roggiano, Alfredo<br />
(org.). Octavio Paz. Madri: Fundamentos, 1979.<br />
SCHÄRER-NUSSBERGER, Maya. De la perfección <strong>de</strong> lo infinito a la<br />
perfección. Cua<strong>de</strong>rnos hispanoamericanos, Madri, n.525, mar.1994.<br />
________. Octavio Paz. Trayetorias y visiones. México: Fondo <strong>de</strong> Cultura<br />
Económica, 1989.<br />
SOMLYÓ, Gyorgy. O poeta do t<strong>em</strong>po capturado. Folha <strong>de</strong> São Paulo, 25<br />
mar. 1984. Folhetim.<br />
ULACIA, Manuel. Árvore milenária. O Estado <strong>de</strong> S. Paulo, 8 <strong>de</strong>z. 1990.<br />
Supl<strong>em</strong>ento Cultura.<br />
VALDÉS, Mario (com.). Leyendo Octavio Paz. Revista Cana<strong>de</strong>nse <strong>de</strong><br />
Estudios Hispánicos XVI, 3, Toronto: University of Toronto, 1992.
191<br />
VERNANI, Hugo. Octavio Paz: bibliografia crítica. México: UNAM, 1983.<br />
VIZCAÍNO, Fernando. Biografia política <strong>de</strong> Octavio Paz o la razón<br />
ar<strong>de</strong>nte. Málaga: Algazara,1993.<br />
WILSON, Jason. Octavio Paz: un estudio <strong>de</strong> su poesía. Bogotá: Pluma<br />
Ltda, 1980.<br />
YURKIEVICH, Saúl. Octavio Paz: revelación e invención. In: La movediza<br />
mo<strong>de</strong>rnidad. Madrid: Taurus, 1996.<br />
_____ . Octavio Paz: la fábrica y la figura. In: La movediza mo<strong>de</strong>rnidad.<br />
Madrid: Taurus, 1966.<br />
3. OBRAS GERAIS<br />
ABBAGNANO, Nicolas. Dicionário <strong>de</strong> filosofia. São Paulo: Mestre Jou,<br />
1982.<br />
ARENDT, Hannah. A vida do espírito:o pensar, o querer, o julgar. 2ª ed.,<br />
Trad. Antônio Abranches e Cesar Augusto R. <strong>de</strong> Almeida. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Relumé Dumará, 1993.<br />
ARISTÓTELES. Poética. Trad. Eudoro <strong>de</strong> Sousa. Lisboa: Imprensa<br />
Nacional/Casa da Moeda, 1986.<br />
________. Arte retórica e arte poética. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Edições <strong>de</strong> Ouro,<br />
s/d.<br />
ARROJO, Ros<strong>em</strong>ary. O signo <strong>de</strong>sconstruído. Campinas: Pontes, 1992.<br />
ÁVILA, Afonso. Literatura e socieda<strong>de</strong>: a tradição do novo. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro:UFRJ, 1984.
192<br />
BACHELARD, Gaston. A dialética da duração. Trad. Marcelo Coelho. São<br />
Paulo: Ática, 1988.<br />
_______ . A poética do <strong>de</strong>vaneio. Trad. Antônio Pádua Danesi. São<br />
Paulo: Martins Fontes, 1988.<br />
________. L'intuition <strong>de</strong> l'instant. Paris: Stock, 1992.<br />
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguag<strong>em</strong>. Trad. Paulo<br />
Bezerra. São Paulo, 1995.<br />
________. Probl<strong>em</strong>as da poética <strong>de</strong> Dostoiéviski. 7ª ed., Trad. Paulo<br />
Bezerra. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense-Universitária, 1991.<br />
_______. Questões <strong>de</strong> literatura e estética (A teoria do Romance). Trad.<br />
Aurora Fornoni Bernadini e alii. São Paulo: Hucitec Ltda., 1993.<br />
BARBOSA, João Alexandre. As ilusões da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. São Paulo:<br />
Perspectiva, 1986.<br />
_______ . A metáfora crítica. São Paulo: Perspectiva, 1974.<br />
BARTHES, Roland. Crítica e verda<strong>de</strong>. Trad. Geraldo Gerson <strong>de</strong> Sousa.<br />
São Paulo: Perspectiva, 1982.<br />
________. O grau zero da escritura. Trad. Heloísa Dantas, São Paulo:<br />
Cultrix, 1976.<br />
________. O óbvio e o obtuso. Trad. Léa Novaes. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova<br />
Fronteira, 1990.<br />
________. O prazer do texto. Trad. J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva,<br />
1977.<br />
________ et alii. Escrever...para quê? Para qu<strong>em</strong>? Trad. Raquel Silva<br />
Lisboa: Edições 70, 1975.
193<br />
________. Análise estrutural da narrativa. Trad. Maria Zélia Barbosa<br />
Pinto. Petrópolis: Vozes, 1971.<br />
BATAILLE, Georges. O erotismo. Trad. Antônio Carlos Viana. São Paulo:<br />
L&M, 1987.<br />
BELUZZO, Ana Maria (org.). Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>: vanguardas artísticas na<br />
América Latina. São Paulo: M<strong>em</strong>orial/UNESP, 1990.<br />
BENJAMIN, Walter. A mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e os mo<strong>de</strong>rnos. Trad. Heindrun<br />
Krieger Men<strong>de</strong>s et alii. Rio <strong>de</strong> Janeiro: T<strong>em</strong>po Brasileiro, 1975.<br />
________. Charles Bau<strong>de</strong>laire, um lírico no auge do capitalismo. Trad.<br />
José Carlos Barbosa e H<strong>em</strong>erson Batista. São Paulo: Brasiliense,<br />
1989.<br />
________. Magia e técnica, arte e política. Trad. Sérgio Rouanet. São<br />
Paulo: Brasiliense, 1987.<br />
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido <strong>de</strong>smancha no ar. Trad. Carlos<br />
Felipe Moisés. São Paulo: Companhia das <strong>Letras</strong>, 1986.<br />
BLANCHOT, Maurice. L'espace littéraire. Paris: Gallimard, 1955.<br />
BLOCK, Askell. Nouvelles tendances en littérature comparée. Paris: Nizet,<br />
1970.<br />
BLOOM, Harold. A angústia da influência: uma teoria da poesia.Trad.<br />
Arthur Nestroviski. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago, 1991.<br />
________. O cânone oci<strong>de</strong>ntal. Trad.Marcos Santarrita. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Editora Objetiva Ltda.,1995.<br />
________. Um mapa da <strong>de</strong>sleitura. Trad. Thelma Médici Nóbrega. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Imago, 1995.
194<br />
BORNHEIM, Gerd A. Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Cultrix, 1977.<br />
BOSI, Alfredo. O ser e o t<strong>em</strong>po da poesia. São Paulo: Cultrix, 1977.<br />
BRADBURY, Malcon e MCFARLANE, James. O mo<strong>de</strong>rnismo: guia geral.<br />
São Paulo: Companhia das <strong>Letras</strong>, 1989.<br />
BRETON, André. Antologia (1913-1966). México: Sigo XXI, 1978.<br />
________. Manifestos do surrealismo. São Paulo: Brasiliense, 1985.<br />
BRUNEL, P. et alii. Thématiques et thématologie. In: Qu' est-ce la<br />
littérature comparée? Paris: A. Colin, 1983.<br />
CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. Trad. Nilson Moulin. São Paulo:<br />
Companhia das <strong>Letras</strong>, 1993.<br />
CAMPOS, Haroldo. A arte no horizonte do provável. São Paulo:<br />
Perspectiva, 1969.<br />
CARPEAUX, Otto Maria. História da literatura oci<strong>de</strong>ntal. 2ª ed., Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Editorial Alhambra, 1984. vs. 7 e 8.<br />
CASSIRER, Ernest. Linguag<strong>em</strong> e mito. São Paulo: Perspectiva, 1972.<br />
CHIAMPI, Irl<strong>em</strong>ar (org.). Fundadores da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. São Paulo: Ática,<br />
1992.<br />
CHIAPPINI, Lygia e AGUIAR, Flávio (org.). Literatura e história na<br />
América Latina. São Paulo: EDUSP, 1993.<br />
CLEMENTS, Robert. "Th<strong>em</strong>es and Mythes". In. Comparative literature as<br />
acad<strong>em</strong>ic discipline. New York:The Mo<strong>de</strong>rn Language Association of<br />
America, 1978.
195<br />
COMPAGNON, Antoine. La second main ou le travail <strong>de</strong> la citacion. Paris:<br />
Seuil, 1979.<br />
________. Les cinq paradoxes <strong>de</strong> la mo<strong>de</strong>rnité. Paris: Seuil, 1990.<br />
DELEUZE, Gilles. Conversações. Trad. Peter Pál Pelbart.Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Editora 34, 1992.<br />
________. Lógica do sentido. Trad. Luiz Roberto Salinas. São Paulo:<br />
Perspectiva, 1982.<br />
________ e GUATARI, F. Kafka: por uma literatura menor. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Imago, 1977.<br />
________. Mil mesetas: capitalismo y esquizofrenia. Valencia: Arco &<br />
Livros, 1988.<br />
DERRIDA, Jacques. Margens da filosofia. Trad. Joaquim Torres Costa e<br />
Antônio M. Magalhães. Campinas: Papirus, 1991.<br />
________. Paixões. Trad. Lóris Z. Machado. Campinas: Papirus,1992.<br />
________. Salvo o nome. Trad. Nícia Adan Bonatti. Campinas: Papirus,<br />
1990.<br />
________ et alii. Teoria y <strong>de</strong>sconstrucción. Madrid: Arcos/Libros S.A.,<br />
1990.<br />
DIAS, Sousa. Lógica do Acontecimento: Deleuze e a Filosofia. Santa<br />
Maria da Feira: Porto, 1995.<br />
DICTIONNAIRE DES IDÉES CONTEMPORAINES. Paris: Éditions<br />
Universitaires, 1964.<br />
DICTIONNAIRE DE LITTÉRATURE CONTEMPORAINE. Paris: Éditions<br />
Universitaires, 1963.
196<br />
DUFRENNE, Mikel. Estética e filosofia. Trad. Roberto Figurelli. São Paulo:<br />
Perspectiva, 1981.<br />
DUGAST, Jacques. Les étu<strong>de</strong>s <strong>de</strong>s thèmes. In: Recherches en littératures<br />
générale et comparée en France. Paris:S.F.L.G.C., 1983.<br />
ECO, Humberto. A estrutura ausente. Trad. Pérola <strong>de</strong> Carvalho. São<br />
Paulo: Perspectiva, 1972.<br />
ELIADE, Mircea. Mito e realida<strong>de</strong>. Trad. Pola Civelli. São Paulo:<br />
Perspectiva, 1972.<br />
ETIEMBLE. Comparaison n'est pas raison. Paris: Gallimard/Nouvelle<br />
Revue Fançaise, 1963.<br />
FOUCAULT, Michel. Las palabras y las cosas. 21.ed.Trad. Elsa Cecilia<br />
Frost. México: Siglo XXI, 1991.<br />
________. Historia <strong>de</strong> la sexualidad-1: La voluntad <strong>de</strong> saber. Trad. Ulises<br />
Guiñazú. Madrid: Siglo XXI S.A., 1992.<br />
FRYE, Nothrop. Anatomia da crítica. Trad. Péricles Eugênio da Silva<br />
Ramos. São Paulo: Cultrix, s/d.<br />
FRIEDERICH, Hugo. Estrutura da lírica mo<strong>de</strong>rna. Trad. Marise Curione.<br />
São Paulo: Duas Cida<strong>de</strong>s, 1990.<br />
FUENTES, Carlos. Valiente mundo nuevo. México: Fondo <strong>de</strong> Cultura<br />
Económica, 1990.<br />
GENETTE, Gérard. Figuras. Trad. Ivonne Floripes Mantoanelli. São<br />
Paulo:Perspectiva, 1972.<br />
GOTLIB, Nádia Batella. O fim visual do século XX e outos textos críticos.<br />
São Paulo: EDUSP, 1993.
197<br />
GRANT, M. & HAZEL, John. Dictionnaire <strong>de</strong> la mythologie. Trad. Lyris, E.<br />
Paris: Marabout, 1975.<br />
GUILLÉN, Claudio. Entre lo uno y lo diverso. Barcelona: Crítica, 1985.<br />
GUYARD, Marins François. La littérature comparée. Paris: PUF, 1956.<br />
HARVEY, David. Condição pós-mo<strong>de</strong>rna. Trad. Adail Ubirajara Sobral e<br />
Maria Stela Goncalves. São Paulo: Loyola, 1993.<br />
HEIDEGGER, Martin. Arte y poesía. Trad. Samuel Ramos. México: Fondo<br />
<strong>de</strong> Cultura Económica, 1992.<br />
HEISE, Eloá (org.). Facetas da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> - a questão da<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> - ca<strong>de</strong>rno 2. São Paulo/ Departamento <strong>de</strong> <strong>Letras</strong><br />
Mo<strong>de</strong>rnas/FFLCH-USP, 1996.<br />
HUMPHREY, Robert. O fluxo da consciência. Trad. Gert Meyer. São<br />
Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1976.<br />
HUIZINGA, Johan. Homo lu<strong>de</strong>ns. Trad. João Paulo Monteiro. São Paulo:<br />
Perspectiva, s/d.<br />
HUTCHEON, Linda. A poética da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Trad. Ricardo Cruz.<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago, 1991.<br />
INTERTEXTUALIDADES - "POETIQUES" n.27. Coimbra: Almeidina, s/d.<br />
JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. Trad. José Paulo Paes.<br />
São Paulo: Cultrix, 1985.<br />
JAMESON, Fredric. Pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo. Novos<br />
estudos Cebrap, São Paulo: n.12, jun.1985.<br />
JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria<br />
literária. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994.
198<br />
________. Pour une esthétique <strong>de</strong> la réception.Trad. Clau<strong>de</strong> Moullard.<br />
Paris: Gallimard, 1987.<br />
JEUNE, Simon. Types et thèmes: vers l'histoire <strong>de</strong>s idées. In: Littérature<br />
générale et littérature comparée. Paris: Minard, 1968.<br />
KAYSER, Wolfang. Análise e interpretação da obra literária.4.ed. Trad.<br />
Paulo Quintela. Coimbra: Armênio Amado, 1968.<br />
KAZANTZAKIS, Nikos. A última tentação <strong>de</strong> Cristo. Trad. Waldéa<br />
Barcellos e Rose Nânie Pizzinga. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Rocco, 1988.<br />
KISTEVA, Julia. La révolution du langage poétique. Paris: Seuil, 1974.<br />
LYOTARD, Jean-François. La condition post-mo<strong>de</strong>rne. Paris: Ed. Minuit,<br />
1979.<br />
MACIEL, Maria Esther. As vertigens da luci<strong>de</strong>z: poesia e crítica. São<br />
Paulo: Experimento, 1995.<br />
MACHADO, Roberto. Deleuze e a filosofia. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Graal, 1990.<br />
MARINO, Adrian.Comparatisme et théorie <strong>de</strong> la littérature. Paris: PUF,<br />
1988.<br />
MICHEL, Jean-Bloch. La "nueva novela". Trad. G. Torrente Ballester.<br />
Madrid: Guadarrama, S.A., 1967.<br />
MOISÉS, Massaud. A análise literária. São Paulo: Cultrix, 1978.<br />
MOURALIS, Bernard. As contra-literaturas. Trad. António Felipe<br />
Rodrigues Marques e José David Pinto Correia. Coimbra: Livraria<br />
Almeidina, 1982.<br />
ORTEGA Y GASSET. A <strong>de</strong>sumanização da arte. Trad. Ricardo Araújo.<br />
São Paulo: Cortez, 1991.
199<br />
PANKOW, Gisela. O hom<strong>em</strong> e seu espaço vivido. Trad. Flávia Cristina <strong>de</strong><br />
Souza Nascimento. Campinas: Papirus, 1988.<br />
PAVESE, Cesare. El oficio <strong>de</strong> poeta. Trad. Rodolfo Alonso. Buenos Aires:<br />
Nueva Visión, 1957.<br />
PEIRCE, Charles S. S<strong>em</strong>iótica. Trad. José Teixeira Coelho Neto. São<br />
Paulo: Perspectiva, 1977.<br />
PERRONE-MOISÉS, Leyla. <strong>Texto</strong>, crítica, escritura. São Paulo: Ática,<br />
1978.<br />
PICHOIS, Clau<strong>de</strong> & ROUSSEAU, André M. La literatura comparada.<br />
Versión española <strong>de</strong> Germán Colón Domenech. Madrid: Edición<br />
Gredas, 1969.<br />
POUND, Ezra. ABC da literatura. Trad. Augusto <strong>de</strong> Campos e José Paulo<br />
Paes. São Paulo: Cultrix, 1985.<br />
________. A arte da poesia. Trad. José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix,<br />
1976.<br />
RAYMOND, Marcel. De Bau<strong>de</strong>laire ao surrealismo. Madri: Fondo <strong>de</strong><br />
Cultura Económica, 1983.<br />
READ, Herbert. A arte <strong>de</strong> agora, agora. Trad. J. Guinsburg e Janete<br />
Meiches. São Paulo: Perspectiva, 1972.<br />
REMAK, Henry H.H. Comparative littérature - its <strong>de</strong>finition and function. In:<br />
Comparative littérature: methods and perspectives. Paris: Carbonale,<br />
1961.<br />
ROSENBERG, Harold. La tradición <strong>de</strong> lo nuevo. Madri: Monte Ávila, 1969.<br />
ROSENFELD, Anatol. Aspectos do romantismo al<strong>em</strong>ão: texto/contexto.<br />
São Paulo: Perspectiva, 1969.
200<br />
ROUSSEAUX, André. Littérature du XXè siécle. Paris: Albin Michel, 1955.<br />
SCHOLES, Robert e KELLOG, Robert. A natureza da narrativa. Trad. Gert<br />
Meyer. São Paulo: McGraw-Hill, 1977.<br />
SOURIAU, Étienne. La correspondance <strong>de</strong>s arts. Paris: Flammarion,<br />
1962.<br />
SPALDING, T. Orpheu. Dicionário da mitologia latina. São Paulo: Cultrix,<br />
1982.<br />
STAIGER, Emil. Conceitos fundamentais <strong>de</strong> poética. Trad. Gilda Stuart e<br />
Felipe Rajabally. São Paulo: Companhia das <strong>Letras</strong>, 1988.<br />
TEORIA DA LITERATURA: <strong>Texto</strong>s dos formalistas russos. 4.ed. Porto<br />
Alegre: Globo, 1978.<br />
TOMACHEVSKI, B. Teoria da literatura - formalistas russos. In: Teoria da<br />
literatura: textos dos formalistas russos. 4.ed. Porto Alegre: Globo,<br />
1978.<br />
TORRE, Guillermo <strong>de</strong>. História das literaturas <strong>de</strong> vanguardas v.I. Trad.<br />
Maria do Carmo Cary.2.ed. Santos: Martins Fontes, 1970.<br />
TOURAINE, Alain. Crítica da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Trad. Fátima Gaspar e Carlos<br />
Gaspar. Lisboa: <strong>Instituto</strong> Piaget, 1994.<br />
VERNANI, Hugo J. Las vanguardas literarias <strong>em</strong> Hispano-América.<br />
México: Fondo <strong>de</strong> Cultura Económica, 1990.<br />
WELLEK, René. A crise da literatura comparada. In:Conceitos <strong>de</strong> crítica.<br />
Trad. Oscar Men<strong>de</strong>s. São Paulo: Cultrix, 1963.<br />
________ e WARREN, Austin. Teoria da literatura. Trad. José Palla e<br />
Carmo. Lisboa: Europa-América, 1971.
201<br />
WILLIAMS, Raymond. Cultura e socieda<strong>de</strong>: 1780-1959. Trad. Leônidas H.<br />
B. Hegenberg et alii. São Paulo: Editora Nacional, 1969.<br />
________. O campo e a cida<strong>de</strong>: na história e na literatura. Trad. Paulo<br />
Henriques Brito. São Paulo: Ática, 1989.<br />
YVES, Jean Tadié. O romance no século XX. Trad. Miguel Serras Pereira.<br />
Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992.<br />
ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatura. São<br />
Paulo: Ática, 1989.<br />
ZOURABICHVILI, François. Deleuze: une philosophie <strong>de</strong> L’évén<strong>em</strong>ent.<br />
Paris: Presses Universitaires <strong>de</strong> France, 1995.<br />
4. FILOSOFIA ORIENTAL<br />
AVALON, Arthur. La doctrine du mantra. Traduit <strong>de</strong> l'anglais par Alan<br />
Porte. Paris: Éditions Orientales, 1979.<br />
BARUA, Benimadhab (org.). História <strong>de</strong> la filosofia prebudista. Trad.<br />
Edgardo Entim. Barcelona: Vision Libros S.L., 1981.<br />
COHEN, Nissim. A senda da virtu<strong>de</strong>: Dhammapada. Trad. Nissim Cohen.<br />
São Paulo: Palas Athenas, s/d.<br />
DASGUPTA, Surendranath. A history of indian philosophy - v.I. Delhi:<br />
Indian Edition, 1975.<br />
DEUSSEN, Paul. Sixty Upanishads of Veda - vol. I. Delhi: Motilal<br />
Barnarsidass Publishers, 1990.<br />
ELIADE, Mircea. Le yoga: immortalité et liberté. Paris: Éditions Payot,<br />
1972.
202<br />
_____ .Imagens e símbolos: ensaio sobre o simbolismo mágico-religioso.<br />
Trad. Sônia Cristina Tamer. São Paulo: Martins Fontes, 1991.<br />
GONCALVES, Ricardo M. <strong>Texto</strong>s budistas e zen-budistas. São<br />
Paulo:Cultrix, 1976.<br />
KATHOPANISHAD - Trad. Swami Sárvananda. Madrás: Sri<br />
Ramakrishana Math, 1975.<br />
KEITH, Arthur Berriedale. The religion and philosophy of The Veda and<br />
Upanishads. Delhi: Motilal Banarsidass Publishers (Havard Oriental<br />
Series, vol.31), 1989.<br />
MARGARETH AND JAMES STUTLEY. Dictionary of hinduism - its<br />
mytology, folklore and <strong>de</strong>velopment 1500 b.C. - 1500 a.D.. London:<br />
Lowe & Brydone, 1977.<br />
POUSSIN, L. De La Vallée. The way to nirvana. Delhi: Sri Satguru<br />
Publications, 1982.<br />
RADHAKRISHNAN, S. Indian Philosophy. Bombay: A George Allen &<br />
Unwin Publication, 1983.<br />
RG - VEDA SAMHITA. Translation by H.H. Wilson. Delhi: Nag Publishers<br />
(Second Enlarged Edition - 7 v.), 1990.<br />
RAJ, Sundar M. RG VEDIC STUDIES - Series IV Rhytm of Life. Madrás:<br />
International Society For Investigation Of Ancient Civilization, s/d.<br />
_____ . RG VEDIC STUDIES - Series III - Time. Madrás: International<br />
Society For Investigation Of Ancient Civilization, s/d.<br />
SANATANA DHARMA. Traducción <strong>de</strong> Rafael <strong>de</strong> Albear y Ricardo H.<br />
Alfonso. Buenos Aires: Editorial Dédalo, s/d.
203<br />
SCHRADER, F.Otto.Introduction to the Pancharatara and the Ahirbudhnya<br />
Samhiita. Madrás: The Adyar Library and Reserch Center The<br />
Theosophical Society, 1995.<br />
SUZUKI, Daisetz. Introdução ao zen-budismo. Trad. Murilo Nunes <strong>de</strong><br />
Azevedo. São Paulo: Civilização Brasileira, 1971.<br />
THE ATARVA VEDA. Sanskrit text with english translation by Devi Chand<br />
M. A. Munshiram. Delhi: Manoharalal Publishers Pvt. Ltd., 1990.<br />
THE BHAGAVAD GITA. Translated and interpreted by Franklin Edgerton.<br />
Delhi: Motilal Banarsidass Publishers (Havard Oriental Series - Vols.<br />
38 & 39, 1996.<br />
VALMIK.I El Rãmãyana - v.I e II. Trad. Juan B. Bergua.2.ed. Madrid:<br />
1970.<br />
WILSON, H.H. RG-VEDA SAMHITA. Delhi: Jawaharnagar Publishers, s/d.<br />
WINTERNITZ, Maurice. A history of indian literature - v. I. Translation from<br />
original german by V. Srinivasa Sarma. Delhi: Motilal Barnarsidass<br />
Publishers, 1990.<br />
ZIMMER, Heinrich. Mitos e símbolos na arte e civilização da Índia. Trad.<br />
Carm<strong>em</strong> Fiscer. São Paulo: Palas Athenas, 1989.<br />
________ . A filosofia do prazer. In: Filosofias da Índia. Trad. Nilton<br />
Almeidina Silva et alii. São Paulo: Palas Athenas, 1986.
ANEXO I<br />
Termos <strong>em</strong> Sânscrito encontrados <strong>em</strong> O Mono Gramático e na bibliografia<br />
consultada 1 .<br />
1. Arjuna - Um dos maiores heróis do Mahabhárata, juntamente com seus<br />
quatro irmãos, conhecidos como os cinco Pandavas (filhos <strong>de</strong> Pandu),<br />
li<strong>de</strong>ra um gran<strong>de</strong> exército rumo à conquista do trono dos usurpadores<br />
Kauravas que foram vencidos numa gran<strong>de</strong> batalha. Consi<strong>de</strong>rado na<br />
época o maior arqueiro do mundo, foi um dos principais responsáveis pela<br />
vitória dos Pandavas. Recebeu <strong>de</strong> Sri Krishna, logo antes da Gran<strong>de</strong><br />
Batalha, o Sublime Ensinamento que ficou tradicionalmente conhecido<br />
como o Bhagavad Gita.<br />
2. Atharva Veda - O quarto e último dos Vedas (os mais antigos textos da<br />
Índia), sendo os outros: Rig. Veda, Yajur Veda e Sama Veda. Foi o último<br />
dos Vedas a receber reconhecimento dos Brahmanes, <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> estar<br />
repleto <strong>de</strong> referências a ritos <strong>de</strong> magia, feitiçaria, bruxaria, exorcismo e<br />
superstições oriundas das tribos aborígenes ainda não convertidas pelos
206<br />
Arianos. É uma mistura das crenças dos Arianos invasores e as dos<br />
povos nativos da Índia. Apesar disso, alguns t<strong>em</strong>as fundamentais da<br />
futura filosofia indiana, tais como Kala (t<strong>em</strong>po), Prana (energia vital),<br />
Tapas (austerida<strong>de</strong>) e Meditação, revelam suas primeiras alusões no<br />
Atharva Veda.<br />
3. Avatara - Literalmente significa "<strong>de</strong>scida", especialmente <strong>de</strong> um <strong>de</strong>us<br />
do céu para a terra. Nos Puranas e nos épicos, um Avatara é uma<br />
encarnação divina, e é diferente <strong>de</strong> uma <strong>em</strong>anação divina (Vyuha).<br />
Ambas estão associadas com Vishnu e Shiva, mais particularmente com o<br />
primeiro. É o nascimento <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> Ser Divino na forma humana para<br />
instruir a humanida<strong>de</strong>. O conceito <strong>de</strong> Avatara é provavelmente um<br />
<strong>de</strong>senvolvimento do antigo mito <strong>de</strong> que, pelo po<strong>de</strong>r criativo <strong>de</strong> Maya, um<br />
<strong>de</strong>us po<strong>de</strong> assumir, à sua vonta<strong>de</strong>, qualquer forma. Foi introduzido e<br />
popularizado no hinduísmo pela religião Pancharatra. Segundo os<br />
Puranas, muitos Avatara já <strong>de</strong>sceram à terra. Dentre estes muitos,<br />
ficaram famosos. As Dez Encarnações <strong>de</strong> Vishnu (Dasavastaras), nas<br />
seguintes formas: Matsya (Peixe); Kurma (Tartaruga); Varaha (Javali);<br />
Narasinha (Homen-Leão); Vamana (Anão); Parashurama (Rama com o<br />
machado); Rama (o herói <strong>de</strong> O Ramayana); Krishna (o herói do<br />
1 A elaboração <strong>de</strong>ste Anexo contou com a colaboração do Professor <strong>de</strong> Filologia e Sânscrito,<br />
Octavio da Cunha Botelho que, além <strong>de</strong> ter cedido sua biblioteca para a pesquisa, auxiliou-nos<br />
fazendo a tradução <strong>de</strong> alguns termos sânscritos s<strong>em</strong> tradução para outras línguas.
207<br />
Mahabharata); Buda (o fundador do Budismo) e Kalki (que aparecerá no<br />
final do Kali Yuga).<br />
4. Balmiks - m<strong>em</strong>bros <strong>de</strong> uma casta, cuja <strong>de</strong>scendência o próprio<br />
narrador <strong>de</strong> O Mono Gramático atribui ao poeta Valmik.<br />
5. Bhagavad Gita - Literalmente, "Canção do Senhor". O mais popular<br />
texto do hinduísmo. Tradicionalmente é consi<strong>de</strong>rado um trecho do<br />
Bhishma Parva (Livro sexto) do Mahabharata. Trata-se <strong>de</strong> um diálogo<br />
entre o príncipe Arjuna e o Supr<strong>em</strong>o Senhor encarnado na forma <strong>de</strong> Sri<br />
Krishna, logo antes do início da Gran<strong>de</strong> Batalha, quando ambos os<br />
exércitos estavam alinhados para o confronto. Arjuna se encontrava<br />
<strong>de</strong>sanimado e t<strong>em</strong>eroso <strong>de</strong> lutar contra seus parentes e mestres, Sri<br />
Krishna então profere este sublime discurso (Gita Upa<strong>de</strong>sha), para<br />
convencer Arjuna do cumprimento do supr<strong>em</strong>o <strong>de</strong>ver (Dharma). Estudos<br />
filológicos mo<strong>de</strong>rnos apontam interpolações e acréscimos, como também<br />
uma forte influência dos Upanishads na composição do texto do Gita.<br />
6. Bhangã ou Bang - <strong>em</strong> sânscrito, uma bebida intoxicante preparada do<br />
haxixe.<br />
7. Brahm ou Brahman - O Supr<strong>em</strong>o Absoluto. Provém da raiz verbal<br />
"Brh", que significa crescer, aumentar. O conceito <strong>de</strong> Brahman (Absoluto)
208<br />
recebeu diferentes sentidos no transcorrer do <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
Filosofia Indiana. Surgiu da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se estabelecer uma princípio<br />
único. A noção <strong>de</strong> princípio único <strong>de</strong>senvolveu-se durante dois períodos<br />
diferentes. A palavra Brahman aparece pela primeira vez nos Brahmanas<br />
(textos ritualísticos dos Vedas), no sentido <strong>de</strong> "Po<strong>de</strong>r Sagrado", ao qual os<br />
sacrifícios eram oferecidos. Nos Upanishads o conceito evolui para um<br />
"Princípio Cósmico Transcen<strong>de</strong>nte", que posteriormente recebeu uma<br />
elaboração mais <strong>de</strong>senvolvida na Filosofia Vedanta. Este é o primeiro<br />
período. Num segundo, a idéia <strong>de</strong> Princípio Único recebeu influências<br />
teístas dos cultos Vaishnava, Shaiva e Shakta, expressadas nos Puranas<br />
e Agamas (<strong>Texto</strong>s Tântricos), que afetaram profundamente as crenças<br />
religiosas populares.<br />
8. Brihaspati - De "Brh", oração e "Pati", Senhor, isto é, Senhor da<br />
Oração, também conhecido como Brahmanaspati, o sacerdote celestial<br />
dos <strong>de</strong>uses. Diferente da maioria dos <strong>de</strong>uses védicos que personificam<br />
forças e fenômenos da natureza, Brhihaspati representa idéias morais.<br />
Ele é aquele que ora, que realiza o sacríficio como sacerdote; é aquele<br />
que intervém aos <strong>de</strong>uses <strong>em</strong> favor dos homens e é seu protetor contra os<br />
impiedosos. Dessa forma, ele aparece como o mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>al do sacerdote.<br />
É, às vezes, mencionado como uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Agni (<strong>de</strong>us do fogo).<br />
9. Budismo Mahayana - Budismo do Gran<strong>de</strong> (Maha) Veículo (Yana). Uma<br />
das duas gran<strong>de</strong>s divisões do Budismo, sendo a outra o Budismo Hinaya
209<br />
(Pequeno Veículo). Originou-se <strong>de</strong> uma antiga facção conhecida como<br />
Mahasanghika (Gran<strong>de</strong> Comunida<strong>de</strong>), que discordava das interpretações<br />
da seita dos Sthaviras (Anciões), que mais tar<strong>de</strong> veio a ser conhecida<br />
como escola Hinayana. Segundo os Mahasanghikas, Buda não foi<br />
simplesmente um personag<strong>em</strong> histórico. O Buda real é eterno,<br />
transcen<strong>de</strong>ntal e infinito, que assumiu a forma humana para ensinar o<br />
Dharma aos homens, tal como fez muitas vezes no passado e continuará<br />
a fazê-lo no futuro. A literatura Mahayãna foi composta e conservada <strong>em</strong><br />
Sânscrito e compõe-se <strong>de</strong> Sutras, Shastras e Comentários. As duas<br />
principais escolas filosóficas do Budismo Mahayana no período indiano<br />
foram: a Escola Madhyamika, fundada por Nagarjuna, e a Escola<br />
Yogachara, fundada por Aryasanga. O Budismo Mahayãna se difundiu<br />
mais nos seguintes países: China, Tibete, Japão, Corea, Butão e Nepal.<br />
10. Deusa Kali - Esposa do <strong>de</strong>us Shiva. Ela é chamada por muitos nomes,<br />
incluindo: Sati, Pravati, Durga, Uma, Bhavani. Do ponto <strong>de</strong> vista místico,<br />
representa a supr<strong>em</strong>a realização da verda<strong>de</strong>, o estado além da<br />
manifestação. Kali também simboliza o t<strong>em</strong>po eterno. É representada na<br />
cor negra (<strong>em</strong> que todas as distinções são transcendidas), num aspecto<br />
assustador, normalmente nua, com longos cabelos <strong>em</strong>aranhados. É<br />
adornada com diversos braços, cabeças recém-cortadas como colar,<br />
cadáveres <strong>de</strong> crianças como brincos e serpentes como braceletes. O culto<br />
a Kali é muito popular na região <strong>de</strong> Bengala.
210<br />
11. Devanagari - Literalmente significa, "a escrita da cida<strong>de</strong> (Nagari) dos<br />
Deuses (Devas)". Oriundo da escrita Brahmi, é o alfabeto utilizado para se<br />
escrever a língua Sânscrita e posteriormente o Prákrito, o Pali, o Hindi e o<br />
Marathi, com 52 letras, sendo 36 consoantes e 16 vogais. Pesquisas<br />
arqueológicas e filológicas indicam que o alfabeto Devanagari começou a<br />
ser utilizado na Índia a partir da dinastia Gupta, isto é, século IV d. C., por<br />
isso é também chamado <strong>de</strong> Escrita Gupta. É a forma <strong>de</strong> escrita mais<br />
<strong>de</strong>senvolvida que a língua Sânscrita alcançou. As escritas anteriores, o<br />
Kharoshthi e o Brahmi, não eram capazes <strong>de</strong> expressar<strong>em</strong> todos os<br />
recursos morfológicos e fonológicos da língua. Com o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
alcançado pela escrita Devanagari, esta se popularizou, e os manuscritos<br />
escritos nos alfabetos anteriores foram perdidos, certamente toda a<br />
literatura foi gradativamente sendo passada para o alfabeto Devanagari.<br />
Os escritos r<strong>em</strong>anescentes nos antigos alfabetos são inscrições<br />
provenientes <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobertas arqueológicas.<br />
12. Dharma - Dever religioso e moral, lei, costume ou mérito, v<strong>em</strong> da raiz<br />
verbal "dhar" que significa sustentar, "...aquilo que forma uma base e a<br />
sustenta". Esse termo t<strong>em</strong> significações específicas nas diferentes<br />
escolas filosóficas.<br />
13. Dwapara Yuga - É a Ida<strong>de</strong> do equilíbrio entre a perfeição e a<br />
imperfeição. O nome <strong>de</strong>riva-se <strong>de</strong> Dwa (dois). Nesta Ida<strong>de</strong> apenas dois
211<br />
quartos do Dharma (Virtu<strong>de</strong>) têm efetivida<strong>de</strong>. O Dharma equilibra-se<br />
apenas <strong>em</strong> duas pernas. Sua duração é <strong>de</strong> 864.000 anos.<br />
14. Garuda - O veículo <strong>de</strong> Vishnu.<br />
15. Hãnumãn - Literalmente, aquele que t<strong>em</strong> o queixo pesado. Lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
uma tropa <strong>de</strong> macacos que realizou muitas façanhas contadas <strong>em</strong> O<br />
Rãmãyana. Foi o gran<strong>de</strong> aliado do herói Rama <strong>em</strong> sua luta contra o<br />
D<strong>em</strong>ônio-Rei Rávana, <strong>de</strong> Lanka. Ele é <strong>de</strong>scrito como tendo um curto<br />
pescoço grosso, um rosto redondo e avermelhado, agudos <strong>de</strong>ntes<br />
caninos brancos, um cabeleira s<strong>em</strong>elhante à flor da árvore Ashoka, uma<br />
cauda s<strong>em</strong>elhante ao estandarte <strong>de</strong> Indra, e capaz <strong>de</strong> expandir-se até a<br />
extensão <strong>de</strong> uma montanha. Seus pais foram Vayu (<strong>de</strong>us do Fogo) e<br />
Anjana (uma d<strong>em</strong>ônia). Dentre muitas <strong>de</strong> suas façanhas <strong>de</strong>stacamos:<br />
Rama uma vez sentiu-se exausto e caiu prostrado, Hãnumãn voou até o<br />
Himalaya, arrancou uma montanha inteira <strong>em</strong> que cresciam ervas<br />
medicinais e a carregou até seu mestre e o curou. Outra vez Hãnumãn foi<br />
capturado pelo filho <strong>de</strong> Rávana que colocou fogo <strong>em</strong> sua cauda e o forçou<br />
a marchar pelas ruas <strong>de</strong> Lanka, mas Sita invocou Agni que fez com que o<br />
fogo ar<strong>de</strong>sse mas não queimasse a cauda <strong>de</strong> Hãnumãn. Mais tar<strong>de</strong> este<br />
último vingou-se, colocando fogo na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lanka. Outra <strong>de</strong> suas<br />
façanhas é a gran<strong>de</strong> travessia que fez da Índia ao Ceilão (Lanka) <strong>em</strong><br />
apenas um salto. Hãnumãn é também notado por seu ascetismo e
212<br />
erudição, e como "o nono autor da gramática", este último aspecto<br />
conhec<strong>em</strong>os apenas <strong>de</strong> referências, nada <strong>de</strong>talhado aparece <strong>em</strong> nenhum<br />
texto da Índia.<br />
16. Hindu - Qualquer coisa ou pessoa seguidora do Hinduísmo, a religião<br />
dominante na Índia.<br />
17. Indra - Deus Védico do primeiro escalão, protetor dos Arianos, com<br />
quase um terço dos hinos do Rig Veda dirigidos <strong>em</strong> seu louvor.<br />
Inicialmente observado como o maior dos <strong>de</strong>uses, suas <strong>de</strong>scrições são<br />
diversamente múltiplas. É o <strong>de</strong>fensor por excelência dos Arianos contra<br />
os Dasyus (peles escuras). A etimologia da palavra é sugerida como<br />
proveniente <strong>de</strong> Indha (o Acen<strong>de</strong>dor). Indra é Indha, a força estimulante<br />
que ascen<strong>de</strong> os pensamentos e atos. Dentre os muitos <strong>de</strong> seus epítetos<br />
<strong>de</strong>stacam-se: Vajrapani (<strong>de</strong>tentor do raio); Vritahan (<strong>de</strong>struidor do<br />
d<strong>em</strong>ônio da seca). É também o <strong>de</strong>us do firmamento e da atmosfera, faz<br />
chover <strong>em</strong> resposta às suplicas <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>votos, o que nos l<strong>em</strong>bra o<br />
Júpiter Pluvius dos romanos. Sua montaria é Airavata, o elefante. No<br />
período mitológico posterior (Mahabhárata e Puranas), Indra cai para o<br />
segundo escalão dos <strong>de</strong>uses Hindus, <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> da crescente penetração<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>uses não-Arianos no panteão Hindu.<br />
18. Jaipur - Capital do estado do Rajastão ao noroeste da Índia.
213<br />
19. Kala - Termo Sânscrito genérico para T<strong>em</strong>po. As primeiras noções<br />
são representadas no Rig Veda através das estações (Rtu) do ano. O<br />
Atharva Veda é o primeiro texto a utilizar o termo Kala com freqüência,<br />
mas s<strong>em</strong> aprofundar no t<strong>em</strong>a. Os Upanishads curiosamente não dão<br />
atenção ao termo Kala. A partir do século VI a. C. aparec<strong>em</strong> inúmeras<br />
teorias a respeito do T<strong>em</strong>po. Surge a teoria dos imensos períodos <strong>de</strong><br />
T<strong>em</strong>po: Yugas, Kalpas e Manvantaras. A Adwaita Vedanta enfatiza a<br />
teoria <strong>de</strong> que o T<strong>em</strong>po é ilusão (Maya). Os Budistas introduz<strong>em</strong> a teoria<br />
<strong>de</strong> que o T<strong>em</strong>po não é uma entida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, mas sim composto <strong>de</strong><br />
uma infinita sucessão <strong>de</strong> momentos. Vishnu e Shiva passam a ser<br />
observados como o T<strong>em</strong>po Cósmico e a teoria das Trimurtis é introduzida,<br />
e nela Brahma, Vishnu e Shiva são representantes dos três aspectos<br />
doT<strong>em</strong>po; criação, preservação e <strong>de</strong>struição respectivamente. O T<strong>em</strong>po é<br />
às vezes i<strong>de</strong>ntificado com a I<strong>de</strong>ação Cósmica (Samkalpa).<br />
20. Kali Yuga - É a Ida<strong>de</strong> Negra, que subsiste miseravelmente com<br />
apenas um quarto da força total do Dharma, a mais <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte das quatro<br />
Ida<strong>de</strong>s. É a Ida<strong>de</strong> atual. O Vishnu Purana (IV, 24) assim <strong>de</strong>screve:<br />
"Quando a socieda<strong>de</strong> atinge o estágio no qual a proprieda<strong>de</strong> confere<br />
posição, a riqueza torna-se a única fonte <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>, a paixão o único elo a<br />
unir marido e mulher, a falsida<strong>de</strong> a fonte <strong>de</strong> sucesso na vida, o sexo a<br />
única razão <strong>de</strong> <strong>de</strong>leite, e quando os ornamentos externos são
214<br />
confundidos com a religiosida<strong>de</strong> interna, estamos como no mundo atual,<br />
atravessando a Kali Yuga". Sua duração é <strong>de</strong> 432.000 anos.<br />
21. Kama Sutra - O clássico do hedonismo da Índia. Um texto escrito <strong>em</strong><br />
forma <strong>de</strong> aforismos (Sutras) que trata da arte do amor, <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong><br />
Vatsyayana, <strong>em</strong> data ainda incerta. A obra visa mais promover a<br />
harmonia entre casais do que incentivar outras pessoas ao ato sexual.<br />
Segundo alguns comentaristas, é também um tratado sobre Eugenésia, a<br />
ciência que procura o fortalecimento e o <strong>em</strong>belezamento da raça através<br />
<strong>de</strong> misturas raciais.<br />
22. Karma - Fisicamente significa ação, metafisicamente é a Lei <strong>de</strong> Causa<br />
e Efeito, a Lei da Retribuição. Segundo o Hinduísmo toda ação é tríplice,<br />
pertencendo parte ao passado, ao presente e ao futuro, uma sucessão<br />
<strong>em</strong> que cada efeito segue a sua própria causa. O Karma é a lei da<br />
imortalida<strong>de</strong> dos atos. Um ato realizado é tão imortal no mundo moral<br />
quanto no mundo físico, e seus frutos estão sujeitos a ser amadurecidos<br />
pelo autor, quando as condições necessárias estiver<strong>em</strong> dadas. É,<br />
portanto, o resultado permanente <strong>de</strong> nossas ações, que nos submete a<br />
uma repetição <strong>de</strong> nascimentos e mortes, para cumprirmos o saldo das<br />
ações pen<strong>de</strong>ntes das vidas passadas.
215<br />
23. Kathopanishad - Um dos Upanishads Maiores, composto <strong>em</strong> versos,<br />
pertencente ao Yajur Veda. Cronologicamente encontra-se entre os<br />
Upanishads do período intermediário. Trata <strong>de</strong> um diálogo entre o<br />
discípulo Nachiketas e o mestre Yama (<strong>de</strong>us da morte), <strong>em</strong> que o último<br />
respon<strong>de</strong> a algumas perguntas sobre a morte. Algumas expressões e<br />
frases <strong>de</strong>ste Upanishad são curiosamente encontradas também no<br />
Bhagavad Gita.<br />
24. Kishkindha Kanda - O quarto Kanda (Capítulo) <strong>de</strong> O Rãmãyana, on<strong>de</strong><br />
Rama realiza a aliança com os macacos, a fim <strong>de</strong> lutar contra o exército<br />
<strong>de</strong> Rávana para resgatar sua esposa Sita.<br />
25. Krita Yuga - Krita, particípio perfeito do verbo Kr, fazer. O significado<br />
literal é: feito, realizado, perfeito. É a primeira das Ida<strong>de</strong>s (Yugas). Krita<br />
Yuga é a Ida<strong>de</strong> Perfeita, por isso também chamada <strong>de</strong> Ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ouro.<br />
Nesta Ida<strong>de</strong>, diz<strong>em</strong> os livros Hindus, as quatro pernas da Virtu<strong>de</strong><br />
(Veracida<strong>de</strong>, Compaixão, Penitência e Benevolência) se manifestam<br />
igualmente.O Dharma (Virtu<strong>de</strong>) firma-se <strong>em</strong> suas quatro pernas. Sua<br />
duração é <strong>de</strong> 1.728.000 anos.<br />
26. Kshanika Vada, <strong>de</strong> Kahna (Momento) e Vada (Teoria) ou Teoria da<br />
Momentaneida<strong>de</strong> - É uma teoria budista que afirma a absoluta<br />
impermanência <strong>de</strong> todas as coisas. Tudo que existe é resultado <strong>de</strong> uma
216<br />
ilusória noção <strong>de</strong> permanência ocasionada pelas contínuas combinações<br />
e aglomerações <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos da existência (Dharmas), que<br />
proporcionam uma falsa idéia <strong>de</strong> permanência e unida<strong>de</strong> das coisas,<br />
inclusive <strong>de</strong> uma alma (ego). O número <strong>de</strong> Dharmas varia <strong>de</strong> acordo com<br />
as escolas budistas. A primeira a sist<strong>em</strong>atizar estes el<strong>em</strong>entos foi a<br />
Escola Sarvativada do Budismo Hinayana. A Doutrina da<br />
Momentaneida<strong>de</strong> é um direto resultado da metafísica budista. Mas é<br />
curioso observar que, <strong>em</strong>bora todos os Dharmas sejam observados como<br />
mutáveis <strong>em</strong> todas as escolas budistas, o fato <strong>de</strong> eles ser<strong>em</strong> estritamente<br />
momentâneos (Kshanika - isto é, existindo só por um momento), não foi<br />
enfatizado na antiga literatura Pali. A Teoria da Momentaneida<strong>de</strong> nos<br />
l<strong>em</strong>bra a filosofia do "fluxo universal" <strong>de</strong> Heráclito (540 - 450 a. C.)<br />
quando afirma: "Tu não po<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scer duas vezes no mesmo rio, porque<br />
novas águas corr<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre sobre ti" 2 .<br />
27. Kundalini - Energia sutil que segundo os Yogues está adormecida na<br />
base da coluna vertebral (Muladhara Chakra), que é <strong>de</strong>spertada através<br />
<strong>de</strong> austeras práticas yóguicas. Com o seu <strong>de</strong>spertar, inúmeros po<strong>de</strong>res<br />
maravilhosos se manifestam no Yogue.<br />
2 Os Pré-Socráticos. Trad. José Cavalcanti <strong>de</strong> Souza et alii. 2.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978.<br />
(Coleção Os Pensadores).
217<br />
28. Lakshmana - Irmão <strong>de</strong> Rama que o acompanhou <strong>em</strong> sua viag<strong>em</strong> à<br />
Lanka para resgatar Sita. É também <strong>de</strong>nominado "símbolo da lealda<strong>de</strong>".<br />
29. Lanka - Ilha ao sul da Índia que correspon<strong>de</strong> ao atual Ceilão.<br />
30. Lingam - Um dos antigos símbolos <strong>de</strong> adoração <strong>de</strong> Shiva, provado<br />
arqueologicamente ser <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> pré-védica. Nesta forma, Shiva é<br />
adorado como o falo (órgão masculino), símbolo do po<strong>de</strong>r criador do<br />
universo. O simbolismo é às vezes representado juntamente com Yoni<br />
(órgão f<strong>em</strong>inino). É incontável o número <strong>de</strong> Lingas espalhados <strong>em</strong><br />
santuários pela Índia.<br />
31. Mahabhárata - O maior épico da Índia e do mundo, com c<strong>em</strong> mil<br />
Slokas (versos <strong>em</strong> duas linhas) divididos <strong>em</strong> 18 capítulos (Parvas), que<br />
correspond<strong>em</strong> a oito vezes à Ilíada e Odisséia juntas. O texto<br />
compreen<strong>de</strong> uma vasta micelânea - parte narrativa, parte didática - <strong>de</strong><br />
mitos, contos folclóricos, lendas <strong>de</strong> <strong>de</strong>uses védicos, que gradualmente<br />
foram se acumulando <strong>em</strong> torno do núcleo do texto épico, que <strong>de</strong>screve a<br />
luta <strong>de</strong> duas famílias (os Pandavas e os Kauravas) pela posse do reino <strong>de</strong><br />
Bharata, daí o nome da obra. A autoria é tradicionalmente atribuída a<br />
Krishna Dwaipayana Vyasa, mas a filologia mo<strong>de</strong>rna apenas reconhece<br />
este como autor do núcleo do texto, que foi posteriormente ampliado por
218<br />
interpolações e acréscimos pelas mãos <strong>de</strong> vários autores, até assumir a<br />
forma tal como se encontra atualmente.<br />
32. Mahayugas - O ciclo dos quatro Yugas: Krita, Treta, Dwapara e Kali,<br />
que correspon<strong>de</strong> a 4.320.000 anos. Mil Mahayugas formam um Kalpa (dia<br />
<strong>de</strong> Brahma).<br />
33. Mula Bandha - Um exercício <strong>de</strong> Hatha Yoga, que consiste no bloqueio<br />
(Bandha) <strong>de</strong> energias sutis do Chakra (centro <strong>de</strong> energia sutil) raiz (Mula -<br />
localizado na base da coluna vertebral) para promover o <strong>de</strong>spertar da<br />
energia Kundalini.<br />
34. Nayka - Entida<strong>de</strong> sobrenatural, <strong>em</strong> geral, participante <strong>de</strong> rituais<br />
festivos, orgiásticos e <strong>de</strong> caráter efêmero.<br />
35. Nirvana - Nibbana <strong>em</strong> Pali. Palavra sânscrita que significa,<br />
literalmente, "ser extinguido" (extinção), "cessar por soprag<strong>em</strong>" ou<br />
"resfriar por soprag<strong>em</strong>". O Nirvana constitui a mais elevada e última meta<br />
<strong>de</strong> todas as aspirações budistas, a extinção do fogo, ou o resfriamento da<br />
febre da avi<strong>de</strong>z, do ódio e da ilusão (os três principais males da filosofia<br />
budista), e a liberação última e absoluta <strong>de</strong> todo renascimento futuro. São<br />
inúmeros os escritos sobre o Nirvana que constitui o t<strong>em</strong>a mais<br />
<strong>de</strong>safiante <strong>de</strong> todo o ensinamento budista. Apesar do termo Nirvana ter
219<br />
sido utilizado mais freqüent<strong>em</strong>ente pelos budistas, <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os observar que<br />
ele é uma idéia indiana universal, <strong>de</strong> modo algum confinado estritamente<br />
à religião budista.<br />
36. Nivritti - Introspecção. É o sentido <strong>de</strong> interiorização da consciência. É<br />
o processo <strong>de</strong> recolhimento ou abandono das ações. Misticamente<br />
representa o ato <strong>de</strong> voltar-se para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si mesmo para realizar o Ser<br />
Interno, isto é, o processo <strong>de</strong> retornar ao estado original da consciência.<br />
37. O Rãmãyana - O primeiro po<strong>em</strong>a épico da Índia, com 24.000 versos<br />
(Slokas), <strong>em</strong> sete livros (Kandas). Trata da odisséia do herói Rama. O<br />
texto é uma combinação <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre muito relacionados<br />
entre si, consistindo <strong>de</strong> lendas e estórias românticas e alegóricas, meiomíticas,<br />
meio-históricas, e <strong>de</strong> referências aos habitantes do sul da Índia,<br />
numa época <strong>em</strong> que o processo <strong>de</strong> dominação Ariana não estava<br />
totalmente concluído. É tradicionalmente atribuído a um único autor,<br />
Valmiki. Mas, recentes estudos filológicos conclu<strong>em</strong> pela interferência <strong>de</strong><br />
outros autores através <strong>de</strong> interpolações e acréscimos no texto. Os livros I<br />
e VII são certamente acréscimos posteriores. As passagens que<br />
representam Rama como um Avatara (encarnação) <strong>de</strong> Vishnu são<br />
seguramente interpolações. Não há um consentimento geral quanto à<br />
data da composição. O núcleo do texto, certamente anterior ao
220<br />
Mahabhárata, po<strong>de</strong> variar <strong>de</strong> 500 a 300 a.C. e os acréscimos <strong>de</strong> 300 a.C.<br />
a 200 d.C.<br />
38. Pâñcharâtra - Escola indiana ou a mais importante escola do<br />
Vishnuísmo. De orig<strong>em</strong> não-védica, influenciou sobr<strong>em</strong>aneira a formação<br />
do Vishnuísmo mo<strong>de</strong>rno e a composição dos Vaishnava Puranas. A<br />
tradição Pancharatra está registrada <strong>em</strong> uma coleção <strong>de</strong> textos conhecida<br />
como Pâñcharâtra Samhitas. Pouco mais <strong>de</strong> duzentos textos já foram<br />
encontrados e poucos traduzidos para o Inglês. Uma das principais<br />
doutrinas do sist<strong>em</strong>a é a dos quatro Vyuhas (Formas do Supr<strong>em</strong>o) que<br />
são: Vasu<strong>de</strong>va, Pradyumna, Sankarshana e Anirudha, que representam<br />
manifestações do Supr<strong>em</strong>o <strong>em</strong> diferentes planos da existência. A tradição<br />
Pâñcharâtra introduziu também no Vishnuísmo a doutrina dos Avataras<br />
(Encarnações Divinas). Foi também responsável pela introdução e<br />
popularização do culto à Naranayana no Hinduísmo.<br />
39. Prakriti - A Matéria Primordial, segundo o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> filosofia<br />
Samkhya, o primeiro a atribuir um sentido tecnicamente filosófico para o<br />
termo. Literalmente, o prefixo "Pra" indica um processo natural (estímulo)<br />
e "Kriti" t<strong>em</strong> o sentido <strong>de</strong> ativo e passivo, que cria e é criado. É tanto ação<br />
como função. Da Prakriti se originam os 23 Tattwas (Princípios da<br />
Natureza) que constitu<strong>em</strong> a base da formação <strong>de</strong> todo o universo.
221<br />
40. Pravritti - Objetivação. É o sentido da exteriorização da consciência. O<br />
processo <strong>de</strong> manifestação ou evolução do interno para o externo, tanto<br />
dos seres como do universo, isto é, o processo <strong>de</strong> evolução <strong>em</strong> geral.<br />
41. Puranas - Literalmente significa "Antiga Narrativa" ou "Histórias<br />
Tradicionais", na maioria mitos e lendas misturados com teorias filosóficas<br />
e crenças populares. Compreen<strong>de</strong> uma imensa coleção <strong>de</strong> textos<br />
compostos no período pós-védico, <strong>em</strong> que v<strong>em</strong>os oficializado o<br />
sincretismo das crenças Védicas e não-védicas. Estudos filológicos<br />
mo<strong>de</strong>rnos conclu<strong>em</strong> que os atuais Puranas são certamente<br />
recompilações, <strong>em</strong> face das citações <strong>em</strong> outras obras <strong>de</strong> trechos <strong>de</strong><br />
antigos Puranas, não mais encontrados e num estilo <strong>de</strong> Sânscrito muito<br />
anterior ao <strong>em</strong>pregado nos atuais Puranas. A literatura Purânica consiste<br />
<strong>de</strong> 18 Mahapuranas (Puranas Principais) e inúmeros Upapuranas<br />
(Puranas Secundários), divididos <strong>em</strong> Brahma Puranas, Shaiva Puranas e<br />
Vaishnava Puranas, <strong>de</strong>dicados ao elogio dos <strong>de</strong>uses Brahma, Shiva e<br />
Vishnu, respectivamente. Cada Purana contém cinco tópicos que o<br />
caracterizam como um Purana, que são: 1) Sarga (Criação Primária); 2)<br />
Pratisarga (Criação Secundária); 3) Vamsha (Genealogia); 4)<br />
Mahavantara (Gran<strong>de</strong>s Períodos <strong>de</strong> T<strong>em</strong>po); 5) Vamshanucharita<br />
(História das Dinastias).
222<br />
42. Rama - O gran<strong>de</strong> herói <strong>de</strong> O Ramayana, também chamado <strong>de</strong><br />
Ramachandra (o sufixo Chandra se refere a sua beleza s<strong>em</strong>elhante à da<br />
lua), que ajudado por Hanumãn e seu irmão Lakshmana, <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>u<br />
uma longa viag<strong>em</strong> à Lanka (Ceilão) para resgatar sua esposa Sita, que<br />
fora raptada pelo d<strong>em</strong>ônio Rávana, rei <strong>de</strong> Lanka. Depois <strong>de</strong> sua vitória<br />
sobre o exército <strong>de</strong> Rávana, Rama retornou à Ayodhya, cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
nasceu, e foi proclamado rei. Num período mais tardio do Hinduísmo,<br />
Rama passou a ser consi<strong>de</strong>rado uma encarnação (Avatara) <strong>de</strong> Vishnu.<br />
43. Rávana - Nome do D<strong>em</strong>ônio-Rei <strong>de</strong> Lanka (Ceilão) que raptou Sita e a<br />
levou para sua capital. Foi <strong>de</strong>rrotado por Rama, auxiliado por um exército<br />
<strong>de</strong> macacos.<br />
44. Rig Veda Samhita - A coleção (Samhita) dos hinos do mais antigos<br />
dos Vedas. Está composta <strong>de</strong> 1.017 (ou 1.028) hinos (Suktas), <strong>em</strong> mais<br />
<strong>de</strong> 10.000 versos (Riks), distribuídos <strong>em</strong> <strong>de</strong>z livros (Mandalas). Estudos<br />
filológicos conclu<strong>em</strong> que os livros I e X são acréscimos ao núcleo original<br />
do texto. Cada hino (Sukta) é dirigido a uma divinda<strong>de</strong> e composto por um<br />
Rishi (vi<strong>de</strong>nte), com métricas diferentes. Indra, Varuna, Agni e Soma são<br />
as mais louvadas. O Rig Veda é a base dos d<strong>em</strong>ais Vedas. Sama e Yajur<br />
Vedas repet<strong>em</strong> inúmeros versos do Rig Veda, que por isso é o mais<br />
importante dos quatro Vedas. É o mais antigo documento da cultura Indo-<br />
Européia. A sua composição <strong>de</strong>ve ter ocorrido entre 1.500 a.C. e 1.000
223<br />
a.C., <strong>em</strong> fases sucessivas, <strong>em</strong> que as mais antigas revelam s<strong>em</strong>elhanças<br />
com a religião do Zend Avesta - o texto sagrado dos antigos Persas,<br />
também <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> Ariana - e as mais tardias apresentam s<strong>em</strong>elhanças<br />
com as culturas nativas da Índia, época <strong>em</strong> que ambas começavam a se<br />
mesclar.<br />
45. Sadhu - Um santo que pratica austerida<strong>de</strong>s espirituais.<br />
46. Samsara - O ciclo <strong>de</strong> nascimentos e mortes ao qual todos os seres<br />
estão submetidos <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu Karma passado. É geralmente<br />
representado como uma roda para nos l<strong>em</strong>brar o ciclo repetitivo dos<br />
nascimentos e mortes. As doutrinas indianas <strong>em</strong> geral enfatizam o<br />
caminho para a libertação do Samsara, ou seja, a observância <strong>de</strong><br />
disciplinas espirituais que visam suprimir Avidya (Ignorância Primordial) e<br />
elevar a consciência do indivíduo até a iluminação (Moksha ou Nirvana).<br />
47. Samtâna - Continuida<strong>de</strong>, fluxo contínuo, sucessão; também significa<br />
uma das cinco árvores do paraíso <strong>de</strong> Indra.<br />
48. Shakti - O Po<strong>de</strong>r Divino personificado como aspecto f<strong>em</strong>inino e<br />
dinâmico. Inúmeras são as Deusas que representam este Po<strong>de</strong>r Divino,<br />
usualmente esposas dos Deuses. Metafisicamente é o Po<strong>de</strong>r ou Energia<br />
que efetua a passag<strong>em</strong> do estado "Potencial" ao estado "Efetivo" do
224<br />
universo, isto é, Shakti é responsável pelo ato <strong>de</strong> criação ou<br />
manifestação. O conceito foi introduzido no Hinduísmo pela tradição<br />
Tântrica, <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> não-védica, e conservado numa coleção <strong>de</strong> textos<br />
conhecida como Shakta Agamas ou Tantra Shastras.<br />
49. Shiva - Um dos <strong>de</strong>uses componentes da Trimurti Hindu. É juntamente<br />
com Vishnu o Deus mais popular do Hinduísmo atual. Sua penetração no<br />
panteão Hindu se <strong>de</strong>u através do sincretismo com o Deus Védico Rudra,<br />
por isso a expressão Rudra-Shiva. Sua forma <strong>de</strong> adoração mais antiga é<br />
conhecida como Pashupati (Senhor dos Animais), <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> pré-védica.<br />
Outras formas <strong>de</strong> adoração são: o Lingam (falo), símbolo do Po<strong>de</strong>r<br />
Criador, e Shiva Nataraja (Rei Dançarino), muito popular no sul da Índia.<br />
O culto <strong>de</strong> Shiva se <strong>de</strong>senvolveu ao longo dos anos <strong>em</strong> íntima parceria<br />
com o culto da Shakti (Shaktismo), por isso o aparecimento <strong>de</strong> tantas<br />
esposas <strong>de</strong> Shiva.<br />
50. Sita - Literalmente significa sulco (rego <strong>de</strong>ixado pelo arado após a<br />
arag<strong>em</strong>). É a esposa <strong>de</strong> Rama que fora raptada por Rávana e levada para<br />
Lanka. Na Índia é adorada como o ex<strong>em</strong>plo da esposa fiel. É também<br />
adorada como a <strong>de</strong>usa da agricultura.<br />
51. Sri - Deusa védica que <strong>em</strong> O Mono Gramático recebe o nome <strong>de</strong><br />
Esplendor. Sri é, no entanto, apenas um <strong>de</strong> seus epítetos; é mais
225<br />
conhecida como <strong>de</strong>usa da prosperida<strong>de</strong> e da sorte - Lakshmi. Daí a<br />
<strong>de</strong>nominação atualmente muito conhecida <strong>de</strong> Sri-Lakshmi. Ela é a<br />
incorporação <strong>de</strong> todas as boas coisas <strong>de</strong>sejadas pelos homens e pelos<br />
<strong>de</strong>uses; criada do suor <strong>de</strong> Prajãpati, um breve mito da criação que<br />
originou inúmeros outros . As <strong>de</strong>z divinda<strong>de</strong>s às quais Octavio Paz faz<br />
referência (p. 89) mas não especifica, são as mesmas que arrebatam os<br />
bens <strong>de</strong> Esplendor (Sri) e os <strong>de</strong>volve, <strong>em</strong> seguida: Agni, Soma, Varuna,<br />
Mitra, Indra, Brihaspati, Savitri, Pushan, Saraswati e Tuashtr.<br />
52. Sri Krishna - O gran<strong>de</strong> herói do Mahabharata e o mais popular Avatara<br />
(encarnação divina) da Índia. Decen<strong>de</strong>nte da raça dos Vrishnis, participou<br />
ao lado dos Pandavas na Guerra do Mahabharata como condutor do<br />
carro <strong>de</strong> Arjuna, uma vez que tinha realizado uma promessa <strong>de</strong> não<br />
participar diretamente na guerra. Logo após o seu nascimento, foi<br />
separado <strong>de</strong> seus pais, <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma perseguição <strong>de</strong> seu tio Kamsa<br />
que queria matá-lo. Foi então levado para ser criado por um casal <strong>de</strong><br />
pastores, passando a infância na zona rural <strong>em</strong> meio a animais e pastoras<br />
(Gopis), por isso seus epítetos Govinda ou Gopala que significam<br />
vaqueiro. Sua vida está <strong>de</strong>talhadamente relatada no Livro X do Bhagavata<br />
Purana. Proferiu o sublime discurso a Arjuna minutos antes da Gran<strong>de</strong><br />
Batalha. É consi<strong>de</strong>rado uma encarnação (Avatara) <strong>de</strong> Narãyãna ou<br />
Vishnu.
226<br />
53. Sugriva - Um Macaco-Rei, mencionado <strong>em</strong> O Rãmãyana como o filho<br />
<strong>de</strong> Surya. Depois <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>stronado por seu irmão Balin, foi mais tar<strong>de</strong><br />
restabelecido no trono por Rama.<br />
54. Sundara Kanda - O quinto livro (Kanda) <strong>de</strong> O Ramayana. Literalmente<br />
significa o "Capítulo Belo". Em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>scrições poéticas, é o<br />
mais romântico dos capítulos.<br />
55. Tantrismo - Antigo culto da Índia <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> pré-védica. A tradição foi<br />
preservada numa coleção <strong>de</strong> textos sânscritos <strong>de</strong>nominada Agamas, que<br />
se divi<strong>de</strong> <strong>em</strong> Shaiva Agamas, Vaishnava Agamas e Shakta Agamas,<br />
seguida pelos cultos Shivaísmo, Vishnuísmo e Shaktismo,<br />
respectivamente. Embora muitos autores consi<strong>de</strong>r<strong>em</strong> apenas o último<br />
como Tantrismo, estudos mais aprofundados comprovam que os d<strong>em</strong>ais<br />
cultos também se enquadram na tradição Tântrica. O relacionamento do<br />
Tantrismo com o Vedismo (Brahmanismo), no <strong>de</strong>correr da história da<br />
Índia, foi <strong>de</strong> ora fazer oposição às crenças Védicas ora <strong>de</strong> sincretismo. O<br />
ponto que impediu a <strong>de</strong>finitiva unificação das duas tradições foi a recusa<br />
dos tântricos <strong>em</strong> aceitar o regime <strong>de</strong> divisão <strong>de</strong> castas. A religião que<br />
atualmente chamamos <strong>de</strong> Hinduísmo é uma fusão <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos das<br />
tradições Tântrica e Védica (Brahmanica).
227<br />
56. Tattwas - Princípios da manifestação cósmica. O número varia<br />
conforme as escolas filosóficas que os adotaram. Segundo a Filosofia<br />
Samkhya, que já foi a primeira a sist<strong>em</strong>atizar estes Princípios, eles são<br />
<strong>em</strong> número <strong>de</strong> 25, começando com a dualida<strong>de</strong>: Princípio Espiritual<br />
(Purusha) e Princípio Material (Prakriti). A Meteria Primordial (Prakriti), por<br />
sua vez, <strong>de</strong>sdobra-se <strong>em</strong> 23 Tattwas, que são: Mahat (Intelecto);<br />
Ahamkara (Princípio do Eu Individual); Manas (Mente Emocional);<br />
Tanmatras (Som, Forma, Odor, Paladar, e Tato); Gnanendriyas (Ouvido,<br />
Olho, Nariz, Língua e Pele); Karmendriyas (Mãos, Pernas, Boca, Órgãos<br />
Genitais e Órgãos <strong>de</strong> Excreção) e Mahabhutas (Terra, Água, Fogo, Ar e<br />
Éter). Estes últimos representam os estados da matéria: sólida, líquida,<br />
gasosa, ígnea e etérea, respectivamente.<br />
57. Tattwasangraha - Uma obra filosófica budista <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong><br />
Shantarakshita, escrita no século VIII d.C, mediante o ponto <strong>de</strong> vista da<br />
Escola Yogachara.<br />
58. Treta Yuga - É a segunda Ida<strong>de</strong>. Nesta apenas três terços do Dharma<br />
(Virtu<strong>de</strong>) se manifestam. O Dharma se equilibra apenas <strong>em</strong> três pernas.<br />
Sua duração é <strong>de</strong> 1.296.000 anos.<br />
59. Valmiki - Nome do famoso autor <strong>de</strong> O Ramayana. Embora<br />
tradicionalmente lhe seja atribuída a autoria <strong>de</strong>sse épico, recentes
228<br />
estudos filológicos d<strong>em</strong>onstram que o texto passou por um processo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento nas mãos <strong>de</strong> diferentes autores, através <strong>de</strong> acréscimos<br />
e interpolações. Para a filologia mo<strong>de</strong>rna Valmiki é o autor apenas do<br />
núcleo do texto.<br />
60. Vedanta - Literalmente, fim (Anta) dos Vedas. Nome <strong>de</strong> uma corrente<br />
filosófica hindu que recebe esta <strong>de</strong>signação <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> dos ensinamentos<br />
oriundos dos textos finais dos Vedas, isto é, os Upanishads, que tratam<br />
do t<strong>em</strong>a final dos Vedas, que é Moksha (Liberação). Trata-se da<br />
sist<strong>em</strong>atização das idéias dos Upanishads reunidas num texto<br />
<strong>de</strong>nominado Vedanta Sutras, mais conhecido como Brahma Sutras,<br />
composto por Badarayana, também conhecido como Vyasa, que possui<br />
muitos comentários. Dos inúmeros comentários, três escolas se<br />
<strong>de</strong>stacaram como as mais importantes: a Adwaita Vedanta <strong>de</strong> Sri<br />
Shankaracharya, a Dwaita Vedanta <strong>de</strong> Sri Madhwacharya e a<br />
Visishtadwaita Vedanta <strong>de</strong> Sri Ramanuja. A Vedanta contitui a filosofia<br />
predominante na Índia atualmente.<br />
61. Vishnu - Um dos componentes da Trimurti Hindu. Ele e Shiva<br />
constitu<strong>em</strong> os dois <strong>de</strong>uses mais populares do Hinduísmo atual. Mas<br />
Vishnu não teve esta pro<strong>em</strong>inência <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início. As mais antigas<br />
referências a Vishnu aparec<strong>em</strong> no Rig Veda, on<strong>de</strong> ele figura como um<br />
<strong>de</strong>us <strong>de</strong> importância secundária, como um gran<strong>de</strong> lutador e aliado <strong>de</strong>
229<br />
Indra. Na literatura pós-védica, Vishnu vai gradativamente ganhando<br />
importância, na medida <strong>em</strong> que aumenta o sincretismo com <strong>de</strong>uses <strong>de</strong><br />
fora do panteão védico, tais como: Vasu<strong>de</strong>va, Narayana, Hari, Krishna. A<br />
consolidação final <strong>de</strong>ste sincretismo acontece nos Vaishnava Puranas<br />
(uma coleção <strong>de</strong> Puranas <strong>de</strong>dicados ao elogio <strong>de</strong> Vishnu). Na Trimurti,<br />
Vishnu é o Deus Preservador, que envia os Avataras (Encarnações<br />
Divinas). Rama e Krishna são os mais adorados na Índia atualmente.<br />
62. Vishnu Purana - Um dos mais antigos dos 18 Mahapuranas, composto<br />
provavelmente no primeiro século a.C., mas sujeito a posteriores revisões.<br />
Com 23.000 versos, é consi<strong>de</strong>rado um Purana especial, pois não só trata<br />
dos cinco tópicos característicos <strong>de</strong> um Purana, mas também <strong>de</strong> outros<br />
assuntos com gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>talhes. Mitos relativos à criação, personificação<br />
<strong>de</strong> fenômenos naturais, forças el<strong>em</strong>entais e teorias abstratas são tratados<br />
extensamente. Apesar da diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assuntos, nunca per<strong>de</strong> <strong>de</strong> vista<br />
o louvor a Vishnu, com a graça <strong>de</strong> que, através da <strong>de</strong>voção, seus<br />
seguidores pod<strong>em</strong> alcançar a liberação final.<br />
63. Yogue Tântrico - Um praticante das disciplinas da Yoga, segundo o<br />
método do sist<strong>em</strong>a Tântrico, que consiste <strong>em</strong> práticas austeras para<br />
<strong>de</strong>spertar a energia vital latente (Kundalini), que permanece adormecida<br />
na base da coluna vertebral, e posteriormente elevá-la até o topo da<br />
cabeça (Sarasrara), através <strong>de</strong> exercícios respiratórios, entoação <strong>de</strong>
230<br />
Mantras e práticas <strong>de</strong> intensificação do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> concentração e<br />
meditação.<br />
64. Yuga - Nome da Ida<strong>de</strong> ou Era do período <strong>de</strong> manifestação cíclica do<br />
universo, segundo o Hinduísmo. Exist<strong>em</strong> quatro Ida<strong>de</strong>s ou Eras (Yugas)<br />
<strong>de</strong>nominadas: Krita Yuga, Treta Yuga, Dwapara Yuga e Kali Yuga, que se<br />
suced<strong>em</strong> infinitamente. A Ida<strong>de</strong> ou Era <strong>de</strong> Ouro é a Krita Yuga, no<br />
começo do ciclo, e as seguintes obe<strong>de</strong>c<strong>em</strong> a um gradual <strong>de</strong>clínio da<br />
excelência moral e espiritual <strong>em</strong> relação à prece<strong>de</strong>nte. A Kali Yuga é a<br />
mais <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte e quando terminada encerra-se uma Maha-Yuga (Gran<strong>de</strong><br />
Ciclo), para dar início a mais uma Ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ouro (Krita Yuga).<br />
Encontramos uma sucessão cíclica s<strong>em</strong>elhante a esta nas tradições<br />
Grega e Persa. Atualmente estamos atravessando a Kali Yuga (Ida<strong>de</strong><br />
Negra).