27.11.2014 Views

noções gerais sobre outras ciências forenses - Plano de estudos do ...

noções gerais sobre outras ciências forenses - Plano de estudos do ...

noções gerais sobre outras ciências forenses - Plano de estudos do ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

MEDICINA LEGAL - 2003/2004<br />

NOÇÕES GERAIS SOBRE<br />

OUTRAS CIÊNCIAS FORENSES<br />

1. Toxicologia Forense<br />

2. Genética e Biologia Forense e Criminalística<br />

3. Psiquiatria e Psicologia Forense<br />

4. Antropologia e O<strong>do</strong>ntologia Forense<br />

5. Perícias em caso <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> médica


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

1<br />

TOXICOLOGIA FORENSE<br />

Rui Rangel<br />

a) INTRODUÇÃO<br />

Toxicologia representa a ciência cujo principal objectivo é a i<strong>de</strong>ntificação e quantificação <strong>do</strong>s<br />

efeitos adversos associa<strong>do</strong>s com a exposição a <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s agentes. Esses agentes, que<br />

assumem a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> tóxicos, são normalmente substâncias químicas <strong>de</strong> origem inorgânica<br />

ou orgânica, às quais, em senti<strong>do</strong> mais lato, se po<strong>de</strong>m associar certos agentes físicos ou <strong>outras</strong><br />

condições. A toxicologia compreen<strong>de</strong> o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s tóxicos e das intoxicações, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a<br />

estabelecer os limites <strong>de</strong> segurança com que os meios biológicos po<strong>de</strong>m interagir com os tóxicos.<br />

Consi<strong>de</strong>ra-se a toxicologia mo<strong>de</strong>rna constituída por quatro disciplinas principais: clínica, forense,<br />

regula<strong>do</strong>ra e <strong>de</strong> investigação. Em função da área <strong>de</strong> activida<strong>de</strong> a<strong>do</strong>ptam-se as seguintes subdivisões:<br />

Ecotoxicologia, Toxicologia Alimentar, Toxicologia Clínica, Toxicologia Experimental,<br />

Toxicologia Forense, Toxicologia Industrial, Toxicologia <strong>do</strong>s Medicamentos, Toxicologia<br />

Ocupacional e Toxicologia Regulamenta<strong>do</strong>ra.<br />

A <strong>de</strong>finição <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> tóxico é muito difícil, uma vez que qualquer substância, mesmo<br />

aquelas que fazem parte essencial <strong>do</strong>s organismos vivos, po<strong>de</strong> ser lesiva ou produzir transtornos<br />

no equilíbrio biológico. Nesta medida, todas as substâncias seriam tóxicas, incluin<strong>do</strong> aquelas que<br />

à partida, são habitualmente assumidas como alimentos ou medicamentos.<br />

São vários os critérios pelos quais os tóxicos po<strong>de</strong>m ser classifica<strong>do</strong>s. Para melhor<br />

sistematização, em toxicologia analítica classificam-se os tóxicos <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com os méto<strong>do</strong>s<br />

extractivos a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s ao isolamento <strong>do</strong> analito. Assim consi<strong>de</strong>ram-se sete grupos <strong>de</strong> tóxicos, a<br />

saber: gases; substâncias voláteis; substâncias orgânicas termolábeis; metais ou metalói<strong>de</strong>s;<br />

pesticidas; aniões; <strong>outras</strong> substâncias mais específicas.<br />

A toxicologia forense insere-se no âmbito da toxicologia analítica ten<strong>do</strong>, por conseguinte, como<br />

principal objectivo a <strong>de</strong>tecção e quantificação <strong>de</strong> substâncias tóxicas. Contu<strong>do</strong>, a activida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

toxicologista forense aplica-se a situações com questões judiciais subjacentes para as quais<br />

importa reconhecer, i<strong>de</strong>ntificar e quantificar o risco relativo da exposição humana a agentes<br />

tóxicos. Como tal aproveita conhecimentos alcança<strong>do</strong>s em praticamente todas as áreas da<br />

toxicologia mo<strong>de</strong>rna.<br />

Até ao século XX, a toxicologia forense limitava-se a estabelecer a origem tóxica <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> crime; o “toxicologista” actuava directamente no cadáver com a mera intenção da<br />

pesquisa e i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong> tóxico. Actualmente o campo <strong>de</strong> acção <strong>de</strong>sta ciência é mais vasto,


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

esten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as perícias no vivo e no cadáver até circunstâncias <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública, tais<br />

como aspectos da investigação a nível da activida<strong>de</strong> laboral ou <strong>do</strong> meio ambiente.<br />

No caso das pessoas vivas estes exames têm <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong> a ver com perícias toxicológicas para<br />

rastreio e confirmação <strong>de</strong> drogas <strong>de</strong> abuso no âmbito <strong>do</strong>s exames periciais ou médicos para<br />

caracterização <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> toxico<strong>de</strong>pendência (Decreto-Lei nº 15/93, <strong>de</strong> 22/01) e com o regime<br />

legal da fiscalização <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> substâncias psicoactivas nos utiliza<strong>do</strong>res da via pública (Decreto-<br />

Lei nº 265-A/2001, <strong>de</strong> 28/09; Decreto-Lei nº 2/98, <strong>de</strong> 3/01; Decreto Reg. nº 24/98, <strong>de</strong> 30/10;<br />

Portaria nº 1006/98, <strong>de</strong> 30/11). Neste último caso a participação <strong>do</strong> INML compreen<strong>de</strong>, além <strong>do</strong>s<br />

procedimentos para garantia <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> custódia <strong>de</strong> produtos e amostras, os exames <strong>de</strong><br />

quantificação <strong>de</strong> álcool etílico no sangue, e o rastreio e confirmação da presença das substâncias<br />

legalmente consi<strong>de</strong>radas estupefacientes e psicotrópicas na urina e no sangue, respectivamente.<br />

Os exames no vivo têm como objectivo a avaliação da intoxicação como circunstância<br />

qualifica<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito, como causa <strong>de</strong> perigosida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> inimputabilida<strong>de</strong>.<br />

Em caso <strong>de</strong> morte por intoxicação que se enquadra no âmbito da morte violenta, existe<br />

obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>, nesta suspeita, se proce<strong>de</strong>r à autópsia médico-legal (Decreto-Lei nº 96/01, <strong>de</strong><br />

26/03), e consequentemente, em geral, à requisição <strong>de</strong> perícia toxicológica.<br />

As intoxicações po<strong>de</strong>m ser criminais, legais (pena <strong>de</strong> morte), aci<strong>de</strong>ntais (alimentares, mor<strong>de</strong>dura<br />

<strong>de</strong> animais, absorção aci<strong>de</strong>ntal, medicamentosas) ou voluntárias (lesões auto infligidas,<br />

toxico<strong>de</strong>pendência, terapêutica).<br />

Distinguem-se três formas <strong>de</strong> intoxicação segun<strong>do</strong> a velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong> acções<br />

ou <strong>do</strong>s efeitos tóxicos: intoxicação aguda, sub-aguda e crónica.<br />

Os tóxicos po<strong>de</strong>m actuar <strong>sobre</strong> a célula produzin<strong>do</strong> uma <strong>de</strong>struição global da mesma por<br />

processos <strong>de</strong> necrose, ou <strong>sobre</strong> o sistema enzimático ou partes selectivas da célula (membranas,<br />

estruturas en<strong>do</strong>celulares ou organelos celulares). As principais reacções adversas produzidas<br />

pelos tóxicos a nível <strong>do</strong> sistema enzimático evi<strong>de</strong>nciam-se através da inibição irreversível (ex:<br />

insecticidas organofosfora<strong>do</strong>s orgânicos) ou reversível (ex: carbamatos) <strong>de</strong> certos complexos<br />

enzimáticos.<br />

Na interpretação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s analíticos <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s factores como a <strong>do</strong>se e via <strong>de</strong><br />

administração; produtos <strong>de</strong> “corte” consumi<strong>do</strong>s (impurezas ou adulterantes); efeitos aditivos,<br />

antagonismo ou sinergismo <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a associação com <strong>outras</strong> substâncias; esta<strong>do</strong>s patológicos<br />

existentes; idiossincrasias.<br />

A resposta <strong>do</strong> organismo a um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> tóxico <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, para além <strong>do</strong>s factores <strong>do</strong><br />

“hospe<strong>de</strong>iro”, da sua concentração no orgão alvo (orgão mais acessível ou mais sensível aos<br />

efeitos após exposição) e <strong>do</strong> seu mecanismo <strong>de</strong> acção. Há portanto que <strong>de</strong>terminar a relação<br />

entre exposição, <strong>do</strong>se e resposta. Como tal, é importante conhecer a cinética das substâncias no<br />

organismo. Os principais fases em toxicocinética são absorção, distribuição, metabolização e<br />

eliminação.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

Cada um <strong>de</strong>stes passos po<strong>de</strong> influenciar a extensão da toxicida<strong>de</strong> produzida pelo agente tóxico,<br />

pelo que uma avaliação <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista da toxicocinética po<strong>de</strong> ser importante na apreciação <strong>do</strong>s<br />

da<strong>do</strong>s analíticos obti<strong>do</strong>s. Em toxicologia, o processo <strong>de</strong> metabolização (ou biotransformação)<br />

assume especial interesse, da<strong>do</strong> que os tóxicos são geralmente agentes xenobióticos, portanto<br />

particularmente susceptíveis a sofrer alterações metabólicas no organismo, o que po<strong>de</strong> resultar na<br />

produção <strong>de</strong> novas substâncias <strong>de</strong>signadas por metabolitos. Como factores <strong>do</strong> hospe<strong>de</strong>iro que<br />

afectam muitas das respostas a diversos tipos <strong>de</strong> agentes tóxicos po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar as<br />

<strong>de</strong>terminantes genéticas, ida<strong>de</strong>, género, e outros tais como dieta ou coexistência <strong>de</strong> <strong>do</strong>ença<br />

infecciosa. Estes factores po<strong>de</strong>m afectar a exposição e a <strong>do</strong>se, através <strong>de</strong> alterações na<br />

absorção, distribuição ou metabolismo. A variabilida<strong>de</strong> nas populações humanas e no indivíduo<br />

<strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada na avaliação <strong>de</strong> riscos da exposição a tóxicos e na pon<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> testes e<br />

<strong>estu<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> investigação toxicológica em organismos não humanos.<br />

As diferentes intoxicações humanas apresentam geralmente um quadro sintomatológico<br />

comum, que por isso associa um conjunto <strong>de</strong> sintomas tóxicos inespecíficos. Os sintomas mais<br />

frequentes e <strong>de</strong> pior prognóstico para a recuperação <strong>do</strong> intoxica<strong>do</strong> são os seguintes: comas,<br />

síndromas hepatotóxicos, nefrotóxicos, cardiovasculares, respiratórios e hematológicos,<br />

neuropatias periféricas <strong>de</strong> origem tóxica e síndromes <strong>de</strong>rmatológicos.<br />

Em toxicologia analítica, a investigação toxicológica é o conjunto <strong>de</strong> processos analíticos que<br />

têm por objectivo o reconhecimento, i<strong>de</strong>ntificação e quantificação <strong>do</strong>s tóxicos para diagnóstico <strong>de</strong><br />

intoxicação e esclarecimento <strong>do</strong>s factos.<br />

Em toxicologia forense executam-se perícias toxicológicas que implicam investigação<br />

toxicológica humana no vivo ou no cadáver, baseada em procedimentos <strong>de</strong> garantia <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><br />

e <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> custódia, com o objectivo <strong>do</strong> esclarecimento <strong>de</strong> questões <strong>de</strong> âmbito judicial<br />

supostamente relacionadas com intoxicações.<br />

Existe uma gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> amostras que po<strong>de</strong>m ser analisadas em toxicologia forense, tais<br />

como órgãos colhi<strong>do</strong>s na autópsia, fluí<strong>do</strong>s biológicos obti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> cadáver ou <strong>do</strong> vivo, e produtos<br />

orgânicos e inorgânicos suspeitos (líqui<strong>do</strong>s, sóli<strong>do</strong>s, vegetais, etc.). Conforme a especificida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

caso e o tipo <strong>de</strong> análise pretendida, proce<strong>de</strong>-se à selecção e colheita da amostra ou das amostras<br />

mais a<strong>de</strong>quadas. A estas não po<strong>de</strong> ser adiciona<strong>do</strong> qualquer preservante ou conservante, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong><br />

o seu acondicionamento e remessa obe<strong>de</strong>cer a critérios <strong>de</strong> garantia da ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> custódia,<br />

passos fundamentais à preservação da prova e correcta realização da perícia. Assim, na<br />

conservação das amostras <strong>de</strong>ve ser elimina<strong>do</strong> to<strong>do</strong> e qualquer factor <strong>de</strong> contaminação,<br />

nomeadamente para o seu acondicionamento <strong>de</strong>ve-se aten<strong>de</strong>r às condições <strong>de</strong> luz, humida<strong>de</strong> e<br />

calor - fontes prováveis <strong>de</strong> reacções <strong>de</strong> oxidação ou hidrólise que po<strong>de</strong>m acelerar a<br />

<strong>de</strong>composição <strong>do</strong>s produtos.<br />

O exame toxicológico <strong>de</strong>ve ser capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar qualquer substância química exógena<br />

(xenobiótico) presente no material objecto da perícia. O facto <strong>de</strong> existirem um eleva<strong>do</strong> número <strong>de</strong>


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

substâncias tóxicas constitui uma limitação importante na realização <strong>de</strong>stas perícias, pelo que a<br />

maior parte <strong>do</strong>s laboratórios dirigem a sua investigação na procura daqueles que, segun<strong>do</strong> a<br />

casuística da respectiva área <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>, estão implica<strong>do</strong>s na maior parte <strong>do</strong>s casos. Para a<br />

selecção <strong>do</strong>s tóxicos a pesquisar é fundamental a informação <strong>sobre</strong> o evento (policial, clínico,<br />

familiar) e a <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong>s acha<strong>do</strong>s da autópsia, uma vez que cada caso tem as suas próprias<br />

particularida<strong>de</strong>s.<br />

As meto<strong>do</strong>logias <strong>de</strong> investigação passam por uma série <strong>de</strong> fases: rastreio, confirmação,<br />

quantificação e interpretação. Iniciam-se por um teste geral (que <strong>de</strong>tecta um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong><br />

substâncias, permitin<strong>do</strong> fazer uma triagem <strong>de</strong> casos negativos) e, só numa fase posterior se<br />

recorre aos méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> confirmação (que permitem confirmar a presença <strong>de</strong> substância suspeita,<br />

bem como i<strong>de</strong>ntificá-la e/ou quantificá-la).<br />

As técnicas <strong>de</strong> análise toxicológica variam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os clássicos méto<strong>do</strong>s não instrumentais, tais<br />

como reacções volumétricas ou colorimétricas, até outros mais sofistica<strong>do</strong>s para os quais se<br />

recorre a tecnologia apropriada, simples ou acoplada, como as técnicas espectrofotométricas (ex:<br />

espectofotometria <strong>de</strong> absorção molecular - UV-Vis, <strong>de</strong> infra-vermelhos - IR ou <strong>de</strong> absorção<br />

atómica - AAS), cromatográficas (ex: cromatografia gasosa – GC e cromatografia líquida - HPLC),<br />

imunoquímicas (ex: Elisa, imunoensaios com fluorescência polarizada – FPIA ou<br />

radioimunoensaio - RIA), e <strong>de</strong> espectrometria <strong>de</strong> massas - MS.<br />

O resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>stas perícias apresenta-se na forma <strong>de</strong> relatório on<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem constar, para além<br />

duma eventual interpretação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s, os seguintes da<strong>do</strong>s: i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong> processo e da<br />

entida<strong>de</strong> requisitante, méto<strong>do</strong> analítico utiliza<strong>do</strong> e referências à técnica <strong>de</strong> isolamento utilizada,<br />

datas <strong>de</strong> recepção <strong>de</strong> amostras e <strong>de</strong> conclusão <strong>do</strong>s exames, amostras analisadas, especialista<br />

responsável pela execução das análises, níveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecção e <strong>de</strong> quantificação, esta<strong>do</strong> das<br />

amostras analisadas, e outros que possam ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s relevantes para elaboração <strong>de</strong><br />

conclusões.<br />

Geralmente, o relatório <strong>de</strong> perícia toxicológica é envia<strong>do</strong> ao perito médico que requisitou a perícia,<br />

sen<strong>do</strong> posteriormente remeti<strong>do</strong> à entida<strong>de</strong> requisitante isoladamente ou em conjunto com o<br />

relatório <strong>de</strong> autópsia ou <strong>de</strong> clínica médico-legal.<br />

O “álcool” e as “drogas <strong>de</strong> abuso” são as substâncias que, na actualida<strong>de</strong>, fazem parte da<br />

maioria das requisições <strong>de</strong> exames toxicológicos.<br />

O consumo <strong>de</strong> bebidas alcoólicas po<strong>de</strong> ocasionar intoxicação aci<strong>de</strong>ntal ou voluntária, ou mesmo<br />

profissional, sen<strong>do</strong> o agente tóxico responsável o álcool etílico (ou etanol).<br />

A intoxicação po<strong>de</strong> resultar da ingestão <strong>de</strong> bebidas alcoólicas em quantida<strong>de</strong> variável, <strong>de</strong> forma<br />

esporádica ou habitual, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> dar origem a intoxicações agudas no primeiro caso ou crónicas<br />

no segun<strong>do</strong>.<br />

As intoxicações agudas apresentam formas leves (embriaguez), que po<strong>de</strong> ter eleva<strong>do</strong> interesse<br />

médico-legal, pela sua influência na condução ro<strong>do</strong>viária, pelo seu importante efeito criminogéneo


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

e por várias <strong>outras</strong> questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m legal que se po<strong>de</strong>m colocar como, por exemplo, questões<br />

<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> penal. As formas graves <strong>de</strong>sta intoxicação são esporádicas, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> em<br />

alguns casos ser causa <strong>de</strong> morte. Nestes casos, em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong>s sintomas, é por vezes difícil o<br />

diagnóstico diferencial com situações <strong>de</strong> traumatismo craniano.<br />

As intoxicações crónicas têm consequências importantes, por exemplo a nível clínico originan<strong>do</strong><br />

gastrites, dispepsia, miocardites ou cirroses, e em termos psiquiátricos levan<strong>do</strong> a quadros<br />

patológicos como <strong>de</strong>lirium tremens, alucinações ou <strong>de</strong>mências.<br />

Consi<strong>de</strong>ram-se como “drogas <strong>de</strong> abuso” todas as substâncias químicas <strong>de</strong> origem diversa que<br />

apresentam a característica comum <strong>de</strong> serem substâncias psicoactivas, cujo consumo ilícito se<br />

processa <strong>de</strong> mo<strong>do</strong>, mais ou menos, compulsivo. As “drogas <strong>de</strong> abuso” mais comuns inserem-se<br />

nos seguintes grupos <strong>de</strong> substâncias: opiáceos, cocaína, canabinói<strong>de</strong>s, anfetaminas e outros<br />

produtos naturais ou <strong>de</strong> síntese laboratorial análogos a psicofármacos ou com efeito<br />

alucinogénico. Como se verifica face aos grupos enuncia<strong>do</strong>s, não se trata <strong>de</strong> um grupo<br />

homogéneo, pelo que implica uma classificação mista <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a aten<strong>de</strong>r às características<br />

químicas, mecanismo <strong>de</strong> acção ou efeitos produzi<strong>do</strong>s no organismo.<br />

No vivo, os <strong>estu<strong>do</strong>s</strong> relaciona<strong>do</strong>s com “drogas <strong>de</strong> abuso” são feitos essencialmente para<br />

avaliação <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> toxico<strong>de</strong>pendência e em casos <strong>de</strong> condução <strong>sobre</strong> influência <strong>de</strong>stas<br />

drogas.<br />

Nas situações <strong>de</strong> morte associada ao consumo <strong>de</strong> drogas, esta po<strong>de</strong> surgir por <strong>sobre</strong><strong>do</strong>sagem<br />

(over<strong>do</strong>se simples ou por associação <strong>de</strong> agentes potencia<strong>do</strong>res), ou por <strong>outras</strong> circunstâncias<br />

associadas ao consumo, como uma reacção anafilática à droga ou aos produtos <strong>de</strong> corte,<br />

<strong>do</strong>enças infecciosas (SIDA ou hepatite) ou <strong>outras</strong> complicações (aci<strong>de</strong>ntes, suicídio, homicídio,<br />

morte súbita, pneumonia, etc.).<br />

b) A AUTÓPSIA EM CASOS DE SUSPEITA DE INTOXICAÇÃO<br />

A autópsia em casos <strong>de</strong> suspeita <strong>de</strong> intoxicação po<strong>de</strong> ocorrer em <strong>do</strong>is tipos <strong>de</strong> situações distintas:<br />

1) autópsia imediata - morte recente (cadáver não inuma<strong>do</strong>)<br />

2) autópsia tardia - morte há muito tempo (cadáver inuma<strong>do</strong>)<br />

No caso <strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong> uma autópsia imediata os procedimentos são semelhante às autópsias<br />

realizadas por outros motivos, excepto no que diz respeito à colheita <strong>de</strong> amostras (órgãos ou<br />

fluí<strong>do</strong>s biológicos) para posterior exame toxicológico.<br />

- Convém, no entanto, relembrar que contrariamente à i<strong>de</strong>ia generalizada <strong>de</strong> que nestes<br />

casos é só colher e enviar amostras para exame toxicológico, este tipo <strong>de</strong> autópsia implica uma<br />

atenção especial a to<strong>do</strong> um conjunto <strong>de</strong> elementos tão ou mais importantes quanto o resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

exame toxicológico. Esses elementos a ter em consi<strong>de</strong>ração vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o exame <strong>do</strong> local, à<br />

informação respeitante às circunstâncias que ro<strong>de</strong>aram a morte, ao exame <strong>do</strong> hábito externo e <strong>do</strong>


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

hábito interno, ao resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> outros exames complementares <strong>de</strong> diagnóstico que não os<br />

toxicológicos, por forma a ser possível estabelecer um diagnóstico diferencial.<br />

a) Exame <strong>do</strong> local em casos <strong>de</strong> suspeita <strong>de</strong> morte por intoxicação<br />

Nos casos <strong>de</strong> suspeita <strong>de</strong> morte por intoxicação, quem proce<strong>de</strong> ao exame <strong>do</strong> local <strong>de</strong>ve ter<br />

especial atenção à existência <strong>de</strong>:<br />

- restos <strong>de</strong> vómito<br />

- na vítima (corpo, roupa suja <strong>de</strong> vómito)<br />

- no local on<strong>de</strong> foi encontrada<br />

- cheiro ou o<strong>do</strong>res no local (intoxicação por gases, fumos, etc.)<br />

- torneira <strong>do</strong> gás aberta / fechada<br />

- exaustão <strong>do</strong>s gases <strong>de</strong> combustão<br />

- presença <strong>de</strong> braseira ou qualquer outra fonte produtora <strong>de</strong> monóxi<strong>do</strong> <strong>de</strong> carbono<br />

- janelas e portas abertas / fechadas<br />

- existência <strong>de</strong> dispositivos para recolher gases <strong>de</strong> combustão <strong>de</strong> motores (ex. mangueira<br />

ligada ao cano <strong>de</strong> escape)<br />

- presença <strong>de</strong> outros elementos indicia<strong>do</strong>res <strong>de</strong> morte por intoxicação<br />

- seringas/agulhas, algodão, limão<br />

- tampas <strong>de</strong> garrafas<br />

- colheres<br />

- “pratas”<br />

- “cachimbos”<br />

- embalagens <strong>de</strong> medicamentos<br />

- frascos ou contentores <strong>de</strong> tóxicos (pesticidas, outros produtos químicos)<br />

b) Informação em casos <strong>de</strong> suspeita <strong>de</strong> morte por intoxicação<br />

O perito médico antes <strong>de</strong> iniciar uma autópsia com suspeita <strong>de</strong> intoxicação <strong>de</strong>ve dispor <strong>de</strong> toda a<br />

informação social colhida junto <strong>de</strong> familiares e/ou amigos ou vizinhos da vítima.<br />

Deve haver, sempre que possível, informação <strong>sobre</strong>:<br />

- fármacos habituais? quais? quantida<strong>de</strong>s? <strong>de</strong>s<strong>de</strong> quan<strong>do</strong>?<br />

- consumo <strong>de</strong> drogas? tipo? vias? <strong>de</strong>s<strong>de</strong> quan<strong>do</strong>?<br />

- antece<strong>de</strong>ntes patológicos (<strong>do</strong>ença psiquiátrica)<br />

- tentativas <strong>de</strong> suicídio anteriores<br />

- méto<strong>do</strong>? quan<strong>do</strong>? quantas vezes?<br />

- i<strong>de</strong>ação suicida<br />

- carta ou bilhete <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedida


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

No caso <strong>de</strong> ter havi<strong>do</strong> <strong>sobre</strong>vida com passagem e tratamento hospitalar não po<strong>de</strong>rá o cadáver ser<br />

envia<strong>do</strong> para autópsia médico-legal sem os respectivos registos clínicos on<strong>de</strong> conste claramente:<br />

- tóxico suspeito/respectiva pesquisa e/ou <strong>do</strong>seamento pela toxicologia clínica<br />

- <strong>sobre</strong>vida (data e hora <strong>de</strong> entrada e da verificação <strong>de</strong> óbito)<br />

- a evolução clínica<br />

- sintomas apresenta<strong>do</strong>s<br />

- tratamentos efectua<strong>do</strong>s<br />

- lavagem gástrica<br />

- administração <strong>de</strong> antí<strong>do</strong>tos<br />

c) Aspectos relevantes no exame <strong>do</strong> hábito externo e interno em casos <strong>de</strong> suspeita <strong>de</strong><br />

morte por intoxicação<br />

As substâncias tóxicas po<strong>de</strong>m actuar <strong>sobre</strong> o corpo humano provocan<strong>do</strong> lesões por acção local<br />

(ex. tóxicos caústicos e tóxicos irritantes) ou por acção sistémica. No caso das lesões por acção<br />

sistémica, esta po<strong>de</strong> manifestar-se sob a forma <strong>de</strong> acção tóxica directa ou indirecta.<br />

Conforme se trate <strong>de</strong> lesão por acção local ou sistémica <strong>do</strong> tóxico po<strong>de</strong>mos ter aspectos lesionais<br />

macro e microscópicos completamente diferentes.<br />

Os aspectos lesionais que po<strong>de</strong>m ser objectiva<strong>do</strong>s durante uma autópsia por suspeita <strong>de</strong><br />

intoxicação, muitas vezes são inespecíficos e não permitem ao perito médico retirar conclusões<br />

<strong>de</strong>finitivas <strong>sobre</strong> o tipo <strong>de</strong> substância(s) responsávei(s) por <strong>de</strong>terminada morte.<br />

Muitas vezes os aspectos lesionais macro e microscópicos são meramente indicativos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> intoxicação e carecem <strong>de</strong> confirmação toxicológica.<br />

1) Lesões por acção local ( ex. tóxicos cáusticos)<br />

a) Ingestão - via mais frequentemente utilizada para intoxicação por cáusticos. O perito<br />

em tanatologia po<strong>de</strong> encontrar:<br />

- lesões cáusticas na boca, esófago e estômago<br />

- áci<strong>do</strong> sulfúrico – negras<br />

- áci<strong>do</strong> nítrico – amareladas<br />

- perfuração gástrica<br />

- conteú<strong>do</strong> estomacal na cavida<strong>de</strong> peritoneal, <strong>de</strong>rraman<strong>do</strong>-se o cáustico pelas<br />

restantes vísceras ab<strong>do</strong>minais<br />

- regurgitação<br />

- para árvore respiratória<br />

- necrose e inflamação da mucosa<br />

- para a boca (queimadura química muco-cutânea)


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

b) Queimaduras por arremesso <strong>de</strong> cáusticos - situações potencialmente mortais, pelas<br />

complicações que po<strong>de</strong>m surgir, que também resultam da acção local <strong>de</strong> agentes<br />

cáusticos. O exemplo mais frequente é o arremesso à vítima <strong>de</strong> áci<strong>do</strong> sulfúrico (óleo<br />

<strong>de</strong> vitríolo – ác. sulfúrico), geralmente à face (para <strong>de</strong>sfigurar) – vitriolagem. Outras<br />

regiões corporais po<strong>de</strong>m ser afectadas, nomeadamente o pescoço, o tórax e os<br />

membros superiores.<br />

2) Lesões por acção sistémica<br />

Po<strong>de</strong>m ser directas resultantes da acção directa <strong>do</strong> tóxico a nível <strong>do</strong>s diversos órgãos e teci<strong>do</strong>s<br />

ou por acção indirecta resultantes da anóxia ou choque <strong>de</strong>vidas à intoxicação.<br />

Tanto as lesões directas como as indirectas são inespecíficas. Raramente o estu<strong>do</strong><br />

anatomopatológico macro e microscópico dá o diagnóstico <strong>de</strong> intoxicação ou i<strong>de</strong>ntifica o tóxico.<br />

Dentro das lesões por acção tóxica indirecta é clássico <strong>de</strong>screver-se um conjunto <strong>de</strong> acha<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

autópsia inespecíficos, a saber:<br />

- congestão visceral generalizada<br />

- e<strong>de</strong>ma (cerebral, pulmonar)<br />

- hemorragias petequiais (epicárdio, pleuras)<br />

- sangue muito fluí<strong>do</strong> e escuro<br />

Como já foi dito anteriormente, to<strong>do</strong>s estes acha<strong>do</strong>s não são patognomónicos <strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong><br />

intoxicação. Apesar <strong>de</strong> muito inespecíficos, <strong>de</strong>vem ser procura<strong>do</strong>s e regista<strong>do</strong>s no relatório.<br />

3) Exame <strong>do</strong> hábito externo – alguns aspectos que merecem especial atenção<br />

3.1 – Livores<br />

Os livores cadavéricos nas situações <strong>de</strong> intoxicação são normalmente <strong>de</strong>scritos como mais<br />

intensos, haven<strong>do</strong> nos autores clássicos referência a <strong>de</strong>terminadas tonalida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s livores que<br />

serão indicativas <strong>de</strong>ste ou daquele tóxico.<br />

Na prática, excepto em casos <strong>de</strong> intoxicação por monóxi<strong>do</strong> <strong>de</strong> carbono com elevadas<br />

percentagens <strong>de</strong> carboxihemoglobina, em que os livores são <strong>de</strong>scritos como “carmina<strong>do</strong>s”, todas<br />

as <strong>outras</strong> situações são <strong>de</strong> difícil (para não dizer impossível), diagnóstico, com base<br />

exclusivamente na cor <strong>do</strong>s livores.<br />

3.2 - sinais recentes ou antigos <strong>de</strong> punção venosa (em toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes)<br />

3.3 – o<strong>do</strong>r exala<strong>do</strong> pelo cadáver – (ex: a amên<strong>do</strong>as amargas em casos <strong>de</strong> intoxicação por áci<strong>do</strong><br />

cianídrico).<br />

3.4 – queimaduras nos lábios e face – intoxicação por substâncias caústicas<br />

3) Exame <strong>do</strong> hábito interno


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

Nunca será <strong>de</strong>mais relembrar que na maior parte das intoxicações, o exame <strong>do</strong> hábito interno<br />

revela acha<strong>do</strong>s inespecíficos, na maioria das vezes.<br />

Estes acha<strong>do</strong>s são, por vezes, tão inespecíficos que po<strong>de</strong>m aparecer em intoxicações por<br />

substâncias muito diversas e po<strong>de</strong>m inclusivamente ser semelhantes a aspectos encontra<strong>do</strong>s<br />

noutros tipos <strong>de</strong> mortes violentas, nomeadamente em situações <strong>de</strong> asfixia mecânica.<br />

Recomendações práticas para a realização <strong>de</strong> autópsia em que haja suspeita <strong>de</strong><br />

intoxicação<br />

Em relação à realização da autópsia em casos <strong>de</strong> suspeita <strong>de</strong> intoxicação, sempre que possível,<br />

seria <strong>de</strong> tomar em consi<strong>de</strong>ração um conjunto <strong>de</strong> recomendações práticas que <strong>de</strong>vem ser <strong>do</strong><br />

conhecimento <strong>do</strong> perito médico:<br />

1) evitar, se possível, outros o<strong>do</strong>res na sala <strong>de</strong> autópsia<br />

2) começar a autópsia pela cabeça para evitar os o<strong>do</strong>res emana<strong>do</strong>s da cavida<strong>de</strong> ab<strong>do</strong>minal<br />

3) retirar em bloco os órgãos <strong>do</strong> pescoço e as órgãos torácicos - facilita a técnica <strong>de</strong> colheita<br />

<strong>do</strong>s pulmões quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong> uma intoxicação por gases e facilita também a abordagem<br />

para confirmar ou não da existência <strong>de</strong> aspiração para árvore respiratória<br />

4) evitar lavar os órgãos<br />

5) evitar per<strong>de</strong>r o conteú<strong>do</strong> das vísceras ocas (estômago, intestino, bexiga)<br />

6) em relação ao estômago sempre que o seu conteú<strong>do</strong> seja importante para esclarecer a<br />

causa <strong>de</strong> morte <strong>de</strong>ve-se:<br />

- laquear ao nível <strong>do</strong> cárdia e <strong>do</strong> piloro (dupla laqueação)<br />

- verter o conteú<strong>do</strong> para recipiente apropria<strong>do</strong> para envio para análise toxicológica<br />

- cheirar e <strong>de</strong>screver o o<strong>do</strong>r, a consistência e os constituintes <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> e medir e<br />

registar o volume <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong><br />

7) em relação ao intestino sempre que o seu conteú<strong>do</strong> seja importante para esclarecer a causa<br />

<strong>de</strong> morte <strong>de</strong>ve-se:<br />

- laquear ao nível <strong>do</strong> piloro, <strong>do</strong> cego e <strong>do</strong> recto (dupla laqueação)<br />

- verter o conteú<strong>do</strong> para recipiente apropria<strong>do</strong> para envio para análise toxicológica<br />

- cheirar e <strong>de</strong>screver o o<strong>do</strong>r, a consistência e os constituintes <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> nos diferentes<br />

segmentos intestinais<br />

8) em relação à urina sempre que o seu conteú<strong>do</strong> seja importante para esclarecer a causa <strong>de</strong><br />

morte <strong>de</strong>ve-se:<br />

- colher com seringa e agulha por punção <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> feita abertura da cavida<strong>de</strong> peritoneal<br />

- verter o conteú<strong>do</strong> para recipiente apropria<strong>do</strong> para envio para análise toxicológica<br />

9) em relação ao húmor vítreo sempre que a sua análise seja importante para esclarecer a causa<br />

<strong>de</strong> morte <strong>de</strong>ve-se:


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

- colher em esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> putrefacção avançada para <strong>do</strong>seamento <strong>do</strong> álcool etílico; em<br />

casos <strong>de</strong> intoxicação por insulina, para <strong>do</strong>seamento da glicose<br />

- colher com seringa e agulha por punção que <strong>de</strong>ve ser feita com cuida<strong>do</strong> para não<br />

perfurar o globo ocular<br />

- a punção <strong>de</strong>verá ser feita no plano equatorial <strong>do</strong> olho, com a agulha dirigida para o<br />

centro <strong>do</strong> globo ocular, sem penetrar profundamente.<br />

- verter o conteú<strong>do</strong> para recipiente apropria<strong>do</strong> para envio para análise toxicológica<br />

10) em relação aos restantes órgãos ou teci<strong>do</strong>s biológicos sempre que a sua análise seja<br />

importante para esclarecer a causa <strong>de</strong> morte <strong>de</strong>ve-se:<br />

- colher evitan<strong>do</strong> lavagem prévia<br />

- colocar em contentores apropria<strong>do</strong>s, na quantida<strong>de</strong> indicada pelo laboratório<br />

11) em relação ao envio ao laboratório das órgãos ou <strong>do</strong>s fluí<strong>do</strong>s biológicos convém realçar que:<br />

- <strong>de</strong>vem ser seguidas escrupulosamente todas as recomendações contidas nas<br />

requisições <strong>de</strong> exames toxicológicos<br />

- envio o mais rápi<strong>do</strong> (para a respectiva <strong>de</strong>legação)<br />

- garantir a ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> custódia<br />

- sempre que seja conheci<strong>do</strong>, indicar que há risco <strong>de</strong> infecção<br />

- não misturar na mesma remessa amostras <strong>de</strong> processos diferentes<br />

- nunca misturar na mesma remessa amostras enviadas para laboratórios diferentes (ex.<br />

exames periciais <strong>de</strong> toxicologia, biologia ou <strong>de</strong> histologia)<br />

- proce<strong>de</strong>r sempre à rotulagem das amostras com referência aos seguintes da<strong>do</strong>s :<br />

- entida<strong>de</strong> requisitante<br />

- data da colheita<br />

- nº processo <strong>de</strong> autópsia<br />

- i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong><br />

- i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong> perito<br />

Passos fundamentais <strong>do</strong> exame toxicológico<br />

O contributo <strong>de</strong> um exame toxicológico po<strong>de</strong> dar-se a <strong>do</strong>is níveis principais, ten<strong>do</strong> como base,<br />

acha<strong>do</strong>s concretos ou opiniões. Deste mo<strong>do</strong>, distinguem-se:<br />

exames toxicológicos basea<strong>do</strong>s em acha<strong>do</strong>s – consi<strong>de</strong>ram da<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s no isolamento,<br />

i<strong>de</strong>ntificação e <strong>do</strong>seamento <strong>de</strong> substâncias tóxicas. Neste passo, inserem-se também resulta<strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong> confirmação da ausência <strong>de</strong> <strong>outras</strong> substâncias químicas potencialmente relacionadas com a<br />

intoxicação e os procedimentos usa<strong>do</strong>s e respectiva qualida<strong>de</strong>.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

exames toxicológicos basea<strong>do</strong>s em opiniões - po<strong>de</strong>m ser, mais ou menos, fundamenta<strong>do</strong>s,<br />

<strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a informação que é recolhida, a interpretação dada a cada caso e a emissão <strong>de</strong><br />

pareceres periciais.<br />

Na requisição <strong>de</strong> exames toxicológicos, a dúvida que, frequentemente, se coloca, é discernir<br />

acerca <strong>do</strong> real interesse em optar pela pesquisa toxicológica e, em caso afirmativo, qual o tipo <strong>de</strong><br />

análise a requerer.<br />

A opção final pelo exame mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve ser conferi<strong>do</strong> ao toxicologista, pois na qualida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> perito especialista <strong>de</strong>sta área, po<strong>de</strong> basear a <strong>de</strong>cisão na sua preparação técnica para integrar<br />

toda a informação relevante, e relacioná-la com o tipo e qualida<strong>de</strong> das amostras disponíveis.<br />

Contu<strong>do</strong>, não se coloca em causa a importância <strong>do</strong> conhecimento por parte das entida<strong>de</strong>s<br />

requisitantes <strong>de</strong> alguns conceitos básicos na orientação da análise toxicológica, tais como os<br />

sugeri<strong>do</strong>s no esquema seguinte:<br />

Provável substância implicada em caso <strong>de</strong> intoxicação<br />

SIM<br />

NÃO<br />

?<br />

Porque se pe<strong>de</strong> a análise?<br />

É conheci<strong>do</strong>, <strong>de</strong> forma verosímil, o agente tóxico?<br />

SIM<br />

NÃO<br />

Investigar com<br />

méto<strong>do</strong> específico<br />

para a substância<br />

Existe alguma informação credível e orienta<strong>do</strong>ra?<br />

SIM<br />

NÃO<br />

Pesquisar os tóxicos que<br />

melhor se enquadram na<br />

informação disponível<br />

Proce<strong>de</strong>r a um<br />

<strong>de</strong>spiste sistemático<br />

A selecção <strong>de</strong> amostras em toxicologia forense<br />

Consoante a especificida<strong>de</strong> <strong>do</strong> caso e o tipo <strong>de</strong> análise toxicológica pretendida proce<strong>de</strong>-se à<br />

colheita das amostras mais a<strong>de</strong>quadas. Desta forma, existem análises que requerem apenas um


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

tipo <strong>de</strong> amostra, enquanto <strong>outras</strong> ficarão incompletas se não forem enviadas diversos tipos <strong>de</strong><br />

amostras. Por exemplo, as <strong>de</strong>terminações <strong>de</strong> alcoolemia (etanol no sangue) ou <strong>de</strong><br />

carboxihemoglobina (monóxi<strong>do</strong> <strong>de</strong> carbono presente na hemoglobina sanguínea) exigem apenas<br />

um único substracto (sangue).<br />

Contu<strong>do</strong>, e em especial para o sangue, existem condições em que não é possível obter as<br />

amostras mais apropriadas <strong>de</strong> uma forma qualitativa e/ou quantitativa, particularmente em<br />

situações <strong>de</strong> putrefacção avançada, exumações ou <strong>de</strong> mortes por choque traumático. Neste caso,<br />

há que recorrer a amostras alternativas ou complementares, que apenas nos permitem inferir<br />

acerca da concentração provável <strong>de</strong> tóxico presente no sangue.<br />

Na <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> álcool etílico é possível efectuar essa pesquisa em diversos outros fluí<strong>do</strong>s,<br />

tais como urina, humor vítreo, líqui<strong>do</strong> sinovial, medula óssea ou saliva.<br />

Segun<strong>do</strong> directivas europeias, qualquer suspeita <strong>de</strong> intoxicação e/ou situação cujos acha<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

autópsia não revelaram causa <strong>de</strong> morte evi<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>ve incluir a recolha das seguintes amostras<br />

básicas para exame toxicológico: sangue periférico; urina; conteú<strong>do</strong> estomacal; bile; fíga<strong>do</strong> e rim.<br />

No caso <strong>de</strong> existir suspeita específica, a recolha e envio <strong>de</strong> amostras <strong>de</strong>ve ter em consi<strong>de</strong>ração o<br />

grupo <strong>de</strong> tóxicos a analisar, pelo que a anterior amostragem permite, igualmente, pesquisas <strong>de</strong><br />

hipnótico-sedativos, substâncias psicoactivas, cardiotónicos, analgésicos e pesticidas.<br />

A pesquisa <strong>de</strong> drogas <strong>de</strong> abuso <strong>de</strong>ve englobar, além das amostras já <strong>de</strong>scritas, líqui<strong>do</strong><br />

céfaloraquidiano; encéfalo; local <strong>de</strong> picada <strong>de</strong> injectáveis e cabelos.<br />

A inclusão <strong>de</strong> sangue cardíaco da cavida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ventrículo esquer<strong>do</strong>, encéfalo, teci<strong>do</strong> gor<strong>do</strong><br />

subcutâneo, pulmão e vestuário, <strong>de</strong>ve complementar a amostragem básica quan<strong>do</strong> interessa<br />

efectuar pesquisas <strong>de</strong> substâncias lipossolúveis voláteis, tais como combustíveis e solventes.<br />

As intoxicações alimentares implicam a suplementação <strong>do</strong> envio das amostras básicas com<br />

amostras <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> intestinal colhi<strong>do</strong>, se possível, em três locais diferentes.<br />

Já no caso <strong>de</strong> a intoxicação po<strong>de</strong>r ter si<strong>do</strong> <strong>do</strong> tipo crónico, por acção entre outros, <strong>de</strong> metais<br />

pesa<strong>do</strong>s, certos medicamentos ou pesticidas, <strong>de</strong>vem-se adicionar à recolha <strong>de</strong> amostras normal,<br />

cabelos, ossos, teci<strong>do</strong> adiposo e conteú<strong>do</strong> intestinal.<br />

Uma análise toxicológica tem, muitas vezes, por limite a qualida<strong>de</strong> ou quantida<strong>de</strong> das amostras <strong>de</strong><br />

que se dispõe, daí que, seja preferível o envio <strong>de</strong> amostras em excesso, apesar das dificulda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> conservação e transporte que se possam colocar, com a vantagem <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r diversificar as<br />

pesquisas, duplicar, garantir ou até contribuir para o sucesso analítico <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada<br />

pesquisa.<br />

Conservação das amostras<br />

As amostras <strong>de</strong>stinadas a exame toxicológico não <strong>de</strong>vem ser adicionadas <strong>de</strong> qualquer<br />

preservante ou conservante, porque a <strong>de</strong>tecção <strong>de</strong> qualquer substância, seja ela adicionada ou<br />

não, po<strong>de</strong>rá ser relevante <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista toxicológico.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

Tal como em qualquer regra existe excepção no que se refere à amostra <strong>de</strong> sangue <strong>de</strong>stinada a<br />

<strong>do</strong>seamentos <strong>de</strong> álcool, cocaína ou áci<strong>do</strong> cianídrico, à qual se adiciona fluoreto <strong>de</strong> sódio na<br />

concentração aproximada <strong>de</strong> 1% (peso por volume).<br />

Com esta atitu<strong>de</strong> preten<strong>de</strong>-se impedir a proliferação microbiana, e assim prevenir a probabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> se induzirem alterações nas taxas sanguíneas <strong>do</strong>s referi<strong>do</strong>s tóxicos.<br />

Técnicas a<strong>do</strong>ptadas na pesquisa toxicológica<br />

A sequência <strong>de</strong> procedimentos empregues na pesquisa toxicológica, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a requisição <strong>de</strong><br />

autópsia ou exame clínico pelas autorida<strong>de</strong>s judiciais, com o envio das amostras ao laboratório,<br />

até à elaboração <strong>do</strong> relatório toxicológico, assenta em alguns passos fundamentais, como a seguir<br />

se <strong>de</strong>monstram:<br />

Rastreio<br />

isolamento<br />

Registo <strong>de</strong> amostras<br />

Confirmação<br />

colheita<br />

Quantificação<br />

AUTÓPSIA<br />

requisição<br />

HOSPITAL<br />

Interpretação<br />

relatório<br />

AUTORIDADE JUDICIAL<br />

Preparação da amostra<br />

A preparação da amostra é um procedimento chave das análises toxicológicas, pois é nesta fase<br />

que se proce<strong>de</strong> ao isolamento <strong>do</strong> tóxico com a intenção <strong>de</strong> lhe serem aplicadas as técnicas <strong>de</strong><br />

análise instrumental.<br />

Rastreio analítico<br />

Este rastreio ou "screnning" é realiza<strong>do</strong> pela utilização <strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> elevada e<br />

fraca especificida<strong>de</strong>. Os méto<strong>do</strong>s, ainda, <strong>de</strong>vem ser simples e pouco exigentes, em termos <strong>de</strong><br />

ocupação <strong>de</strong> recursos humanos e <strong>de</strong> consumos <strong>de</strong> material.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

As técnicas <strong>de</strong> rastreio para tóxicos termolábeis po<strong>de</strong>rão ser: imunoensaios, cromatografia em<br />

camada <strong>de</strong>lgada e cromatografias gasosa ou líquida (quan<strong>do</strong> equipadas com <strong>de</strong>tectores<br />

universais).<br />

I<strong>de</strong>ntificação e Doseamento<br />

Os resulta<strong>do</strong>s forneci<strong>do</strong>s pelos testes <strong>de</strong> rastreio são muito limita<strong>do</strong>s, pelo que, um resulta<strong>do</strong><br />

positivo só po<strong>de</strong> ser encara<strong>do</strong> como tal, se se confirmar através <strong>do</strong> recurso a testes <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntificação e confirmação.<br />

Além <strong>do</strong> mais, tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> provas periciais, a correcta i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da substância <strong>de</strong>tectada e a<br />

avaliação <strong>do</strong> seu teor quantitativo são, em certos casos, essenciais para a distinção <strong>de</strong><br />

interferências <strong>de</strong> matriz e analíticas, que possam contribuir para a obtenção <strong>de</strong> falsos resulta<strong>do</strong>s<br />

positivos.<br />

A cromatografia gasosa ou a cromatografia líquida acoplada a <strong>de</strong>tectores mais específicos tais<br />

como, a espectrometria <strong>de</strong> massas ou <strong>de</strong>tectores <strong>de</strong> varrimento na zona <strong>do</strong>s ultravioletas ou<br />

infravermelhos, quan<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>s em condições a<strong>de</strong>quadas permitem i<strong>de</strong>ntificações com eleva<strong>do</strong><br />

grau <strong>de</strong> confiança.<br />

A técnica que tem vin<strong>do</strong> a ser utilizada na i<strong>de</strong>ntificação no <strong>do</strong>seamento <strong>de</strong> substâncias<br />

elementares, em especial, as <strong>de</strong> carácter mineral, tem si<strong>do</strong> a espectrofotometria <strong>de</strong> absorção<br />

atómica (AAS), nas suas variantes com ou sem chama, adaptada com gera<strong>do</strong>r <strong>de</strong> hidretos ou com<br />

câmara <strong>de</strong> grafite.<br />

Interpretação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s analíticos<br />

À medida que as meto<strong>do</strong>logias analíticas evoluem, a principal questão da toxicologia forense não<br />

é saber o que é, mas sim o que isso significa.<br />

Não basta, portanto, i<strong>de</strong>ntificar a nível das amostras orgânicas uma substância com relevância<br />

toxicológica, mas para além disso, é essencial interpretar a<strong>de</strong>quadamente os resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s<br />

face às variáveis envolvidas.<br />

Os factores que estão envolvi<strong>do</strong>s numa pesquisa toxicológica são inúmeros. Por um la<strong>do</strong>, temos<br />

os que são relativos à análise em si, tais como: esta<strong>do</strong> das amostras, técnica analítica empregue,<br />

analista opera<strong>do</strong>r, rendimento <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s, e um sem número <strong>de</strong> erros sistemáticos ou fortuitos<br />

passíveis <strong>de</strong> ocorrer em qualquer activida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise química. Por outro la<strong>do</strong>, temos aqueles<br />

factores, que sen<strong>do</strong> inerentes ao caso analisa<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>m contribuir para que os resulta<strong>do</strong>s<br />

analíticos entrem em contradição com as hipóteses da investigação (como exemplos, po<strong>de</strong>mos ter<br />

a via <strong>de</strong> absorção <strong>do</strong> tóxico, o tempo <strong>de</strong> <strong>sobre</strong>vida - tempo <strong>de</strong>corri<strong>do</strong> entre a ocorrência e a<br />

morte- ou o intervalo <strong>de</strong> tempo até colheita <strong>de</strong> amostras, medidas terapêuticas, <strong>de</strong> diagnóstico ou


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

<strong>de</strong> suporte administradas, sinergia <strong>de</strong> efeitos <strong>de</strong>vida à associação <strong>de</strong> tóxicos, e muitas <strong>outras</strong><br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da circunstâncias <strong>de</strong> cada caso.<br />

Além <strong>de</strong>stes aspectos, existem muitas <strong>outras</strong> condições em que se exige conhecimentos técnicos<br />

e periciais no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> elucidar certas circunstâncias, tais como a <strong>de</strong>monstração, <strong>do</strong> reduzi<strong>do</strong><br />

interesse analítico a atribuir à técnica <strong>de</strong> imunoensaios face à sua fraca especificida<strong>de</strong>, <strong>do</strong>s efeitos<br />

<strong>de</strong>vi<strong>do</strong>s à adsorção <strong>de</strong> substâncias nas pare<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s recipientes <strong>do</strong>s contentores <strong>de</strong> amostras, da<br />

<strong>de</strong>gradação <strong>de</strong> substâncias em função <strong>do</strong> tempo e condições <strong>de</strong> conservação, da <strong>de</strong>gradação<br />

metabólica das amostras, ou da <strong>de</strong>gradação térmica que possa ocorrer em análises por<br />

cromatografia gasosa.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, não existem da<strong>do</strong>s objectivos que permitam estabelecer analogias concretas entre<br />

os resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s e as tabelas <strong>de</strong> níveis letais séricos ou tecidulares existentes.<br />

Para isso, o analista introduz no processo analítico meios <strong>de</strong> controlo que assentam na validação<br />

<strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s analíticos, uso <strong>de</strong> padrões internos ou externos certifica<strong>do</strong>s, recurso a normas <strong>de</strong><br />

boas práticas laboratoriais, implementação <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> controlo <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> intra e<br />

interlaboratoriais. Deste mo<strong>do</strong>, preten<strong>de</strong>-se garantir a <strong>de</strong>tecção da frequência com que ocorrem<br />

erros sistemáticos ou fortuitos, e formas <strong>de</strong> os solucionar, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a manter qualida<strong>de</strong><br />

laboratorial.<br />

e) PROCEDIMENTOS RELATIVOS À DETECÇÃO DA INFLUÊNCIA DE SUBSTÂNCIAS<br />

PSICOACTIVAS NA CIRCULAÇÃO RODOVIÁRIA<br />

Relação Clínico - Toxicologista<br />

A legislação <strong>do</strong> Código da Estrada (Decreto-Lei nº 265-A/2001, <strong>de</strong> 28/09) na parte relativa à<br />

fiscalização da circulação na via pública sob efeito <strong>de</strong> álcool e das substâncias legalmente<br />

consi<strong>de</strong>radas estupefacientes ou psicotrópicas pressupõe a participação, além das autorida<strong>de</strong>s<br />

fiscaliza<strong>do</strong>ras, <strong>do</strong>s serviços <strong>de</strong> urgência hospitalares e <strong>do</strong> Instituto Nacional <strong>de</strong> Medicina Legal.<br />

Aos primeiros compete executar os procedimentos <strong>de</strong> avaliação clínica e <strong>de</strong> colheita <strong>de</strong> amostras<br />

biológicas, realizar os exames <strong>de</strong> rastreio analítico a estupefacientes e psicotrópicos e, caso<br />

necessário, requisitar exames toxicológicos <strong>de</strong> quantificação <strong>de</strong> álcool no sangue ou <strong>de</strong><br />

confirmação da presença <strong>de</strong> estupefacientes e psicotrópicos através da remessa <strong>de</strong> amostras<br />

a<strong>de</strong>quadas em bolsas próprias à Delegação <strong>do</strong> INML da área respectiva.<br />

Aos Serviços <strong>de</strong> Toxicologia Forense <strong>do</strong> INML compete equipar e distribuir as bolsas <strong>de</strong>stinadas à<br />

colheita <strong>de</strong> amostras biológicas, verificar o cumprimento <strong>do</strong>s procedimentos <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

custódia, e executar as análises toxicológicas <strong>de</strong> quantificação <strong>de</strong> álcool no sangue ou <strong>de</strong>


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

confirmação da presença <strong>de</strong> estupefacientes e psicotrópicos por equipamentos e meto<strong>do</strong>logias<br />

a<strong>de</strong>quadas.<br />

Como tal a nível <strong>de</strong>stas competências, os médicos <strong>do</strong>s serviços <strong>de</strong> urgência hospitalares e os<br />

toxicologistas <strong>do</strong> INML beneficiam em a<strong>do</strong>ptarem um relacionamento que se traduza em<br />

colaboração institucional, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a assegurar com rigor e justiça, a execução <strong>do</strong>s procedimentos<br />

<strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s a uma aplicação universal da lei vigente. Por outro la<strong>do</strong>, enquanto cidadãos com<br />

responsabilida<strong>de</strong>s acrescidas, os médicos e paramédicos que, sem justa causa, se recusarem a<br />

proce<strong>de</strong>r às diligências previstas na lei para diagnosticar o esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> influencia<strong>do</strong> pelo álcool e<br />

das substâncias legalmente consi<strong>de</strong>radas como estupefacientes ou psicotrópicas são puni<strong>do</strong>s por<br />

<strong>de</strong>sobediência.<br />

A realização <strong>de</strong> exames clínicos e <strong>de</strong> colheita <strong>de</strong> amostras biológicas para diagnóstico <strong>do</strong> esta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> influencia<strong>do</strong> por substâncias aplica-se, quer em indivíduos admiti<strong>do</strong>s no serviço <strong>de</strong> urgência na<br />

sequência <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> viação, quer em indivíduos conduzi<strong>do</strong>s ou notifica<strong>do</strong>s pelas<br />

autorida<strong>de</strong>s fiscaliza<strong>do</strong>ras para serem avalia<strong>do</strong>s no serviço <strong>de</strong> urgência no âmbito <strong>de</strong> operações<br />

<strong>de</strong> fiscalização.<br />

Quan<strong>do</strong> se suspeita que um indivíduo possa estar influencia<strong>do</strong> pelo álcool etílico, se tiver si<strong>do</strong><br />

possível, antes da sua admissão hospitalar a autorida<strong>de</strong> fiscaliza<strong>do</strong>ra proce<strong>de</strong>u aos exames<br />

prévios <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminação da taxa <strong>de</strong> álcool no sangue (TAS) através <strong>de</strong> aparelhos <strong>de</strong> medição no<br />

ar expira<strong>do</strong>. Deste mo<strong>do</strong>, interessa a realização <strong>de</strong> contraprova mediante análise <strong>de</strong> sangue, pelo<br />

que compete ao serviço hospitalar a colheita <strong>de</strong> amostra <strong>de</strong> sangue, preenchimento da requisição<br />

<strong>de</strong> exame <strong>de</strong> quantificação <strong>de</strong> TAS (mo<strong>de</strong>lo Anexo I à portaria nº 1006/98, <strong>de</strong> 30/11) e remessa<br />

da respectiva bolsa conten<strong>do</strong> requisição e amostra <strong>de</strong> sangue ao INML. Na impossibilida<strong>de</strong> da<br />

colheita <strong>de</strong> amostra <strong>de</strong> sangue, o médico <strong>de</strong>ve proce<strong>de</strong>r a exame clínico a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> conforme<br />

previsto na secção III <strong>do</strong> capítulo I da portaria nº 1006/98, <strong>de</strong> 30/11.<br />

No que se refere ao diagnóstico <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> influencia<strong>do</strong> por substâncias legalmente<br />

consi<strong>de</strong>radas estupefacientes ou psicotrópicas, em virtu<strong>de</strong> das autorida<strong>de</strong>s não disporem <strong>de</strong><br />

méto<strong>do</strong>s com vista à sua <strong>de</strong>tecção, to<strong>do</strong>s os indivíduos envolvi<strong>do</strong>s em aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> viação <strong>do</strong>s<br />

quais resultem mortos ou feri<strong>do</strong>s graves, bem como os conduzi<strong>do</strong>s pelas autorida<strong>de</strong>s ao serviço<br />

<strong>de</strong> urgência com esse objectivo <strong>de</strong>vem ser avalia<strong>do</strong>s por médico, seja por via <strong>de</strong> exame médico<br />

<strong>de</strong> rastreio <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com secção I <strong>do</strong> capítulo II da portaria nº 1006/98, <strong>de</strong> 30/11, seja através <strong>de</strong><br />

exame analítico <strong>de</strong> rastreio na urina, por utilização <strong>de</strong> imunoensaios, efectua<strong>do</strong> a nível <strong>do</strong> serviço<br />

<strong>de</strong> patologia clínica <strong>do</strong> hospital. Os exames analíticos <strong>de</strong> rastreio a realizar no hospital <strong>de</strong>stinamse<br />

a <strong>de</strong>spistar a presença <strong>de</strong> substância que integrem os seguintes grupos: metabolitos da<br />

marijuana, opiáceos, cocaína e metabolitos e anfetaminas e <strong>de</strong>riva<strong>do</strong>s. Somente em caso <strong>de</strong><br />

algum <strong>do</strong>s exames analíticos <strong>de</strong> rastreio dar resulta<strong>do</strong> positivo é que o médico responsável <strong>de</strong>ve<br />

provi<strong>de</strong>nciar pela remessa ao INML <strong>de</strong> amostras <strong>de</strong> urina e <strong>de</strong> sangue colhidas ao examinan<strong>do</strong>,


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

acompanhadas <strong>de</strong> requisição <strong>de</strong> análise toxicológica <strong>de</strong> confirmação da presença <strong>de</strong><br />

psicotrópicos (mo<strong>de</strong>lo anexo VI à portaria nº 1006/98, <strong>de</strong> 30/11).<br />

Os conjuntos <strong>de</strong> recolha <strong>de</strong> amostras, também <strong>de</strong>signa<strong>do</strong>s como KIT’S, <strong>do</strong>s quais fazem parte as<br />

bolsas a enviar ao INML são forneci<strong>do</strong>s pela autorida<strong>de</strong> fiscaliza<strong>do</strong>ra (PSP ou GNR) <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> as<br />

mesmas estar seladas através <strong>de</strong> selo vermelho numera<strong>do</strong> (este número não é importante para o<br />

procedimento), que assegura a valida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s materiais <strong>de</strong> colheita nela incluí<strong>do</strong>s. No interior <strong>do</strong><br />

conjunto encontra-se um selo azul numera<strong>do</strong> (número muito importante para i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong><br />

processo) <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a ser usa<strong>do</strong> para selagem da bolsa após introdução <strong>de</strong> amostras biológicas e<br />

<strong>do</strong> triplica<strong>do</strong> <strong>de</strong> requisição <strong>de</strong> análises.<br />

A i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> remessa <strong>de</strong> amostras ao INML não é nominal mas assente no<br />

número <strong>do</strong> selo azul, pelo que é imprescindível que no triplica<strong>do</strong> <strong>de</strong> requisição <strong>de</strong> análises<br />

conste o respectivo número <strong>de</strong> selo. Outros elementos como data/hora <strong>de</strong> colheita das amostras,<br />

resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> exames prévios, tipo <strong>de</strong> amostras enviadas, terapêuticas efectuadas, e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> serviço hospitalar e <strong>do</strong> médico responsável são essenciais para evitar falhas <strong>de</strong> procedimento.<br />

Sempre que se verificam factos em <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> com os procedimentos previstos, o Serviço <strong>de</strong><br />

Toxicologia Forense elabora Autos <strong>de</strong> Ocorrência, através <strong>do</strong>s quais comunica e regista falhas<br />

<strong>de</strong> procedimento, bem como <strong>de</strong>screve o encaminhamento da<strong>do</strong> a cada caso.<br />

Os Serviços <strong>de</strong> Toxicologia Forense assumem o papel <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> regula<strong>do</strong>ra por garantir a<br />

segurança <strong>do</strong>s materiais incluí<strong>do</strong>s nos KIT’s, pela execução <strong>de</strong> análises rigorosas com o intuito <strong>de</strong><br />

confirmar a presença <strong>de</strong> psicotrópicos ou estabelecer a taxa <strong>de</strong> alcoolemia em amostras<br />

biológicas, e pelo controlo <strong>do</strong>s procedimentos relativos à ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> custódia <strong>de</strong> amostras.<br />

Sempre que ocorra violação das bolsas ou qualquer outra circunstância <strong>de</strong> não conformida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>vem as mesmas ser remetidas ao INML para que se proceda à sua verificação, reequipamento,<br />

selagem e <strong>de</strong>volução à respectiva autorida<strong>de</strong> fiscaliza<strong>do</strong>ra.<br />

Nesta, tal como em <strong>outras</strong> áreas, pressupõe-se uma estreita colaboração Hospital/Instituto<br />

Nacional <strong>de</strong> Medicina Legal.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

2<br />

GENÉTICA E BIOLOGIA FORENSE, E CRIMINALÍSTICA<br />

Maria <strong>de</strong> Fátima Pinheiro<br />

Entre as múltiplas activida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um laboratório <strong>de</strong> Genética e Biologia Forense constam a<br />

realização das perícias referentes aos casos <strong>de</strong> filiação, criminalística biológica e i<strong>de</strong>ntificação<br />

individual (genética). A resolução <strong>de</strong>stes casos, ou seja, a i<strong>de</strong>ntificação genética pressupõe<br />

sempre o estabelecimento da individualida<strong>de</strong> biológica que cada ser humano representa e<br />

fundamenta-se na exclusivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> seu DNA e na igualda<strong>de</strong> e invariabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste em todas as<br />

células <strong>do</strong> organismo ao longo da vida. Ou seja, o DNA é unico para cada ser humano e este fica<br />

perfeitamente i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> através <strong>do</strong> seu estu<strong>do</strong> em qualquer vestígio biológico que lhe pertença.<br />

Para a análise <strong>de</strong> DNA é necessário qualquer tipo <strong>de</strong> amostra ou produto que contenha material<br />

genético. Este material encontra-se em todas as células nucleadas <strong>do</strong> organismo.<br />

A i<strong>de</strong>ntificação genética é, actualmente, <strong>de</strong> importância fundamental em Medicina Legal, tanto no<br />

que concerne à investigação biológica da paternida<strong>de</strong> como à i<strong>de</strong>ntificação em criminalística ou<br />

<strong>de</strong> restos cadavéricos.<br />

a) INVESTIGAÇÃO BIOLÓGICA DE PATERNIDADE<br />

A investigação biológica da paternida<strong>de</strong> tem como objectivo, da<strong>do</strong> um trio filho, mãe e pretenso<br />

pai, <strong>de</strong>terminar se este é ou não excluí<strong>do</strong> da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser o pai biológico.<br />

As investigações <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> têm si<strong>do</strong> o tipo <strong>de</strong> exames mais frequentemente solicita<strong>do</strong>s às<br />

Delegações (Porto, Coimbra e Lisboa) <strong>do</strong> Instituto Nacional <strong>de</strong> Medicina Legal, que realizam mais<br />

<strong>de</strong> 300 perícias, <strong>do</strong> género, por ano. Na <strong>do</strong> Porto verificou-se, um aumento consi<strong>de</strong>rável <strong>do</strong><br />

número <strong>de</strong> exames, solicita<strong>do</strong>s pelos tribunais, particularmente a partir da década <strong>de</strong> 80.<br />

O principal motivo <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> um tão eleva<strong>do</strong> número <strong>de</strong> casos <strong>de</strong>ve-se, <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong>, à reforma<br />

<strong>do</strong> Código Civil Português, <strong>de</strong> 1977, nomeadamente ao artigo 1864º. Este obriga a que se<br />

proceda à averiguação oficiosa da paternida<strong>de</strong> nos casos em que o filho é regista<strong>do</strong> apenas com<br />

o nome da mãe.<br />

Relativamente aos exames <strong>do</strong> âmbito da criminalística biológica, nos últimos anos, houve um


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

acréscimo notável <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> vestígios biológicos em casos relaciona<strong>do</strong>s com crimes. Este<br />

incremento <strong>de</strong>veu-se, fundamentalmente, ao melhor po<strong>de</strong>r informativo proporciona<strong>do</strong>, uma vez<br />

que se dispõe, actualmente, <strong>de</strong> técnicas mais sensíveis. Estas perícias consistem no estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

vestígios e comparação das suas características genéticas com as da vítima e suspeito. A sua<br />

i<strong>de</strong>ntificação e caracterização têm gran<strong>de</strong> interesse, uma vez que, habitualmente, são transferi<strong>do</strong>s<br />

fluí<strong>do</strong>s orgânicos e secreções entre o criminoso e a vítima e o objectivo principal é i<strong>de</strong>ntificar o<br />

autor <strong>do</strong> crime.<br />

Acresce ainda a sua importância na i<strong>de</strong>ntificação individual (genética) a partir <strong>de</strong> restos<br />

cadavéricos, como ossos ou teci<strong>do</strong>s mumifica<strong>do</strong>s.<br />

A perícia médico-legal <strong>do</strong> âmbito da Biologia Forense, seja investigação <strong>de</strong> filiação, criminalística<br />

biológica ou i<strong>de</strong>ntificação, <strong>de</strong>senrola-se em duas fases: análise laboratorial e valorização<br />

bioestatística <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s.<br />

As diferentes fases têm características comuns para os distintos tipos <strong>de</strong> perícias, pois em<br />

qualquer <strong>do</strong>s casos a prova é baseada na comparação <strong>de</strong> perfis genéticos.<br />

Perfil genético, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista médico-legal, po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> como sen<strong>do</strong> o conjunto <strong>de</strong><br />

características hereditárias ou padrões fenotípicos que um indivíduo possui, para um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong><br />

número <strong>de</strong> marca<strong>do</strong>res genéticos, <strong>de</strong>tectável em qualquer amostra biológica que lhe pertença.<br />

Este perfil ficará <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> mediante a análise laboratorial das referidas amostras.<br />

Antes <strong>de</strong> se fazer a valorização bioestatística ter-se-á que estudar os marca<strong>do</strong>res genéticos a<br />

usar, na população em causa, no nosso caso, na população <strong>do</strong> Norte <strong>de</strong> Portugal.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, uma vez concluí<strong>do</strong> o estu<strong>do</strong> laboratorial, importa fazer a avaliação <strong>do</strong>s<br />

resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s.<br />

Assim, nos casos <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, que são quase exclusivamente os casos <strong>de</strong><br />

filiação que nos são presentes, porquanto na casuísta <strong>do</strong> nosso serviço tem-se regista<strong>do</strong> um<br />

número baixo <strong>de</strong> casos <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong> maternida<strong>de</strong>, as conclusões possíveis, são: exclusão<br />

<strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> e não exclusão <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>.<br />

Em princípio, conclui-se por exclusão <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> houver exclusão, no mínimo, por<br />

<strong>do</strong>is marca<strong>do</strong>res genéticos e, preferentemente, se pelo menos uma das exclusões for <strong>de</strong> 1ª<br />

or<strong>de</strong>m, referin<strong>do</strong>-se no relatório quais os sistemas que proporcionam a exclusão.<br />

Todavia, os casos <strong>de</strong> exclusão <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem ser suficientemente pon<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s antes da<br />

elaboração <strong>do</strong> relatório final, porquanto tem-se constata<strong>do</strong> que os STRs, polimorfismos <strong>do</strong> DNA<br />

actualmente muito usa<strong>do</strong>s na resolução <strong>do</strong>s casos, exibem uma taxa <strong>de</strong> mutação relativamente<br />

elevada. Por isso, em casos excepcionais po<strong>de</strong>-se verificar exclusão por mais <strong>de</strong> um marca<strong>do</strong>r<br />

genético e na realida<strong>de</strong> não correspon<strong>de</strong>r a exclusão <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, mas a uma coincidência <strong>de</strong><br />

mutações genéticas em mais <strong>de</strong> um sistema.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

Relativamente aos casos <strong>de</strong> não exclusão, exprime-se o resulta<strong>do</strong> em probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

paternida<strong>de</strong>, cujo cálculo se baseia no Teorema <strong>de</strong> Bayes.<br />

Em face <strong>do</strong> que foi anteriormente dito, hoje é mais difícil concluir uma situação <strong>de</strong> exclusão <strong>de</strong><br />

paternida<strong>de</strong> <strong>do</strong> que <strong>de</strong> não exclusão.<br />

Em relação aos casos criminais há três conclusões possíveis:<br />

a) Os perfis <strong>de</strong> DNA <strong>do</strong> suspeito e <strong>do</strong>s vestígios (cujas características genéticas não são<br />

idênticas às da vítima e que há indícios <strong>de</strong> que possam pertencer ao suspeito) não são<br />

<strong>sobre</strong>poníveis;<br />

b) Há coincidência <strong>do</strong>s referi<strong>do</strong>s perfis;<br />

c) O estu<strong>do</strong> não é conclusivo, ou porque o DNA disponível não é em quantida<strong>de</strong> suficiente e/ou<br />

porque há problemas laboratoriais na extracção, amplificação ou tipagem <strong>do</strong> DNA.<br />

Assim, à semelhança <strong>do</strong>s casos <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> não houver coincidência<br />

entre as características genéticas <strong>do</strong> suspeito e <strong>do</strong>s vestígios, <strong>de</strong>vem ser referi<strong>do</strong>s no relatório os<br />

polimorfismos que proporcionam a referida exclusão.<br />

Relativamente ao caso <strong>do</strong>s perfis serem idênticos, o perito <strong>de</strong>ve fazer a valorização da prova, que<br />

habitualmente é feita calculan<strong>do</strong> a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concordância ou o seu inverso, o “likelihood<br />

ratio” (razão bayesiana <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>s).<br />

Aspectos legais da aplicação da análise <strong>do</strong> DNA aos casos <strong>forenses</strong>. Legislação<br />

portuguesa (investigação <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>)<br />

A reforma <strong>do</strong> Código Civil Português ocorrida em 1977 contribuiu para o incremento <strong>do</strong> número <strong>de</strong><br />

exames <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> realiza<strong>do</strong>s. Até àquela data foram efectua<strong>do</strong>s, em média,<br />

<strong>do</strong>is exames por ano, enquanto que na década <strong>de</strong> 80, 621 , ten<strong>do</strong> vin<strong>do</strong> a aumentar<br />

progressivamente ao longo <strong>do</strong>s anos.<br />

Simultaneamente à entrada em vigor <strong>do</strong> “novo” Código Civil surgiram novas técnicas,<br />

<strong>de</strong>signadamente a PCR e marca<strong>do</strong>res genéticos muito mais informativos, que contribuíram para a<br />

conclusão <strong>do</strong>s casos <strong>de</strong> uma forma mais consentânea com a realida<strong>de</strong> biológica.<br />

O artigo <strong>do</strong> “novo” Código Civil que contribui <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong>cisiva para o aumento consi<strong>de</strong>rável<br />

<strong>do</strong> número <strong>de</strong> casos solicita<strong>do</strong>s foi o 1864º.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

Artigo 1864º<br />

(Paternida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconhecida)<br />

Sempre que seja lavra<strong>do</strong> registo <strong>de</strong> nascimento <strong>de</strong> menor apenas com a maternida<strong>de</strong><br />

estabelecida, <strong>de</strong>ve o funcionário remeter ao tribunal certidão integral <strong>do</strong> registo, a fim <strong>de</strong> se<br />

averiguar oficiosamente a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> pai.<br />

Como foi atrás referi<strong>do</strong>, esta norma é a responsável pelo incremento <strong>do</strong> eleva<strong>do</strong> número <strong>de</strong><br />

perícias <strong>de</strong> investigação biológica <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> solicitadas.<br />

No direito anterior supunha-se a perfilhação materna; agora não é possível a perfilhação pela<br />

mãe, pelo que nesta norma se utiliza a expressão “... apenas com a maternida<strong>de</strong> estabelecida...”<br />

Impõe-se agora ao tribunal que investigue a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> pai, quan<strong>do</strong> apenas é conhecida a da<br />

mãe.<br />

O estabelecimento da averiguação oficiosa da paternida<strong>de</strong> apenas encontra eco nos<br />

or<strong>de</strong>namentos jurídicos <strong>do</strong>s países escandinavos.<br />

“A sua justificação po<strong>de</strong> encontrar-se no <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> satisfazer o direito à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e à integrida<strong>de</strong><br />

moral, <strong>de</strong> tutelar o interesse geral da melhor socialização e amparo económico <strong>do</strong> filho; e na<br />

consciência <strong>de</strong> que não vale gran<strong>de</strong> coisa garantir a to<strong>do</strong>s os filhos a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos se não<br />

se fizerem os esforços possíveis no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> constituir as relações <strong>de</strong> filiação” (Krause, cit, por<br />

Guilherme <strong>de</strong> Oliveira).<br />

Para além <strong>do</strong>s pedi<strong>do</strong>s efectua<strong>do</strong>s pelos tribunais as perícias também po<strong>de</strong>m ser solicitadas por<br />

entida<strong>de</strong>s privadas ou por particulares.<br />

Decreto-Lei nº 96/2001, <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Março<br />

De acor<strong>do</strong> com o Decreto-Lei nº 96/01, relativo à Lei Orgânica <strong>do</strong> Instituto Nacional <strong>de</strong> Medicina<br />

Legal, concretamente o artigo 2º, uma das atribuições <strong>do</strong>s serviços médico-legais, segun<strong>do</strong> a<br />

alínea i) <strong>do</strong> mesmo artigo, é: “Prestar serviços a entida<strong>de</strong>s públicas e privadas, bem como aos<br />

particulares, em <strong>do</strong>mínios que envolvam a aplicação <strong>de</strong> conhecimentos médico-legais”. Esta<br />

disposição já se encontrava contemplada no Decreto-Lei nº11/98, revoga<strong>do</strong> aquan<strong>do</strong> da entrada<br />

em vigor <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>creto.<br />

Depois da publicação <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>creto, o Serviço <strong>de</strong> Genética e Biologia Forense tem si<strong>do</strong><br />

contacta<strong>do</strong> para a realização <strong>de</strong> exames solicita<strong>do</strong>s por particulares, cuja concretização tem <strong>de</strong><br />

ser previamente requerida pelos interessa<strong>do</strong>s sen<strong>do</strong>, o requerimento, aprecia<strong>do</strong> antes <strong>de</strong> se<br />

proce<strong>de</strong>r à marcação da colheita <strong>de</strong> amostras ou à sua recepção.<br />

Quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong> vestígios biológicos a analisar no âmbito da criminalística biológica, o exame<br />

só será efectua<strong>do</strong> se estiverem garanti<strong>do</strong>s os direitos individuais e civis, <strong>de</strong>signadamente o direito<br />

à privacida<strong>de</strong> individual ou familiar consigna<strong>do</strong>s na Constituição Portuguesa, na Declaração


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

Universal <strong>do</strong>s Direitos Humanos (artigo 12º) e na Convenção Europeia <strong>do</strong>s Direitos Humanos<br />

(artigo 8º).<br />

Constituição Portuguesa<br />

A nossa Constituição, no capítulo relativo aos direitos, liberda<strong>de</strong>s e garantias pessoais, Artigo 26º,<br />

refere-se aos direitos atrás cita<strong>do</strong>s.<br />

Artigo 26º<br />

(Outros direitos pessoais)<br />

1. A to<strong>do</strong>s são reconheci<strong>do</strong>s os direitos à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal, ao <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

personalida<strong>de</strong>, à capacida<strong>de</strong> civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à<br />

reserva da intimida<strong>de</strong> da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas <strong>de</strong><br />

discriminação.<br />

2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignida<strong>de</strong><br />

humana, <strong>de</strong> informações relativas às pessoas e famílias.<br />

3. A lei garantirá a dignida<strong>de</strong> pessoal e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> genética <strong>do</strong> ser humano, nomeadamente na<br />

criação, <strong>de</strong>senvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica.<br />

4. A privação da cidadania e as restrições à capacida<strong>de</strong> civil só po<strong>de</strong>m efectuar-se nos casos e<br />

termos previstos na lei, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ter como fundamento motivos políticos.<br />

Casos <strong>de</strong> filiação. Fundamento<br />

A gran<strong>de</strong> maioria <strong>do</strong>s casos <strong>de</strong> filiação presentes são as investigações <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>. Por isso,<br />

abordar-se-á quase exclusivamente este tipo <strong>de</strong> perícias, todavia, os procedimentos a ter quan<strong>do</strong><br />

se trata <strong>de</strong> uma investigação <strong>de</strong> maternida<strong>de</strong>, são idênticos aos da paternida<strong>de</strong>.<br />

Actualmente, a gran<strong>de</strong> maioria <strong>do</strong>s laboratórios utiliza, exclusivamente, polimorfismos <strong>do</strong> DNA.<br />

O fundamento biológico da resolução <strong>do</strong>s casos <strong>de</strong> filiação assenta no facto <strong>de</strong> cada indivíduo<br />

resultar da união <strong>de</strong> <strong>do</strong>is gâmetas, um materno (óvulo) e outro paterno (espermatozói<strong>de</strong>) que dão<br />

origem à formação <strong>de</strong> uma célula, o zigoto, a partir da qual se <strong>de</strong>senvolvem vários biliões <strong>de</strong><br />

células que compõem o organismo humano. Cada um <strong>do</strong>s gâmetas possui um número haplói<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> cromossomas (n), enquanto que as <strong>outras</strong> células <strong>do</strong> organismo, as células somáticas, têm um<br />

número diplói<strong>de</strong> <strong>de</strong> cromossomas (2n). Quan<strong>do</strong> os <strong>do</strong>is gâmetas <strong>do</strong>s progenitores se unem, a<br />

<strong>de</strong>scendência herda informação genética <strong>de</strong> ambos e cada uma das suas células possui essa<br />

informação.<br />

Por isso, a investigação biológica da paternida<strong>de</strong> consiste na análise <strong>do</strong> património genético que


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

um filho her<strong>do</strong>u da mãe e <strong>do</strong> pai. Uma vez apurada a parte genética herdada da mãe, é<br />

necessário verificar se o resto da informação é transmitida pelo pretenso pai. Se este possui as<br />

características hereditárias transmitidas à criança, não po<strong>de</strong> ser excluí<strong>do</strong> da paternida<strong>de</strong> e o<br />

resulta<strong>do</strong> é apresenta<strong>do</strong> em probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>. Se, pelo contrário, o indigita<strong>do</strong> não tem<br />

essas características, é afasta<strong>do</strong> da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>.<br />

Exames laboratoriais<br />

Na generalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s casos o estu<strong>do</strong> é efectua<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> sangue e da zaragatoa bucal,<br />

colhi<strong>do</strong>s a to<strong>do</strong>s os intervenientes.<br />

Sob o ponto <strong>de</strong> vista médico-legal uma investigação <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, pressupõe três fases:<br />

1ª - I<strong>de</strong>ntificação e colheita <strong>de</strong> sangue<br />

2ª - Caracterização <strong>do</strong>s marca<strong>do</strong>res genéticos<br />

3ª - Elaboração <strong>do</strong> relatório<br />

I<strong>de</strong>ntificação e colheita <strong>de</strong> sangue<br />

A i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong>ve ser pormenorizada, registan<strong>do</strong>-se os da<strong>do</strong>s pessoais <strong>do</strong>s intervenientes<br />

numa ficha própria, como sejam, nome completo, data <strong>de</strong> nascimento, naturalida<strong>de</strong>, esta<strong>do</strong> civil,<br />

raça, números <strong>do</strong>s bilhetes <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ou cédulas pessoais. Devem ser tiradas fotocópias <strong>de</strong><br />

to<strong>do</strong>s os elementos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação, assim como <strong>de</strong>vem ser colhidas as impressões digitais <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong><strong>do</strong> indica<strong>do</strong>r direito. Também <strong>de</strong>ve ser pergunta<strong>do</strong> se lhes foi administrada transfusão <strong>de</strong><br />

sangue ou transplante <strong>de</strong> orgãos, confirman<strong>do</strong>-se este da<strong>do</strong> com a respectiva assinatura.<br />

Como os <strong>do</strong>cumentos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação po<strong>de</strong>m ser falsifica<strong>do</strong>s, consi<strong>de</strong>ra-se obrigatória a presença<br />

simultânea <strong>do</strong>s intervenientes para se efectuar a colheita, isto é, não se realizam colheitas se<br />

to<strong>do</strong>s os intervenientes não estiverem presentes, salvo indicação expressa <strong>do</strong> juiz.<br />

Caracterização <strong>do</strong>s marca<strong>do</strong>res genéticos<br />

Marca<strong>do</strong>res genéticos são características i<strong>de</strong>ntificáveis, transmitidas <strong>de</strong> pais para filhos,<br />

rigorosamente controladas por genes situa<strong>do</strong>s num par <strong>de</strong> cromossomas homólogos<br />

Antes <strong>de</strong> 1985, tanto as investigações biológicas <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> como a análise <strong>de</strong> amostras<br />

biológicas com interesse criminal eram resolvidas mediante o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> marca<strong>do</strong>res genéticos<br />

convencionais ou tradicionais, a maioria <strong>do</strong>s quais, proteínas.<br />

Hoje, a utilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s marca<strong>do</strong>res genéticos convencionais tem um interesse limita<strong>do</strong>, por serem<br />

sistemas pouco polimórficos.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

Áci<strong>do</strong> <strong>de</strong>soxirribonucleico (DNA). Aplicação da análise <strong>do</strong> DNA à Medicina Legal<br />

A Medicina Legal dispõe, actualmente, <strong>de</strong> uma nova tecnologia que se baseia na variabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />

áci<strong>do</strong>s nucleicos das células, polimorfismos <strong>do</strong> DNA, cuja importância fundamental resi<strong>de</strong> no facto<br />

<strong>de</strong> se estudar a individualida<strong>de</strong> biológica directamente <strong>do</strong> código genético, ao contrário das<br />

proteínas, cuja caracterização <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da sua expressão em teci<strong>do</strong>s e fluí<strong>do</strong>s biológicos. É para<br />

notar que o DNA está presente em todas as células nucleadas <strong>do</strong> organismo humano (DNA<br />

nuclear) e que esse DNA é, basicamente, idêntico em todas as células <strong>do</strong> mesmo indivíduo. Têm<br />

si<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> extracção <strong>do</strong> DNA que permitem, por exemplo, separar DNA <strong>de</strong><br />

células espermáticas (suspeito) das células vaginais (vítima), em casos <strong>de</strong> agressão sexual, em<br />

que o perito dispõe <strong>do</strong> exsudato vaginal da vítima ou <strong>de</strong> manchas existentes em peças <strong>de</strong><br />

vestuário.<br />

O estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> DNA constitui hoje uma tecnologia que é admitida internacionalmente como prova<br />

pericial em tribunal, permitin<strong>do</strong> a resolução <strong>de</strong> casos <strong>de</strong> filiação complexos, como, por exemplo,<br />

casos <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> em que a mãe ou o pretenso pai faleceram, quan<strong>do</strong> existe a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> familiares próximos; o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> restos cadavéricos e a comparação<br />

das suas características genéticas com as <strong>do</strong> sangue, também, <strong>de</strong> familiares próximos; e ainda<br />

casos <strong>de</strong> filiação em que se dispõe <strong>de</strong> restos fetais resultantes <strong>de</strong> aborto ou infanticídio, em que<br />

se preten<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar o autor <strong>do</strong> crime.<br />

Tem si<strong>do</strong> especialmente na resolução <strong>de</strong> casos relativos à criminalística biológica que esta<br />

tecnologia tem <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> revestir uma importância fundamental, uma vez que na maioria <strong>do</strong>s<br />

casos relaciona<strong>do</strong>s com crimes o perito dispõe <strong>de</strong> uma quantida<strong>de</strong> exígua <strong>de</strong> DNA, apresentan<strong>do</strong>se<br />

muitas vezes <strong>de</strong>grada<strong>do</strong>.<br />

A admissibilida<strong>de</strong> jurídica, a nível internacional, da utilização das técnicas <strong>de</strong> tipagem <strong>do</strong> DNA, foi,<br />

numa primeira fase, alvo <strong>de</strong> controvérsias nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, relativamente à própria<br />

meto<strong>do</strong>logia empregue, à interpretação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s e aos méto<strong>do</strong>s estatísticos utiliza<strong>do</strong>s, tais<br />

como, o equilíbrio <strong>de</strong> Hardy-Weinberg, a homogeneida<strong>de</strong> populacional e o equilíbrio <strong>de</strong> ligamento<br />

entre os loci.<br />

O primeiro passo para obviar os problemas atrás referi<strong>do</strong>s foi o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> meto<strong>do</strong>logias<br />

que não suscitassem problemas <strong>de</strong> interpretação e que permitissem uma classificação exacta <strong>do</strong>s<br />

alelos <strong>do</strong>s diferentes polimorfismos. Em seguida, surgiram inovações relativas aos méto<strong>do</strong>s<br />

estatísticos utiliza<strong>do</strong>s na análise <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s, proporcionan<strong>do</strong> conclusões mais aproximadas à<br />

realida<strong>de</strong> biológica. Esta evolução conjunta <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s laboratoriais e estatísticos empregues na<br />

resolução <strong>de</strong> perícias médico-legais permite, actualmente, a obtenção <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s que eram<br />

impensáveis há ainda escassos anos.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

A análise <strong>do</strong> DNA com aplicação médico-legal foi usada pela primeira vez no Reino Uni<strong>do</strong>, em<br />

1985. Nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s a sua utilização iniciou-se em 1986, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> aplicada pela primeira<br />

vez à resolução <strong>de</strong> casos criminais em 1987, num caso <strong>de</strong> agressão sexual.<br />

Análise <strong>do</strong> DNA<br />

O genoma humano é constituí<strong>do</strong> por cerca <strong>de</strong> 3500 milhões <strong>de</strong> pares <strong>de</strong> bases (pb).<br />

A análise <strong>do</strong> DNA nuclear, permitiu <strong>de</strong>finir que no genoma humano existem regiões que se po<strong>de</strong>m<br />

classificar <strong>do</strong> seguinte mo<strong>do</strong>:<br />

- DNA não repetitivo (polimorfismos <strong>de</strong> sequência)<br />

- DNA mo<strong>de</strong>radamente repetitivo (regiões minisatélite)<br />

- DNA altamente repetitivo (regiões microsatélite)<br />

Algumas sequências não codificantes (DNA não expressivo, não codificante ou heterocromatina),<br />

cuja função biológica ainda não está perfeitamente estabelecida, encontram-se repetidas em<br />

"tan<strong>de</strong>m", isto é, uma sequência <strong>de</strong> pares <strong>de</strong> bases (pb), seguida <strong>de</strong> outra sequência idêntica e<br />

assim sucessivamente.<br />

Estas regiões hipervariáveis, on<strong>de</strong> existem os loci VNTR (Variable Number of Tan<strong>de</strong>m Repeats),<br />

são chamadas minisatélites se a sequência (core) é constituída por 10-70pb que se repete entre<br />

20 e 60 vezes. Se as referidas sequências são constituídas apenas por 2-7 nucleóti<strong>do</strong>s que se<br />

repetem, também, várias vezes, as regiões são <strong>de</strong>nominadas microsatélites ou loci STR (Short<br />

Tan<strong>de</strong>m Repeats).<br />

O DNA que forma as regiões hipervariáveis (HVR-Hipervariable Regions) <strong>do</strong> genoma, proporciona<br />

a existência <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> variação entre os indivíduos <strong>de</strong> uma população. Esta variação<br />

consiste no número <strong>de</strong> vezes que a sequência (core) se repete e é variável <strong>de</strong> indivíduo para<br />

indivíduo. Esta parte <strong>do</strong> genoma é a que tem maior interesse médico-legal.<br />

Polimorfismos <strong>do</strong> DNA<br />

Antes <strong>de</strong> se proce<strong>de</strong>r à tipagem tem <strong>de</strong> se efectuar a extracção <strong>do</strong> DNA.<br />

Existem vários protocolos para se efectuar a extracção <strong>do</strong> DNA. Quan<strong>do</strong> não é exigida a obtenção<br />

<strong>de</strong> DNA <strong>de</strong> alto peso molecular, utiliza-se o Chelex 100. Trata-se <strong>de</strong> uma técnica <strong>de</strong> extracção <strong>de</strong><br />

DNA mais rápida, fácil <strong>de</strong> executar e eficiente. O Chelex é uma resina quelante (chelating resin)<br />

com gran<strong>de</strong> afinida<strong>de</strong> para iões metálicos polivalentes, por isso previne a <strong>de</strong>gradação <strong>do</strong> DNA em<br />

presença <strong>de</strong> iões metálicos a altas temperaturas e em condições <strong>de</strong> baixa força iónica.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

Quan<strong>do</strong> é necessária a obtenção <strong>de</strong> DNA <strong>de</strong> alto peso molecular utiliza-se a extracção orgânica<br />

com fenol-clorofórmio ou com fenol-clorofórmio-álcool isoamílico, cujo protocolo é mais complexo<br />

e <strong>de</strong>mora<strong>do</strong>.<br />

Nos casos <strong>de</strong> violação em que são presentes os exsudatos vaginais das vítimas e/ou as peças <strong>de</strong><br />

vestuário que aquelas envergavam aquan<strong>do</strong> da ocorrência <strong>do</strong> crime, é preferencialmente utiliza<strong>do</strong><br />

um méto<strong>do</strong> diferencial <strong>de</strong> lise celular que, para além <strong>do</strong> fenol-clorofórmio-álcool isoamílico usa o<br />

<strong>de</strong>tergente (SDS) e uma proteinase (Proteinase K), cuja função consiste na libertação das células<br />

vaginais da vítima, enquanto as cabeças <strong>do</strong>s espermatozói<strong>de</strong>s se mantêm intactas em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

seu revestimento proteico conter pontes dissulfito. As células seminais são posteriormente<br />

recuperadas por centrifugação e subsequentemente lisadas na presença <strong>de</strong> ditiotreitol (DTT). O<br />

uso <strong>de</strong>sta meto<strong>do</strong>logia tem <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> ser eficaz, pois verifica-se que mesmo nos casos em<br />

que a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> espermatozói<strong>de</strong>s (observação microscópica) é escassa, consegue-se<br />

efectuar a tipagem <strong>do</strong> DNA da fase espermática.<br />

Polymerase Chain Reaction (PCR)<br />

A técnica mais usada para o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> DNA é a PCR. Esta técnica foi <strong>de</strong>scrita por Kary Mullis,<br />

em 1985 e baseia-se na amplificação enzimática in vitro <strong>de</strong> um fragmento <strong>de</strong> DNA <strong>de</strong> interesse<br />

(target) que é flanquea<strong>do</strong> por 2 "primers" que hibridam com as extremida<strong>de</strong>s 3´ da dupla ca<strong>de</strong>ia.<br />

Ciclos repeti<strong>do</strong>s, consistin<strong>do</strong> na <strong>de</strong>snaturação <strong>do</strong> DNA, "annealing" <strong>do</strong>s "primers" e sua extensão,<br />

originam em cada ciclo a duplicação da sequência inicial, correspon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a um crescimento<br />

exponencial da referida sequência. Isto é, <strong>de</strong>corri<strong>do</strong>s 20 ciclos, o DNA em estu<strong>do</strong>, <strong>de</strong>limita<strong>do</strong><br />

pelos "primers", cuja sequência <strong>de</strong> bases foi previamente seleccionada, estará amplifica<strong>do</strong> cerca<br />

<strong>de</strong> 1 milhão <strong>de</strong> vezes.<br />

Cada um <strong>do</strong>s referi<strong>do</strong>s ciclos inclui as seguintes fases:<br />

1ª- Desnaturação da sequência <strong>de</strong> DNA que se preten<strong>de</strong> estudar (± 90ºC)<br />

2ª- “Annealing” <strong>do</strong>s “primers” (± 60ºC)<br />

3ª- Extensão <strong>do</strong>s “primers” (± 72ºC), graças à Taq polimerase e aos nucleóti<strong>do</strong>s trifosfata<strong>do</strong>s<br />

(DNTPs – dATP, dTTP, dGTP e dCTP).<br />

A automatização <strong>do</strong> processo, com a utilização <strong>do</strong>s termocicla<strong>do</strong>res, proporcionou a simplificação<br />

<strong>de</strong> to<strong>do</strong> o procedimento, constituin<strong>do</strong> também uma importante inovação.<br />

O uso da técnica <strong>de</strong> PCR requer que, pelo menos, seja conhecida a sequência <strong>de</strong> DNA que<br />

ro<strong>de</strong>ia a região <strong>de</strong> interesse, para ser possível a construção <strong>do</strong>s "primers" usa<strong>do</strong>s na<br />

amplificação. Conhecen<strong>do</strong>-se a referida sequência, é possível escolher os "primers" por forma a<br />

permitirem a <strong>de</strong>limitação directa <strong>do</strong> local polimórfico.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

Actualmente, são vários os polimorfismos <strong>de</strong> DNA com interesse médico-legal, que po<strong>de</strong>m ser<br />

estuda<strong>do</strong>s por PCR, como polimorfismos <strong>de</strong> sequência, AMPFLPs e loci STR. No entanto,<br />

actualmente, só são usa<strong>do</strong>s estes últimos.<br />

Das vantagens <strong>de</strong>sta técnica, <strong>de</strong>staca-se o facto da PCR possuir a capacida<strong>de</strong> para efectuar a<br />

análise <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada sequência numa amostra exígua <strong>de</strong> DNA, qualquer que seja a sua<br />

quantida<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a amostra tenha, pelo menos, uma ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> DNA intacta,<br />

ro<strong>de</strong>an<strong>do</strong> a região a ser amplificada. Esta sensibilida<strong>de</strong>, segun<strong>do</strong> vários autores, tem permiti<strong>do</strong> a<br />

tipagem <strong>de</strong> diferentes polimorfismos <strong>de</strong> DNA <strong>de</strong> um único cabelo, <strong>de</strong> um espermatozói<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />

células somáticas individuais. Outros autores referem ter efectua<strong>do</strong> reacções <strong>de</strong> amplificação em<br />

DNA <strong>de</strong>grada<strong>do</strong> <strong>de</strong> teci<strong>do</strong>s guarda<strong>do</strong>s em arquivo e fixa<strong>do</strong>s em formol ou embebi<strong>do</strong>s em parafina,<br />

ou ainda, extraí<strong>do</strong>s <strong>de</strong> peças antigas existentes em museus ou acha<strong>do</strong>s arqueológicos.<br />

Por tu<strong>do</strong> o que foi anteriormente referi<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>r-se-á afirmar que a técnica <strong>de</strong> PCR se tornou um<br />

meio precioso para a análise <strong>de</strong> regiões polimórficas, em amostras <strong>de</strong> DNA humano,<br />

particularmente em criminalística, nos quais raramente se dispõe <strong>de</strong> DNA <strong>de</strong> alto peso molecular<br />

em quantida<strong>de</strong>s apreciáveis. Trata-se <strong>de</strong> uma meto<strong>do</strong>logia muito usada na resolução <strong>de</strong> casos<br />

médico-legais, sen<strong>do</strong> também utilizada no diagnóstico clínico e noutros ramos da ciência.<br />

Sistemas AMPFLPs e STRs estuda<strong>do</strong>s por PCR<br />

Sistemas AMPFLPs (Amplified Fragment Length Polymorphisms) são os loci VNTR, cujos alelos<br />

possuem tamanhos moleculares, aproximadamente, <strong>de</strong> 100 a 2000 pb.<br />

Os <strong>do</strong>is grupos <strong>de</strong> sistemas, AMPFLPs e STRs, em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> curto tamanho <strong>do</strong>s seus alelos, são<br />

susceptíveis <strong>de</strong> amplificação por PCR e visualização directa <strong>do</strong>s produtos <strong>de</strong> amplificação,<br />

embora, actualmente, apenas se usem os últimos.<br />

Loci STR estuda<strong>do</strong>s por PCR<br />

Os loci microsatélite po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>finir-se como pequenas sequências <strong>de</strong> DNA (com menos <strong>de</strong> 350<br />

pb), dispersas pelo genoma, repetidas em tan<strong>de</strong>m, <strong>de</strong> 2 a 7 pb <strong>de</strong> tamanho, pelo que também são<br />

conheci<strong>do</strong>s por loci STR (Short Tan<strong>de</strong>m Repeats). Calculou-se que o genoma humano contém,<br />

aproximadamente, 500.000 STRs, <strong>do</strong>s quais 6.000 a 10.000 são tri ou tetraméricos. Um gran<strong>de</strong><br />

número <strong>de</strong>stes loci apresenta um eleva<strong>do</strong> grau <strong>de</strong> polimorfismo genético, cuja base molecular<br />

consiste na variação <strong>do</strong> número <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> repetição.<br />

Estes sistemas, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à sua abundância no genoma humano, ao seu eleva<strong>do</strong> grau <strong>de</strong><br />

polimorfismo e à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serem facilmente estuda<strong>do</strong>s mediante técnicas <strong>de</strong> PCR,<br />

converteram-se nos marca<strong>do</strong>res <strong>de</strong> eleição em vários campos da ciência, <strong>de</strong>signadamente na<br />

i<strong>de</strong>ntificação genética humana.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

É para notar, que o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s loci STR proporciona uma maior sensibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao pequeno<br />

tamanho <strong>do</strong>s produtos <strong>de</strong> amplificação permitin<strong>do</strong>, por conseguinte, uma amplificação mais eficaz<br />

em amostras <strong>de</strong>gradadas.<br />

É possível, no caso <strong>do</strong>s STRs, proce<strong>de</strong>r-se à amplificação simultânea <strong>de</strong> vários loci numa única<br />

mistura <strong>de</strong> reacção (PCR multiplex), po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se fazer a análise conjunta <strong>do</strong>s produtos<br />

amplifica<strong>do</strong>s. Tal facto, proporciona o aumento <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> discriminação e a diminuição <strong>do</strong><br />

tempo <strong>de</strong> análise, bem como das quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> DNA e <strong>de</strong> reagentes a usar.<br />

Os STRs são claramente i<strong>de</strong>ntificáveis, permitin<strong>do</strong> a distinção <strong>de</strong> alelos que diferem apenas num<br />

nucleóti<strong>do</strong>. Tal facto torna viável a comparação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s por diferentes laboratórios.<br />

É aconselhável a estandardização das condições experimentais (composição <strong>do</strong> gel,<br />

electroforese) e o uso <strong>de</strong> padrões alélicos consenso a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s e <strong>de</strong> sequência conhecida, assim<br />

como a uniformida<strong>de</strong> na nomenclatura empregue na classificação <strong>do</strong>s alelos.<br />

Em casos pontuais e excepcionais em que exista dúvidas relativamente a estes aspectos, po<strong>de</strong>se<br />

proce<strong>de</strong>r à sequenciação <strong>do</strong>s alelos consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s duvi<strong>do</strong>sos.<br />

Actualmente, estes problemas estão praticamente ultrapassa<strong>do</strong>s com o uso <strong>de</strong> kits comerciais,<br />

porquanto estes possuem os produtos e condições perfeitamente estandardiza<strong>do</strong>s para o estu<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> gama <strong>de</strong> sistemas STR.<br />

Assim, por exemplo a Perkin-Elmer está a comercializar kits, como o Profiler Plus e o SGM Plus<br />

que permitem o estu<strong>do</strong> da amelogenina (gene homólogo <strong>do</strong> cromossoma X e Y) e <strong>de</strong>,<br />

respectivamente, os seguintes sistemas: D3S1358, VWA, FGA, D8S1179, D21S11, D18S51,<br />

D5S818, D13S317, D7S820 e D3S1358, VWA, D16S539, D2S1338, D8S1179, D21S11, D18S51,<br />

D19S433, TH01, FGA.<br />

Importa sublinhar que, após a reacção <strong>de</strong> PCR, os produtos <strong>de</strong> amplificação têm <strong>de</strong> ser<br />

analisa<strong>do</strong>s, usan<strong>do</strong>-se para esse fim várias meto<strong>do</strong>logias sen<strong>do</strong>, todavia, a mais divulgada e a<br />

que oferece resulta<strong>do</strong>s mais fiáveis a que utiliza sequencia<strong>do</strong>res automáticos, pelas razões<br />

adiante expostas.<br />

Uso <strong>do</strong>s sequencia<strong>do</strong>res automáticos para o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s STRs<br />

A utilização <strong>de</strong> sequencia<strong>do</strong>res automáticos é hoje praticamente imprescindível como tecnologia<br />

associada à PCR, tanto na análise <strong>de</strong> loci STR, como no próprio estu<strong>do</strong> da sua sequência, nos<br />

casos em que, por exemplo, se torna necessário o esclarecimento da presença <strong>de</strong> uma mutação<br />

genética ou, ainda, na análise <strong>do</strong> DNA mitocondrial que pressupõe a sequenciação <strong>de</strong> duas<br />

regiões hipervariáveis (HVI e HVII).<br />

Estes permitem que a informação electroforética se vá armazenan<strong>do</strong> à medida que <strong>de</strong>corre a<br />

migração, graças à utilização <strong>de</strong> um software apropria<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> os alelos <strong>de</strong>tecta<strong>do</strong>s por laser,


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

pois os “primers” usa<strong>do</strong>s são marca<strong>do</strong>s com fluorescência. Para além <strong>de</strong> que, paralelamente à<br />

migração das amostras <strong>de</strong> DNA em estu<strong>do</strong>, migram vários padrões externos (“sizer” externo) e<br />

padrões internos adiciona<strong>do</strong>s a todas as mostras a estudar (“sizers” internos). Os referi<strong>do</strong>s<br />

padrões são reconheci<strong>do</strong>s pelo software e servem para construir curvas <strong>de</strong> calibração, eliminan<strong>do</strong><br />

as diferenças <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong>s electroforéticas que po<strong>de</strong>m existir em diferentes “lanes”. Deste<br />

mo<strong>do</strong>, é possível eliminar automaticamente as variações da mobilida<strong>de</strong> electroforética, as quais<br />

podiam conduzir a uma tipagem errada <strong>do</strong>s alelos.<br />

Com um sequencia<strong>do</strong>r é possível a tipagem simultânea <strong>de</strong> vários sistemas, pelo que é necessária<br />

uma quantida<strong>de</strong> inferior <strong>de</strong> DNA mol<strong>de</strong>, o que constitui uma gran<strong>de</strong> vantagem na resolução <strong>de</strong><br />

casos com interesse forense em que se dispõe <strong>de</strong> pequenos vestígios, com quantida<strong>de</strong>s exíguas<br />

<strong>de</strong> DNA.<br />

A Perkin-Elmer possui vários mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> sequencia<strong>do</strong>res automáticos, <strong>do</strong>s quais po<strong>de</strong>mos<br />

<strong>de</strong>stacar o mo<strong>de</strong>lo ABI 310 e o ABI 3100 (electroforese capilar), que possuímos no nosso<br />

laboratório que, para além das vantagens atrás expostas, possibilitam o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> vários<br />

sistemas, <strong>de</strong>signadamente loci STR, em que se verifique a <strong>sobre</strong>posição <strong>do</strong> tamanho <strong>do</strong>s alelos,<br />

porque os distintos primers, para amplificação <strong>de</strong> cada sistema, são marca<strong>do</strong>s com diferentes<br />

fluorocromos, ou seja, com cores diferentes. Estes sequencia<strong>do</strong>res usam a electroforese capilar,<br />

em vez <strong>do</strong>s geis <strong>de</strong> poliacrilamida utiliza<strong>do</strong>s noutros mo<strong>de</strong>los, obvian<strong>do</strong> a preparação e<br />

manipulação <strong>do</strong> gel o que, muitas vezes, representava muito trabalho laboratorial, até porque nem<br />

sempre os geis tinham a qualida<strong>de</strong> requerida para que se obtivesse bons resulta<strong>do</strong>s. A<br />

electroforese capilar, entre <strong>outras</strong> vantagens, possui uma gran<strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> que é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

interesse, especialmente quan<strong>do</strong> a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produto amplifica<strong>do</strong> é exígua.<br />

Por isso, <strong>de</strong> uma maneira geral, o uso <strong>do</strong>s sequencia<strong>do</strong>res apresenta muitas vantagens<br />

relativamente aos processos manuais, <strong>de</strong>signadamente o facto <strong>de</strong> obviar a necessida<strong>de</strong> da<br />

manipulação <strong>do</strong> gel, após a electroforese, para a <strong>de</strong>tecção <strong>do</strong>s produtos <strong>de</strong> PCR, ao contrário <strong>do</strong><br />

que ocorre quan<strong>do</strong> a técnica empregue não é automática, em que é necessária a exposição<br />

autorradiográfica <strong>do</strong> gel ou a coloração com nitrato <strong>de</strong> prata.<br />

Outra vantagem a registar é o facto da análise <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s ser também automatizada, através<br />

da utilização <strong>de</strong> software a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>, permitin<strong>do</strong> armazenar os da<strong>do</strong>s em bases <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, para<br />

posteriores análises estatísticas.<br />

Os sinais <strong>de</strong> fluorescência são conheci<strong>do</strong>s por serem lineares num maior grau <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong>s <strong>do</strong><br />

que as autorradiografias convencionais. Por isso, estes sistemas <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecção são, provavelmente,<br />

mais úteis para a quantificação directa <strong>do</strong>s produtos <strong>de</strong> PCR. Este facto revela-se <strong>de</strong> especial<br />

interesse quan<strong>do</strong> se possui mistura <strong>de</strong> amostras provenientes <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um indivíduo, pois o<br />

tamanho <strong>do</strong>s picos obti<strong>do</strong>s dá uma i<strong>de</strong>ia <strong>do</strong> material celular existente <strong>de</strong> cada indivíduo, por<br />

exemplo, nos casos <strong>de</strong> violação.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

DNA Mitocondrial e Cromossoma Y<br />

A análise <strong>do</strong> DNA mitocondrial e <strong>do</strong> cromossoma Y, permite <strong>de</strong>terminar relações familiares,<br />

quan<strong>do</strong> existe um hiato <strong>de</strong> várias gerações entre um ancestral e <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes vivos. No entanto,<br />

não possuem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> discriminação <strong>do</strong>s sistemas autossómicos, <strong>de</strong>signadamente <strong>do</strong>s loci<br />

STR autossómicos <strong>do</strong> DNA nuclear, para além <strong>de</strong> que é necessária uma maior pon<strong>de</strong>ração na<br />

elaboração das conclusões.<br />

Num futuro próximo, com a criação <strong>de</strong> um número suficiente <strong>de</strong> bases <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, com o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> novas meto<strong>do</strong>logias e, possivelmente, também <strong>de</strong> novas técnicas, bem como<br />

com um perfeito controlo das situações excepcionais, cuja conclusão po<strong>de</strong> levantar algumas<br />

dúvidas <strong>de</strong> interpretação, o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> cromossoma Y e <strong>do</strong> DNA mitocondrial po<strong>de</strong> constituir uma<br />

peça relevante na resolução <strong>de</strong> perícias médico-legais <strong>do</strong> âmbito da Biologia Forense.<br />

Conclusões<br />

Investigação da paternida<strong>de</strong><br />

Prova positiva <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong><br />

Nos casos da prova positiva <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, isto é, quan<strong>do</strong> não se verificar a existência <strong>de</strong><br />

exclusão <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> por nenhum <strong>do</strong>s sistemas estuda<strong>do</strong>s, calcula-se a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

paternida<strong>de</strong>, com base no Teorema <strong>de</strong> Bayes. Este teorema é usa<strong>do</strong> para <strong>de</strong>terminar a<br />

probabilida<strong>de</strong> final <strong>de</strong> um sucesso, <strong>de</strong>duzida a partir das probabilida<strong>de</strong>s iniciais e certa informação<br />

ou informações adicionais.<br />

A fórmula que expressa a probabilida<strong>de</strong> (a posteriori) <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> contém um parâmetro para<br />

po<strong>de</strong>r ser simplificada, que é a probabilida<strong>de</strong> a priori <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>. Assim, se se atribuir a este<br />

valor <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> 0.5, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que o pretenso pai tem tanta probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser o pai<br />

como <strong>de</strong> não ser, surge uma fórmula simplificada:<br />

W=<br />

X<br />

X + Y<br />

Também conhecida por equação <strong>de</strong> Essen-Möller (1938), em que W é a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

paternida<strong>de</strong>, X é a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o pai biológico seja o pretenso pai ou probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

que se verifique a paternida<strong>de</strong> e Y é a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o pai biológico seja um indivíduo<br />

tira<strong>do</strong> ao acaso da população ou probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não paternida<strong>de</strong>.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

Para além <strong>do</strong> valor <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, também são usa<strong>do</strong>s outros parâmetros,<br />

como o índice <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, que é o cociente X Y<br />

e ainda o valor EM (Essen-Möller), que é da<strong>do</strong><br />

pela expressão: log Y/X+10.<br />

Nas conclusões <strong>do</strong>s relatórios <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> em que não se verifique exclusão<br />

<strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> por nenhum <strong>do</strong>s sistemas estuda<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ve ser indica<strong>do</strong> o valor da probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

paternida<strong>de</strong>. Para que esses resulta<strong>do</strong>s sejam facilmente entendíveis por parte <strong>do</strong>s juristas, <strong>de</strong>ve<br />

ser anexada a Tabela <strong>de</strong> Hummel. Nessa tabela para intervalos <strong>de</strong> valores <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

paternida<strong>de</strong> são atribuí<strong>do</strong>s predica<strong>do</strong>s verbais. Actualmente, usa-se a tabela <strong>de</strong> Hummel<br />

modificada em que apenas figuram valores <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> superiores a 99%,<br />

pois com as novas tecnologias empregues é pouco provável não se atingir este valor.<br />

Tabela <strong>de</strong> Hummel modificada<br />

Probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Paternida<strong>de</strong><br />

Predica<strong>do</strong> verbal<br />

W ≥ 99.73%<br />

Paternida<strong>de</strong> praticamente provada<br />

99.73% > W ≥ 99% Paternida<strong>de</strong> extremamente provável<br />

Exclusão <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong><br />

Quan<strong>do</strong> se caracterizam laboratorialmente os diferentes polimorfismos que constituem a prova<br />

pericial, po<strong>de</strong> ocorrer que se encontre exclusão por um sistema, várias exclusões ou nenhuma.<br />

Todavia, nem to<strong>do</strong>s os tipos <strong>de</strong> exclusão têm o mesmo valor.<br />

Assim, classicamente, concluía-se por exclusão <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> houvesse exclusão pelo<br />

menos por <strong>do</strong>is sistemas, sen<strong>do</strong> uma <strong>de</strong>las <strong>de</strong> 1ª or<strong>de</strong>m (directa ou pela 1ª regra <strong>de</strong> Landsteiner).<br />

Os casos mais frequentes <strong>de</strong> exclusão <strong>de</strong> 1ª or<strong>de</strong>m para um da<strong>do</strong> sistema ocorrem, quan<strong>do</strong> o<br />

filho possui um alelo ausente na mãe e no pretenso pai ou quan<strong>do</strong> o pretenso pai é heterozigótico<br />

e o filho não possui nenhum <strong>do</strong>s seus alelos. É para notar que apenas existe exclusão <strong>de</strong> 1ª<br />

or<strong>de</strong>m aparente, quan<strong>do</strong> houver um erro técnico ou quan<strong>do</strong> existir uma mutação, contu<strong>do</strong>, a taxa<br />

<strong>de</strong> mutação geral para a espécie humana é baixa.<br />

Actualmente, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao uso <strong>de</strong> marca<strong>do</strong>res genéticos, concretamente <strong>de</strong> STRs, com taxas <strong>de</strong><br />

mutação relativamente elevadas, as regras, previamente usadas, para se concluir um caso por<br />

exclusão <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem ser suficientemente pon<strong>de</strong>radas e avaliadas caso a caso, sen<strong>do</strong><br />

aconselhável, nalgumas situações, a sequenciação <strong>do</strong>s alelos <strong>do</strong>s sistemas que proporcionam a<br />

exclusão.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

As exclusões <strong>de</strong> 2ª or<strong>de</strong>m (indirectas ou pela 2ª regra <strong>de</strong> Landsteiner) são aquelas em que po<strong>de</strong><br />

existir a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> erro, ou seja, a exclusão aparente <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> para o<br />

sistema em questão existem alelos silenciosos ou que se comportem como tal. O caso mais<br />

frequente <strong>de</strong>ste género <strong>de</strong> exclusões ocorre quan<strong>do</strong> o pretenso pai e o filho são homozigóticos<br />

para alelos diferentes.<br />

Há alguns anos entendia-se que só se podia concluir com certeza os casos <strong>de</strong> exclusão <strong>de</strong><br />

paternida<strong>de</strong>. Hoje, da<strong>do</strong> o avanço da ciência neste campo, consi<strong>de</strong>ra-se que um resulta<strong>do</strong> positivo<br />

<strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vidamente <strong>do</strong>cumenta<strong>do</strong>, é mais seguro <strong>do</strong> que o da exclusão <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong><br />

apenas por <strong>do</strong>is marca<strong>do</strong>res genéticos.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, o antigo argumento usa<strong>do</strong> pela <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> que po<strong>de</strong> existir um indivíduo<br />

geneticamente igual ao pretenso pai, tem cada vez menos valor. Pois, um resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

paternida<strong>de</strong> próximo <strong>de</strong> 99.99% pressupõe a utilização <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> sistemas<br />

suficientemente alarga<strong>do</strong>, pelo que na prática, não será possível encontrar um indivíduo<br />

geneticamente igual ao pretenso pai, com excepção <strong>do</strong>s gémeos monozigóticos.<br />

b) CRIMINALÍSTICA BIOLÓGICA<br />

De acor<strong>do</strong> com a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Villanueva Cañadas (1991), “Criminalística é a ciência que estuda<br />

os indícios <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong>s no local <strong>do</strong> <strong>de</strong>lito, graças aos quais se po<strong>de</strong> estabelecer, nos casos mais<br />

favoráveis, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> criminoso e as circunstâncias que concorreram para o referi<strong>do</strong> <strong>de</strong>lito”.<br />

O interesse médico-legal da criminalística resi<strong>de</strong> no facto <strong>de</strong> se procurar vestígios anatómicos,<br />

biológicos ou humorais que permitam estabelecer a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> autor <strong>do</strong> crime. Todavia, os<br />

referi<strong>do</strong>s vestígios encontra<strong>do</strong>s na cena <strong>do</strong> crime são <strong>de</strong> natureza muito diversa e, por isso, para<br />

a sua recolha <strong>de</strong>veriam participar indivíduos especializa<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>signadamente, polícias, médicos,<br />

peritos em balística e impressões digitais e técnicos <strong>do</strong> laboratório on<strong>de</strong> são efectua<strong>do</strong>s os<br />

exames, ou indivíduos com informação suficiente por forma a fazerem a colheita e o<br />

acondicionamento <strong>do</strong>s vestígios nas melhores condições.<br />

É para notar, que o êxito <strong>do</strong> trabalho laboratorial <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da forma como os vestígios foram<br />

recolhi<strong>do</strong>s, acondiciona<strong>do</strong>s e envia<strong>do</strong>s. É também <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância a selecção a<strong>de</strong>quada<br />

das amostras a estudar, pois não raras vezes é recebi<strong>do</strong> material que não tem qualquer interesse<br />

médico-legal e que o perito tem que analisar, constituin<strong>do</strong> este tipo <strong>de</strong> exames uma mera perda<br />

<strong>de</strong> tempo.<br />

Para a análise <strong>do</strong> DNA é necessário qualquer tipo <strong>de</strong> mancha ou produto que contenha material<br />

genético. Este material genético ou DNA encontra-se em todas as células nucleadas <strong>do</strong><br />

organismo e possui características importantes para a sua aplicação em <strong>estu<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação,<br />

já que o DNA é único para cada indivíduo, e é idêntico em todas as suas células. Ou seja,


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

estudan<strong>do</strong> qualquer vestígio biológico po<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificar o indivíduo ao qual esse vestígio<br />

pertence.<br />

Os vestígios encontra<strong>do</strong>s com mais frequência, com interesse médico-legal, são as manchas <strong>de</strong><br />

sangue e sémen.<br />

Natureza <strong>do</strong>s vestígios biológicos<br />

Manchas <strong>de</strong> sangue<br />

O sangue é o tipo <strong>de</strong> amostra mais frequentemente analisada, tanto no esta<strong>do</strong> liquí<strong>do</strong> como em<br />

mancha seca. O DNA é extraí<strong>do</strong> <strong>do</strong>s leucócitos <strong>do</strong> sangue, uma vez que os eritrócitos são células<br />

anucleadas. Esta extracção é efectuada mediante diferentes protocolos, sen<strong>do</strong> os mais usa<strong>do</strong>s os<br />

que utilizam o fenol-clorofórmio (Smith e col., 1990) ou o Chelex (Singer-Sam e col., 1989).<br />

Aquelas manchas po<strong>de</strong>m encontrar-se em suportes porosos e absorventes existentes na cena <strong>do</strong><br />

crime, como sofás, tapetes, alcatifas e mesmo na roupa da vítima ou <strong>do</strong> autor <strong>do</strong> crime; ou em<br />

suportes não porosos como, por exemplo, diferentes tipos <strong>de</strong> revestimentos <strong>de</strong> chão ou pare<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> residências, vidros ou cerâmicas.<br />

Sémen<br />

O sémen (suspensão <strong>de</strong> espermatozói<strong>de</strong>s no líqui<strong>do</strong> seminal), é a seguir ao sangue o vestígio<br />

mais estuda<strong>do</strong>, o que se <strong>de</strong>ve ao facto <strong>de</strong> haver muitos casos <strong>de</strong> suspeita <strong>de</strong> agressão sexual<br />

regista<strong>do</strong>s na casuística da Delegação <strong>do</strong> Porto <strong>do</strong> Instituto Nacional <strong>de</strong> Medicina Legal.<br />

O DNA a analisar é extraí<strong>do</strong> <strong>do</strong>s espermatozói<strong>de</strong>s. Por isso, é conveniente efectuar, em primeiro<br />

lugar, uma confirmação microscópica da sua existência na amostra a estudar. É, também, prática<br />

corrente efectuar o teste ou reacção da Brentamina (<strong>de</strong>terminação da activida<strong>de</strong> da fosfatase<br />

ácida), cuja reacção positiva (presença <strong>de</strong> células seminais, mesmo na ausência <strong>de</strong><br />

espermatozói<strong>de</strong>s) se traduz no aparecimento <strong>de</strong> uma coloração púrpura, numa mancha que se<br />

suspeita ser <strong>de</strong> sémen, <strong>de</strong>pois da aplicação <strong>do</strong> reagente. Por vezes, o resulta<strong>do</strong> é duvi<strong>do</strong>so, por<br />

se tratar <strong>de</strong> uma reacção colorimétrica e, nalguns casos, <strong>de</strong> difícil interpretação <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à cor <strong>do</strong><br />

próprio teci<strong>do</strong> on<strong>de</strong> a reacção é efectuada.<br />

Depois da extracção <strong>do</strong> DNA <strong>do</strong> vestígio biológico ou <strong>do</strong>s exsudatos vaginais ou anais, proce<strong>de</strong>se<br />

ao estu<strong>do</strong> da amelogenina. A amplificação <strong>do</strong> gene homólogo da amelogenina X-Y, permite<br />

concluir que quan<strong>do</strong> estão presentes células masculinas aparecem duas bandas, uma com 212<br />

pb, específica <strong>do</strong> cromossoma X e outra com 218 pb, característica <strong>do</strong> cromossoma Y (os<br />

tamanhos em pares <strong>de</strong> bases <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s primers usa<strong>do</strong>s).<br />

Na gran<strong>de</strong> maioria <strong>do</strong>s casos estuda<strong>do</strong>s, a amostra presente para exame é o exsudato vaginal da<br />

queixosa, que é colhi<strong>do</strong> aquan<strong>do</strong> <strong>do</strong> exame efectua<strong>do</strong> no Serviço <strong>de</strong> Clínica Médico-Legal. No<br />

entanto, também po<strong>de</strong> haver sémen em peças <strong>de</strong> vestuário da vítima ou <strong>do</strong> agressor ou, ainda, no<br />

local on<strong>de</strong> ocorreu a violação, tanto em suportes porosos como não porosos.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

O facto das amostras <strong>de</strong> sémen po<strong>de</strong>rem estar misturadas com outro tipo <strong>de</strong> produtos biológicos<br />

da vítima ou <strong>de</strong> haver mistura <strong>de</strong> sémen <strong>de</strong> <strong>do</strong>is ou mais indivíduos, não constitui problema para a<br />

resolução <strong>do</strong>s casos. Actualmente, há meto<strong>do</strong>logias que permitem a separação eficiente <strong>do</strong> DNA<br />

<strong>do</strong>s espermatozói<strong>de</strong>s <strong>do</strong> DNA das células <strong>do</strong> epitélio vaginal da violada e, no caso <strong>de</strong> mistura <strong>de</strong><br />

sémen <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um indivíduo, a análise <strong>de</strong> DNA possibilita a <strong>de</strong>tecção e i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong>s<br />

indivíduos.<br />

Outros vestígios<br />

Os pêlos são outro tipo <strong>de</strong> vestígio biológico frequentemente analisa<strong>do</strong>. Estes po<strong>de</strong>m aparecer em<br />

peças <strong>de</strong> vestuário, nas mãos da vítima, ou ainda na cena <strong>do</strong> crime e <strong>de</strong>vem ser recolhi<strong>do</strong>s e<br />

acondiciona<strong>do</strong>s com precaução, pois po<strong>de</strong>m ser provenientes <strong>de</strong> pessoas distintas.<br />

O DNA <strong>do</strong>s pêlos está particularmente concentra<strong>do</strong> na raiz, pelo que os arranca<strong>do</strong>s dão melhores<br />

resulta<strong>do</strong>s, pois, na generalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s casos, possuem células <strong>do</strong> folículo piloso, o que permite<br />

obter DNA em maior quantida<strong>de</strong>. Em condições i<strong>de</strong>ais po<strong>de</strong>-se conseguir até 0.5 µg <strong>de</strong> DNA <strong>de</strong><br />

um só pêlo, sen<strong>do</strong> a quantida<strong>de</strong> normalmente conseguida <strong>de</strong> 200 ng em cabelos recentemente<br />

arranca<strong>do</strong>s e cerca <strong>de</strong> 10 ng em cabelos caí<strong>do</strong>s. É para notar, que a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> DNA existente<br />

na raiz <strong>de</strong> um pêlo, varia <strong>de</strong> pessoa para pessoa e na mesma pessoa é também variável<br />

consoante o local da sua proveniência (cabeça, barba, púbis, etc.).<br />

Aquan<strong>do</strong> da realização da extracção <strong>do</strong> DNA <strong>de</strong> pêlos <strong>de</strong>ve-se ter em consi<strong>de</strong>ração o facto da<br />

existência <strong>de</strong> melanina na sua composição. Esta constitui um factor inibi<strong>do</strong>r da amplificação, pelo<br />

que se <strong>de</strong>ve, preferencialmente, usar apenas as raízes.<br />

Os pêlos são maioritariamente constituí<strong>do</strong>s por queratina (proteína), pequenas quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

metais, ar e pigmento, a melanina. Esta é um potente inibi<strong>do</strong>r da amplificação (PCR). Por isso,<br />

quan<strong>do</strong> se estuda o DNA nuclear <strong>de</strong> hastes <strong>de</strong> pêlos ou mesmo <strong>de</strong> raízes <strong>de</strong> pêlos que caíram<br />

espontaneamente, sem teci<strong>do</strong>s <strong>do</strong> folículo piloso, os resulta<strong>do</strong>s, geralmente, não são conclusivos.<br />

Acresce ainda, a possibilida<strong>de</strong> da existência <strong>de</strong> factores que possam impedir uma eficaz<br />

extracção <strong>do</strong> DNA, como os tratamentos químicos, resistentes aos méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> digestão<br />

enzimática que usam ditiotreitol, proteinase K, <strong>de</strong>tergentes e o aquecimento para dissolver o pêlo.<br />

A saliva e a urina não contêm células na sua constituição, mas, por transportarem células<br />

epiteliais, respectivamente da cavida<strong>de</strong> bucal e das vias urinárias, possuem DNA. As amostras<br />

que tenham saliva, como filtros <strong>de</strong> cigarros fuma<strong>do</strong>s, garrafas ou latas <strong>de</strong> refresco e ainda selos<br />

ou envelopes, são susceptíveis <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar o autor <strong>do</strong> crime. As mais frequentes são as pontas<br />

<strong>de</strong> cigarros que, não raras vezes, aparecem no local <strong>do</strong> crime.<br />

A urina possui bactérias e outros agentes contaminantes que dificultam a obtenção <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s.<br />

Relativamente às fezes os resulta<strong>do</strong>s são ainda mais escassos, porque, na gran<strong>de</strong> maioria das<br />

vezes, não possuem material genético, susceptível <strong>de</strong> ser analisa<strong>do</strong> e têm na sua composição<br />

elementos que impe<strong>de</strong>m o êxito <strong>do</strong> estu<strong>do</strong>.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

A i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> restos cadavéricos através <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> material genético <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>do</strong> esta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> preservação o qual, varia com o tempo <strong>de</strong>corri<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a morte e <strong>de</strong> outros factores<br />

ambientais, sen<strong>do</strong> os mais adversos a humida<strong>de</strong> e a temperatura. Se estes restos forem<br />

encontra<strong>do</strong>s submersos a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se conseguir bons resulta<strong>do</strong>s é remota, uma vez que o<br />

esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação é muito maior.<br />

Como na maioria <strong>do</strong>s casos não se dispõe <strong>de</strong> sangue, o material que se estuda é músculo ou<br />

osso, mesmo que tenha <strong>de</strong>corri<strong>do</strong> bastante tempo após a morte.<br />

Como restos postmortem também se po<strong>de</strong>m estudar os <strong>de</strong>ntes (polpa <strong>de</strong>ntária), que representam<br />

elementos importantes na i<strong>de</strong>ntificação genética em casos <strong>de</strong> incêndio em que as partes <strong>do</strong><br />

organismos mais preservadas são as peças <strong>de</strong>ntárias, em locais on<strong>de</strong> ocorreram gran<strong>de</strong>s<br />

catástrofes em que exista um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> mortos e ainda em casos <strong>de</strong> afogamento.<br />

Os restos cadavéricos disponíveis, quan<strong>do</strong> a morte tiver ocorri<strong>do</strong> há bastante tempo<br />

(normalmente mais <strong>de</strong> 5 anos), são os ossos, uma vez que os teci<strong>do</strong>s moles já <strong>de</strong>sapareceram e<br />

os <strong>de</strong>ntes e os cabelos, se ainda existirem, possuem quantida<strong>de</strong>s exíguas e <strong>de</strong>gradadas <strong>de</strong> DNA.<br />

O material fetal é usa<strong>do</strong>, na maioria <strong>do</strong>s casos, no esclarecimento <strong>de</strong> casos <strong>de</strong> investigação<br />

biológica <strong>de</strong> maternida<strong>de</strong> em que há suspeita <strong>do</strong> feto ter si<strong>do</strong> aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> pela mãe ou quan<strong>do</strong> a<br />

gravi<strong>de</strong>z tiver resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> violação, se tiver si<strong>do</strong> feita a interrupção da mesma (Artigo 42º <strong>do</strong><br />

Código Penal).<br />

As amostras proce<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> teci<strong>do</strong>s fetais contêm quantida<strong>de</strong>s apreciáveis <strong>de</strong> DNA, susceptíveis<br />

<strong>de</strong> serem analisadas. Estas <strong>de</strong>vem ser rapidamente congeladas, para evitar a sua <strong>de</strong>gradação.<br />

Não se <strong>de</strong>vem adicionar conservantes, como álcool ou formol, pois estes produtos alteram <strong>de</strong><br />

uma forma irreversível os componentes celulares.<br />

Colheita e armazenagem <strong>de</strong> amostras biológicas<br />

Degradação<br />

A <strong>de</strong>gradação <strong>do</strong> DNA po<strong>de</strong> partir o DNA em fragmentos mais pequenos, sen<strong>do</strong> os principais<br />

factores que a provocam, o tempo, a temperatura, a humida<strong>de</strong>, a luz (solar e raios UV). A<br />

<strong>de</strong>gradação pressupõe a não obtenção <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s e nunca o aparecimento <strong>de</strong> um genótipo<br />

distinto daquele que correspon<strong>de</strong>ria à amostra.<br />

O DNA é muito mais estável <strong>do</strong> que os marca<strong>do</strong>res genéticos convencionais, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se manter<br />

estável durante muitos anos e, por isso, em condições <strong>de</strong> ser estuda<strong>do</strong> e <strong>de</strong> proporcionar bons<br />

resulta<strong>do</strong>s, especialmente usan<strong>do</strong> a técnica <strong>de</strong> PCR.<br />

Algumas vezes a <strong>de</strong>gradação em vez <strong>de</strong> impedir a obtenção <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s po<strong>de</strong> ocasionar a<br />

visualização <strong>de</strong> um único alelo em vez <strong>de</strong> <strong>do</strong>is, sen<strong>do</strong> mais frequente que <strong>de</strong>sapareça o alelo <strong>de</strong><br />

maior dimensões. Por isso, quan<strong>do</strong> se analisam vestígios com uma certa antiguida<strong>de</strong> e se obtém


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

homozigotia para alguns sistemas <strong>de</strong>ve-se ter cuida<strong>do</strong> na utilização <strong>de</strong>sses resulta<strong>do</strong>s, pois<br />

po<strong>de</strong>m ser heterozigóticos.<br />

Para se evitar a <strong>de</strong>gradação <strong>de</strong>ve-se promover a secagem completa <strong>do</strong> vestígio antes <strong>do</strong> seu<br />

acondicionamento (colocar em embalagens próprias - envelopes, pequenos sacos <strong>de</strong> papel <strong>de</strong><br />

celofane, etc.) e armazenagem, que <strong>de</strong>ve ser efectuada a baixas temperaturas.<br />

Contaminação<br />

Deve ser evitada qualquer tipo <strong>de</strong> contaminação que interfira na análise, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> ser preservada<br />

a integrida<strong>de</strong> biológica da amostra. Uma das exigências a ter sempre presente pelo perito, entre<br />

<strong>outras</strong>, é o uso <strong>de</strong> luvas <strong>de</strong>scartáveis.<br />

Po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>finir vários tipos <strong>de</strong> contaminação:<br />

• Contaminação química - produz resulta<strong>do</strong>s inconclusivos ou ausência <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s.<br />

• Contaminação provocada por microrganismos (bactérias e fungos) - normalmente não<br />

interfere na interpretação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s finais. Por exemplo, o sangue e o sémen encontra<strong>do</strong>s<br />

nos locais <strong>do</strong> crime, constituem um bom meio para o crescimento <strong>de</strong> bactérias e fungos, que<br />

po<strong>de</strong>m levar à <strong>de</strong>gradação <strong>do</strong> DNA humano. Quan<strong>do</strong> o DNA se encontra <strong>de</strong>grada<strong>do</strong> e o<br />

resulta<strong>do</strong> for inconclusivo, será preferível consi<strong>de</strong>rá-lo como tal.<br />

• Contaminação por outro DNA humano - Este é o tipo <strong>de</strong> contaminação mais importante, que<br />

po<strong>de</strong> ocorrer durante ou <strong>de</strong>pois da colheita das amostras.<br />

É importante saber distinguir “mistura <strong>de</strong> amostras” e “amostra contaminada”. A primeira é uma<br />

amostra que contém DNA <strong>de</strong> mais <strong>do</strong> que um indivíduo, em que a mistura ocorreu antes ou<br />

durante a prática <strong>do</strong> crime. A segunda, é aquela em que o material contaminante foi <strong>de</strong>posita<strong>do</strong><br />

durante a colheita da amostra, acondicionamento, manuseamento, armazenagem, ou análise.<br />

Usan<strong>do</strong> a técnica <strong>de</strong> PCR, provavelmente serão <strong>de</strong>tectadas pequenas quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> amostra<br />

contaminante e, por isso, o problema ficará ultrapassa<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se inclusivamente i<strong>de</strong>ntificála.<br />

Devem ser tomadas todas as precauções para evitar a contaminação, se bem que a<br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> células contaminantes é, muitas vezes, relativamente pequena, por conseguinte,<br />

não afectará o resulta<strong>do</strong> da análise, a não ser que o vestígio a estudar tenha uma quantida<strong>de</strong><br />

muito exígua <strong>de</strong> DNA e o DNA contaminante esteja em muito maior quantida<strong>de</strong>. De qualquer<br />

mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>vem ser seguidas todas as normas aconselhadas.<br />

• Contaminação por <strong>outras</strong> amostras - Este tipo <strong>de</strong> contaminação po<strong>de</strong> ocorrer <strong>de</strong>pois da<br />

secagem e armazenagem, quan<strong>do</strong> o perito manuseia as amostras. Por isso, as boas normas<br />

<strong>de</strong> conducta laboratorial e o treino são fundamentais para evitar estas situações.<br />

Colheita <strong>de</strong> vestígios


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

• Vestígios transportáveis - colheita directa <strong>do</strong>s vestígios.<br />

• Vestígios não transportáveis - remoção <strong>do</strong> vestígio para um suporte on<strong>de</strong> seja possível<br />

realizar a extracção <strong>do</strong> DNA. Normalmente usa-se pano branco, lava<strong>do</strong>, ligeiramente<br />

hume<strong>de</strong>ci<strong>do</strong> com água pura (MQ).<br />

Teoricamente, quan<strong>do</strong> o vestígio é transportável não se põe tanto o problema da contaminação e<br />

perda <strong>de</strong> material biológico, porquanto o vestígio é leva<strong>do</strong> directamente para o laboratório sem o<br />

sujeitar a qualquer tipo <strong>de</strong> operação.<br />

Quan<strong>do</strong> se colhem evidências <strong>de</strong>ve também colher-se uma pequena quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte,<br />

adjacente às manchas, que irá funcionar como controlo negativo.<br />

Preservação das amostras<br />

Uma vez colhida a amostra <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>ixar-se secar ao ar e acondicioná-la na ausência da<br />

humida<strong>de</strong>, para que mantenha as suas características. Posteriormente, <strong>de</strong>ve ser armazenada a<br />

baixas temperatura, evitan<strong>do</strong>-se as flutuações <strong>de</strong> temperatura e humida<strong>de</strong>.<br />

Avaliação da amostra<br />

Devem ser efectua<strong>do</strong>s testes no senti<strong>do</strong> da confirmação da natureza da amostra. Se se tratar <strong>de</strong><br />

uma amostra biológica po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>terminar a quantida<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> DNA extraí<strong>do</strong>, para<br />

posteriormente se <strong>de</strong>finir a estratégia a seguir para o seu estu<strong>do</strong>. Alguns laboratórios, preferem<br />

efectuar um controlo da qualida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>terminação aproximada da quantida<strong>de</strong>, nos produtos<br />

amplifica<strong>do</strong>s, utilizan<strong>do</strong> para tal um gel <strong>de</strong> comprovação.<br />

Actualmente, a maioria <strong>do</strong>s laboratórios apenas efectuam técnicas <strong>de</strong> PCR, ao contrário <strong>de</strong> há<br />

alguns anos em que se usava o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> DNA via RFLP, técnica que exigia entre <strong>outras</strong><br />

condições DNA <strong>de</strong> alto peso molecular (HMW), ou seja, fragmentos <strong>de</strong> tamanhos entre 20 000 -<br />

25 000 pb e em quantida<strong>de</strong> suficiente (10ng - 50ng).<br />

Em muitas situações isto não é possível, particularmente quan<strong>do</strong> se realiza o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> vestígios<br />

biológicos antigos.<br />

A sensibilida<strong>de</strong> da PCR permite a análise <strong>de</strong> fragmentos com apenas algumas centenas <strong>de</strong> pares<br />

<strong>de</strong> bases (pb) e em pequena quantida<strong>de</strong> (0.2ng - 0.5ng). Nos casos <strong>de</strong> violação aquele número <strong>de</strong><br />

fragmentos po<strong>de</strong> equivaler a escassas centenas <strong>de</strong> espermatozói<strong>de</strong>s ou a uma pequena mancha<br />

<strong>do</strong> tamanho <strong>de</strong> uma cabeça <strong>de</strong> alfinete.<br />

É <strong>de</strong> realçar, que a colheita e preservação das amostras apresentam um papel <strong>de</strong>terminante no<br />

sucesso da análise <strong>de</strong> DNA, como já foi referi<strong>do</strong>.<br />

Bases <strong>de</strong> Da<strong>do</strong>s Genéticos


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

É tão importante dispor <strong>de</strong> vestígios biológicos em casos <strong>de</strong> crimes, como <strong>de</strong> células <strong>do</strong> suspeito.<br />

Por isso, tem si<strong>do</strong> objecto <strong>de</strong> aceso <strong>de</strong>bate, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> aos aspectos legais e éticos subjacentes, a<br />

existência <strong>de</strong> bases <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s nacionais <strong>de</strong> indivíduos suspeitos ou acusa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> terem pratica<strong>do</strong><br />

crimes (furtos ou crimes mais graves) e <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong>sses da<strong>do</strong>s. Sen<strong>do</strong> também<br />

amplamente discuti<strong>do</strong> o problema <strong>do</strong> consentimento por parte <strong>do</strong>s suspeitos, na obtenção das<br />

amostras para comparação.<br />

A opinião geral europeia é que apenas façam parte das referidas bases os indivíduos acusa<strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong> terem cometi<strong>do</strong> crimes graves. Quanto ao seu perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> conservação, não existe<br />

uniformida<strong>de</strong> <strong>de</strong> opiniões.<br />

As bases <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s genéticos <strong>de</strong>vem ser efectuadas em conformida<strong>de</strong> com padrões <strong>de</strong> protecção<br />

<strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o estipula<strong>do</strong> na Convenção Europeia <strong>de</strong> Protecção <strong>de</strong> Da<strong>do</strong>s, em<br />

particular na Recomendação NºR (87) e na nossa Lei <strong>de</strong> Protecção <strong>de</strong> Da<strong>do</strong>s Pessoais (Lei nº<br />

67/98).<br />

Quan<strong>do</strong> são colhidas amostras biológicas a um indivíduo, tem <strong>de</strong> se partir <strong>do</strong> princípio que estas<br />

possuem uma consi<strong>de</strong>rável informação genética, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> proporcionar o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> genes<br />

relaciona<strong>do</strong>s com <strong>de</strong>terminadas <strong>do</strong>enças genéticas.<br />

Há autores que referem que o diagnóstico <strong>de</strong>ssas <strong>do</strong>enças po<strong>de</strong>rá ser susceptível <strong>de</strong> ser usa<strong>do</strong>,<br />

por exemplo, por empresas que face à competitivida<strong>de</strong> económica existente, preten<strong>de</strong>ssem<br />

afastar funcionários que futuramente po<strong>de</strong>riam apresentar elevadas taxas <strong>de</strong> absentismo e ainda<br />

consi<strong>de</strong>ráveis custos médicos. É ainda referida a possibilida<strong>de</strong> da utilização daquelas amostras na<br />

<strong>de</strong>terminação genética da predisposição para o consumo exagera<strong>do</strong> <strong>de</strong> álcool ou para a<br />

homossexualida<strong>de</strong>, particularida<strong>de</strong>s que po<strong>de</strong>riam levar à marginalização <strong>do</strong>s indivíduos.<br />

É <strong>de</strong> sublinhar que a parte <strong>do</strong> genoma que tem maior interesse médico-legal, como será<br />

posteriormente aborda<strong>do</strong> mais <strong>de</strong>talhadamente, é o DNA não codificante e que, por isso, não está<br />

relacionada com os cita<strong>do</strong>s genes responsáveis por <strong>do</strong>enças genéticas. No entanto, recentemente<br />

foi levantada a possibilida<strong>de</strong> da associação da <strong>do</strong>ença maníaco-<strong>de</strong>pressiva com o STR<br />

HUMTH01, marca<strong>do</strong>r amplamente usa<strong>do</strong> nos laboratórios <strong>de</strong> Biologia Forense. A ser confirmada<br />

esta hipótese, este sistema po<strong>de</strong>rá ser retira<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho laboratorial <strong>de</strong> rotina.<br />

Po<strong>de</strong>m-se consi<strong>de</strong>rar os seguintes tipos <strong>de</strong> bases <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s:<br />

• Interesse Criminal<br />

• I<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapareci<strong>do</strong>s<br />

• Populacionais anónimas (fins estatísticos)<br />

• Passivas (armazenamento <strong>de</strong> amostras biológicas).


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

As bases <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s genéticos com interesse criminal estão a ser objecto <strong>de</strong> discussão na União<br />

Europeia (EU). Os laboratórios que levem a cabo a sua criação, <strong>de</strong>vem obe<strong>de</strong>cer a alguns<br />

critérios, <strong>de</strong>signadamente implementar normas <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, por forma a minimizar a<br />

possibilida<strong>de</strong> da existência <strong>de</strong> erros técnicos, bem como in<strong>de</strong>pendência, confi<strong>de</strong>ncialida<strong>de</strong> e<br />

respeito pela intimida<strong>de</strong> e privacida<strong>de</strong>.<br />

No Reino Uni<strong>do</strong>, existe legislação bastante permissiva quanto à constituição <strong>de</strong> bases <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s<br />

genéticos e à recolha <strong>de</strong> amostras biológicas a indivíduos implica<strong>do</strong>s em crimes, mesmo não<br />

violentos. Este procedimento surgiu na sequência da análise <strong>de</strong> amplas estatísticas<br />

<strong>de</strong>monstrativas <strong>de</strong> que a gran<strong>de</strong> maioria <strong>do</strong>s indivíduos que cometeram crimes graves tinham<br />

pratica<strong>do</strong>, anteriormente, ofensas menores. Por isso, um <strong>do</strong>s objectivos da criação <strong>de</strong> bases <strong>de</strong><br />

da<strong>do</strong>s assentou no seu po<strong>de</strong>r dissuasivo, uma vez que um potencial viola<strong>do</strong>r reinci<strong>de</strong>nte saben<strong>do</strong><br />

que o seu perfil genético ficava regista<strong>do</strong>, aquan<strong>do</strong> da primeira violação, <strong>de</strong>sistiria da prática <strong>de</strong><br />

mais crimes.<br />

Em relação à colheita <strong>de</strong> amostras a indivíduos suspeitos, a legislação inglesa apenas consi<strong>de</strong>ra<br />

“amostras íntimas” as amostras cuja colheita é susceptível <strong>de</strong> violar a integrida<strong>de</strong> física <strong>de</strong> um<br />

indivíduo, como o sangue; os exsudatos bucais (zaragatoas) e as raízes <strong>de</strong> cabelos são<br />

consi<strong>de</strong>radas “não íntimas” e, por isso, po<strong>de</strong>m ser colhidas sem permissão e, se for necessário,<br />

utilizan<strong>do</strong> a força.<br />

Relativamente às bases <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, no Reino Uni<strong>do</strong>, o Forensic Science Service (FSS)<br />

<strong>de</strong>senvolveu e pôs em funcionamento o “National DNA Database” que analisa amostras <strong>de</strong><br />

indivíduos suspeitos <strong>de</strong> terem cometi<strong>do</strong> crimes e amostras colhidas em cenas <strong>do</strong> crime. O<br />

objectivo <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> laboratório é possuir 5 milhões <strong>de</strong> perfis <strong>de</strong> DNA, numa população total <strong>de</strong> 60<br />

milhões, ten<strong>do</strong> vin<strong>do</strong> a estudar 135 000 amostras por ano. É, no entanto, <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar que possui<br />

um staff científico constituí<strong>do</strong> por mais <strong>de</strong> uma centena <strong>de</strong> peritos e vários sequencia<strong>do</strong>res<br />

automáticos (mais <strong>de</strong> <strong>do</strong>ze), para além <strong>de</strong> instalações a<strong>de</strong>quadas, que lhe permite ultrapassar,<br />

sem problemas, auditorias externas a que são submeti<strong>do</strong>s pelo serviço <strong>de</strong> acreditação <strong>do</strong> país.<br />

Nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s existe uma base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s <strong>de</strong>signada CODIS (Combined DNA In<strong>de</strong>x<br />

System), na qual estão integradas: a <strong>de</strong> interesse criminal, a <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapareci<strong>do</strong>s e a <strong>de</strong> interesse<br />

estatístico. Neste sistema participam 100 laboratórios, cada um <strong>do</strong>s quais gere os seus próprios<br />

da<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>claran<strong>do</strong>-os a uma central. Esta base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s obe<strong>de</strong>ce a medidas estritas <strong>de</strong><br />

segurança e protecção, o que assegura a sua eficácia.<br />

Relatório pericial em Criminalística<br />

A resolução <strong>do</strong>s casos médico-legais <strong>do</strong> âmbito da criminalística implica, na maior parte <strong>do</strong>s<br />

casos, o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> vestígios biológicos e a comparação das suas características genéticas com<br />

as da vítima e suspeito ou suspeitos.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

Tradicionalmente, aquelas perícias realizavam-se mediante o estu<strong>do</strong> exclusivo <strong>de</strong> marca<strong>do</strong>res<br />

genéticos convencionais. Todavia, visto que a maior parte <strong>de</strong>stes marca<strong>do</strong>res são proteínas que<br />

proporcionam, neste campo, informação reduzida por possuírem uma escassa variação (baixo<br />

polimorfismo) e porque se <strong>de</strong>gradam rapidamente, é preferível o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s polimorfismos <strong>de</strong><br />

DNA.<br />

A conclusão <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> perícia médico-legal é muito mais complexa <strong>do</strong> que os casos <strong>de</strong><br />

investigação <strong>de</strong> filiação, porquanto nestes últimos o perito colhe quantida<strong>de</strong> suficiente <strong>de</strong> sangue<br />

aos intervenientes para a realização <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> e as amostras são preservadas nas condições<br />

i<strong>de</strong>ais (arca congela<strong>do</strong>ra a -20ºC ou a temperaturas inferiores). Por outro la<strong>do</strong>, os vestígios<br />

recebi<strong>do</strong>s para a resolução <strong>de</strong> casos liga<strong>do</strong>s à criminalística são <strong>de</strong> diferentes origens (manchas<br />

<strong>de</strong> sangue, esperma, pêlos etc.), para além <strong>de</strong> que as suas quantida<strong>de</strong>s são exíguas e o seu<br />

esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> conservação é <strong>de</strong>ficiente, na maior parte <strong>do</strong>s casos.<br />

Dadas as características <strong>do</strong>s vestígios anteriormente mencionadas, o perito necessita <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolver diferentes protocolos <strong>de</strong> extracção <strong>do</strong> DNA, conforme o produto a analisar e o seu<br />

esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> conservação. Não raras vezes, tem também <strong>de</strong> lançar mão <strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s que lhe<br />

permitam fazer a concentração e purificação das amostras <strong>de</strong> DNA, após a extracção.<br />

Nos casos <strong>de</strong> violação em que são colhi<strong>do</strong>s exsudatos vaginais, em que há mistura com o sémen<br />

<strong>do</strong> viola<strong>do</strong>r, têm si<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvidas técnicas no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> possibilitar a separação das células<br />

espermáticas das células vaginais.<br />

Nas perícias relativas à i<strong>de</strong>ntificação individual, em restos cadavéricos antigos, têm si<strong>do</strong><br />

introduzidas técnicas <strong>de</strong> extracção e purificação complexas. Com este tipo <strong>de</strong> material têm <strong>de</strong> ser<br />

tomadas com mais acuida<strong>de</strong> todas as precauções sugeridas aos laboratórios que fazem PCR,<br />

para evitar a contaminação.<br />

O relatório neste género <strong>de</strong> perícia <strong>de</strong>ve ser exaustivo, referin<strong>do</strong> e <strong>de</strong>screven<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o material<br />

recebi<strong>do</strong>, técnicas usadas na extracção <strong>do</strong> DNA, méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> tipagem e resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s. As<br />

conclusões <strong>de</strong>vem incluir as comparações das características genéticas <strong>do</strong>s vestígios com as<br />

mesmas características <strong>do</strong> sangue <strong>do</strong> suspeito ou suspeitos e vítima, para além <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r incluir a<br />

valorização da prova em termos <strong>de</strong> “likelihood ratio” (razão bayesiana <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>s) ou<br />

probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concordância. A valorização da prova pressupõe que haja coincidência entre os<br />

genótipos <strong>do</strong> vestígio e os <strong>do</strong> suspeito.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

3<br />

PERÍCIAS EM PSIQUIATRIA FORENSE<br />

Teresa Magalhães<br />

A Psiquiatria Forense engloba casos no âmbito <strong>do</strong> Direito Penal mas também <strong>do</strong> Direito Civil, <strong>do</strong><br />

Direito <strong>do</strong> Trabalho, <strong>do</strong> Direito Militar e <strong>do</strong> Estatuto Disciplinar <strong>do</strong>s Funcionários e Agentes da<br />

Administração Central, Regional e Local.<br />

Trata-se <strong>de</strong> uma “ciência auxiliar <strong>do</strong> direito que estabelece e <strong>de</strong>fine os elementos<br />

necessários ao fundamento da opinião médica que informa o juiz a respeito da aplicação<br />

da lei aos porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças e anomalias mentais” (Pedro Polónia). Constitui uma<br />

activida<strong>de</strong> conjugada <strong>do</strong> direito e da psiquiatria, com a contribuição da sociologia, da<br />

criminologia/vitimologia, da antropologia, da psicologia e da medicina legal.<br />

O relatório <strong>de</strong> psiquiatria forense, tal como os restantes relatório médico-legais <strong>de</strong>ve conter<br />

da<strong>do</strong>s objectivos, bem sistematiza<strong>do</strong>s, numa linguagem simples, acessível a não técnicos <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> mental, <strong>de</strong>finin<strong>do</strong> os conceitos a que recorre e apresentan<strong>do</strong> conclusões bem<br />

fundamentadas. Em casos complexos <strong>de</strong> perícias, por mutismo, negativismo ou aparente<br />

simulação <strong>de</strong> argui<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>rá ser necessário recorrer à observação <strong>do</strong> comportamento no seu<br />

meio e a informações <strong>de</strong> terceiros (familiares, amigos, vizinhos, etc.).<br />

No âmbito <strong>do</strong> direito penal a perícia <strong>de</strong>stina-se, na maior parte <strong>do</strong>s casos, à <strong>de</strong>terminação da:<br />

a) perigosida<strong>de</strong>: “tendência para a perpetração <strong>de</strong> actos <strong>de</strong> violência”; está relacionada com<br />

“violência, repetição, premeditação, impulsão” (Mário Taborda). O perito <strong>de</strong>ve prever o<br />

comportamento pós-<strong>de</strong>litual para o mesmo tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito ou outro. Mário Taborda consi<strong>de</strong>ra<br />

que o esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> perigosida<strong>de</strong> não é uma “energética cega, que emane apenas da<br />

personalida<strong>de</strong> ou das brumas da psicose”, mas é também um factor social, significan<strong>do</strong> o acto<br />

perigoso uma tentativa <strong>de</strong> nova comunicação com o grupo, através <strong>de</strong> uma linguagem<br />

peculiar.<br />

b) capacida<strong>de</strong> para se auto-<strong>de</strong>terminar <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a sua vonta<strong>de</strong> (para o contexto <strong>do</strong>s factos<br />

<strong>de</strong> que o examina<strong>do</strong> é acusa<strong>do</strong>, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> disso a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> culpa), o que implica<br />

integrida<strong>de</strong> da tría<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>-inteligência-vonta<strong>de</strong>; esta capacida<strong>de</strong> permite-nos <strong>de</strong>terminar a


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

imputabilida<strong>de</strong>. A inimputabilida<strong>de</strong> traduz a incapacida<strong>de</strong> para no momento <strong>do</strong> <strong>de</strong>lito<br />

reconhecer a ilegalida<strong>de</strong> ou ilicitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> acto cometi<strong>do</strong> por existir um quadro psicopatológico; a<br />

imputabilida<strong>de</strong> atenuada contempla situações complexas como as que respon<strong>de</strong>m a<br />

<strong>de</strong>terminantes biológicas e caracteriais, difíceis <strong>de</strong> comparar em peso relativo, como acontece<br />

com os psicopatas e outros distúrbios da personalida<strong>de</strong>.<br />

• Neuroses: <strong>de</strong>verão ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s quase sempre imputáveis; nalgumas situações<br />

limites como a neurose obsessivo-compulsiva grave, a cleptomania e a dissociação<br />

histérica po<strong>de</strong>rão justificar a figura <strong>de</strong> imputabilida<strong>de</strong> atenuada ou mesmo <strong>de</strong><br />

inimputabilida<strong>de</strong>, em casos específicos.<br />

• Esquizofrenia: <strong>de</strong>verão ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s inimputáveis, sempre que o <strong>de</strong>lito se<br />

correlacione directamente com a activida<strong>de</strong> <strong>de</strong>lirante ou alucinatória, em plena fase<br />

produtiva da <strong>do</strong>ença; há casos em que a fragmentação da personalida<strong>de</strong> e o estilo <strong>de</strong><br />

vida não sofreram alterações significativas, quer por benefícios terapêuticos quer pelas<br />

características <strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> esquizofrenia, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> imputabilida<strong>de</strong> atenuada para certos<br />

<strong>de</strong>litos.<br />

• Psicoses afectivas: <strong>de</strong>pressão e mania. Po<strong>de</strong>m existir situações extremas <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>pressão que sejam causa <strong>de</strong> imputabilida<strong>de</strong> (ex: grave <strong>de</strong>pressão com i<strong>de</strong>ação<br />

suicida altruísta); em certos casos <strong>de</strong> mania (ex: gasta<strong>do</strong>res e perdulários <strong>do</strong> património<br />

familiar, quer <strong>de</strong> bens móveis quer <strong>de</strong> bens imóveis), po<strong>de</strong> justificar-se a interdição ou<br />

inabilitação.<br />

• Síndroma cerebral orgânica: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> imputáveis a inimputáveis, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> esta<strong>do</strong><br />

da <strong>do</strong>ença e <strong>do</strong> contexto <strong>do</strong> <strong>de</strong>lito. Nas <strong>de</strong>mências estabelecidas a inimputabilida<strong>de</strong> é<br />

mandatória, sen<strong>do</strong> possível admitir imputabilida<strong>de</strong> atenuada em situações pré<strong>de</strong>mências<br />

<strong>de</strong> bom prognóstico. Os epilépticos também po<strong>de</strong>rão ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> imputáveis a inimputáveis, passan<strong>do</strong> pela figura intermédia <strong>de</strong> imputáveis com<br />

atenuantes (se houver <strong>de</strong>lito em alteração <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> consciência po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar-se<br />

a inimputabilida<strong>de</strong>).<br />

• Alcoolismo e <strong>outras</strong> toxico<strong>de</strong>pendências: po<strong>de</strong>rão ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

imputáveis a inimputáveis. Exemplos <strong>de</strong> inimputabilida<strong>de</strong>: alteração <strong>de</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

consciência (<strong>de</strong>lirium-tremens, embriaguez patológica, <strong>de</strong>mência alcoólica) e estádios<br />

<strong>de</strong>lirantes como a paranóia <strong>de</strong> ciúme alcoólica. As situações <strong>de</strong> alcoolismo cultural,<br />

<strong>de</strong>verão ser consi<strong>de</strong>radas como imputáveis, porquanto o indivíduo conhece<br />

previamente os malefícios <strong>do</strong> álcool. Em relação aos crimes cometi<strong>do</strong>s sob efeito <strong>do</strong><br />

álcool a imputabilida<strong>de</strong> é a regra, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> admitir-se, eventualmente, atenuantes em<br />

casos <strong>de</strong> não intencionalida<strong>de</strong> no abuso <strong>de</strong> álcool. No caso das toxico<strong>de</strong>pendências por<br />

drogas ilícitas, a regra geral é a <strong>de</strong> que em alteração <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> consciência a


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

inimputabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>verá ser consi<strong>de</strong>rada; mais <strong>de</strong>licadas, em termos <strong>de</strong> conclusões, são<br />

as situações <strong>de</strong> abstinência na síndroma <strong>de</strong> privação (a imputabilida<strong>de</strong> atenuada <strong>de</strong>verá<br />

consi<strong>de</strong>rada em tal circunstância pelo prejuízo parcial da tría<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>-inteligênciavonta<strong>de</strong>).<br />

No caso específico <strong>do</strong> cocainómano a diferença entre abusa<strong>do</strong>res e<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes po<strong>de</strong> ser fundamental para concluir pela imputabilida<strong>de</strong> ou pela<br />

inimputabilida<strong>de</strong> atenuada, respectivamente; enquanto que nos primeiros o consumo é<br />

esporádico e há maior controlo <strong>sobre</strong> a vonta<strong>de</strong>, nos segun<strong>do</strong>s a <strong>de</strong>pendência revestese<br />

<strong>de</strong> um certo <strong>de</strong>terminismo biológico.<br />

• Oligofrenias: as <strong>de</strong> média e profunda gravida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>verão ser sempre consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s<br />

causa <strong>de</strong> inimputabilida<strong>de</strong>; no caso particular <strong>do</strong>s oligofrénicos ligeiros, por vezes com<br />

critérios psicométricos a tocar um Q.I. global entre 65 e 69, po<strong>de</strong>rão ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s<br />

imputáveis com atenuantes, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> contexto <strong>do</strong>s factos.<br />

• Distúrbios da personalida<strong>de</strong>: referem-se às chamadas sociopatias e, em geral,<br />

pressupõem imputabilida<strong>de</strong> atenuada por existirem factores biológicos e sociais que<br />

retiram ao <strong>do</strong>ente parte da sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auto-<strong>de</strong>terminação, por prejuízo da<br />

vonta<strong>de</strong>.<br />

No âmbito <strong>do</strong> direito civil o perito é chama<strong>do</strong> a pronunciar-se, em geral, <strong>sobre</strong>:<br />

a) consequências psiquiátricas <strong>de</strong> um traumatismo (também no âmbito <strong>do</strong> direito <strong>do</strong><br />

Trabalho): pela TNI (para aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho e <strong>do</strong>enças profissionais) os coeficientes <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>svalorização variam <strong>de</strong> 0 a 100% <strong>de</strong> incapacida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o esta<strong>do</strong> normal ao simples<br />

esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida vegetativa. Nos casos particulares <strong>de</strong> incapacida<strong>de</strong> permanente <strong>de</strong>vida a<br />

agressões ou aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> viação, por exemplo, a TNI po<strong>de</strong> servir como mera orientação,<br />

<strong>de</strong>terminan<strong>do</strong>-se, também, os danos extra-patrimoniais. O essencial é o estabelecimento, ou<br />

não, <strong>de</strong> um nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong>. O perito <strong>de</strong>verá estar prepara<strong>do</strong> para a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

simulação <strong>de</strong> queixas, em todas as suas variantes, perician<strong>do</strong> com rigor e objectivida<strong>de</strong>, pelo<br />

que po<strong>de</strong> recorrer a testes, como os <strong>de</strong> nível <strong>de</strong> inteligência com cálculo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terioração,<br />

electroencefalograma, tomografia axial computorizada ou ressonância magnética nuclear<br />

crâneo-encefálicas. Certos casos <strong>de</strong>verão ser reavalia<strong>do</strong>s posteriormente, porquanto a<br />

evolução <strong>de</strong> algumas afecções po<strong>de</strong>rá ser favorável após tratamento a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> (ex. síndroma<br />

pós-comocional <strong>do</strong>s traumatiza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> crânio).<br />

b) interdição: po<strong>de</strong>rá ser atribuída a quem por anomalia psíquica, sur<strong>do</strong>-mu<strong>de</strong>z ou cegueira,<br />

seja incapaz <strong>de</strong> governar pessoas e bens. Correspon<strong>de</strong> a um estatuto <strong>de</strong> menorida<strong>de</strong>, sen<strong>do</strong><br />

indigita<strong>do</strong> um tutor para cuidar e zelar daqueles aspectos. Ouvi<strong>do</strong> o conselho <strong>de</strong> família,<br />

usualmente o tutor é alguém da família, <strong>de</strong>signa<strong>do</strong> pelo Tribunal. O processo po<strong>de</strong> ser


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

requeri<strong>do</strong> por diversas pessoas, como o conjuge ou parente sucessível, e ainda pelo Ministério<br />

Público, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a interdição ser levantada logo que cesse a causa que a <strong>de</strong>terminou.<br />

c) inabilitação: forma <strong>de</strong> interdição parcial. Po<strong>de</strong>rá ser atribuída a quem por anomalia psíquica,<br />

sur<strong>do</strong>-mu<strong>de</strong>z, cegueira, prodigalida<strong>de</strong> e abuso <strong>de</strong> álcool ou drogas ilícitas, não seja capaz <strong>de</strong><br />

reger convenientemente o seu património. Pressupõe um esta<strong>do</strong> não tão grave como nos<br />

casos <strong>de</strong> interdição, não só porque po<strong>de</strong>rão correspon<strong>de</strong>r a situações patológicas transitórias<br />

mas também porque em causa está apenas a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resguardar eventuais<br />

<strong>de</strong>sman<strong>do</strong>s materiais por negócios irreais ou megalomaníacos. Para orientar esse património<br />

o Tribunal nomeia um cura<strong>do</strong>r, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a inabilitação ser levantada antes <strong>de</strong> 5 anos, para<br />

os casos específicos <strong>de</strong> alcoolismo e <strong>outras</strong> toxicomanias.<br />

d) questões testamentárias (incapacida<strong>de</strong> para testar ou anulação <strong>de</strong> testamento): consi<strong>de</strong>ramse<br />

incapazes para testar os interditos por anomalia psíquica (para além <strong>do</strong>s menores não<br />

emancipa<strong>do</strong>s); prevê-se incapacida<strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntal para quem, mesmo transitoriamente, se<br />

encontra incapacita<strong>do</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o senti<strong>do</strong> da sua <strong>de</strong>claração ou não tinha o livre exercício<br />

da sua vonta<strong>de</strong>.<br />

e) inibição <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r paternal (a requerimento <strong>do</strong> Ministério Público, parente <strong>do</strong><br />

menor ou pessoa responsável pela sua guarda) quan<strong>do</strong> qualquer <strong>do</strong>s pais, por diversos<br />

motivos, entre eles enfermida<strong>de</strong>, não se mostre em condições <strong>de</strong> cumprir aquele <strong>de</strong>ver. Tratase<br />

<strong>de</strong> uma perícia <strong>de</strong>licada que obriga a parecer <strong>de</strong> conclusões bem fundamentadas, para as<br />

quais concorreram, frequentemente, diversos testes <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> e a consulta <strong>de</strong> fontes<br />

informativas vastas e minuciosas.<br />

f) internamento e tratamento compulsivos: <strong>de</strong> uma forma genérica, a recusa <strong>de</strong> tratamento e<br />

internamento tem tutela constitucional e civil. O Ministério Público e, em casos urgentes as<br />

autorida<strong>de</strong>s administrativas e policiais, po<strong>de</strong>m internar compulsivamente um indivíduo que<br />

cause distúrbios na “or<strong>de</strong>m, tranquilida<strong>de</strong>, segurança, moral pública,” competin<strong>do</strong> à Instituição<br />

psiquiátrica receptora o pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> confirmação <strong>do</strong> internamento pelo Tribunal da Comarca. O<br />

juíz po<strong>de</strong> também <strong>de</strong>terminar regime fecha<strong>do</strong>, através <strong>de</strong> atesta<strong>do</strong> médico, subscrito por <strong>do</strong>is<br />

clínicos <strong>de</strong> preferência com a especialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> psiquiatria, quan<strong>do</strong> um indivíduo for<br />

consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como carácter perigoso ou anti-social.<br />

A simulação po<strong>de</strong> ser percebida segun<strong>do</strong> diversas vertentes:<br />

a) pré-simulação: simulação <strong>de</strong> um quadro patológico para obtenção, por exemplo, <strong>de</strong> um<br />

internamento em hospital psiquiátrico;<br />

b) meta-simulação: acontece com a pessoa que após a “cura” continua a mostrar-se “<strong>do</strong>ente”;<br />

c) dissimulação: encobrimento <strong>de</strong> <strong>do</strong>ença pré-existente;<br />

d) para-simulação: situação mista em que existem, simultaneamente, <strong>do</strong>ença e simulação;


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

e) super-simulação: simulação <strong>de</strong> múltiplas patologias orgânicas a simulação.<br />

Referências bibliográficas<br />

- Dec-Lei nº 326/86, <strong>de</strong> 29 Setembro<br />

- Calabuig JA. Medicina Legal y Toxicología. 5ª edición. Barcelona: Masson, S.A., 1998: 911-1102.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

4<br />

ANTROPOLOGIA E ODONTOLOGIA FORENSES<br />

Teresa Magalhães<br />

1. ANTROPOLOGIA FORENSE<br />

A Antropologia Forense constitui a aplicação <strong>de</strong> conhecimentos <strong>de</strong> Antropologia Física às<br />

questões <strong>de</strong> direito, <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong> no que concerne à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> cadáveres ou restos<br />

cadavéricos ainda que, numa pequena parte (em razão da sua frequência), se aplique também a<br />

questões relacionadas com indivíduos vivos. Trata-se aqui <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntificação morfológica, da<strong>do</strong><br />

que a i<strong>de</strong>ntificação genética, como discuti<strong>do</strong> em aula anterior, é da competência da Genética e<br />

Biologia Forense.<br />

As situações mais frequentemente relacionadas com a i<strong>de</strong>ntificação cadavérica<br />

(necroi<strong>de</strong>ntificação) têm a ver com acha<strong>do</strong>s em escavações <strong>de</strong> vária or<strong>de</strong>m, com cadáveres<br />

aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s e já em fase avançada <strong>de</strong> <strong>de</strong>composição ou mutila<strong>do</strong>s/<strong>de</strong>sfigura<strong>do</strong>s<br />

voluntariamente pelo homicida (para impedir a i<strong>de</strong>ntificação), com cadáveres que possam<br />

correspon<strong>de</strong>r a indivíduos procura<strong>do</strong>s ou com <strong>de</strong>sastres <strong>de</strong> massa 1 (aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> aviação,<br />

naufrágios ou catástrofes <strong>de</strong> origem natural, por exemplo, em que se verifica carbonização ou<br />

<strong>de</strong>struição maciça <strong>do</strong> corpo).<br />

Com base nestes exemplos compreen<strong>de</strong>-se que a Antropologia Forense se move,<br />

particularmente, em <strong>do</strong>is distintos ramos <strong>do</strong> direito: o penal e o civil.<br />

Os <strong>estu<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação baseiam-se, <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong>, na análise <strong>do</strong>s ossos, uma vez que estes<br />

conservam aspectos da vida <strong>do</strong> indivíduo, que po<strong>de</strong>m persistir muito para além da morte e serem<br />

preciosos à sua i<strong>de</strong>ntificação. É o caso <strong>de</strong> fracturas ou calos <strong>de</strong> fracturas, <strong>de</strong> sequelas <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminadas patologias ou mesmo <strong>de</strong> malformações. Os <strong>de</strong>ntes, como veremos no capítulo da<br />

o<strong>do</strong>ntologia forense, são também elementos fundamentais à i<strong>de</strong>ntificação, quer pelas informações<br />

que nos po<strong>de</strong>m dar <strong>sobre</strong> as características físicas e passa<strong>do</strong> <strong>do</strong> indivíduo, quer pela sua gran<strong>de</strong><br />

resistência.<br />

1 situação que, resultante da mesma ocorrência, provoca um número <strong>de</strong> vítimas superior à capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

resposta das instituições locais.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

Este trabalho só será bem sucedi<strong>do</strong> se, para além das características <strong>gerais</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong><br />

indivíduo, apuradas através <strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s reconstrutivos (ex: sexo, altura, ida<strong>de</strong> aproximada), for<br />

também possível proce<strong>de</strong>r a um estu<strong>do</strong> comparativo que permita <strong>de</strong>terminar características<br />

individualizantes. Este sucesso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá, também, da existência <strong>de</strong> material suficiente para a<br />

i<strong>de</strong>ntificação (daí a importância <strong>de</strong> um correcto exame <strong>do</strong> local, ten<strong>do</strong> em vista a recolha da<br />

totalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> material existente).<br />

Relativamente à situações mortais, e <strong>de</strong> uma forma genérica, po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar como<br />

objectivos da Antropologia Forense:<br />

1 - Determinar i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> indivíduo;<br />

- origem <strong>do</strong>s restos (espécie - humana, animal, vegetal, outra);<br />

- características <strong>gerais</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação (sexo, ida<strong>de</strong>, altura, raça);<br />

- características individualizantes (sinais particulares);<br />

2 - Determinar data da morte;<br />

3 - Determinar causa da morte;<br />

4 - Interpretar as circunstâncias da morte.<br />

a) A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

Determinar a espécie <strong>do</strong>s restos cadavéricos ou a origem <strong>do</strong> material presente ao perito constitui<br />

um passo fundamental pois, não raramente, tratam-se <strong>de</strong> restos <strong>de</strong> animais ou até <strong>de</strong> objectos<br />

(ex: incêndio num espaço no qual coexistiam pessoas e animais; restos <strong>de</strong> animais mortos ou<br />

bonecos <strong>de</strong> plástico encontra<strong>do</strong>s em locais suspeitos). Em geral uma observação atenta <strong>do</strong>(s)<br />

osso(s) permite fazer o diagnóstico, existin<strong>do</strong> contu<strong>do</strong> certas técnicas a que po<strong>de</strong> ser feito recurso<br />

como sejam a <strong>de</strong>terminação <strong>do</strong> seu peso, da sua <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> ou índice medular, ou a análise das<br />

suas características histológicas, radiológicas ou imunológicas.<br />

As características <strong>gerais</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação são relativas a vários aspectos, entre os quais o<br />

sexo, a ida<strong>de</strong>, a altura e a raça.<br />

A <strong>de</strong>terminação <strong>do</strong> sexo baseia-se nas características morfológicas <strong>de</strong> certos ossos em razão <strong>do</strong><br />

sexo, como sejam os ossos da bacia. Em geral nos homens os ossos são mais robustos (com<br />

maior pre<strong>do</strong>minância <strong>do</strong> volume epifisário relativamente ao volume da diáfise) e com mais marcas<br />

das inserções musculares <strong>do</strong> que no caso das mulheres; nas crianças esta <strong>de</strong>terminação é mais<br />

difícil <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à falta <strong>de</strong> diferenciação <strong>de</strong> certas características sexuais. Como se compreen<strong>de</strong>,


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

trata-se pois <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntificação difícil que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da quantida<strong>de</strong> e tipo <strong>de</strong> material disponível<br />

e que tem <strong>de</strong> ter em atenção uma série <strong>de</strong> variáveis constitucionais.<br />

A <strong>de</strong>terminação da ida<strong>de</strong> obe<strong>de</strong>ce a diferentes regras conforme se trate <strong>de</strong> um feto, <strong>de</strong> uma<br />

criança ou jovem, ou <strong>de</strong> um adulto.<br />

Para os fetos usam-se a fórmulas <strong>de</strong> Balthazard e Dervieux (1921): Ida<strong>de</strong> (em dias) =<br />

comprimento <strong>do</strong> feto (em centímetros) x 5,6. No caso <strong>de</strong> apenas existirem fragmentos ou ossos<br />

isola<strong>do</strong>s, utilizam-se tabelas para calcular o comprimento <strong>do</strong> feto e, através <strong>de</strong>ste, <strong>de</strong>termina-se a<br />

ida<strong>de</strong>.<br />

No caso das crianças pequenas a <strong>de</strong>terminação da ida<strong>de</strong> tem por base o seu estádio <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento. O rigor <strong>de</strong>sta estimativa vai diminuin<strong>do</strong> à medida que as crianças crescem. No<br />

caso das crianças mais velhas a ida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>terminada através <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntes (<strong>de</strong>cíduos e<br />

<strong>de</strong>finitivos, com base em tabelas), através das epífises <strong>de</strong> crescimento <strong>do</strong>s ossos longos (o<br />

processo mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> entre os 14-20 anos e efectua<strong>do</strong>, também, através <strong>de</strong> Rx, nos indivíduos<br />

vivos) ou <strong>do</strong>s núcleos <strong>de</strong> ossificação <strong>de</strong> outros ossos (ex: suturas cranianas), ou através <strong>do</strong><br />

comprimento <strong>do</strong>s ossos longos. Não po<strong>de</strong>mos contu<strong>do</strong> esquecer que esta <strong>de</strong>terminação<br />

correspon<strong>de</strong> apenas a uma estimativa, não se tratan<strong>do</strong> nunca <strong>de</strong> uma avaliação exacta em virtu<strong>de</strong><br />

das variações individuais relacionadas com o grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento (que varia com factores<br />

genéticos, metabólicos, nutricionais, ambientais, etc.).<br />

No adulto caso <strong>do</strong>s adultos recorre-se, geralmente, à análise <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntes ou das alterações a nível<br />

da sínfise púbica (zona <strong>de</strong> articulação anterior <strong>do</strong>s ossos da bacia) po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, também, proce<strong>de</strong>rse<br />

ao estu<strong>do</strong> da fusão das suturas cranianas quan<strong>do</strong> não existam <strong>de</strong>ntes ou ossos da bacia.<br />

Po<strong>de</strong>m ainda ser tidas em conta alterações que ten<strong>de</strong>m a surgir com a ida<strong>de</strong>, como alterações<br />

<strong>de</strong>generativas ósteo-articulares. No entanto, também neste caso existem variações individuais<br />

que têm que ser pon<strong>de</strong>radas.<br />

A <strong>de</strong>terminação da altura po<strong>de</strong> ser feita através da medição <strong>do</strong> esqueleto (méto<strong>do</strong> anatómico) ou,<br />

caso este não exista na sua totalida<strong>de</strong>, através da medição <strong>do</strong>s ossos longos. Esta avaliação<br />

baseia-se na relação <strong>de</strong> proporcionalida<strong>de</strong> constante entre este comprimento e a altura <strong>do</strong><br />

indivíduo (0,8), socorren<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> tabelas e, aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ao sexo previamente <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> (méto<strong>do</strong><br />

matemático). Existem tabelas específicas para os fetos e crianças pequenas, uma vez que neste<br />

casos os ossos longos nunca são encontra<strong>do</strong>s na sua totalida<strong>de</strong> (separação das epífises).<br />

A <strong>de</strong>terminação da raça (afinida<strong>de</strong> populacional) é muito complexa e pouco fiável, o que se fica a<br />

<strong>de</strong>ver aos cruzamentos entre os povos e às questões <strong>de</strong> variação entre as populações.<br />

Geralmente consi<strong>de</strong>ram-se as variações <strong>do</strong>s traços crâneo-faciais (prognatismo facial inferior,<br />

conformação <strong>do</strong> malar ou <strong>do</strong> palato, proporção das superfícies orbitárias e nasal, características<br />

da abertura <strong>do</strong> nariz e <strong>do</strong> bor<strong>do</strong> nasal inferior e certos estigmas <strong>de</strong>ntários).


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

As características individualizantes correspon<strong>de</strong>m a aspectos específicos que po<strong>de</strong>m<br />

caracterizar o indivíduo, através <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> comparativo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação, com base em elementos<br />

forneci<strong>do</strong>s por pessoas supostamente conhecidas da vítima (ex: fotografias, registos clínicos,<br />

particularmente <strong>de</strong> medicina <strong>de</strong>ntária, RX, história <strong>do</strong>s antece<strong>de</strong>ntes patológicos ou traumáticos,<br />

hábitos, etc). Trata-se <strong>de</strong> um estu<strong>do</strong> que, em geral, é interdisciplinar, envolven<strong>do</strong> não só médicos<br />

legistas como clínicos, o<strong>do</strong>ntologistas, antropologistas <strong>forenses</strong> e agentes <strong>de</strong> investigação<br />

criminal.<br />

Po<strong>de</strong>m valorizar-se aspectos anatómicos próprios <strong>do</strong> sujeito, como a morfologia <strong>do</strong>s seios<br />

frontais, por exemplo, aspectos que nos indiquem a lateralida<strong>de</strong> <strong>do</strong> mesmo (o tamanho <strong>do</strong>s ossos<br />

longos é maior <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong>minante), sinais característicos <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas profissões ou hábitos<br />

(alterações nos <strong>de</strong>ntes ou pigmentação das faneras), marcas <strong>de</strong> traumatismos antigos ou<br />

recentes (fracturas, calos ósseos, amputações, dismorfias) ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas <strong>do</strong>enças<br />

(infecções, tumores, <strong>do</strong>enças articulares ou endócrinas ou, ainda, perturbações nutritivas). A<br />

comparação com as características encontradas po<strong>de</strong> ser feita com base em <strong>estu<strong>do</strong>s</strong><br />

radiográficos, comparação fotográfica (<strong>sobre</strong>posição <strong>de</strong> imagem em computa<strong>do</strong>r, pesquisan<strong>do</strong>-se<br />

a existência <strong>de</strong> concordância entre as linhas e curvas da face com pontos <strong>do</strong> esqueleto) ou<br />

reconstrução da face (mo<strong>de</strong>lagem das partes moles <strong>sobre</strong> o crânio, ou através <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos).<br />

A <strong>de</strong>terminação da data da morte é muito complexa pois na sua maioria, tratam-se <strong>de</strong> casos em<br />

avança<strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>composição cadavérica (<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> factores, como já<br />

referi<strong>do</strong> em aula anterior), alguns já mesmo em fase <strong>de</strong> esqueletização. Existem, contu<strong>do</strong>, uma<br />

série <strong>de</strong> meto<strong>do</strong>logias orienta<strong>do</strong>ras <strong>de</strong>sta avaliação entre elas: fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>composição cadavérica;<br />

estu<strong>do</strong> da fauna necrófaga encontrada no corpo (entomologia forense); estu<strong>do</strong> das modificações<br />

da composição química <strong>do</strong> osso (relação entre matéria orgânica e inorgânica, por análise térmica<br />

diferencial ou por análise termo-gravimétrica, mas esta também <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> local on<strong>de</strong> os<br />

ossos se encontravam).<br />

A causa da morte, no caso <strong>de</strong> indivíduos esqueletiza<strong>do</strong>s só po<strong>de</strong> ser estudada relativamente a<br />

situações que <strong>de</strong>ixem marcas nestas estruturas, como é o caso <strong>de</strong> certos traumatismos com<br />

fracturas ou ferimentos por armas <strong>de</strong> fogo ou, ainda, <strong>de</strong> intoxicações crónicas pelo arsénio.<br />

A interpretação relativa às circunstâncias da morte, é em geral difícil e as conclusões escassas,<br />

limitan<strong>do</strong>-se geralmente à análise da existência, ou não, <strong>de</strong> sinais <strong>de</strong> violência e da interpretação<br />

da vitalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> certas lesões (diagnóstico diferencial com lesões pós-mortem provocadas por<br />

animais ou outros elementos da natureza - tafonomia).


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

2. ODONTOLOGIA FORENSE<br />

A O<strong>do</strong>ntologia Forense compreen<strong>de</strong> áreas diversas <strong>de</strong> intervenção que vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a avaliação <strong>do</strong><br />

dano orofacial pós-traumático (no âmbito da clínica médico-legal <strong>do</strong> direito penal, civil ou <strong>do</strong><br />

trabalho), até à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> indivíduos mortos ou à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> agressores, através das<br />

marcas <strong>de</strong> mordida.<br />

Como já referi<strong>do</strong>, os <strong>de</strong>ntes são estruturas fundamentais à i<strong>de</strong>ntificação médico-legal, em virtu<strong>de</strong><br />

da sua resistência (à putrefacção, ao calor, aos traumatismos e à acção <strong>de</strong> certos agentes<br />

químicos) e especificida<strong>de</strong> (cada <strong>de</strong>ntadura é única).<br />

A i<strong>de</strong>ntificação através <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntes permite o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s aspectos assinala<strong>do</strong>s para a Antropologia<br />

Forense, através <strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> reconstrução e comparação.<br />

A <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>finitivos é geralmente feita através <strong>de</strong> números. Para este efeito<br />

existem vários sistemas, entre os quais o <strong>de</strong> Palmer, o <strong>de</strong> Ha<strong>de</strong>rup e o da Fédération Dentaire<br />

Internationale. Este último <strong>de</strong>signa os quadrantes por algarismos (1, 2, 3 e 4) e cada <strong>de</strong>nte por<br />

outro algarismo (exemplo: 2º incisivo superior direito - 2.1; canino inferior esquer<strong>do</strong> – 3.3). Nos<br />

<strong>de</strong>cíduos, os quadrantes <strong>de</strong>signam-se pelos algarismos 5, 6, 7 e 8. Os <strong>de</strong>ntes supranumerários<br />

<strong>de</strong>signam-se pelo algarismo 9.<br />

Entre as características individualizantes a analisar contam-se: nº <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntes, alterações<br />

morfológicas congénitas ou adquiridas (hábitos, profissão, etc), alterações da posição ou rotação,<br />

alterações patológicas (cáries) ou traumáticas, existência <strong>de</strong> tratamentos ortodônticos<br />

(almágamas, coroas, pontes, próteses fixas ou amovíveis). Po<strong>de</strong> ser feito o estu<strong>do</strong> radiológico <strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong>ntes para posterior comparação com Rx feitos em vida.<br />

Outra forma <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação é através das marcas <strong>de</strong> mordida. Define-se como marca <strong>de</strong><br />

mordida a impressão causada unicamente pelos <strong>de</strong>ntes ou em combinação com <strong>outras</strong> partes da<br />

boca. No entanto, por vezes a marca limita-se apenas a uma pequena equimose difusa, sem se<br />

i<strong>de</strong>ntificarem características <strong>de</strong>ntárias específicas.<br />

A marca <strong>de</strong> mordida típica é oval ou circular, como uma equimose, que ao ser objecto <strong>de</strong> uma<br />

análise mais cuidada po<strong>de</strong> revelar a arcada <strong>de</strong>ntária e os <strong>de</strong>ntes individualmente. Estas marcas,<br />

quan<strong>do</strong> i<strong>de</strong>ntificadas na pele humana, po<strong>de</strong>m representar provas físicas importantes em crimes<br />

violentos, já que a representação das características <strong>de</strong>ntárias <strong>do</strong> perpetra<strong>do</strong>r da marca oferece<br />

uma prova que entre os <strong>do</strong>is indivíduos houve contacto violento. De facto, os <strong>de</strong>ntes são<br />

frequentemente usa<strong>do</strong>s como armas quan<strong>do</strong> uma pessoa ataca outra ou quan<strong>do</strong> a vítima <strong>do</strong><br />

ataque se tenta <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> assim ser possível a i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong> possível perpetra<strong>do</strong>r. As


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

marcas <strong>de</strong> mordida não são encontradas unicamente em situações relacionadas com crimes<br />

violentos, sen<strong>do</strong> também passíveis <strong>de</strong> serem observadas nas situações <strong>de</strong> maus tratos em<br />

crianças. Esta análise das marcas <strong>de</strong> mordida baseia-se em <strong>do</strong>is pressupostos: os <strong>de</strong>ntes<br />

humanos são únicos e existe <strong>de</strong>talhe suficiente <strong>de</strong>ssa singularida<strong>de</strong> na marca <strong>de</strong> mordida.<br />

A importância das marcas <strong>de</strong> mordida na produção <strong>de</strong> evidência <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, em gran<strong>de</strong> parte, da<br />

meto<strong>do</strong>logia utilizada na sua análise, na qual os mais pormenores <strong>de</strong>verão ser ti<strong>do</strong>s em<br />

consi<strong>de</strong>ração. Existem três passos fundamentais na meto<strong>do</strong>logia da análise das marcas <strong>de</strong><br />

mordida: obtenção <strong>de</strong> evidência a partir da vítima; obtenção <strong>de</strong> evidência a partir <strong>do</strong> suspeito;<br />

comparação da evidência.<br />

a) Obtenção <strong>de</strong> evidência a partir da vítima<br />

Assim que a marca <strong>de</strong> mordida seja <strong>de</strong>tectada, esta <strong>de</strong>verá ser examinada por um perito para ser<br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> se as suas dimensões e configuração estão <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s parâmetros humanos. Se tal<br />

for o caso, segue-se, então, a <strong>de</strong>scrição exaustiva da marca, <strong>de</strong>scrição esta que <strong>de</strong>verá incluir<br />

todas as suas características: localização, tamanho, forma, orientação, cor e tipo <strong>de</strong> lesão.<br />

Após elabora<strong>do</strong> o registo <strong>de</strong>talha<strong>do</strong> da lesão, a marca <strong>de</strong> mordida <strong>de</strong>verá ser fotografada, o que<br />

implica técnicas especiais.<br />

A saliva <strong>de</strong>positada <strong>sobre</strong> a pele quan<strong>do</strong> se produz a marca <strong>de</strong> mordida po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser colhida<br />

para análise<br />

Devem, ainda, ser realizadas impressões da superfície da marca <strong>de</strong> mordida sempre que existam<br />

e<strong>de</strong>ntações na pele, ou quan<strong>do</strong> se preten<strong>de</strong> preservar a natureza tridimensional da marca <strong>de</strong><br />

mordida.<br />

Em algumas circunstâncias, po<strong>de</strong>rá ser necessário proce<strong>de</strong>r à excisão <strong>do</strong> teci<strong>do</strong> lesa<strong>do</strong>, no<br />

senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> se facilitar a preservação da evidência e auxiliar as investigações relacionadas com a<br />

<strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> perpetra<strong>do</strong>r.<br />

b) Obtenção <strong>de</strong> evidência a partir <strong>do</strong> suspeito<br />

As estruturas extra-orais e intra-orais <strong>do</strong> possível perpetra<strong>do</strong>r <strong>de</strong>verão ser examinadas, dan<strong>do</strong>-se<br />

especial atenção à saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntária geral, à oclusão e à articulação temporo-mandibular, fazen<strong>do</strong><br />

referência à existência <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntária, <strong>de</strong> bolsas perio<strong>do</strong>ntais, <strong>de</strong> restaurações <strong>de</strong>ntárias,<br />

diastemas, fracturas, cáries, tratamentos <strong>de</strong>ntários realiza<strong>do</strong>s em datas próximas, antes ou <strong>de</strong>pois<br />

da agressão, e função e tonicida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s músculos da face e da mastigação.<br />

Deverão ser realizadas fotografias <strong>de</strong> face completa e perfil, bem como fotografias intra-orais das<br />

arcadas superior e inferior, vistas laterais e frontal <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntes em oclusão. É importante incluir


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

uma escala <strong>de</strong> referência para permitir medições. Po<strong>de</strong>rá ser útil realizar uma fotografia da<br />

abertura inter-incisal máxima, com uma escala graduada.<br />

Culturas microbiológicas e amostras <strong>de</strong> saliva <strong>do</strong> possível perpetra<strong>do</strong>r constituem uma importante<br />

etapa da recolha <strong>de</strong> evidência. Os resulta<strong>do</strong>s serão, <strong>de</strong>pois, sujeitos a um exame comparativo,<br />

para que se possa chegar a uma conclusão positiva. Quan<strong>do</strong> o suspeito é i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> <strong>de</strong>vem<br />

obter-se impressões <strong>de</strong> ambas as arcadas <strong>de</strong>ntárias, para realizar mo<strong>de</strong>los em gesso. Será a<br />

partir <strong>de</strong>stes mo<strong>de</strong>los que efectuam <strong>sobre</strong>posições fotográficas transparentes, à mesma escala<br />

das fotografias da marca <strong>de</strong> mordida original. É <strong>de</strong> notar que é obrigatório obter autorização <strong>do</strong><br />

possível perpetra<strong>do</strong>r para efectuar as impressões.<br />

Deverão, ainda, ser realizadas marcas <strong>de</strong> mordida experimentais, em cera, silicone, plasticina ou<br />

em qualquer outro material que registe os bor<strong>do</strong>s incisais <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntes. Alguns autores referem a<br />

execução <strong>de</strong> testes <strong>de</strong> mordida por intermédio <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> gesso, que serão comprimi<strong>do</strong>s<br />

contra a pele <strong>de</strong> um voluntário. Os bor<strong>do</strong>s incisais <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo são, então, pressiona<strong>do</strong>s contra a<br />

pele, e o padrão resultante é compara<strong>do</strong>.<br />

c) Comparação da evidência<br />

A análise da marca <strong>de</strong> mordida consiste na comparação da evidência da lesão com a evidência<br />

<strong>do</strong> suspeito para se <strong>de</strong>terminar se a correlação existe. Os méto<strong>do</strong>s mais comuns incluem técnicas<br />

que comparam os padrões <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntes (forma, tamanho, posição <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntes, individual e<br />

colectivamente) com traços similares e características apresentadas em fotografias <strong>de</strong> tamanho<br />

real. São produzidas <strong>sobre</strong>posições transparentes <strong>de</strong> várias formas, mais frequentemente por<br />

computa<strong>do</strong>r, com o objectivo <strong>de</strong> assegurar que existe correspondência suficiente entre o tamanho<br />

e posição <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntes <strong>do</strong> possível perpetra<strong>do</strong>r e as características i<strong>de</strong>ntificadas na marca <strong>de</strong><br />

mordida. Outros méto<strong>do</strong>s consistem em comparações directas <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los <strong>do</strong> suspeito com<br />

fotografias da marca <strong>de</strong> mordida, comparação das marcas <strong>de</strong> mordida experimentais ou a<br />

utilização <strong>de</strong> imagens radiográficas<br />

Referências bibliográficas<br />

- Calabuig JA. Medicina Legal y Toxicología. 5ª edición. Barcelona: Masson, S.A., 1998: 1131-1166.<br />

- Pereira A: Medicina Dentária Forense, Edição AEFMDUP, Porto, 1994.


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

5<br />

PERÍCIAS EM CASOS DE RESPONSABILIDADE MÉDICA<br />

Teresa Magalhães<br />

Em termos <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> profissional, <strong>de</strong>signadamente médica, evoluiu-se da atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

resignação <strong>do</strong> lesa<strong>do</strong> perante um dano pratica<strong>do</strong> pelos profissionais liberais, no exercício da sua<br />

profissão, para a consciencialização <strong>do</strong>s direitos e <strong>de</strong>veres; ou seja, em termos genéricos,<br />

evoluiu-se no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar que o consumi<strong>do</strong>r tem direitos perante aquele que lhe<br />

oferece o produto consumi<strong>do</strong>. Este fenómeno, entre outros, explica o aumento <strong>do</strong> número <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mandas judiciais ten<strong>do</strong> por base situações <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> médica.<br />

Os casos <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> médica po<strong>de</strong>m ser <strong>do</strong> foro penal, civil ou administrativo. Estas<br />

formas não se excluem obrigatoriamente, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> coexistir no mesmo facto.<br />

São condições para haver responsabilida<strong>de</strong> médica a existência <strong>de</strong> um facto (acção ou omissão),<br />

<strong>de</strong> ilicitu<strong>de</strong> (direitos absolutos, interesses legalmente protegi<strong>do</strong>s), <strong>de</strong> culpa (<strong>do</strong>lo ou negligência),<br />

<strong>de</strong> um dano (patrimonal, extra-patrimonial) e <strong>de</strong> nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> entre o facto e o dano. A<br />

culpa no âmbito penal avalia-se in concreto (apreciação em função <strong>do</strong> agente concreto), como<br />

algo censurável que leva à punição; no âmbito civil avalia-se in abstracto (apreciação em função<br />

da actuação que teria o “bom pai <strong>de</strong> família”), como um erro que leva à obrigação <strong>de</strong> ressarcir o<br />

dano provoca<strong>do</strong>.<br />

1. A responsabilida<strong>de</strong> penal<br />

A responsabilida<strong>de</strong> penal surge na sequência <strong>de</strong> um comportamento que provoca um dano <strong>de</strong><br />

que o médico é culpa<strong>do</strong> e <strong>do</strong> que resulta a aplicação <strong>de</strong> uma sanção. A culpa ou culpabilida<strong>de</strong> é a<br />

“qualida<strong>de</strong> ou conjunto <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> acto que permite, a respeito <strong>de</strong>le, um juízo ético-jurídico<br />

<strong>de</strong> reprovação ou censura”. Nestes casos, como substracto da culpa exige-se voluntarieda<strong>de</strong>,<br />

sem per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista a motivação <strong>de</strong>ssa vonta<strong>de</strong>. A culpa po<strong>de</strong> revestir a forma <strong>de</strong> <strong>do</strong>lo<br />

(“conhecimento e vonta<strong>de</strong> da realização <strong>de</strong> um ilícito típico”) ou negligência (culpa em senti<strong>do</strong><br />

estrito ou mera culpa). A negligência caracteriza-se pela omissão da diligência exigível ao agente<br />

que po<strong>de</strong> resultar <strong>de</strong> levianda<strong>de</strong>, precipitação, <strong>de</strong>sleixo ou incúria, e que nele geram a convicção<br />

<strong>de</strong> que o acto por si pratica<strong>do</strong> não conduz a um resulta<strong>do</strong> ilícito não toman<strong>do</strong>, por isso, as


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

medidas necessárias para o evitar. Também po<strong>de</strong> acontecer que, por imprevidência, <strong>de</strong>scui<strong>do</strong>,<br />

imperícia ou inaptidão, o agente, apesar <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r prever e evitar o facto, não chega a ter<br />

consciência <strong>de</strong> que ele se possa vir a verificar.<br />

A responsabilida<strong>de</strong> penal é pessoal, tem natureza eminente pública sen<strong>do</strong> a maior parte das<br />

situações susceptíveis <strong>de</strong> serem cometi<strong>do</strong>s por médicos, <strong>de</strong> natureza semi-pública, tais como: a<br />

inseminação artificial (art. 168º), as ofensas corporais resultantes <strong>de</strong> intervenções e tratamentos<br />

médico-cirúrgicos (art. 150º). São <strong>de</strong> natureza pública as ofensas à integrida<strong>de</strong> física graves (art.<br />

144º e ss.), homicídios (art. 131º e 132º), atesta<strong>do</strong> falso (art. 260º), recusa <strong>de</strong> tratamento médico<br />

(art. 284º e 285º) e aborto (art.140º e ss).<br />

O art. 150º (intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos) retira as intervenções médicas <strong>do</strong><br />

quadro das ofensas à integrida<strong>de</strong> física. Este artigo exige que para que a intervenção médica seja<br />

consi<strong>de</strong>rada crime contra a integrida<strong>de</strong> física, esta não tenha si<strong>do</strong> conduzida <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as<br />

“leges artis” (“regras generalizadamente reconhecidas da ciência médica”). Se <strong>do</strong> “error artis”<br />

resultar um dano corporal, haverá que distinguir se o crime foi cometi<strong>do</strong> com <strong>do</strong>lo (crimes contra a<br />

integrida<strong>de</strong> física simples, com <strong>do</strong>lo <strong>de</strong> perigo, qualifica<strong>do</strong> pelo resulta<strong>do</strong>, priviligiada, ou <strong>de</strong><br />

envenenamento) ou com negligência (neste caso o médico po<strong>de</strong>rá ficar livre da pena, se da<br />

ofensa não resultar <strong>do</strong>ença ou incapacida<strong>de</strong> para o trabalho por mais <strong>de</strong> 8 dias).<br />

2. A responsabilida<strong>de</strong> civil<br />

A responsabilida<strong>de</strong> civil acontece quan<strong>do</strong> um indivíduo (responsável) tem <strong>de</strong> reparar outro pelo<br />

dano que lhe causou. Esta obrigação <strong>de</strong> in<strong>de</strong>mnização só existe se requerida tratan<strong>do</strong>-se, aqui,<br />

<strong>de</strong> um dano priva<strong>do</strong>; o objectivo é a restituição <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong> lesa<strong>do</strong>. A obrigação <strong>de</strong><br />

in<strong>de</strong>mnizar só existe em relação aos danos que o lesa<strong>do</strong> provavelmente não teria sofri<strong>do</strong> se não<br />

fosse a lesão. O <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> in<strong>de</strong>mnização compreen<strong>de</strong> não só os prejuízos causa<strong>do</strong>s, como os<br />

benefícios que o lesa<strong>do</strong> <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> obter em consequência da lesão. Esta restituição po<strong>de</strong> ser “in<br />

natura” (situação natural em que o lesa<strong>do</strong> se encontrava antes <strong>do</strong> evento) ou, no caso <strong>de</strong>sta não<br />

ser possível, po<strong>de</strong> ser fixada em dinheiro (in<strong>de</strong>mnização pecuniária, que constitui a regra).<br />

A responsabilida<strong>de</strong> médica po<strong>de</strong> ser contratual ou extracontratual. A obrigação médica é, regra<br />

geral, uma obrigação <strong>de</strong> meios e não uma obrigação <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s (nos casos <strong>de</strong> exames<br />

laboratoriais ou imagiológicos, ou em certos casos <strong>de</strong> activida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estomatologia ou cirurgia<br />

estética, por exemplo, haverá uma obrigação <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s). Nos casos em que existe obrigação<br />

<strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s o ónus da prova é <strong>do</strong> médico, nos casos em que existe obrigação <strong>de</strong> meios é <strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>ente.<br />

A responsabilida<strong>de</strong> contratual resulta da violação <strong>de</strong> um direito em senti<strong>do</strong> técnico, ou seja, da<br />

falta <strong>de</strong> cumprimento <strong>do</strong> contrato <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços. O contrato médico é uma convenção<br />

estabelecida entre o médico e o <strong>do</strong>ente, ou um seu representante, pelo qual o médico aceita a


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente, ministrar-lhe os seus serviços, para os quais a sua profissão, legalmente, o<br />

habilita. Este contrato tem características próprias: é pessoal (o médico é livremente escolhi<strong>do</strong> em<br />

razão da confiança que inspira ao <strong>do</strong>ente), é bilateral (ambas as partes contraem obrigações: o<br />

médico tem <strong>de</strong> prestar cuida<strong>do</strong>s e o <strong>do</strong>ente que o remunerar), é a título oneroso (implica<br />

honorários, não sen<strong>do</strong> contu<strong>do</strong> nulo nos casos <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s gratuitos), é civil (por a profissão<br />

médica ser liberal), não obriga a um resulta<strong>do</strong> (o <strong>de</strong>ver <strong>do</strong> médico é cumpri<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que os<br />

cuida<strong>do</strong>s presta<strong>do</strong>s estejam conforme os da<strong>do</strong>s da ciência naquele momento), é contínuo<br />

(prolonga-se por mais ou menos tempo se não houver motivos que o interrompam), é sujeito a<br />

rescisão (po<strong>de</strong> ser anula<strong>do</strong> por qualquer uma das partes). Só é váli<strong>do</strong> se o <strong>do</strong>ente tiver<br />

capacida<strong>de</strong> civil (maior ida<strong>de</strong>, capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se <strong>de</strong>terminar <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a sua vonta<strong>de</strong>) e o<br />

médico também (inscrição na Or<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s Médicos e especialização). Neste caso, o médico que<br />

falta culposamente ao cumprimento da obrigação, torna-se responsável pelo prejuízo que causa<br />

ao seu <strong>do</strong>ente. Na maior parte <strong>do</strong>s casos a responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> médico que exerce <strong>de</strong> forma<br />

liberal é <strong>de</strong> natureza contratual e <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> uma obrigação <strong>de</strong> meios, caben<strong>do</strong> ao cre<strong>do</strong>r (<strong>do</strong>ente)<br />

<strong>de</strong>monstrar em juízo que a conduta <strong>do</strong> <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r (médico) não foi conforme às regras <strong>de</strong> actuação<br />

que em abstracto, propiciariam o resulta<strong>do</strong> pretendi<strong>do</strong>.<br />

A responsabilida<strong>de</strong> extracontratual resulta da violação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>ver ou vínculo jurídico geral <strong>de</strong><br />

um daqueles <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> conduta impostos a todas as pessoas e que correspon<strong>de</strong>m aos direitos<br />

absolutos (direito à vida) ou até à prática <strong>de</strong> certos actos que, embora lícitos, produzem danos a<br />

outrem. Esta responsabilida<strong>de</strong> pressupõe a culpa (pelo menos, a título <strong>de</strong> negligência), pois só<br />

existe obrigação <strong>de</strong> in<strong>de</strong>mnizar in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> culpa nos casos especifica<strong>do</strong>s na lei e a<br />

nossa lei não prevê casos <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> pelo risco no que toca à responsabilida<strong>de</strong> médica.<br />

A natureza extracontratual <strong>de</strong> certas situações tem lugar quan<strong>do</strong> o contrato fica nulo por ilícito<br />

(ex.: experimentação sem fins curativos ou falta <strong>de</strong> consentimento <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente) ou quan<strong>do</strong> o dano<br />

surge fora <strong>do</strong> quadro contratual (casos em que a relação médico/<strong>do</strong>ente é imposta por uma<br />

regulamentação legal ou administrativa, não haven<strong>do</strong> livre escolha <strong>do</strong> médico, ou nas situações<br />

em que o <strong>do</strong>ente não está capaz para dar o seu consentimento e fazer a sua escolha). Neste<br />

caso, o médico que lesar, com <strong>do</strong>lo ou mera culpa, o seu paciente, fica obriga<strong>do</strong> a in<strong>de</strong>mnizá-lo<br />

pelos danos resultantes.<br />

3. Responsabilida<strong>de</strong> disciplinar administrativa<br />

A responsabilida<strong>de</strong> disciplinar administrativa diz respeito à qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> médico como funcionário<br />

e a que está sujeito quan<strong>do</strong> trabalha para o Esta<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> a ver com as regras <strong>de</strong> funcionamento<br />

<strong>do</strong>s serviços.<br />

Em princípio, as instituições assumem a responsabilida<strong>de</strong> pelas faltas cometidas pelo seu pessoal<br />

médico, <strong>de</strong> enfermagem e administrativo, <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> serviço, à excepção das faltas que são da


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />

responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> próprio pessoal. Esta responsabilida<strong>de</strong> está condicionada à existência <strong>de</strong><br />

uma falta que po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> comissão (originada no funcionamento ou organização <strong>do</strong> serviço) ou<br />

<strong>de</strong> omissão (originada na ausência <strong>de</strong> funcionamento <strong>do</strong> serviço). Po<strong>de</strong>m distinguir-se três faltas<br />

condicionadas a três categorias <strong>de</strong> actos: os actos médicos, os actos <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s e<br />

os actos <strong>de</strong> organização e funcionamento <strong>de</strong> serviços. Apenas os actos médicos exigem a<br />

existência <strong>de</strong> uma falta pesada (no diagnóstico, no tratamento) para responsabilizar a instituição;<br />

relativamente aos outros basta a existência <strong>de</strong> uma falta simples (as faltas por actos <strong>de</strong> prestação<br />

<strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>m ser por comissão ou por omissão e as faltas por actos <strong>de</strong> organização e<br />

funcionamento <strong>de</strong> serviços po<strong>de</strong>m ser relativas à recepção <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente, a <strong>de</strong>fi<strong>ciências</strong> <strong>de</strong> vigilância<br />

geral, a <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m técnica, à não observação <strong>do</strong>s regulamentos).<br />

Em casos <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil tem aplicação a lei regula<strong>do</strong>ra da responsabilida<strong>de</strong> civil<br />

extracontratual <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s actos <strong>de</strong> gestão pública. Em responsabilida<strong>de</strong><br />

contratual, as instituições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> privadas <strong>de</strong>vem respon<strong>de</strong>r pelos actos <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o pessoal que<br />

utilizam no cumprimento das suas obrigações; mas se as instituições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> privadas forem<br />

dirigidas por pessoas estranhas à profissão médica, não terá responsabilida<strong>de</strong> extracontratual,<br />

porque esta responsabilida<strong>de</strong> pressupõe uma relação <strong>de</strong> comissão, ou seja, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

dar or<strong>de</strong>ns ou instruções, que não po<strong>de</strong>m existir entre um médico (como comissário) e um não<br />

médico (como comitente). A responsabilida<strong>de</strong> penal é sempre uma falta <strong>do</strong> pessoal e nunca da<br />

instituição.<br />

A prova pericial: a expressão “responsabilida<strong>de</strong> médica” aplica-se, <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong>, às situações em<br />

que o dano é provoca<strong>do</strong> por uma falta cometida pelo médico por: imperícia, imprudência,<br />

<strong>de</strong>satenção, negligência ou inobservância <strong>do</strong>s regulamentos (por vezes po<strong>de</strong>m coexistir).<br />

Depen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a negligência, enquanto modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> culpa, <strong>de</strong> um juízo <strong>de</strong> censurabilida<strong>de</strong> éticojurídico<br />

ao comportamento <strong>do</strong> agente, a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong>ssa censurabilida<strong>de</strong> é feita ten<strong>do</strong> como<br />

padrão o “bom médico” ou mais concretamente, um “especialista médio” (a atitu<strong>de</strong> que este teria<br />

a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong> em idêntico contexto, ten<strong>do</strong> a mesma formação e a mesma experiência); na realida<strong>de</strong>, o<br />

que se <strong>de</strong>termina é se o facto foi ou não pratica<strong>do</strong> <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as “leges artis”.<br />

O ónus da prova <strong>de</strong> que o agente lesante proce<strong>de</strong>u com culpa incumbe ao lesa<strong>do</strong> mas, dadas as<br />

especiais dificulda<strong>de</strong>s da prova, tem si<strong>do</strong> feito recurso às chamadas presunções <strong>de</strong> facto,<br />

impon<strong>do</strong>-se-lhe apenas que prove os factos indicia<strong>do</strong>res <strong>de</strong>ssa mesma culpa. Há inversão <strong>do</strong><br />

ónus da prova quan<strong>do</strong> se consi<strong>de</strong>ra que está em causa uma activida<strong>de</strong> perigosa.<br />

As dificulda<strong>de</strong>s técnicas nesta matéria justificam o recurso das autorida<strong>de</strong>s judiciárias e judiciais<br />

ao contributo <strong>de</strong> peritos; assim, em qualquer situação que implique responsabilida<strong>de</strong> médica o<br />

médico po<strong>de</strong> ser solicita<strong>do</strong>, como perito, para emitir juízos <strong>de</strong> valor <strong>sobre</strong> a conduta técnica e<br />

científica <strong>do</strong> agente e <strong>de</strong>terminar o nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> entre o acto pratica<strong>do</strong> e o dano sofri<strong>do</strong>,<br />

da<strong>do</strong> que um tal parecer pressupõe conhecimentos especializa<strong>do</strong>s. A perícia médica só <strong>de</strong>ve


Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />

constituir complemento da avaliação <strong>do</strong> magistra<strong>do</strong>, numa área que este não <strong>do</strong>mina, não<br />

<strong>de</strong>ven<strong>do</strong> o perito alargar a sua missão a uma apreciação jurídica que não é da sua competência.<br />

Assim, quer a sua apreciação seja científica ou <strong>de</strong>ontológica, esta <strong>de</strong>ve ser limitada à missão que<br />

lhe é conferida pelo magistra<strong>do</strong>. Dada a complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes casos, po<strong>de</strong>rá não ser suficiente o<br />

parecer <strong>de</strong> um perito, haven<strong>do</strong> que associar pareceres <strong>de</strong> diversas especialida<strong>de</strong>s, incluin<strong>do</strong> os<br />

<strong>de</strong> especialistas da área em causa (pois além <strong>do</strong>s conhecimentos teóricos é necessária a<br />

experiência concreta das situações vividas diariamente) e o <strong>do</strong> médico legista (para integração<br />

<strong>do</strong>s diferentes pareceres, <strong>de</strong> uma forma isenta e imparcial). A Or<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s Médicos ou o Instituto<br />

Nacional <strong>de</strong> Medicina Legal (através <strong>do</strong> Conselho Médico-Legal) são <strong>do</strong>is órgãos que po<strong>de</strong>m<br />

orientar essas perícias <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a que estas integrem os pareceres <strong>de</strong> diferentes especialistas.<br />

Além <strong>do</strong>s erros técnicos, a falta <strong>de</strong> consentimento esclareci<strong>do</strong> e <strong>de</strong> uma boa relação médico<strong>do</strong>ente<br />

é uma das circunstâncias que presi<strong>de</strong> a muitos <strong>do</strong>s casos <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> médica.<br />

É <strong>de</strong>sejável que, nesta matéria, se evolua para uma “socialização <strong>do</strong>s risco <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>nte”, pela<br />

qual se <strong>de</strong>verá enten<strong>de</strong>r que sempre que alguém sofre danos por acto <strong>de</strong> terceiro <strong>de</strong>verá ter<br />

direito a uma in<strong>de</strong>mnização, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong>sse terceiro ter agi<strong>do</strong> com culpa. Tal aspecto<br />

impõe a cobertura <strong>de</strong>sse risco, através da segurança social ou através <strong>do</strong> seguro pessoal<br />

obrigatório contra danos.<br />

Referências bibliográficas<br />

- Pina E: A Responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s Médicos, Li<strong>de</strong>l, Lisboa, 1994<br />

- Calabuig JA. Medicina Legal y Toxicología. 5ª edición. Barcelona: Masson, S.A., 1998: 87-124.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!