noções gerais sobre outras ciências forenses - Plano de estudos do ...
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Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />
MEDICINA LEGAL - 2003/2004<br />
NOÇÕES GERAIS SOBRE<br />
OUTRAS CIÊNCIAS FORENSES<br />
1. Toxicologia Forense<br />
2. Genética e Biologia Forense e Criminalística<br />
3. Psiquiatria e Psicologia Forense<br />
4. Antropologia e O<strong>do</strong>ntologia Forense<br />
5. Perícias em caso <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> médica
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />
Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />
1<br />
TOXICOLOGIA FORENSE<br />
Rui Rangel<br />
a) INTRODUÇÃO<br />
Toxicologia representa a ciência cujo principal objectivo é a i<strong>de</strong>ntificação e quantificação <strong>do</strong>s<br />
efeitos adversos associa<strong>do</strong>s com a exposição a <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s agentes. Esses agentes, que<br />
assumem a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> tóxicos, são normalmente substâncias químicas <strong>de</strong> origem inorgânica<br />
ou orgânica, às quais, em senti<strong>do</strong> mais lato, se po<strong>de</strong>m associar certos agentes físicos ou <strong>outras</strong><br />
condições. A toxicologia compreen<strong>de</strong> o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s tóxicos e das intoxicações, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a<br />
estabelecer os limites <strong>de</strong> segurança com que os meios biológicos po<strong>de</strong>m interagir com os tóxicos.<br />
Consi<strong>de</strong>ra-se a toxicologia mo<strong>de</strong>rna constituída por quatro disciplinas principais: clínica, forense,<br />
regula<strong>do</strong>ra e <strong>de</strong> investigação. Em função da área <strong>de</strong> activida<strong>de</strong> a<strong>do</strong>ptam-se as seguintes subdivisões:<br />
Ecotoxicologia, Toxicologia Alimentar, Toxicologia Clínica, Toxicologia Experimental,<br />
Toxicologia Forense, Toxicologia Industrial, Toxicologia <strong>do</strong>s Medicamentos, Toxicologia<br />
Ocupacional e Toxicologia Regulamenta<strong>do</strong>ra.<br />
A <strong>de</strong>finição <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> tóxico é muito difícil, uma vez que qualquer substância, mesmo<br />
aquelas que fazem parte essencial <strong>do</strong>s organismos vivos, po<strong>de</strong> ser lesiva ou produzir transtornos<br />
no equilíbrio biológico. Nesta medida, todas as substâncias seriam tóxicas, incluin<strong>do</strong> aquelas que<br />
à partida, são habitualmente assumidas como alimentos ou medicamentos.<br />
São vários os critérios pelos quais os tóxicos po<strong>de</strong>m ser classifica<strong>do</strong>s. Para melhor<br />
sistematização, em toxicologia analítica classificam-se os tóxicos <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com os méto<strong>do</strong>s<br />
extractivos a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s ao isolamento <strong>do</strong> analito. Assim consi<strong>de</strong>ram-se sete grupos <strong>de</strong> tóxicos, a<br />
saber: gases; substâncias voláteis; substâncias orgânicas termolábeis; metais ou metalói<strong>de</strong>s;<br />
pesticidas; aniões; <strong>outras</strong> substâncias mais específicas.<br />
A toxicologia forense insere-se no âmbito da toxicologia analítica ten<strong>do</strong>, por conseguinte, como<br />
principal objectivo a <strong>de</strong>tecção e quantificação <strong>de</strong> substâncias tóxicas. Contu<strong>do</strong>, a activida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />
toxicologista forense aplica-se a situações com questões judiciais subjacentes para as quais<br />
importa reconhecer, i<strong>de</strong>ntificar e quantificar o risco relativo da exposição humana a agentes<br />
tóxicos. Como tal aproveita conhecimentos alcança<strong>do</strong>s em praticamente todas as áreas da<br />
toxicologia mo<strong>de</strong>rna.<br />
Até ao século XX, a toxicologia forense limitava-se a estabelecer a origem tóxica <strong>de</strong> um<br />
<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> crime; o “toxicologista” actuava directamente no cadáver com a mera intenção da<br />
pesquisa e i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong> tóxico. Actualmente o campo <strong>de</strong> acção <strong>de</strong>sta ciência é mais vasto,
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Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />
esten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as perícias no vivo e no cadáver até circunstâncias <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública, tais<br />
como aspectos da investigação a nível da activida<strong>de</strong> laboral ou <strong>do</strong> meio ambiente.<br />
No caso das pessoas vivas estes exames têm <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong> a ver com perícias toxicológicas para<br />
rastreio e confirmação <strong>de</strong> drogas <strong>de</strong> abuso no âmbito <strong>do</strong>s exames periciais ou médicos para<br />
caracterização <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> toxico<strong>de</strong>pendência (Decreto-Lei nº 15/93, <strong>de</strong> 22/01) e com o regime<br />
legal da fiscalização <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> substâncias psicoactivas nos utiliza<strong>do</strong>res da via pública (Decreto-<br />
Lei nº 265-A/2001, <strong>de</strong> 28/09; Decreto-Lei nº 2/98, <strong>de</strong> 3/01; Decreto Reg. nº 24/98, <strong>de</strong> 30/10;<br />
Portaria nº 1006/98, <strong>de</strong> 30/11). Neste último caso a participação <strong>do</strong> INML compreen<strong>de</strong>, além <strong>do</strong>s<br />
procedimentos para garantia <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> custódia <strong>de</strong> produtos e amostras, os exames <strong>de</strong><br />
quantificação <strong>de</strong> álcool etílico no sangue, e o rastreio e confirmação da presença das substâncias<br />
legalmente consi<strong>de</strong>radas estupefacientes e psicotrópicas na urina e no sangue, respectivamente.<br />
Os exames no vivo têm como objectivo a avaliação da intoxicação como circunstância<br />
qualifica<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito, como causa <strong>de</strong> perigosida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> inimputabilida<strong>de</strong>.<br />
Em caso <strong>de</strong> morte por intoxicação que se enquadra no âmbito da morte violenta, existe<br />
obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>, nesta suspeita, se proce<strong>de</strong>r à autópsia médico-legal (Decreto-Lei nº 96/01, <strong>de</strong><br />
26/03), e consequentemente, em geral, à requisição <strong>de</strong> perícia toxicológica.<br />
As intoxicações po<strong>de</strong>m ser criminais, legais (pena <strong>de</strong> morte), aci<strong>de</strong>ntais (alimentares, mor<strong>de</strong>dura<br />
<strong>de</strong> animais, absorção aci<strong>de</strong>ntal, medicamentosas) ou voluntárias (lesões auto infligidas,<br />
toxico<strong>de</strong>pendência, terapêutica).<br />
Distinguem-se três formas <strong>de</strong> intoxicação segun<strong>do</strong> a velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong> acções<br />
ou <strong>do</strong>s efeitos tóxicos: intoxicação aguda, sub-aguda e crónica.<br />
Os tóxicos po<strong>de</strong>m actuar <strong>sobre</strong> a célula produzin<strong>do</strong> uma <strong>de</strong>struição global da mesma por<br />
processos <strong>de</strong> necrose, ou <strong>sobre</strong> o sistema enzimático ou partes selectivas da célula (membranas,<br />
estruturas en<strong>do</strong>celulares ou organelos celulares). As principais reacções adversas produzidas<br />
pelos tóxicos a nível <strong>do</strong> sistema enzimático evi<strong>de</strong>nciam-se através da inibição irreversível (ex:<br />
insecticidas organofosfora<strong>do</strong>s orgânicos) ou reversível (ex: carbamatos) <strong>de</strong> certos complexos<br />
enzimáticos.<br />
Na interpretação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s analíticos <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s factores como a <strong>do</strong>se e via <strong>de</strong><br />
administração; produtos <strong>de</strong> “corte” consumi<strong>do</strong>s (impurezas ou adulterantes); efeitos aditivos,<br />
antagonismo ou sinergismo <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a associação com <strong>outras</strong> substâncias; esta<strong>do</strong>s patológicos<br />
existentes; idiossincrasias.<br />
A resposta <strong>do</strong> organismo a um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> tóxico <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, para além <strong>do</strong>s factores <strong>do</strong><br />
“hospe<strong>de</strong>iro”, da sua concentração no orgão alvo (orgão mais acessível ou mais sensível aos<br />
efeitos após exposição) e <strong>do</strong> seu mecanismo <strong>de</strong> acção. Há portanto que <strong>de</strong>terminar a relação<br />
entre exposição, <strong>do</strong>se e resposta. Como tal, é importante conhecer a cinética das substâncias no<br />
organismo. Os principais fases em toxicocinética são absorção, distribuição, metabolização e<br />
eliminação.
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Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />
Cada um <strong>de</strong>stes passos po<strong>de</strong> influenciar a extensão da toxicida<strong>de</strong> produzida pelo agente tóxico,<br />
pelo que uma avaliação <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista da toxicocinética po<strong>de</strong> ser importante na apreciação <strong>do</strong>s<br />
da<strong>do</strong>s analíticos obti<strong>do</strong>s. Em toxicologia, o processo <strong>de</strong> metabolização (ou biotransformação)<br />
assume especial interesse, da<strong>do</strong> que os tóxicos são geralmente agentes xenobióticos, portanto<br />
particularmente susceptíveis a sofrer alterações metabólicas no organismo, o que po<strong>de</strong> resultar na<br />
produção <strong>de</strong> novas substâncias <strong>de</strong>signadas por metabolitos. Como factores <strong>do</strong> hospe<strong>de</strong>iro que<br />
afectam muitas das respostas a diversos tipos <strong>de</strong> agentes tóxicos po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar as<br />
<strong>de</strong>terminantes genéticas, ida<strong>de</strong>, género, e outros tais como dieta ou coexistência <strong>de</strong> <strong>do</strong>ença<br />
infecciosa. Estes factores po<strong>de</strong>m afectar a exposição e a <strong>do</strong>se, através <strong>de</strong> alterações na<br />
absorção, distribuição ou metabolismo. A variabilida<strong>de</strong> nas populações humanas e no indivíduo<br />
<strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada na avaliação <strong>de</strong> riscos da exposição a tóxicos e na pon<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> testes e<br />
<strong>estu<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> investigação toxicológica em organismos não humanos.<br />
As diferentes intoxicações humanas apresentam geralmente um quadro sintomatológico<br />
comum, que por isso associa um conjunto <strong>de</strong> sintomas tóxicos inespecíficos. Os sintomas mais<br />
frequentes e <strong>de</strong> pior prognóstico para a recuperação <strong>do</strong> intoxica<strong>do</strong> são os seguintes: comas,<br />
síndromas hepatotóxicos, nefrotóxicos, cardiovasculares, respiratórios e hematológicos,<br />
neuropatias periféricas <strong>de</strong> origem tóxica e síndromes <strong>de</strong>rmatológicos.<br />
Em toxicologia analítica, a investigação toxicológica é o conjunto <strong>de</strong> processos analíticos que<br />
têm por objectivo o reconhecimento, i<strong>de</strong>ntificação e quantificação <strong>do</strong>s tóxicos para diagnóstico <strong>de</strong><br />
intoxicação e esclarecimento <strong>do</strong>s factos.<br />
Em toxicologia forense executam-se perícias toxicológicas que implicam investigação<br />
toxicológica humana no vivo ou no cadáver, baseada em procedimentos <strong>de</strong> garantia <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><br />
e <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> custódia, com o objectivo <strong>do</strong> esclarecimento <strong>de</strong> questões <strong>de</strong> âmbito judicial<br />
supostamente relacionadas com intoxicações.<br />
Existe uma gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> amostras que po<strong>de</strong>m ser analisadas em toxicologia forense, tais<br />
como órgãos colhi<strong>do</strong>s na autópsia, fluí<strong>do</strong>s biológicos obti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> cadáver ou <strong>do</strong> vivo, e produtos<br />
orgânicos e inorgânicos suspeitos (líqui<strong>do</strong>s, sóli<strong>do</strong>s, vegetais, etc.). Conforme a especificida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />
caso e o tipo <strong>de</strong> análise pretendida, proce<strong>de</strong>-se à selecção e colheita da amostra ou das amostras<br />
mais a<strong>de</strong>quadas. A estas não po<strong>de</strong> ser adiciona<strong>do</strong> qualquer preservante ou conservante, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong><br />
o seu acondicionamento e remessa obe<strong>de</strong>cer a critérios <strong>de</strong> garantia da ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> custódia,<br />
passos fundamentais à preservação da prova e correcta realização da perícia. Assim, na<br />
conservação das amostras <strong>de</strong>ve ser elimina<strong>do</strong> to<strong>do</strong> e qualquer factor <strong>de</strong> contaminação,<br />
nomeadamente para o seu acondicionamento <strong>de</strong>ve-se aten<strong>de</strong>r às condições <strong>de</strong> luz, humida<strong>de</strong> e<br />
calor - fontes prováveis <strong>de</strong> reacções <strong>de</strong> oxidação ou hidrólise que po<strong>de</strong>m acelerar a<br />
<strong>de</strong>composição <strong>do</strong>s produtos.<br />
O exame toxicológico <strong>de</strong>ve ser capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar qualquer substância química exógena<br />
(xenobiótico) presente no material objecto da perícia. O facto <strong>de</strong> existirem um eleva<strong>do</strong> número <strong>de</strong>
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Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />
substâncias tóxicas constitui uma limitação importante na realização <strong>de</strong>stas perícias, pelo que a<br />
maior parte <strong>do</strong>s laboratórios dirigem a sua investigação na procura daqueles que, segun<strong>do</strong> a<br />
casuística da respectiva área <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>, estão implica<strong>do</strong>s na maior parte <strong>do</strong>s casos. Para a<br />
selecção <strong>do</strong>s tóxicos a pesquisar é fundamental a informação <strong>sobre</strong> o evento (policial, clínico,<br />
familiar) e a <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong>s acha<strong>do</strong>s da autópsia, uma vez que cada caso tem as suas próprias<br />
particularida<strong>de</strong>s.<br />
As meto<strong>do</strong>logias <strong>de</strong> investigação passam por uma série <strong>de</strong> fases: rastreio, confirmação,<br />
quantificação e interpretação. Iniciam-se por um teste geral (que <strong>de</strong>tecta um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong><br />
substâncias, permitin<strong>do</strong> fazer uma triagem <strong>de</strong> casos negativos) e, só numa fase posterior se<br />
recorre aos méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> confirmação (que permitem confirmar a presença <strong>de</strong> substância suspeita,<br />
bem como i<strong>de</strong>ntificá-la e/ou quantificá-la).<br />
As técnicas <strong>de</strong> análise toxicológica variam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os clássicos méto<strong>do</strong>s não instrumentais, tais<br />
como reacções volumétricas ou colorimétricas, até outros mais sofistica<strong>do</strong>s para os quais se<br />
recorre a tecnologia apropriada, simples ou acoplada, como as técnicas espectrofotométricas (ex:<br />
espectofotometria <strong>de</strong> absorção molecular - UV-Vis, <strong>de</strong> infra-vermelhos - IR ou <strong>de</strong> absorção<br />
atómica - AAS), cromatográficas (ex: cromatografia gasosa – GC e cromatografia líquida - HPLC),<br />
imunoquímicas (ex: Elisa, imunoensaios com fluorescência polarizada – FPIA ou<br />
radioimunoensaio - RIA), e <strong>de</strong> espectrometria <strong>de</strong> massas - MS.<br />
O resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>stas perícias apresenta-se na forma <strong>de</strong> relatório on<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem constar, para além<br />
duma eventual interpretação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s, os seguintes da<strong>do</strong>s: i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong> processo e da<br />
entida<strong>de</strong> requisitante, méto<strong>do</strong> analítico utiliza<strong>do</strong> e referências à técnica <strong>de</strong> isolamento utilizada,<br />
datas <strong>de</strong> recepção <strong>de</strong> amostras e <strong>de</strong> conclusão <strong>do</strong>s exames, amostras analisadas, especialista<br />
responsável pela execução das análises, níveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecção e <strong>de</strong> quantificação, esta<strong>do</strong> das<br />
amostras analisadas, e outros que possam ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s relevantes para elaboração <strong>de</strong><br />
conclusões.<br />
Geralmente, o relatório <strong>de</strong> perícia toxicológica é envia<strong>do</strong> ao perito médico que requisitou a perícia,<br />
sen<strong>do</strong> posteriormente remeti<strong>do</strong> à entida<strong>de</strong> requisitante isoladamente ou em conjunto com o<br />
relatório <strong>de</strong> autópsia ou <strong>de</strong> clínica médico-legal.<br />
O “álcool” e as “drogas <strong>de</strong> abuso” são as substâncias que, na actualida<strong>de</strong>, fazem parte da<br />
maioria das requisições <strong>de</strong> exames toxicológicos.<br />
O consumo <strong>de</strong> bebidas alcoólicas po<strong>de</strong> ocasionar intoxicação aci<strong>de</strong>ntal ou voluntária, ou mesmo<br />
profissional, sen<strong>do</strong> o agente tóxico responsável o álcool etílico (ou etanol).<br />
A intoxicação po<strong>de</strong> resultar da ingestão <strong>de</strong> bebidas alcoólicas em quantida<strong>de</strong> variável, <strong>de</strong> forma<br />
esporádica ou habitual, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> dar origem a intoxicações agudas no primeiro caso ou crónicas<br />
no segun<strong>do</strong>.<br />
As intoxicações agudas apresentam formas leves (embriaguez), que po<strong>de</strong> ter eleva<strong>do</strong> interesse<br />
médico-legal, pela sua influência na condução ro<strong>do</strong>viária, pelo seu importante efeito criminogéneo
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e por várias <strong>outras</strong> questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m legal que se po<strong>de</strong>m colocar como, por exemplo, questões<br />
<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> penal. As formas graves <strong>de</strong>sta intoxicação são esporádicas, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> em<br />
alguns casos ser causa <strong>de</strong> morte. Nestes casos, em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong>s sintomas, é por vezes difícil o<br />
diagnóstico diferencial com situações <strong>de</strong> traumatismo craniano.<br />
As intoxicações crónicas têm consequências importantes, por exemplo a nível clínico originan<strong>do</strong><br />
gastrites, dispepsia, miocardites ou cirroses, e em termos psiquiátricos levan<strong>do</strong> a quadros<br />
patológicos como <strong>de</strong>lirium tremens, alucinações ou <strong>de</strong>mências.<br />
Consi<strong>de</strong>ram-se como “drogas <strong>de</strong> abuso” todas as substâncias químicas <strong>de</strong> origem diversa que<br />
apresentam a característica comum <strong>de</strong> serem substâncias psicoactivas, cujo consumo ilícito se<br />
processa <strong>de</strong> mo<strong>do</strong>, mais ou menos, compulsivo. As “drogas <strong>de</strong> abuso” mais comuns inserem-se<br />
nos seguintes grupos <strong>de</strong> substâncias: opiáceos, cocaína, canabinói<strong>de</strong>s, anfetaminas e outros<br />
produtos naturais ou <strong>de</strong> síntese laboratorial análogos a psicofármacos ou com efeito<br />
alucinogénico. Como se verifica face aos grupos enuncia<strong>do</strong>s, não se trata <strong>de</strong> um grupo<br />
homogéneo, pelo que implica uma classificação mista <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a aten<strong>de</strong>r às características<br />
químicas, mecanismo <strong>de</strong> acção ou efeitos produzi<strong>do</strong>s no organismo.<br />
No vivo, os <strong>estu<strong>do</strong>s</strong> relaciona<strong>do</strong>s com “drogas <strong>de</strong> abuso” são feitos essencialmente para<br />
avaliação <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> toxico<strong>de</strong>pendência e em casos <strong>de</strong> condução <strong>sobre</strong> influência <strong>de</strong>stas<br />
drogas.<br />
Nas situações <strong>de</strong> morte associada ao consumo <strong>de</strong> drogas, esta po<strong>de</strong> surgir por <strong>sobre</strong><strong>do</strong>sagem<br />
(over<strong>do</strong>se simples ou por associação <strong>de</strong> agentes potencia<strong>do</strong>res), ou por <strong>outras</strong> circunstâncias<br />
associadas ao consumo, como uma reacção anafilática à droga ou aos produtos <strong>de</strong> corte,<br />
<strong>do</strong>enças infecciosas (SIDA ou hepatite) ou <strong>outras</strong> complicações (aci<strong>de</strong>ntes, suicídio, homicídio,<br />
morte súbita, pneumonia, etc.).<br />
b) A AUTÓPSIA EM CASOS DE SUSPEITA DE INTOXICAÇÃO<br />
A autópsia em casos <strong>de</strong> suspeita <strong>de</strong> intoxicação po<strong>de</strong> ocorrer em <strong>do</strong>is tipos <strong>de</strong> situações distintas:<br />
1) autópsia imediata - morte recente (cadáver não inuma<strong>do</strong>)<br />
2) autópsia tardia - morte há muito tempo (cadáver inuma<strong>do</strong>)<br />
No caso <strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong> uma autópsia imediata os procedimentos são semelhante às autópsias<br />
realizadas por outros motivos, excepto no que diz respeito à colheita <strong>de</strong> amostras (órgãos ou<br />
fluí<strong>do</strong>s biológicos) para posterior exame toxicológico.<br />
- Convém, no entanto, relembrar que contrariamente à i<strong>de</strong>ia generalizada <strong>de</strong> que nestes<br />
casos é só colher e enviar amostras para exame toxicológico, este tipo <strong>de</strong> autópsia implica uma<br />
atenção especial a to<strong>do</strong> um conjunto <strong>de</strong> elementos tão ou mais importantes quanto o resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
exame toxicológico. Esses elementos a ter em consi<strong>de</strong>ração vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o exame <strong>do</strong> local, à<br />
informação respeitante às circunstâncias que ro<strong>de</strong>aram a morte, ao exame <strong>do</strong> hábito externo e <strong>do</strong>
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hábito interno, ao resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> outros exames complementares <strong>de</strong> diagnóstico que não os<br />
toxicológicos, por forma a ser possível estabelecer um diagnóstico diferencial.<br />
a) Exame <strong>do</strong> local em casos <strong>de</strong> suspeita <strong>de</strong> morte por intoxicação<br />
Nos casos <strong>de</strong> suspeita <strong>de</strong> morte por intoxicação, quem proce<strong>de</strong> ao exame <strong>do</strong> local <strong>de</strong>ve ter<br />
especial atenção à existência <strong>de</strong>:<br />
- restos <strong>de</strong> vómito<br />
- na vítima (corpo, roupa suja <strong>de</strong> vómito)<br />
- no local on<strong>de</strong> foi encontrada<br />
- cheiro ou o<strong>do</strong>res no local (intoxicação por gases, fumos, etc.)<br />
- torneira <strong>do</strong> gás aberta / fechada<br />
- exaustão <strong>do</strong>s gases <strong>de</strong> combustão<br />
- presença <strong>de</strong> braseira ou qualquer outra fonte produtora <strong>de</strong> monóxi<strong>do</strong> <strong>de</strong> carbono<br />
- janelas e portas abertas / fechadas<br />
- existência <strong>de</strong> dispositivos para recolher gases <strong>de</strong> combustão <strong>de</strong> motores (ex. mangueira<br />
ligada ao cano <strong>de</strong> escape)<br />
- presença <strong>de</strong> outros elementos indicia<strong>do</strong>res <strong>de</strong> morte por intoxicação<br />
- seringas/agulhas, algodão, limão<br />
- tampas <strong>de</strong> garrafas<br />
- colheres<br />
- “pratas”<br />
- “cachimbos”<br />
- embalagens <strong>de</strong> medicamentos<br />
- frascos ou contentores <strong>de</strong> tóxicos (pesticidas, outros produtos químicos)<br />
b) Informação em casos <strong>de</strong> suspeita <strong>de</strong> morte por intoxicação<br />
O perito médico antes <strong>de</strong> iniciar uma autópsia com suspeita <strong>de</strong> intoxicação <strong>de</strong>ve dispor <strong>de</strong> toda a<br />
informação social colhida junto <strong>de</strong> familiares e/ou amigos ou vizinhos da vítima.<br />
Deve haver, sempre que possível, informação <strong>sobre</strong>:<br />
- fármacos habituais? quais? quantida<strong>de</strong>s? <strong>de</strong>s<strong>de</strong> quan<strong>do</strong>?<br />
- consumo <strong>de</strong> drogas? tipo? vias? <strong>de</strong>s<strong>de</strong> quan<strong>do</strong>?<br />
- antece<strong>de</strong>ntes patológicos (<strong>do</strong>ença psiquiátrica)<br />
- tentativas <strong>de</strong> suicídio anteriores<br />
- méto<strong>do</strong>? quan<strong>do</strong>? quantas vezes?<br />
- i<strong>de</strong>ação suicida<br />
- carta ou bilhete <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedida
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Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />
No caso <strong>de</strong> ter havi<strong>do</strong> <strong>sobre</strong>vida com passagem e tratamento hospitalar não po<strong>de</strong>rá o cadáver ser<br />
envia<strong>do</strong> para autópsia médico-legal sem os respectivos registos clínicos on<strong>de</strong> conste claramente:<br />
- tóxico suspeito/respectiva pesquisa e/ou <strong>do</strong>seamento pela toxicologia clínica<br />
- <strong>sobre</strong>vida (data e hora <strong>de</strong> entrada e da verificação <strong>de</strong> óbito)<br />
- a evolução clínica<br />
- sintomas apresenta<strong>do</strong>s<br />
- tratamentos efectua<strong>do</strong>s<br />
- lavagem gástrica<br />
- administração <strong>de</strong> antí<strong>do</strong>tos<br />
c) Aspectos relevantes no exame <strong>do</strong> hábito externo e interno em casos <strong>de</strong> suspeita <strong>de</strong><br />
morte por intoxicação<br />
As substâncias tóxicas po<strong>de</strong>m actuar <strong>sobre</strong> o corpo humano provocan<strong>do</strong> lesões por acção local<br />
(ex. tóxicos caústicos e tóxicos irritantes) ou por acção sistémica. No caso das lesões por acção<br />
sistémica, esta po<strong>de</strong> manifestar-se sob a forma <strong>de</strong> acção tóxica directa ou indirecta.<br />
Conforme se trate <strong>de</strong> lesão por acção local ou sistémica <strong>do</strong> tóxico po<strong>de</strong>mos ter aspectos lesionais<br />
macro e microscópicos completamente diferentes.<br />
Os aspectos lesionais que po<strong>de</strong>m ser objectiva<strong>do</strong>s durante uma autópsia por suspeita <strong>de</strong><br />
intoxicação, muitas vezes são inespecíficos e não permitem ao perito médico retirar conclusões<br />
<strong>de</strong>finitivas <strong>sobre</strong> o tipo <strong>de</strong> substância(s) responsávei(s) por <strong>de</strong>terminada morte.<br />
Muitas vezes os aspectos lesionais macro e microscópicos são meramente indicativos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> intoxicação e carecem <strong>de</strong> confirmação toxicológica.<br />
1) Lesões por acção local ( ex. tóxicos cáusticos)<br />
a) Ingestão - via mais frequentemente utilizada para intoxicação por cáusticos. O perito<br />
em tanatologia po<strong>de</strong> encontrar:<br />
- lesões cáusticas na boca, esófago e estômago<br />
- áci<strong>do</strong> sulfúrico – negras<br />
- áci<strong>do</strong> nítrico – amareladas<br />
- perfuração gástrica<br />
- conteú<strong>do</strong> estomacal na cavida<strong>de</strong> peritoneal, <strong>de</strong>rraman<strong>do</strong>-se o cáustico pelas<br />
restantes vísceras ab<strong>do</strong>minais<br />
- regurgitação<br />
- para árvore respiratória<br />
- necrose e inflamação da mucosa<br />
- para a boca (queimadura química muco-cutânea)
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b) Queimaduras por arremesso <strong>de</strong> cáusticos - situações potencialmente mortais, pelas<br />
complicações que po<strong>de</strong>m surgir, que também resultam da acção local <strong>de</strong> agentes<br />
cáusticos. O exemplo mais frequente é o arremesso à vítima <strong>de</strong> áci<strong>do</strong> sulfúrico (óleo<br />
<strong>de</strong> vitríolo – ác. sulfúrico), geralmente à face (para <strong>de</strong>sfigurar) – vitriolagem. Outras<br />
regiões corporais po<strong>de</strong>m ser afectadas, nomeadamente o pescoço, o tórax e os<br />
membros superiores.<br />
2) Lesões por acção sistémica<br />
Po<strong>de</strong>m ser directas resultantes da acção directa <strong>do</strong> tóxico a nível <strong>do</strong>s diversos órgãos e teci<strong>do</strong>s<br />
ou por acção indirecta resultantes da anóxia ou choque <strong>de</strong>vidas à intoxicação.<br />
Tanto as lesões directas como as indirectas são inespecíficas. Raramente o estu<strong>do</strong><br />
anatomopatológico macro e microscópico dá o diagnóstico <strong>de</strong> intoxicação ou i<strong>de</strong>ntifica o tóxico.<br />
Dentro das lesões por acção tóxica indirecta é clássico <strong>de</strong>screver-se um conjunto <strong>de</strong> acha<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />
autópsia inespecíficos, a saber:<br />
- congestão visceral generalizada<br />
- e<strong>de</strong>ma (cerebral, pulmonar)<br />
- hemorragias petequiais (epicárdio, pleuras)<br />
- sangue muito fluí<strong>do</strong> e escuro<br />
Como já foi dito anteriormente, to<strong>do</strong>s estes acha<strong>do</strong>s não são patognomónicos <strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong><br />
intoxicação. Apesar <strong>de</strong> muito inespecíficos, <strong>de</strong>vem ser procura<strong>do</strong>s e regista<strong>do</strong>s no relatório.<br />
3) Exame <strong>do</strong> hábito externo – alguns aspectos que merecem especial atenção<br />
3.1 – Livores<br />
Os livores cadavéricos nas situações <strong>de</strong> intoxicação são normalmente <strong>de</strong>scritos como mais<br />
intensos, haven<strong>do</strong> nos autores clássicos referência a <strong>de</strong>terminadas tonalida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s livores que<br />
serão indicativas <strong>de</strong>ste ou daquele tóxico.<br />
Na prática, excepto em casos <strong>de</strong> intoxicação por monóxi<strong>do</strong> <strong>de</strong> carbono com elevadas<br />
percentagens <strong>de</strong> carboxihemoglobina, em que os livores são <strong>de</strong>scritos como “carmina<strong>do</strong>s”, todas<br />
as <strong>outras</strong> situações são <strong>de</strong> difícil (para não dizer impossível), diagnóstico, com base<br />
exclusivamente na cor <strong>do</strong>s livores.<br />
3.2 - sinais recentes ou antigos <strong>de</strong> punção venosa (em toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes)<br />
3.3 – o<strong>do</strong>r exala<strong>do</strong> pelo cadáver – (ex: a amên<strong>do</strong>as amargas em casos <strong>de</strong> intoxicação por áci<strong>do</strong><br />
cianídrico).<br />
3.4 – queimaduras nos lábios e face – intoxicação por substâncias caústicas<br />
3) Exame <strong>do</strong> hábito interno
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Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />
Nunca será <strong>de</strong>mais relembrar que na maior parte das intoxicações, o exame <strong>do</strong> hábito interno<br />
revela acha<strong>do</strong>s inespecíficos, na maioria das vezes.<br />
Estes acha<strong>do</strong>s são, por vezes, tão inespecíficos que po<strong>de</strong>m aparecer em intoxicações por<br />
substâncias muito diversas e po<strong>de</strong>m inclusivamente ser semelhantes a aspectos encontra<strong>do</strong>s<br />
noutros tipos <strong>de</strong> mortes violentas, nomeadamente em situações <strong>de</strong> asfixia mecânica.<br />
Recomendações práticas para a realização <strong>de</strong> autópsia em que haja suspeita <strong>de</strong><br />
intoxicação<br />
Em relação à realização da autópsia em casos <strong>de</strong> suspeita <strong>de</strong> intoxicação, sempre que possível,<br />
seria <strong>de</strong> tomar em consi<strong>de</strong>ração um conjunto <strong>de</strong> recomendações práticas que <strong>de</strong>vem ser <strong>do</strong><br />
conhecimento <strong>do</strong> perito médico:<br />
1) evitar, se possível, outros o<strong>do</strong>res na sala <strong>de</strong> autópsia<br />
2) começar a autópsia pela cabeça para evitar os o<strong>do</strong>res emana<strong>do</strong>s da cavida<strong>de</strong> ab<strong>do</strong>minal<br />
3) retirar em bloco os órgãos <strong>do</strong> pescoço e as órgãos torácicos - facilita a técnica <strong>de</strong> colheita<br />
<strong>do</strong>s pulmões quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong> uma intoxicação por gases e facilita também a abordagem<br />
para confirmar ou não da existência <strong>de</strong> aspiração para árvore respiratória<br />
4) evitar lavar os órgãos<br />
5) evitar per<strong>de</strong>r o conteú<strong>do</strong> das vísceras ocas (estômago, intestino, bexiga)<br />
6) em relação ao estômago sempre que o seu conteú<strong>do</strong> seja importante para esclarecer a<br />
causa <strong>de</strong> morte <strong>de</strong>ve-se:<br />
- laquear ao nível <strong>do</strong> cárdia e <strong>do</strong> piloro (dupla laqueação)<br />
- verter o conteú<strong>do</strong> para recipiente apropria<strong>do</strong> para envio para análise toxicológica<br />
- cheirar e <strong>de</strong>screver o o<strong>do</strong>r, a consistência e os constituintes <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> e medir e<br />
registar o volume <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong><br />
7) em relação ao intestino sempre que o seu conteú<strong>do</strong> seja importante para esclarecer a causa<br />
<strong>de</strong> morte <strong>de</strong>ve-se:<br />
- laquear ao nível <strong>do</strong> piloro, <strong>do</strong> cego e <strong>do</strong> recto (dupla laqueação)<br />
- verter o conteú<strong>do</strong> para recipiente apropria<strong>do</strong> para envio para análise toxicológica<br />
- cheirar e <strong>de</strong>screver o o<strong>do</strong>r, a consistência e os constituintes <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> nos diferentes<br />
segmentos intestinais<br />
8) em relação à urina sempre que o seu conteú<strong>do</strong> seja importante para esclarecer a causa <strong>de</strong><br />
morte <strong>de</strong>ve-se:<br />
- colher com seringa e agulha por punção <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> feita abertura da cavida<strong>de</strong> peritoneal<br />
- verter o conteú<strong>do</strong> para recipiente apropria<strong>do</strong> para envio para análise toxicológica<br />
9) em relação ao húmor vítreo sempre que a sua análise seja importante para esclarecer a causa<br />
<strong>de</strong> morte <strong>de</strong>ve-se:
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- colher em esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> putrefacção avançada para <strong>do</strong>seamento <strong>do</strong> álcool etílico; em<br />
casos <strong>de</strong> intoxicação por insulina, para <strong>do</strong>seamento da glicose<br />
- colher com seringa e agulha por punção que <strong>de</strong>ve ser feita com cuida<strong>do</strong> para não<br />
perfurar o globo ocular<br />
- a punção <strong>de</strong>verá ser feita no plano equatorial <strong>do</strong> olho, com a agulha dirigida para o<br />
centro <strong>do</strong> globo ocular, sem penetrar profundamente.<br />
- verter o conteú<strong>do</strong> para recipiente apropria<strong>do</strong> para envio para análise toxicológica<br />
10) em relação aos restantes órgãos ou teci<strong>do</strong>s biológicos sempre que a sua análise seja<br />
importante para esclarecer a causa <strong>de</strong> morte <strong>de</strong>ve-se:<br />
- colher evitan<strong>do</strong> lavagem prévia<br />
- colocar em contentores apropria<strong>do</strong>s, na quantida<strong>de</strong> indicada pelo laboratório<br />
11) em relação ao envio ao laboratório das órgãos ou <strong>do</strong>s fluí<strong>do</strong>s biológicos convém realçar que:<br />
- <strong>de</strong>vem ser seguidas escrupulosamente todas as recomendações contidas nas<br />
requisições <strong>de</strong> exames toxicológicos<br />
- envio o mais rápi<strong>do</strong> (para a respectiva <strong>de</strong>legação)<br />
- garantir a ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> custódia<br />
- sempre que seja conheci<strong>do</strong>, indicar que há risco <strong>de</strong> infecção<br />
- não misturar na mesma remessa amostras <strong>de</strong> processos diferentes<br />
- nunca misturar na mesma remessa amostras enviadas para laboratórios diferentes (ex.<br />
exames periciais <strong>de</strong> toxicologia, biologia ou <strong>de</strong> histologia)<br />
- proce<strong>de</strong>r sempre à rotulagem das amostras com referência aos seguintes da<strong>do</strong>s :<br />
- entida<strong>de</strong> requisitante<br />
- data da colheita<br />
- nº processo <strong>de</strong> autópsia<br />
- i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong><br />
- i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong> perito<br />
Passos fundamentais <strong>do</strong> exame toxicológico<br />
O contributo <strong>de</strong> um exame toxicológico po<strong>de</strong> dar-se a <strong>do</strong>is níveis principais, ten<strong>do</strong> como base,<br />
acha<strong>do</strong>s concretos ou opiniões. Deste mo<strong>do</strong>, distinguem-se:<br />
exames toxicológicos basea<strong>do</strong>s em acha<strong>do</strong>s – consi<strong>de</strong>ram da<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s no isolamento,<br />
i<strong>de</strong>ntificação e <strong>do</strong>seamento <strong>de</strong> substâncias tóxicas. Neste passo, inserem-se também resulta<strong>do</strong>s<br />
<strong>de</strong> confirmação da ausência <strong>de</strong> <strong>outras</strong> substâncias químicas potencialmente relacionadas com a<br />
intoxicação e os procedimentos usa<strong>do</strong>s e respectiva qualida<strong>de</strong>.
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exames toxicológicos basea<strong>do</strong>s em opiniões - po<strong>de</strong>m ser, mais ou menos, fundamenta<strong>do</strong>s,<br />
<strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a informação que é recolhida, a interpretação dada a cada caso e a emissão <strong>de</strong><br />
pareceres periciais.<br />
Na requisição <strong>de</strong> exames toxicológicos, a dúvida que, frequentemente, se coloca, é discernir<br />
acerca <strong>do</strong> real interesse em optar pela pesquisa toxicológica e, em caso afirmativo, qual o tipo <strong>de</strong><br />
análise a requerer.<br />
A opção final pelo exame mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve ser conferi<strong>do</strong> ao toxicologista, pois na qualida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> perito especialista <strong>de</strong>sta área, po<strong>de</strong> basear a <strong>de</strong>cisão na sua preparação técnica para integrar<br />
toda a informação relevante, e relacioná-la com o tipo e qualida<strong>de</strong> das amostras disponíveis.<br />
Contu<strong>do</strong>, não se coloca em causa a importância <strong>do</strong> conhecimento por parte das entida<strong>de</strong>s<br />
requisitantes <strong>de</strong> alguns conceitos básicos na orientação da análise toxicológica, tais como os<br />
sugeri<strong>do</strong>s no esquema seguinte:<br />
Provável substância implicada em caso <strong>de</strong> intoxicação<br />
SIM<br />
NÃO<br />
?<br />
Porque se pe<strong>de</strong> a análise?<br />
É conheci<strong>do</strong>, <strong>de</strong> forma verosímil, o agente tóxico?<br />
SIM<br />
NÃO<br />
Investigar com<br />
méto<strong>do</strong> específico<br />
para a substância<br />
Existe alguma informação credível e orienta<strong>do</strong>ra?<br />
SIM<br />
NÃO<br />
Pesquisar os tóxicos que<br />
melhor se enquadram na<br />
informação disponível<br />
Proce<strong>de</strong>r a um<br />
<strong>de</strong>spiste sistemático<br />
A selecção <strong>de</strong> amostras em toxicologia forense<br />
Consoante a especificida<strong>de</strong> <strong>do</strong> caso e o tipo <strong>de</strong> análise toxicológica pretendida proce<strong>de</strong>-se à<br />
colheita das amostras mais a<strong>de</strong>quadas. Desta forma, existem análises que requerem apenas um
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tipo <strong>de</strong> amostra, enquanto <strong>outras</strong> ficarão incompletas se não forem enviadas diversos tipos <strong>de</strong><br />
amostras. Por exemplo, as <strong>de</strong>terminações <strong>de</strong> alcoolemia (etanol no sangue) ou <strong>de</strong><br />
carboxihemoglobina (monóxi<strong>do</strong> <strong>de</strong> carbono presente na hemoglobina sanguínea) exigem apenas<br />
um único substracto (sangue).<br />
Contu<strong>do</strong>, e em especial para o sangue, existem condições em que não é possível obter as<br />
amostras mais apropriadas <strong>de</strong> uma forma qualitativa e/ou quantitativa, particularmente em<br />
situações <strong>de</strong> putrefacção avançada, exumações ou <strong>de</strong> mortes por choque traumático. Neste caso,<br />
há que recorrer a amostras alternativas ou complementares, que apenas nos permitem inferir<br />
acerca da concentração provável <strong>de</strong> tóxico presente no sangue.<br />
Na <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> álcool etílico é possível efectuar essa pesquisa em diversos outros fluí<strong>do</strong>s,<br />
tais como urina, humor vítreo, líqui<strong>do</strong> sinovial, medula óssea ou saliva.<br />
Segun<strong>do</strong> directivas europeias, qualquer suspeita <strong>de</strong> intoxicação e/ou situação cujos acha<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />
autópsia não revelaram causa <strong>de</strong> morte evi<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>ve incluir a recolha das seguintes amostras<br />
básicas para exame toxicológico: sangue periférico; urina; conteú<strong>do</strong> estomacal; bile; fíga<strong>do</strong> e rim.<br />
No caso <strong>de</strong> existir suspeita específica, a recolha e envio <strong>de</strong> amostras <strong>de</strong>ve ter em consi<strong>de</strong>ração o<br />
grupo <strong>de</strong> tóxicos a analisar, pelo que a anterior amostragem permite, igualmente, pesquisas <strong>de</strong><br />
hipnótico-sedativos, substâncias psicoactivas, cardiotónicos, analgésicos e pesticidas.<br />
A pesquisa <strong>de</strong> drogas <strong>de</strong> abuso <strong>de</strong>ve englobar, além das amostras já <strong>de</strong>scritas, líqui<strong>do</strong><br />
céfaloraquidiano; encéfalo; local <strong>de</strong> picada <strong>de</strong> injectáveis e cabelos.<br />
A inclusão <strong>de</strong> sangue cardíaco da cavida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ventrículo esquer<strong>do</strong>, encéfalo, teci<strong>do</strong> gor<strong>do</strong><br />
subcutâneo, pulmão e vestuário, <strong>de</strong>ve complementar a amostragem básica quan<strong>do</strong> interessa<br />
efectuar pesquisas <strong>de</strong> substâncias lipossolúveis voláteis, tais como combustíveis e solventes.<br />
As intoxicações alimentares implicam a suplementação <strong>do</strong> envio das amostras básicas com<br />
amostras <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> intestinal colhi<strong>do</strong>, se possível, em três locais diferentes.<br />
Já no caso <strong>de</strong> a intoxicação po<strong>de</strong>r ter si<strong>do</strong> <strong>do</strong> tipo crónico, por acção entre outros, <strong>de</strong> metais<br />
pesa<strong>do</strong>s, certos medicamentos ou pesticidas, <strong>de</strong>vem-se adicionar à recolha <strong>de</strong> amostras normal,<br />
cabelos, ossos, teci<strong>do</strong> adiposo e conteú<strong>do</strong> intestinal.<br />
Uma análise toxicológica tem, muitas vezes, por limite a qualida<strong>de</strong> ou quantida<strong>de</strong> das amostras <strong>de</strong><br />
que se dispõe, daí que, seja preferível o envio <strong>de</strong> amostras em excesso, apesar das dificulda<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> conservação e transporte que se possam colocar, com a vantagem <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r diversificar as<br />
pesquisas, duplicar, garantir ou até contribuir para o sucesso analítico <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada<br />
pesquisa.<br />
Conservação das amostras<br />
As amostras <strong>de</strong>stinadas a exame toxicológico não <strong>de</strong>vem ser adicionadas <strong>de</strong> qualquer<br />
preservante ou conservante, porque a <strong>de</strong>tecção <strong>de</strong> qualquer substância, seja ela adicionada ou<br />
não, po<strong>de</strong>rá ser relevante <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista toxicológico.
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Tal como em qualquer regra existe excepção no que se refere à amostra <strong>de</strong> sangue <strong>de</strong>stinada a<br />
<strong>do</strong>seamentos <strong>de</strong> álcool, cocaína ou áci<strong>do</strong> cianídrico, à qual se adiciona fluoreto <strong>de</strong> sódio na<br />
concentração aproximada <strong>de</strong> 1% (peso por volume).<br />
Com esta atitu<strong>de</strong> preten<strong>de</strong>-se impedir a proliferação microbiana, e assim prevenir a probabilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> se induzirem alterações nas taxas sanguíneas <strong>do</strong>s referi<strong>do</strong>s tóxicos.<br />
Técnicas a<strong>do</strong>ptadas na pesquisa toxicológica<br />
A sequência <strong>de</strong> procedimentos empregues na pesquisa toxicológica, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a requisição <strong>de</strong><br />
autópsia ou exame clínico pelas autorida<strong>de</strong>s judiciais, com o envio das amostras ao laboratório,<br />
até à elaboração <strong>do</strong> relatório toxicológico, assenta em alguns passos fundamentais, como a seguir<br />
se <strong>de</strong>monstram:<br />
Rastreio<br />
isolamento<br />
Registo <strong>de</strong> amostras<br />
Confirmação<br />
colheita<br />
Quantificação<br />
AUTÓPSIA<br />
requisição<br />
HOSPITAL<br />
Interpretação<br />
relatório<br />
AUTORIDADE JUDICIAL<br />
Preparação da amostra<br />
A preparação da amostra é um procedimento chave das análises toxicológicas, pois é nesta fase<br />
que se proce<strong>de</strong> ao isolamento <strong>do</strong> tóxico com a intenção <strong>de</strong> lhe serem aplicadas as técnicas <strong>de</strong><br />
análise instrumental.<br />
Rastreio analítico<br />
Este rastreio ou "screnning" é realiza<strong>do</strong> pela utilização <strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> elevada e<br />
fraca especificida<strong>de</strong>. Os méto<strong>do</strong>s, ainda, <strong>de</strong>vem ser simples e pouco exigentes, em termos <strong>de</strong><br />
ocupação <strong>de</strong> recursos humanos e <strong>de</strong> consumos <strong>de</strong> material.
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As técnicas <strong>de</strong> rastreio para tóxicos termolábeis po<strong>de</strong>rão ser: imunoensaios, cromatografia em<br />
camada <strong>de</strong>lgada e cromatografias gasosa ou líquida (quan<strong>do</strong> equipadas com <strong>de</strong>tectores<br />
universais).<br />
I<strong>de</strong>ntificação e Doseamento<br />
Os resulta<strong>do</strong>s forneci<strong>do</strong>s pelos testes <strong>de</strong> rastreio são muito limita<strong>do</strong>s, pelo que, um resulta<strong>do</strong><br />
positivo só po<strong>de</strong> ser encara<strong>do</strong> como tal, se se confirmar através <strong>do</strong> recurso a testes <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ntificação e confirmação.<br />
Além <strong>do</strong> mais, tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> provas periciais, a correcta i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da substância <strong>de</strong>tectada e a<br />
avaliação <strong>do</strong> seu teor quantitativo são, em certos casos, essenciais para a distinção <strong>de</strong><br />
interferências <strong>de</strong> matriz e analíticas, que possam contribuir para a obtenção <strong>de</strong> falsos resulta<strong>do</strong>s<br />
positivos.<br />
A cromatografia gasosa ou a cromatografia líquida acoplada a <strong>de</strong>tectores mais específicos tais<br />
como, a espectrometria <strong>de</strong> massas ou <strong>de</strong>tectores <strong>de</strong> varrimento na zona <strong>do</strong>s ultravioletas ou<br />
infravermelhos, quan<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>s em condições a<strong>de</strong>quadas permitem i<strong>de</strong>ntificações com eleva<strong>do</strong><br />
grau <strong>de</strong> confiança.<br />
A técnica que tem vin<strong>do</strong> a ser utilizada na i<strong>de</strong>ntificação no <strong>do</strong>seamento <strong>de</strong> substâncias<br />
elementares, em especial, as <strong>de</strong> carácter mineral, tem si<strong>do</strong> a espectrofotometria <strong>de</strong> absorção<br />
atómica (AAS), nas suas variantes com ou sem chama, adaptada com gera<strong>do</strong>r <strong>de</strong> hidretos ou com<br />
câmara <strong>de</strong> grafite.<br />
Interpretação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s analíticos<br />
À medida que as meto<strong>do</strong>logias analíticas evoluem, a principal questão da toxicologia forense não<br />
é saber o que é, mas sim o que isso significa.<br />
Não basta, portanto, i<strong>de</strong>ntificar a nível das amostras orgânicas uma substância com relevância<br />
toxicológica, mas para além disso, é essencial interpretar a<strong>de</strong>quadamente os resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s<br />
face às variáveis envolvidas.<br />
Os factores que estão envolvi<strong>do</strong>s numa pesquisa toxicológica são inúmeros. Por um la<strong>do</strong>, temos<br />
os que são relativos à análise em si, tais como: esta<strong>do</strong> das amostras, técnica analítica empregue,<br />
analista opera<strong>do</strong>r, rendimento <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s, e um sem número <strong>de</strong> erros sistemáticos ou fortuitos<br />
passíveis <strong>de</strong> ocorrer em qualquer activida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise química. Por outro la<strong>do</strong>, temos aqueles<br />
factores, que sen<strong>do</strong> inerentes ao caso analisa<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>m contribuir para que os resulta<strong>do</strong>s<br />
analíticos entrem em contradição com as hipóteses da investigação (como exemplos, po<strong>de</strong>mos ter<br />
a via <strong>de</strong> absorção <strong>do</strong> tóxico, o tempo <strong>de</strong> <strong>sobre</strong>vida - tempo <strong>de</strong>corri<strong>do</strong> entre a ocorrência e a<br />
morte- ou o intervalo <strong>de</strong> tempo até colheita <strong>de</strong> amostras, medidas terapêuticas, <strong>de</strong> diagnóstico ou
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<strong>de</strong> suporte administradas, sinergia <strong>de</strong> efeitos <strong>de</strong>vida à associação <strong>de</strong> tóxicos, e muitas <strong>outras</strong><br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da circunstâncias <strong>de</strong> cada caso.<br />
Além <strong>de</strong>stes aspectos, existem muitas <strong>outras</strong> condições em que se exige conhecimentos técnicos<br />
e periciais no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> elucidar certas circunstâncias, tais como a <strong>de</strong>monstração, <strong>do</strong> reduzi<strong>do</strong><br />
interesse analítico a atribuir à técnica <strong>de</strong> imunoensaios face à sua fraca especificida<strong>de</strong>, <strong>do</strong>s efeitos<br />
<strong>de</strong>vi<strong>do</strong>s à adsorção <strong>de</strong> substâncias nas pare<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s recipientes <strong>do</strong>s contentores <strong>de</strong> amostras, da<br />
<strong>de</strong>gradação <strong>de</strong> substâncias em função <strong>do</strong> tempo e condições <strong>de</strong> conservação, da <strong>de</strong>gradação<br />
metabólica das amostras, ou da <strong>de</strong>gradação térmica que possa ocorrer em análises por<br />
cromatografia gasosa.<br />
Por outro la<strong>do</strong>, não existem da<strong>do</strong>s objectivos que permitam estabelecer analogias concretas entre<br />
os resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s e as tabelas <strong>de</strong> níveis letais séricos ou tecidulares existentes.<br />
Para isso, o analista introduz no processo analítico meios <strong>de</strong> controlo que assentam na validação<br />
<strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s analíticos, uso <strong>de</strong> padrões internos ou externos certifica<strong>do</strong>s, recurso a normas <strong>de</strong><br />
boas práticas laboratoriais, implementação <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> controlo <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> intra e<br />
interlaboratoriais. Deste mo<strong>do</strong>, preten<strong>de</strong>-se garantir a <strong>de</strong>tecção da frequência com que ocorrem<br />
erros sistemáticos ou fortuitos, e formas <strong>de</strong> os solucionar, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a manter qualida<strong>de</strong><br />
laboratorial.<br />
e) PROCEDIMENTOS RELATIVOS À DETECÇÃO DA INFLUÊNCIA DE SUBSTÂNCIAS<br />
PSICOACTIVAS NA CIRCULAÇÃO RODOVIÁRIA<br />
Relação Clínico - Toxicologista<br />
A legislação <strong>do</strong> Código da Estrada (Decreto-Lei nº 265-A/2001, <strong>de</strong> 28/09) na parte relativa à<br />
fiscalização da circulação na via pública sob efeito <strong>de</strong> álcool e das substâncias legalmente<br />
consi<strong>de</strong>radas estupefacientes ou psicotrópicas pressupõe a participação, além das autorida<strong>de</strong>s<br />
fiscaliza<strong>do</strong>ras, <strong>do</strong>s serviços <strong>de</strong> urgência hospitalares e <strong>do</strong> Instituto Nacional <strong>de</strong> Medicina Legal.<br />
Aos primeiros compete executar os procedimentos <strong>de</strong> avaliação clínica e <strong>de</strong> colheita <strong>de</strong> amostras<br />
biológicas, realizar os exames <strong>de</strong> rastreio analítico a estupefacientes e psicotrópicos e, caso<br />
necessário, requisitar exames toxicológicos <strong>de</strong> quantificação <strong>de</strong> álcool no sangue ou <strong>de</strong><br />
confirmação da presença <strong>de</strong> estupefacientes e psicotrópicos através da remessa <strong>de</strong> amostras<br />
a<strong>de</strong>quadas em bolsas próprias à Delegação <strong>do</strong> INML da área respectiva.<br />
Aos Serviços <strong>de</strong> Toxicologia Forense <strong>do</strong> INML compete equipar e distribuir as bolsas <strong>de</strong>stinadas à<br />
colheita <strong>de</strong> amostras biológicas, verificar o cumprimento <strong>do</strong>s procedimentos <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
custódia, e executar as análises toxicológicas <strong>de</strong> quantificação <strong>de</strong> álcool no sangue ou <strong>de</strong>
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confirmação da presença <strong>de</strong> estupefacientes e psicotrópicos por equipamentos e meto<strong>do</strong>logias<br />
a<strong>de</strong>quadas.<br />
Como tal a nível <strong>de</strong>stas competências, os médicos <strong>do</strong>s serviços <strong>de</strong> urgência hospitalares e os<br />
toxicologistas <strong>do</strong> INML beneficiam em a<strong>do</strong>ptarem um relacionamento que se traduza em<br />
colaboração institucional, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a assegurar com rigor e justiça, a execução <strong>do</strong>s procedimentos<br />
<strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s a uma aplicação universal da lei vigente. Por outro la<strong>do</strong>, enquanto cidadãos com<br />
responsabilida<strong>de</strong>s acrescidas, os médicos e paramédicos que, sem justa causa, se recusarem a<br />
proce<strong>de</strong>r às diligências previstas na lei para diagnosticar o esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> influencia<strong>do</strong> pelo álcool e<br />
das substâncias legalmente consi<strong>de</strong>radas como estupefacientes ou psicotrópicas são puni<strong>do</strong>s por<br />
<strong>de</strong>sobediência.<br />
A realização <strong>de</strong> exames clínicos e <strong>de</strong> colheita <strong>de</strong> amostras biológicas para diagnóstico <strong>do</strong> esta<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> influencia<strong>do</strong> por substâncias aplica-se, quer em indivíduos admiti<strong>do</strong>s no serviço <strong>de</strong> urgência na<br />
sequência <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> viação, quer em indivíduos conduzi<strong>do</strong>s ou notifica<strong>do</strong>s pelas<br />
autorida<strong>de</strong>s fiscaliza<strong>do</strong>ras para serem avalia<strong>do</strong>s no serviço <strong>de</strong> urgência no âmbito <strong>de</strong> operações<br />
<strong>de</strong> fiscalização.<br />
Quan<strong>do</strong> se suspeita que um indivíduo possa estar influencia<strong>do</strong> pelo álcool etílico, se tiver si<strong>do</strong><br />
possível, antes da sua admissão hospitalar a autorida<strong>de</strong> fiscaliza<strong>do</strong>ra proce<strong>de</strong>u aos exames<br />
prévios <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminação da taxa <strong>de</strong> álcool no sangue (TAS) através <strong>de</strong> aparelhos <strong>de</strong> medição no<br />
ar expira<strong>do</strong>. Deste mo<strong>do</strong>, interessa a realização <strong>de</strong> contraprova mediante análise <strong>de</strong> sangue, pelo<br />
que compete ao serviço hospitalar a colheita <strong>de</strong> amostra <strong>de</strong> sangue, preenchimento da requisição<br />
<strong>de</strong> exame <strong>de</strong> quantificação <strong>de</strong> TAS (mo<strong>de</strong>lo Anexo I à portaria nº 1006/98, <strong>de</strong> 30/11) e remessa<br />
da respectiva bolsa conten<strong>do</strong> requisição e amostra <strong>de</strong> sangue ao INML. Na impossibilida<strong>de</strong> da<br />
colheita <strong>de</strong> amostra <strong>de</strong> sangue, o médico <strong>de</strong>ve proce<strong>de</strong>r a exame clínico a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> conforme<br />
previsto na secção III <strong>do</strong> capítulo I da portaria nº 1006/98, <strong>de</strong> 30/11.<br />
No que se refere ao diagnóstico <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> influencia<strong>do</strong> por substâncias legalmente<br />
consi<strong>de</strong>radas estupefacientes ou psicotrópicas, em virtu<strong>de</strong> das autorida<strong>de</strong>s não disporem <strong>de</strong><br />
méto<strong>do</strong>s com vista à sua <strong>de</strong>tecção, to<strong>do</strong>s os indivíduos envolvi<strong>do</strong>s em aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> viação <strong>do</strong>s<br />
quais resultem mortos ou feri<strong>do</strong>s graves, bem como os conduzi<strong>do</strong>s pelas autorida<strong>de</strong>s ao serviço<br />
<strong>de</strong> urgência com esse objectivo <strong>de</strong>vem ser avalia<strong>do</strong>s por médico, seja por via <strong>de</strong> exame médico<br />
<strong>de</strong> rastreio <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com secção I <strong>do</strong> capítulo II da portaria nº 1006/98, <strong>de</strong> 30/11, seja através <strong>de</strong><br />
exame analítico <strong>de</strong> rastreio na urina, por utilização <strong>de</strong> imunoensaios, efectua<strong>do</strong> a nível <strong>do</strong> serviço<br />
<strong>de</strong> patologia clínica <strong>do</strong> hospital. Os exames analíticos <strong>de</strong> rastreio a realizar no hospital <strong>de</strong>stinamse<br />
a <strong>de</strong>spistar a presença <strong>de</strong> substância que integrem os seguintes grupos: metabolitos da<br />
marijuana, opiáceos, cocaína e metabolitos e anfetaminas e <strong>de</strong>riva<strong>do</strong>s. Somente em caso <strong>de</strong><br />
algum <strong>do</strong>s exames analíticos <strong>de</strong> rastreio dar resulta<strong>do</strong> positivo é que o médico responsável <strong>de</strong>ve<br />
provi<strong>de</strong>nciar pela remessa ao INML <strong>de</strong> amostras <strong>de</strong> urina e <strong>de</strong> sangue colhidas ao examinan<strong>do</strong>,
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />
Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />
acompanhadas <strong>de</strong> requisição <strong>de</strong> análise toxicológica <strong>de</strong> confirmação da presença <strong>de</strong><br />
psicotrópicos (mo<strong>de</strong>lo anexo VI à portaria nº 1006/98, <strong>de</strong> 30/11).<br />
Os conjuntos <strong>de</strong> recolha <strong>de</strong> amostras, também <strong>de</strong>signa<strong>do</strong>s como KIT’S, <strong>do</strong>s quais fazem parte as<br />
bolsas a enviar ao INML são forneci<strong>do</strong>s pela autorida<strong>de</strong> fiscaliza<strong>do</strong>ra (PSP ou GNR) <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> as<br />
mesmas estar seladas através <strong>de</strong> selo vermelho numera<strong>do</strong> (este número não é importante para o<br />
procedimento), que assegura a valida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s materiais <strong>de</strong> colheita nela incluí<strong>do</strong>s. No interior <strong>do</strong><br />
conjunto encontra-se um selo azul numera<strong>do</strong> (número muito importante para i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong><br />
processo) <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a ser usa<strong>do</strong> para selagem da bolsa após introdução <strong>de</strong> amostras biológicas e<br />
<strong>do</strong> triplica<strong>do</strong> <strong>de</strong> requisição <strong>de</strong> análises.<br />
A i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> remessa <strong>de</strong> amostras ao INML não é nominal mas assente no<br />
número <strong>do</strong> selo azul, pelo que é imprescindível que no triplica<strong>do</strong> <strong>de</strong> requisição <strong>de</strong> análises<br />
conste o respectivo número <strong>de</strong> selo. Outros elementos como data/hora <strong>de</strong> colheita das amostras,<br />
resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> exames prévios, tipo <strong>de</strong> amostras enviadas, terapêuticas efectuadas, e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
<strong>do</strong> serviço hospitalar e <strong>do</strong> médico responsável são essenciais para evitar falhas <strong>de</strong> procedimento.<br />
Sempre que se verificam factos em <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> com os procedimentos previstos, o Serviço <strong>de</strong><br />
Toxicologia Forense elabora Autos <strong>de</strong> Ocorrência, através <strong>do</strong>s quais comunica e regista falhas<br />
<strong>de</strong> procedimento, bem como <strong>de</strong>screve o encaminhamento da<strong>do</strong> a cada caso.<br />
Os Serviços <strong>de</strong> Toxicologia Forense assumem o papel <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> regula<strong>do</strong>ra por garantir a<br />
segurança <strong>do</strong>s materiais incluí<strong>do</strong>s nos KIT’s, pela execução <strong>de</strong> análises rigorosas com o intuito <strong>de</strong><br />
confirmar a presença <strong>de</strong> psicotrópicos ou estabelecer a taxa <strong>de</strong> alcoolemia em amostras<br />
biológicas, e pelo controlo <strong>do</strong>s procedimentos relativos à ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> custódia <strong>de</strong> amostras.<br />
Sempre que ocorra violação das bolsas ou qualquer outra circunstância <strong>de</strong> não conformida<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong>vem as mesmas ser remetidas ao INML para que se proceda à sua verificação, reequipamento,<br />
selagem e <strong>de</strong>volução à respectiva autorida<strong>de</strong> fiscaliza<strong>do</strong>ra.<br />
Nesta, tal como em <strong>outras</strong> áreas, pressupõe-se uma estreita colaboração Hospital/Instituto<br />
Nacional <strong>de</strong> Medicina Legal.
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />
Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />
2<br />
GENÉTICA E BIOLOGIA FORENSE, E CRIMINALÍSTICA<br />
Maria <strong>de</strong> Fátima Pinheiro<br />
Entre as múltiplas activida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um laboratório <strong>de</strong> Genética e Biologia Forense constam a<br />
realização das perícias referentes aos casos <strong>de</strong> filiação, criminalística biológica e i<strong>de</strong>ntificação<br />
individual (genética). A resolução <strong>de</strong>stes casos, ou seja, a i<strong>de</strong>ntificação genética pressupõe<br />
sempre o estabelecimento da individualida<strong>de</strong> biológica que cada ser humano representa e<br />
fundamenta-se na exclusivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> seu DNA e na igualda<strong>de</strong> e invariabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste em todas as<br />
células <strong>do</strong> organismo ao longo da vida. Ou seja, o DNA é unico para cada ser humano e este fica<br />
perfeitamente i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> através <strong>do</strong> seu estu<strong>do</strong> em qualquer vestígio biológico que lhe pertença.<br />
Para a análise <strong>de</strong> DNA é necessário qualquer tipo <strong>de</strong> amostra ou produto que contenha material<br />
genético. Este material encontra-se em todas as células nucleadas <strong>do</strong> organismo.<br />
A i<strong>de</strong>ntificação genética é, actualmente, <strong>de</strong> importância fundamental em Medicina Legal, tanto no<br />
que concerne à investigação biológica da paternida<strong>de</strong> como à i<strong>de</strong>ntificação em criminalística ou<br />
<strong>de</strong> restos cadavéricos.<br />
a) INVESTIGAÇÃO BIOLÓGICA DE PATERNIDADE<br />
A investigação biológica da paternida<strong>de</strong> tem como objectivo, da<strong>do</strong> um trio filho, mãe e pretenso<br />
pai, <strong>de</strong>terminar se este é ou não excluí<strong>do</strong> da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser o pai biológico.<br />
As investigações <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> têm si<strong>do</strong> o tipo <strong>de</strong> exames mais frequentemente solicita<strong>do</strong>s às<br />
Delegações (Porto, Coimbra e Lisboa) <strong>do</strong> Instituto Nacional <strong>de</strong> Medicina Legal, que realizam mais<br />
<strong>de</strong> 300 perícias, <strong>do</strong> género, por ano. Na <strong>do</strong> Porto verificou-se, um aumento consi<strong>de</strong>rável <strong>do</strong><br />
número <strong>de</strong> exames, solicita<strong>do</strong>s pelos tribunais, particularmente a partir da década <strong>de</strong> 80.<br />
O principal motivo <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> um tão eleva<strong>do</strong> número <strong>de</strong> casos <strong>de</strong>ve-se, <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong>, à reforma<br />
<strong>do</strong> Código Civil Português, <strong>de</strong> 1977, nomeadamente ao artigo 1864º. Este obriga a que se<br />
proceda à averiguação oficiosa da paternida<strong>de</strong> nos casos em que o filho é regista<strong>do</strong> apenas com<br />
o nome da mãe.<br />
Relativamente aos exames <strong>do</strong> âmbito da criminalística biológica, nos últimos anos, houve um
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />
Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />
acréscimo notável <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> vestígios biológicos em casos relaciona<strong>do</strong>s com crimes. Este<br />
incremento <strong>de</strong>veu-se, fundamentalmente, ao melhor po<strong>de</strong>r informativo proporciona<strong>do</strong>, uma vez<br />
que se dispõe, actualmente, <strong>de</strong> técnicas mais sensíveis. Estas perícias consistem no estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />
vestígios e comparação das suas características genéticas com as da vítima e suspeito. A sua<br />
i<strong>de</strong>ntificação e caracterização têm gran<strong>de</strong> interesse, uma vez que, habitualmente, são transferi<strong>do</strong>s<br />
fluí<strong>do</strong>s orgânicos e secreções entre o criminoso e a vítima e o objectivo principal é i<strong>de</strong>ntificar o<br />
autor <strong>do</strong> crime.<br />
Acresce ainda a sua importância na i<strong>de</strong>ntificação individual (genética) a partir <strong>de</strong> restos<br />
cadavéricos, como ossos ou teci<strong>do</strong>s mumifica<strong>do</strong>s.<br />
A perícia médico-legal <strong>do</strong> âmbito da Biologia Forense, seja investigação <strong>de</strong> filiação, criminalística<br />
biológica ou i<strong>de</strong>ntificação, <strong>de</strong>senrola-se em duas fases: análise laboratorial e valorização<br />
bioestatística <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s.<br />
As diferentes fases têm características comuns para os distintos tipos <strong>de</strong> perícias, pois em<br />
qualquer <strong>do</strong>s casos a prova é baseada na comparação <strong>de</strong> perfis genéticos.<br />
Perfil genético, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista médico-legal, po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> como sen<strong>do</strong> o conjunto <strong>de</strong><br />
características hereditárias ou padrões fenotípicos que um indivíduo possui, para um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong><br />
número <strong>de</strong> marca<strong>do</strong>res genéticos, <strong>de</strong>tectável em qualquer amostra biológica que lhe pertença.<br />
Este perfil ficará <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> mediante a análise laboratorial das referidas amostras.<br />
Antes <strong>de</strong> se fazer a valorização bioestatística ter-se-á que estudar os marca<strong>do</strong>res genéticos a<br />
usar, na população em causa, no nosso caso, na população <strong>do</strong> Norte <strong>de</strong> Portugal.<br />
Por outro la<strong>do</strong>, uma vez concluí<strong>do</strong> o estu<strong>do</strong> laboratorial, importa fazer a avaliação <strong>do</strong>s<br />
resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s.<br />
Assim, nos casos <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, que são quase exclusivamente os casos <strong>de</strong><br />
filiação que nos são presentes, porquanto na casuísta <strong>do</strong> nosso serviço tem-se regista<strong>do</strong> um<br />
número baixo <strong>de</strong> casos <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong> maternida<strong>de</strong>, as conclusões possíveis, são: exclusão<br />
<strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> e não exclusão <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>.<br />
Em princípio, conclui-se por exclusão <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> houver exclusão, no mínimo, por<br />
<strong>do</strong>is marca<strong>do</strong>res genéticos e, preferentemente, se pelo menos uma das exclusões for <strong>de</strong> 1ª<br />
or<strong>de</strong>m, referin<strong>do</strong>-se no relatório quais os sistemas que proporcionam a exclusão.<br />
Todavia, os casos <strong>de</strong> exclusão <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem ser suficientemente pon<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s antes da<br />
elaboração <strong>do</strong> relatório final, porquanto tem-se constata<strong>do</strong> que os STRs, polimorfismos <strong>do</strong> DNA<br />
actualmente muito usa<strong>do</strong>s na resolução <strong>do</strong>s casos, exibem uma taxa <strong>de</strong> mutação relativamente<br />
elevada. Por isso, em casos excepcionais po<strong>de</strong>-se verificar exclusão por mais <strong>de</strong> um marca<strong>do</strong>r<br />
genético e na realida<strong>de</strong> não correspon<strong>de</strong>r a exclusão <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, mas a uma coincidência <strong>de</strong><br />
mutações genéticas em mais <strong>de</strong> um sistema.
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />
Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />
Relativamente aos casos <strong>de</strong> não exclusão, exprime-se o resulta<strong>do</strong> em probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
paternida<strong>de</strong>, cujo cálculo se baseia no Teorema <strong>de</strong> Bayes.<br />
Em face <strong>do</strong> que foi anteriormente dito, hoje é mais difícil concluir uma situação <strong>de</strong> exclusão <strong>de</strong><br />
paternida<strong>de</strong> <strong>do</strong> que <strong>de</strong> não exclusão.<br />
Em relação aos casos criminais há três conclusões possíveis:<br />
a) Os perfis <strong>de</strong> DNA <strong>do</strong> suspeito e <strong>do</strong>s vestígios (cujas características genéticas não são<br />
idênticas às da vítima e que há indícios <strong>de</strong> que possam pertencer ao suspeito) não são<br />
<strong>sobre</strong>poníveis;<br />
b) Há coincidência <strong>do</strong>s referi<strong>do</strong>s perfis;<br />
c) O estu<strong>do</strong> não é conclusivo, ou porque o DNA disponível não é em quantida<strong>de</strong> suficiente e/ou<br />
porque há problemas laboratoriais na extracção, amplificação ou tipagem <strong>do</strong> DNA.<br />
Assim, à semelhança <strong>do</strong>s casos <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> não houver coincidência<br />
entre as características genéticas <strong>do</strong> suspeito e <strong>do</strong>s vestígios, <strong>de</strong>vem ser referi<strong>do</strong>s no relatório os<br />
polimorfismos que proporcionam a referida exclusão.<br />
Relativamente ao caso <strong>do</strong>s perfis serem idênticos, o perito <strong>de</strong>ve fazer a valorização da prova, que<br />
habitualmente é feita calculan<strong>do</strong> a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concordância ou o seu inverso, o “likelihood<br />
ratio” (razão bayesiana <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>s).<br />
Aspectos legais da aplicação da análise <strong>do</strong> DNA aos casos <strong>forenses</strong>. Legislação<br />
portuguesa (investigação <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>)<br />
A reforma <strong>do</strong> Código Civil Português ocorrida em 1977 contribuiu para o incremento <strong>do</strong> número <strong>de</strong><br />
exames <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> realiza<strong>do</strong>s. Até àquela data foram efectua<strong>do</strong>s, em média,<br />
<strong>do</strong>is exames por ano, enquanto que na década <strong>de</strong> 80, 621 , ten<strong>do</strong> vin<strong>do</strong> a aumentar<br />
progressivamente ao longo <strong>do</strong>s anos.<br />
Simultaneamente à entrada em vigor <strong>do</strong> “novo” Código Civil surgiram novas técnicas,<br />
<strong>de</strong>signadamente a PCR e marca<strong>do</strong>res genéticos muito mais informativos, que contribuíram para a<br />
conclusão <strong>do</strong>s casos <strong>de</strong> uma forma mais consentânea com a realida<strong>de</strong> biológica.<br />
O artigo <strong>do</strong> “novo” Código Civil que contribui <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong>cisiva para o aumento consi<strong>de</strong>rável<br />
<strong>do</strong> número <strong>de</strong> casos solicita<strong>do</strong>s foi o 1864º.
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Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />
Artigo 1864º<br />
(Paternida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconhecida)<br />
Sempre que seja lavra<strong>do</strong> registo <strong>de</strong> nascimento <strong>de</strong> menor apenas com a maternida<strong>de</strong><br />
estabelecida, <strong>de</strong>ve o funcionário remeter ao tribunal certidão integral <strong>do</strong> registo, a fim <strong>de</strong> se<br />
averiguar oficiosamente a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> pai.<br />
Como foi atrás referi<strong>do</strong>, esta norma é a responsável pelo incremento <strong>do</strong> eleva<strong>do</strong> número <strong>de</strong><br />
perícias <strong>de</strong> investigação biológica <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> solicitadas.<br />
No direito anterior supunha-se a perfilhação materna; agora não é possível a perfilhação pela<br />
mãe, pelo que nesta norma se utiliza a expressão “... apenas com a maternida<strong>de</strong> estabelecida...”<br />
Impõe-se agora ao tribunal que investigue a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> pai, quan<strong>do</strong> apenas é conhecida a da<br />
mãe.<br />
O estabelecimento da averiguação oficiosa da paternida<strong>de</strong> apenas encontra eco nos<br />
or<strong>de</strong>namentos jurídicos <strong>do</strong>s países escandinavos.<br />
“A sua justificação po<strong>de</strong> encontrar-se no <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> satisfazer o direito à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e à integrida<strong>de</strong><br />
moral, <strong>de</strong> tutelar o interesse geral da melhor socialização e amparo económico <strong>do</strong> filho; e na<br />
consciência <strong>de</strong> que não vale gran<strong>de</strong> coisa garantir a to<strong>do</strong>s os filhos a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos se não<br />
se fizerem os esforços possíveis no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> constituir as relações <strong>de</strong> filiação” (Krause, cit, por<br />
Guilherme <strong>de</strong> Oliveira).<br />
Para além <strong>do</strong>s pedi<strong>do</strong>s efectua<strong>do</strong>s pelos tribunais as perícias também po<strong>de</strong>m ser solicitadas por<br />
entida<strong>de</strong>s privadas ou por particulares.<br />
Decreto-Lei nº 96/2001, <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Março<br />
De acor<strong>do</strong> com o Decreto-Lei nº 96/01, relativo à Lei Orgânica <strong>do</strong> Instituto Nacional <strong>de</strong> Medicina<br />
Legal, concretamente o artigo 2º, uma das atribuições <strong>do</strong>s serviços médico-legais, segun<strong>do</strong> a<br />
alínea i) <strong>do</strong> mesmo artigo, é: “Prestar serviços a entida<strong>de</strong>s públicas e privadas, bem como aos<br />
particulares, em <strong>do</strong>mínios que envolvam a aplicação <strong>de</strong> conhecimentos médico-legais”. Esta<br />
disposição já se encontrava contemplada no Decreto-Lei nº11/98, revoga<strong>do</strong> aquan<strong>do</strong> da entrada<br />
em vigor <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>creto.<br />
Depois da publicação <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>creto, o Serviço <strong>de</strong> Genética e Biologia Forense tem si<strong>do</strong><br />
contacta<strong>do</strong> para a realização <strong>de</strong> exames solicita<strong>do</strong>s por particulares, cuja concretização tem <strong>de</strong><br />
ser previamente requerida pelos interessa<strong>do</strong>s sen<strong>do</strong>, o requerimento, aprecia<strong>do</strong> antes <strong>de</strong> se<br />
proce<strong>de</strong>r à marcação da colheita <strong>de</strong> amostras ou à sua recepção.<br />
Quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong> vestígios biológicos a analisar no âmbito da criminalística biológica, o exame<br />
só será efectua<strong>do</strong> se estiverem garanti<strong>do</strong>s os direitos individuais e civis, <strong>de</strong>signadamente o direito<br />
à privacida<strong>de</strong> individual ou familiar consigna<strong>do</strong>s na Constituição Portuguesa, na Declaração
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Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />
Universal <strong>do</strong>s Direitos Humanos (artigo 12º) e na Convenção Europeia <strong>do</strong>s Direitos Humanos<br />
(artigo 8º).<br />
Constituição Portuguesa<br />
A nossa Constituição, no capítulo relativo aos direitos, liberda<strong>de</strong>s e garantias pessoais, Artigo 26º,<br />
refere-se aos direitos atrás cita<strong>do</strong>s.<br />
Artigo 26º<br />
(Outros direitos pessoais)<br />
1. A to<strong>do</strong>s são reconheci<strong>do</strong>s os direitos à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal, ao <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
personalida<strong>de</strong>, à capacida<strong>de</strong> civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à<br />
reserva da intimida<strong>de</strong> da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas <strong>de</strong><br />
discriminação.<br />
2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignida<strong>de</strong><br />
humana, <strong>de</strong> informações relativas às pessoas e famílias.<br />
3. A lei garantirá a dignida<strong>de</strong> pessoal e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> genética <strong>do</strong> ser humano, nomeadamente na<br />
criação, <strong>de</strong>senvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica.<br />
4. A privação da cidadania e as restrições à capacida<strong>de</strong> civil só po<strong>de</strong>m efectuar-se nos casos e<br />
termos previstos na lei, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ter como fundamento motivos políticos.<br />
Casos <strong>de</strong> filiação. Fundamento<br />
A gran<strong>de</strong> maioria <strong>do</strong>s casos <strong>de</strong> filiação presentes são as investigações <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>. Por isso,<br />
abordar-se-á quase exclusivamente este tipo <strong>de</strong> perícias, todavia, os procedimentos a ter quan<strong>do</strong><br />
se trata <strong>de</strong> uma investigação <strong>de</strong> maternida<strong>de</strong>, são idênticos aos da paternida<strong>de</strong>.<br />
Actualmente, a gran<strong>de</strong> maioria <strong>do</strong>s laboratórios utiliza, exclusivamente, polimorfismos <strong>do</strong> DNA.<br />
O fundamento biológico da resolução <strong>do</strong>s casos <strong>de</strong> filiação assenta no facto <strong>de</strong> cada indivíduo<br />
resultar da união <strong>de</strong> <strong>do</strong>is gâmetas, um materno (óvulo) e outro paterno (espermatozói<strong>de</strong>) que dão<br />
origem à formação <strong>de</strong> uma célula, o zigoto, a partir da qual se <strong>de</strong>senvolvem vários biliões <strong>de</strong><br />
células que compõem o organismo humano. Cada um <strong>do</strong>s gâmetas possui um número haplói<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> cromossomas (n), enquanto que as <strong>outras</strong> células <strong>do</strong> organismo, as células somáticas, têm um<br />
número diplói<strong>de</strong> <strong>de</strong> cromossomas (2n). Quan<strong>do</strong> os <strong>do</strong>is gâmetas <strong>do</strong>s progenitores se unem, a<br />
<strong>de</strong>scendência herda informação genética <strong>de</strong> ambos e cada uma das suas células possui essa<br />
informação.<br />
Por isso, a investigação biológica da paternida<strong>de</strong> consiste na análise <strong>do</strong> património genético que
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Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />
um filho her<strong>do</strong>u da mãe e <strong>do</strong> pai. Uma vez apurada a parte genética herdada da mãe, é<br />
necessário verificar se o resto da informação é transmitida pelo pretenso pai. Se este possui as<br />
características hereditárias transmitidas à criança, não po<strong>de</strong> ser excluí<strong>do</strong> da paternida<strong>de</strong> e o<br />
resulta<strong>do</strong> é apresenta<strong>do</strong> em probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>. Se, pelo contrário, o indigita<strong>do</strong> não tem<br />
essas características, é afasta<strong>do</strong> da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>.<br />
Exames laboratoriais<br />
Na generalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s casos o estu<strong>do</strong> é efectua<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> sangue e da zaragatoa bucal,<br />
colhi<strong>do</strong>s a to<strong>do</strong>s os intervenientes.<br />
Sob o ponto <strong>de</strong> vista médico-legal uma investigação <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, pressupõe três fases:<br />
1ª - I<strong>de</strong>ntificação e colheita <strong>de</strong> sangue<br />
2ª - Caracterização <strong>do</strong>s marca<strong>do</strong>res genéticos<br />
3ª - Elaboração <strong>do</strong> relatório<br />
I<strong>de</strong>ntificação e colheita <strong>de</strong> sangue<br />
A i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong>ve ser pormenorizada, registan<strong>do</strong>-se os da<strong>do</strong>s pessoais <strong>do</strong>s intervenientes<br />
numa ficha própria, como sejam, nome completo, data <strong>de</strong> nascimento, naturalida<strong>de</strong>, esta<strong>do</strong> civil,<br />
raça, números <strong>do</strong>s bilhetes <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ou cédulas pessoais. Devem ser tiradas fotocópias <strong>de</strong><br />
to<strong>do</strong>s os elementos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação, assim como <strong>de</strong>vem ser colhidas as impressões digitais <strong>do</strong><br />
<strong>de</strong><strong>do</strong> indica<strong>do</strong>r direito. Também <strong>de</strong>ve ser pergunta<strong>do</strong> se lhes foi administrada transfusão <strong>de</strong><br />
sangue ou transplante <strong>de</strong> orgãos, confirman<strong>do</strong>-se este da<strong>do</strong> com a respectiva assinatura.<br />
Como os <strong>do</strong>cumentos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação po<strong>de</strong>m ser falsifica<strong>do</strong>s, consi<strong>de</strong>ra-se obrigatória a presença<br />
simultânea <strong>do</strong>s intervenientes para se efectuar a colheita, isto é, não se realizam colheitas se<br />
to<strong>do</strong>s os intervenientes não estiverem presentes, salvo indicação expressa <strong>do</strong> juiz.<br />
Caracterização <strong>do</strong>s marca<strong>do</strong>res genéticos<br />
Marca<strong>do</strong>res genéticos são características i<strong>de</strong>ntificáveis, transmitidas <strong>de</strong> pais para filhos,<br />
rigorosamente controladas por genes situa<strong>do</strong>s num par <strong>de</strong> cromossomas homólogos<br />
Antes <strong>de</strong> 1985, tanto as investigações biológicas <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> como a análise <strong>de</strong> amostras<br />
biológicas com interesse criminal eram resolvidas mediante o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> marca<strong>do</strong>res genéticos<br />
convencionais ou tradicionais, a maioria <strong>do</strong>s quais, proteínas.<br />
Hoje, a utilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s marca<strong>do</strong>res genéticos convencionais tem um interesse limita<strong>do</strong>, por serem<br />
sistemas pouco polimórficos.
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Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />
Áci<strong>do</strong> <strong>de</strong>soxirribonucleico (DNA). Aplicação da análise <strong>do</strong> DNA à Medicina Legal<br />
A Medicina Legal dispõe, actualmente, <strong>de</strong> uma nova tecnologia que se baseia na variabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />
áci<strong>do</strong>s nucleicos das células, polimorfismos <strong>do</strong> DNA, cuja importância fundamental resi<strong>de</strong> no facto<br />
<strong>de</strong> se estudar a individualida<strong>de</strong> biológica directamente <strong>do</strong> código genético, ao contrário das<br />
proteínas, cuja caracterização <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da sua expressão em teci<strong>do</strong>s e fluí<strong>do</strong>s biológicos. É para<br />
notar que o DNA está presente em todas as células nucleadas <strong>do</strong> organismo humano (DNA<br />
nuclear) e que esse DNA é, basicamente, idêntico em todas as células <strong>do</strong> mesmo indivíduo. Têm<br />
si<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> extracção <strong>do</strong> DNA que permitem, por exemplo, separar DNA <strong>de</strong><br />
células espermáticas (suspeito) das células vaginais (vítima), em casos <strong>de</strong> agressão sexual, em<br />
que o perito dispõe <strong>do</strong> exsudato vaginal da vítima ou <strong>de</strong> manchas existentes em peças <strong>de</strong><br />
vestuário.<br />
O estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> DNA constitui hoje uma tecnologia que é admitida internacionalmente como prova<br />
pericial em tribunal, permitin<strong>do</strong> a resolução <strong>de</strong> casos <strong>de</strong> filiação complexos, como, por exemplo,<br />
casos <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> em que a mãe ou o pretenso pai faleceram, quan<strong>do</strong> existe a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> familiares próximos; o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> restos cadavéricos e a comparação<br />
das suas características genéticas com as <strong>do</strong> sangue, também, <strong>de</strong> familiares próximos; e ainda<br />
casos <strong>de</strong> filiação em que se dispõe <strong>de</strong> restos fetais resultantes <strong>de</strong> aborto ou infanticídio, em que<br />
se preten<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar o autor <strong>do</strong> crime.<br />
Tem si<strong>do</strong> especialmente na resolução <strong>de</strong> casos relativos à criminalística biológica que esta<br />
tecnologia tem <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> revestir uma importância fundamental, uma vez que na maioria <strong>do</strong>s<br />
casos relaciona<strong>do</strong>s com crimes o perito dispõe <strong>de</strong> uma quantida<strong>de</strong> exígua <strong>de</strong> DNA, apresentan<strong>do</strong>se<br />
muitas vezes <strong>de</strong>grada<strong>do</strong>.<br />
A admissibilida<strong>de</strong> jurídica, a nível internacional, da utilização das técnicas <strong>de</strong> tipagem <strong>do</strong> DNA, foi,<br />
numa primeira fase, alvo <strong>de</strong> controvérsias nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, relativamente à própria<br />
meto<strong>do</strong>logia empregue, à interpretação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s e aos méto<strong>do</strong>s estatísticos utiliza<strong>do</strong>s, tais<br />
como, o equilíbrio <strong>de</strong> Hardy-Weinberg, a homogeneida<strong>de</strong> populacional e o equilíbrio <strong>de</strong> ligamento<br />
entre os loci.<br />
O primeiro passo para obviar os problemas atrás referi<strong>do</strong>s foi o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> meto<strong>do</strong>logias<br />
que não suscitassem problemas <strong>de</strong> interpretação e que permitissem uma classificação exacta <strong>do</strong>s<br />
alelos <strong>do</strong>s diferentes polimorfismos. Em seguida, surgiram inovações relativas aos méto<strong>do</strong>s<br />
estatísticos utiliza<strong>do</strong>s na análise <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s, proporcionan<strong>do</strong> conclusões mais aproximadas à<br />
realida<strong>de</strong> biológica. Esta evolução conjunta <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s laboratoriais e estatísticos empregues na<br />
resolução <strong>de</strong> perícias médico-legais permite, actualmente, a obtenção <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s que eram<br />
impensáveis há ainda escassos anos.
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />
Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />
A análise <strong>do</strong> DNA com aplicação médico-legal foi usada pela primeira vez no Reino Uni<strong>do</strong>, em<br />
1985. Nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s a sua utilização iniciou-se em 1986, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> aplicada pela primeira<br />
vez à resolução <strong>de</strong> casos criminais em 1987, num caso <strong>de</strong> agressão sexual.<br />
Análise <strong>do</strong> DNA<br />
O genoma humano é constituí<strong>do</strong> por cerca <strong>de</strong> 3500 milhões <strong>de</strong> pares <strong>de</strong> bases (pb).<br />
A análise <strong>do</strong> DNA nuclear, permitiu <strong>de</strong>finir que no genoma humano existem regiões que se po<strong>de</strong>m<br />
classificar <strong>do</strong> seguinte mo<strong>do</strong>:<br />
- DNA não repetitivo (polimorfismos <strong>de</strong> sequência)<br />
- DNA mo<strong>de</strong>radamente repetitivo (regiões minisatélite)<br />
- DNA altamente repetitivo (regiões microsatélite)<br />
Algumas sequências não codificantes (DNA não expressivo, não codificante ou heterocromatina),<br />
cuja função biológica ainda não está perfeitamente estabelecida, encontram-se repetidas em<br />
"tan<strong>de</strong>m", isto é, uma sequência <strong>de</strong> pares <strong>de</strong> bases (pb), seguida <strong>de</strong> outra sequência idêntica e<br />
assim sucessivamente.<br />
Estas regiões hipervariáveis, on<strong>de</strong> existem os loci VNTR (Variable Number of Tan<strong>de</strong>m Repeats),<br />
são chamadas minisatélites se a sequência (core) é constituída por 10-70pb que se repete entre<br />
20 e 60 vezes. Se as referidas sequências são constituídas apenas por 2-7 nucleóti<strong>do</strong>s que se<br />
repetem, também, várias vezes, as regiões são <strong>de</strong>nominadas microsatélites ou loci STR (Short<br />
Tan<strong>de</strong>m Repeats).<br />
O DNA que forma as regiões hipervariáveis (HVR-Hipervariable Regions) <strong>do</strong> genoma, proporciona<br />
a existência <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> variação entre os indivíduos <strong>de</strong> uma população. Esta variação<br />
consiste no número <strong>de</strong> vezes que a sequência (core) se repete e é variável <strong>de</strong> indivíduo para<br />
indivíduo. Esta parte <strong>do</strong> genoma é a que tem maior interesse médico-legal.<br />
Polimorfismos <strong>do</strong> DNA<br />
Antes <strong>de</strong> se proce<strong>de</strong>r à tipagem tem <strong>de</strong> se efectuar a extracção <strong>do</strong> DNA.<br />
Existem vários protocolos para se efectuar a extracção <strong>do</strong> DNA. Quan<strong>do</strong> não é exigida a obtenção<br />
<strong>de</strong> DNA <strong>de</strong> alto peso molecular, utiliza-se o Chelex 100. Trata-se <strong>de</strong> uma técnica <strong>de</strong> extracção <strong>de</strong><br />
DNA mais rápida, fácil <strong>de</strong> executar e eficiente. O Chelex é uma resina quelante (chelating resin)<br />
com gran<strong>de</strong> afinida<strong>de</strong> para iões metálicos polivalentes, por isso previne a <strong>de</strong>gradação <strong>do</strong> DNA em<br />
presença <strong>de</strong> iões metálicos a altas temperaturas e em condições <strong>de</strong> baixa força iónica.
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />
Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />
Quan<strong>do</strong> é necessária a obtenção <strong>de</strong> DNA <strong>de</strong> alto peso molecular utiliza-se a extracção orgânica<br />
com fenol-clorofórmio ou com fenol-clorofórmio-álcool isoamílico, cujo protocolo é mais complexo<br />
e <strong>de</strong>mora<strong>do</strong>.<br />
Nos casos <strong>de</strong> violação em que são presentes os exsudatos vaginais das vítimas e/ou as peças <strong>de</strong><br />
vestuário que aquelas envergavam aquan<strong>do</strong> da ocorrência <strong>do</strong> crime, é preferencialmente utiliza<strong>do</strong><br />
um méto<strong>do</strong> diferencial <strong>de</strong> lise celular que, para além <strong>do</strong> fenol-clorofórmio-álcool isoamílico usa o<br />
<strong>de</strong>tergente (SDS) e uma proteinase (Proteinase K), cuja função consiste na libertação das células<br />
vaginais da vítima, enquanto as cabeças <strong>do</strong>s espermatozói<strong>de</strong>s se mantêm intactas em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />
seu revestimento proteico conter pontes dissulfito. As células seminais são posteriormente<br />
recuperadas por centrifugação e subsequentemente lisadas na presença <strong>de</strong> ditiotreitol (DTT). O<br />
uso <strong>de</strong>sta meto<strong>do</strong>logia tem <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> ser eficaz, pois verifica-se que mesmo nos casos em<br />
que a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> espermatozói<strong>de</strong>s (observação microscópica) é escassa, consegue-se<br />
efectuar a tipagem <strong>do</strong> DNA da fase espermática.<br />
Polymerase Chain Reaction (PCR)<br />
A técnica mais usada para o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> DNA é a PCR. Esta técnica foi <strong>de</strong>scrita por Kary Mullis,<br />
em 1985 e baseia-se na amplificação enzimática in vitro <strong>de</strong> um fragmento <strong>de</strong> DNA <strong>de</strong> interesse<br />
(target) que é flanquea<strong>do</strong> por 2 "primers" que hibridam com as extremida<strong>de</strong>s 3´ da dupla ca<strong>de</strong>ia.<br />
Ciclos repeti<strong>do</strong>s, consistin<strong>do</strong> na <strong>de</strong>snaturação <strong>do</strong> DNA, "annealing" <strong>do</strong>s "primers" e sua extensão,<br />
originam em cada ciclo a duplicação da sequência inicial, correspon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a um crescimento<br />
exponencial da referida sequência. Isto é, <strong>de</strong>corri<strong>do</strong>s 20 ciclos, o DNA em estu<strong>do</strong>, <strong>de</strong>limita<strong>do</strong><br />
pelos "primers", cuja sequência <strong>de</strong> bases foi previamente seleccionada, estará amplifica<strong>do</strong> cerca<br />
<strong>de</strong> 1 milhão <strong>de</strong> vezes.<br />
Cada um <strong>do</strong>s referi<strong>do</strong>s ciclos inclui as seguintes fases:<br />
1ª- Desnaturação da sequência <strong>de</strong> DNA que se preten<strong>de</strong> estudar (± 90ºC)<br />
2ª- “Annealing” <strong>do</strong>s “primers” (± 60ºC)<br />
3ª- Extensão <strong>do</strong>s “primers” (± 72ºC), graças à Taq polimerase e aos nucleóti<strong>do</strong>s trifosfata<strong>do</strong>s<br />
(DNTPs – dATP, dTTP, dGTP e dCTP).<br />
A automatização <strong>do</strong> processo, com a utilização <strong>do</strong>s termocicla<strong>do</strong>res, proporcionou a simplificação<br />
<strong>de</strong> to<strong>do</strong> o procedimento, constituin<strong>do</strong> também uma importante inovação.<br />
O uso da técnica <strong>de</strong> PCR requer que, pelo menos, seja conhecida a sequência <strong>de</strong> DNA que<br />
ro<strong>de</strong>ia a região <strong>de</strong> interesse, para ser possível a construção <strong>do</strong>s "primers" usa<strong>do</strong>s na<br />
amplificação. Conhecen<strong>do</strong>-se a referida sequência, é possível escolher os "primers" por forma a<br />
permitirem a <strong>de</strong>limitação directa <strong>do</strong> local polimórfico.
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Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />
Actualmente, são vários os polimorfismos <strong>de</strong> DNA com interesse médico-legal, que po<strong>de</strong>m ser<br />
estuda<strong>do</strong>s por PCR, como polimorfismos <strong>de</strong> sequência, AMPFLPs e loci STR. No entanto,<br />
actualmente, só são usa<strong>do</strong>s estes últimos.<br />
Das vantagens <strong>de</strong>sta técnica, <strong>de</strong>staca-se o facto da PCR possuir a capacida<strong>de</strong> para efectuar a<br />
análise <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada sequência numa amostra exígua <strong>de</strong> DNA, qualquer que seja a sua<br />
quantida<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a amostra tenha, pelo menos, uma ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> DNA intacta,<br />
ro<strong>de</strong>an<strong>do</strong> a região a ser amplificada. Esta sensibilida<strong>de</strong>, segun<strong>do</strong> vários autores, tem permiti<strong>do</strong> a<br />
tipagem <strong>de</strong> diferentes polimorfismos <strong>de</strong> DNA <strong>de</strong> um único cabelo, <strong>de</strong> um espermatozói<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />
células somáticas individuais. Outros autores referem ter efectua<strong>do</strong> reacções <strong>de</strong> amplificação em<br />
DNA <strong>de</strong>grada<strong>do</strong> <strong>de</strong> teci<strong>do</strong>s guarda<strong>do</strong>s em arquivo e fixa<strong>do</strong>s em formol ou embebi<strong>do</strong>s em parafina,<br />
ou ainda, extraí<strong>do</strong>s <strong>de</strong> peças antigas existentes em museus ou acha<strong>do</strong>s arqueológicos.<br />
Por tu<strong>do</strong> o que foi anteriormente referi<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>r-se-á afirmar que a técnica <strong>de</strong> PCR se tornou um<br />
meio precioso para a análise <strong>de</strong> regiões polimórficas, em amostras <strong>de</strong> DNA humano,<br />
particularmente em criminalística, nos quais raramente se dispõe <strong>de</strong> DNA <strong>de</strong> alto peso molecular<br />
em quantida<strong>de</strong>s apreciáveis. Trata-se <strong>de</strong> uma meto<strong>do</strong>logia muito usada na resolução <strong>de</strong> casos<br />
médico-legais, sen<strong>do</strong> também utilizada no diagnóstico clínico e noutros ramos da ciência.<br />
Sistemas AMPFLPs e STRs estuda<strong>do</strong>s por PCR<br />
Sistemas AMPFLPs (Amplified Fragment Length Polymorphisms) são os loci VNTR, cujos alelos<br />
possuem tamanhos moleculares, aproximadamente, <strong>de</strong> 100 a 2000 pb.<br />
Os <strong>do</strong>is grupos <strong>de</strong> sistemas, AMPFLPs e STRs, em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> curto tamanho <strong>do</strong>s seus alelos, são<br />
susceptíveis <strong>de</strong> amplificação por PCR e visualização directa <strong>do</strong>s produtos <strong>de</strong> amplificação,<br />
embora, actualmente, apenas se usem os últimos.<br />
Loci STR estuda<strong>do</strong>s por PCR<br />
Os loci microsatélite po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>finir-se como pequenas sequências <strong>de</strong> DNA (com menos <strong>de</strong> 350<br />
pb), dispersas pelo genoma, repetidas em tan<strong>de</strong>m, <strong>de</strong> 2 a 7 pb <strong>de</strong> tamanho, pelo que também são<br />
conheci<strong>do</strong>s por loci STR (Short Tan<strong>de</strong>m Repeats). Calculou-se que o genoma humano contém,<br />
aproximadamente, 500.000 STRs, <strong>do</strong>s quais 6.000 a 10.000 são tri ou tetraméricos. Um gran<strong>de</strong><br />
número <strong>de</strong>stes loci apresenta um eleva<strong>do</strong> grau <strong>de</strong> polimorfismo genético, cuja base molecular<br />
consiste na variação <strong>do</strong> número <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> repetição.<br />
Estes sistemas, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à sua abundância no genoma humano, ao seu eleva<strong>do</strong> grau <strong>de</strong><br />
polimorfismo e à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serem facilmente estuda<strong>do</strong>s mediante técnicas <strong>de</strong> PCR,<br />
converteram-se nos marca<strong>do</strong>res <strong>de</strong> eleição em vários campos da ciência, <strong>de</strong>signadamente na<br />
i<strong>de</strong>ntificação genética humana.
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É para notar, que o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s loci STR proporciona uma maior sensibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao pequeno<br />
tamanho <strong>do</strong>s produtos <strong>de</strong> amplificação permitin<strong>do</strong>, por conseguinte, uma amplificação mais eficaz<br />
em amostras <strong>de</strong>gradadas.<br />
É possível, no caso <strong>do</strong>s STRs, proce<strong>de</strong>r-se à amplificação simultânea <strong>de</strong> vários loci numa única<br />
mistura <strong>de</strong> reacção (PCR multiplex), po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se fazer a análise conjunta <strong>do</strong>s produtos<br />
amplifica<strong>do</strong>s. Tal facto, proporciona o aumento <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> discriminação e a diminuição <strong>do</strong><br />
tempo <strong>de</strong> análise, bem como das quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> DNA e <strong>de</strong> reagentes a usar.<br />
Os STRs são claramente i<strong>de</strong>ntificáveis, permitin<strong>do</strong> a distinção <strong>de</strong> alelos que diferem apenas num<br />
nucleóti<strong>do</strong>. Tal facto torna viável a comparação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s por diferentes laboratórios.<br />
É aconselhável a estandardização das condições experimentais (composição <strong>do</strong> gel,<br />
electroforese) e o uso <strong>de</strong> padrões alélicos consenso a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s e <strong>de</strong> sequência conhecida, assim<br />
como a uniformida<strong>de</strong> na nomenclatura empregue na classificação <strong>do</strong>s alelos.<br />
Em casos pontuais e excepcionais em que exista dúvidas relativamente a estes aspectos, po<strong>de</strong>se<br />
proce<strong>de</strong>r à sequenciação <strong>do</strong>s alelos consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s duvi<strong>do</strong>sos.<br />
Actualmente, estes problemas estão praticamente ultrapassa<strong>do</strong>s com o uso <strong>de</strong> kits comerciais,<br />
porquanto estes possuem os produtos e condições perfeitamente estandardiza<strong>do</strong>s para o estu<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> gama <strong>de</strong> sistemas STR.<br />
Assim, por exemplo a Perkin-Elmer está a comercializar kits, como o Profiler Plus e o SGM Plus<br />
que permitem o estu<strong>do</strong> da amelogenina (gene homólogo <strong>do</strong> cromossoma X e Y) e <strong>de</strong>,<br />
respectivamente, os seguintes sistemas: D3S1358, VWA, FGA, D8S1179, D21S11, D18S51,<br />
D5S818, D13S317, D7S820 e D3S1358, VWA, D16S539, D2S1338, D8S1179, D21S11, D18S51,<br />
D19S433, TH01, FGA.<br />
Importa sublinhar que, após a reacção <strong>de</strong> PCR, os produtos <strong>de</strong> amplificação têm <strong>de</strong> ser<br />
analisa<strong>do</strong>s, usan<strong>do</strong>-se para esse fim várias meto<strong>do</strong>logias sen<strong>do</strong>, todavia, a mais divulgada e a<br />
que oferece resulta<strong>do</strong>s mais fiáveis a que utiliza sequencia<strong>do</strong>res automáticos, pelas razões<br />
adiante expostas.<br />
Uso <strong>do</strong>s sequencia<strong>do</strong>res automáticos para o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s STRs<br />
A utilização <strong>de</strong> sequencia<strong>do</strong>res automáticos é hoje praticamente imprescindível como tecnologia<br />
associada à PCR, tanto na análise <strong>de</strong> loci STR, como no próprio estu<strong>do</strong> da sua sequência, nos<br />
casos em que, por exemplo, se torna necessário o esclarecimento da presença <strong>de</strong> uma mutação<br />
genética ou, ainda, na análise <strong>do</strong> DNA mitocondrial que pressupõe a sequenciação <strong>de</strong> duas<br />
regiões hipervariáveis (HVI e HVII).<br />
Estes permitem que a informação electroforética se vá armazenan<strong>do</strong> à medida que <strong>de</strong>corre a<br />
migração, graças à utilização <strong>de</strong> um software apropria<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> os alelos <strong>de</strong>tecta<strong>do</strong>s por laser,
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pois os “primers” usa<strong>do</strong>s são marca<strong>do</strong>s com fluorescência. Para além <strong>de</strong> que, paralelamente à<br />
migração das amostras <strong>de</strong> DNA em estu<strong>do</strong>, migram vários padrões externos (“sizer” externo) e<br />
padrões internos adiciona<strong>do</strong>s a todas as mostras a estudar (“sizers” internos). Os referi<strong>do</strong>s<br />
padrões são reconheci<strong>do</strong>s pelo software e servem para construir curvas <strong>de</strong> calibração, eliminan<strong>do</strong><br />
as diferenças <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong>s electroforéticas que po<strong>de</strong>m existir em diferentes “lanes”. Deste<br />
mo<strong>do</strong>, é possível eliminar automaticamente as variações da mobilida<strong>de</strong> electroforética, as quais<br />
podiam conduzir a uma tipagem errada <strong>do</strong>s alelos.<br />
Com um sequencia<strong>do</strong>r é possível a tipagem simultânea <strong>de</strong> vários sistemas, pelo que é necessária<br />
uma quantida<strong>de</strong> inferior <strong>de</strong> DNA mol<strong>de</strong>, o que constitui uma gran<strong>de</strong> vantagem na resolução <strong>de</strong><br />
casos com interesse forense em que se dispõe <strong>de</strong> pequenos vestígios, com quantida<strong>de</strong>s exíguas<br />
<strong>de</strong> DNA.<br />
A Perkin-Elmer possui vários mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> sequencia<strong>do</strong>res automáticos, <strong>do</strong>s quais po<strong>de</strong>mos<br />
<strong>de</strong>stacar o mo<strong>de</strong>lo ABI 310 e o ABI 3100 (electroforese capilar), que possuímos no nosso<br />
laboratório que, para além das vantagens atrás expostas, possibilitam o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> vários<br />
sistemas, <strong>de</strong>signadamente loci STR, em que se verifique a <strong>sobre</strong>posição <strong>do</strong> tamanho <strong>do</strong>s alelos,<br />
porque os distintos primers, para amplificação <strong>de</strong> cada sistema, são marca<strong>do</strong>s com diferentes<br />
fluorocromos, ou seja, com cores diferentes. Estes sequencia<strong>do</strong>res usam a electroforese capilar,<br />
em vez <strong>do</strong>s geis <strong>de</strong> poliacrilamida utiliza<strong>do</strong>s noutros mo<strong>de</strong>los, obvian<strong>do</strong> a preparação e<br />
manipulação <strong>do</strong> gel o que, muitas vezes, representava muito trabalho laboratorial, até porque nem<br />
sempre os geis tinham a qualida<strong>de</strong> requerida para que se obtivesse bons resulta<strong>do</strong>s. A<br />
electroforese capilar, entre <strong>outras</strong> vantagens, possui uma gran<strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> que é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
interesse, especialmente quan<strong>do</strong> a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produto amplifica<strong>do</strong> é exígua.<br />
Por isso, <strong>de</strong> uma maneira geral, o uso <strong>do</strong>s sequencia<strong>do</strong>res apresenta muitas vantagens<br />
relativamente aos processos manuais, <strong>de</strong>signadamente o facto <strong>de</strong> obviar a necessida<strong>de</strong> da<br />
manipulação <strong>do</strong> gel, após a electroforese, para a <strong>de</strong>tecção <strong>do</strong>s produtos <strong>de</strong> PCR, ao contrário <strong>do</strong><br />
que ocorre quan<strong>do</strong> a técnica empregue não é automática, em que é necessária a exposição<br />
autorradiográfica <strong>do</strong> gel ou a coloração com nitrato <strong>de</strong> prata.<br />
Outra vantagem a registar é o facto da análise <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s ser também automatizada, através<br />
da utilização <strong>de</strong> software a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>, permitin<strong>do</strong> armazenar os da<strong>do</strong>s em bases <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, para<br />
posteriores análises estatísticas.<br />
Os sinais <strong>de</strong> fluorescência são conheci<strong>do</strong>s por serem lineares num maior grau <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong>s <strong>do</strong><br />
que as autorradiografias convencionais. Por isso, estes sistemas <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecção são, provavelmente,<br />
mais úteis para a quantificação directa <strong>do</strong>s produtos <strong>de</strong> PCR. Este facto revela-se <strong>de</strong> especial<br />
interesse quan<strong>do</strong> se possui mistura <strong>de</strong> amostras provenientes <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um indivíduo, pois o<br />
tamanho <strong>do</strong>s picos obti<strong>do</strong>s dá uma i<strong>de</strong>ia <strong>do</strong> material celular existente <strong>de</strong> cada indivíduo, por<br />
exemplo, nos casos <strong>de</strong> violação.
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DNA Mitocondrial e Cromossoma Y<br />
A análise <strong>do</strong> DNA mitocondrial e <strong>do</strong> cromossoma Y, permite <strong>de</strong>terminar relações familiares,<br />
quan<strong>do</strong> existe um hiato <strong>de</strong> várias gerações entre um ancestral e <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes vivos. No entanto,<br />
não possuem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> discriminação <strong>do</strong>s sistemas autossómicos, <strong>de</strong>signadamente <strong>do</strong>s loci<br />
STR autossómicos <strong>do</strong> DNA nuclear, para além <strong>de</strong> que é necessária uma maior pon<strong>de</strong>ração na<br />
elaboração das conclusões.<br />
Num futuro próximo, com a criação <strong>de</strong> um número suficiente <strong>de</strong> bases <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, com o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> novas meto<strong>do</strong>logias e, possivelmente, também <strong>de</strong> novas técnicas, bem como<br />
com um perfeito controlo das situações excepcionais, cuja conclusão po<strong>de</strong> levantar algumas<br />
dúvidas <strong>de</strong> interpretação, o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> cromossoma Y e <strong>do</strong> DNA mitocondrial po<strong>de</strong> constituir uma<br />
peça relevante na resolução <strong>de</strong> perícias médico-legais <strong>do</strong> âmbito da Biologia Forense.<br />
Conclusões<br />
Investigação da paternida<strong>de</strong><br />
Prova positiva <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong><br />
Nos casos da prova positiva <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, isto é, quan<strong>do</strong> não se verificar a existência <strong>de</strong><br />
exclusão <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> por nenhum <strong>do</strong>s sistemas estuda<strong>do</strong>s, calcula-se a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
paternida<strong>de</strong>, com base no Teorema <strong>de</strong> Bayes. Este teorema é usa<strong>do</strong> para <strong>de</strong>terminar a<br />
probabilida<strong>de</strong> final <strong>de</strong> um sucesso, <strong>de</strong>duzida a partir das probabilida<strong>de</strong>s iniciais e certa informação<br />
ou informações adicionais.<br />
A fórmula que expressa a probabilida<strong>de</strong> (a posteriori) <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> contém um parâmetro para<br />
po<strong>de</strong>r ser simplificada, que é a probabilida<strong>de</strong> a priori <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>. Assim, se se atribuir a este<br />
valor <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> 0.5, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que o pretenso pai tem tanta probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser o pai<br />
como <strong>de</strong> não ser, surge uma fórmula simplificada:<br />
W=<br />
X<br />
X + Y<br />
Também conhecida por equação <strong>de</strong> Essen-Möller (1938), em que W é a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
paternida<strong>de</strong>, X é a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o pai biológico seja o pretenso pai ou probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
que se verifique a paternida<strong>de</strong> e Y é a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o pai biológico seja um indivíduo<br />
tira<strong>do</strong> ao acaso da população ou probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não paternida<strong>de</strong>.
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Para além <strong>do</strong> valor <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, também são usa<strong>do</strong>s outros parâmetros,<br />
como o índice <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, que é o cociente X Y<br />
e ainda o valor EM (Essen-Möller), que é da<strong>do</strong><br />
pela expressão: log Y/X+10.<br />
Nas conclusões <strong>do</strong>s relatórios <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> em que não se verifique exclusão<br />
<strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> por nenhum <strong>do</strong>s sistemas estuda<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ve ser indica<strong>do</strong> o valor da probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
paternida<strong>de</strong>. Para que esses resulta<strong>do</strong>s sejam facilmente entendíveis por parte <strong>do</strong>s juristas, <strong>de</strong>ve<br />
ser anexada a Tabela <strong>de</strong> Hummel. Nessa tabela para intervalos <strong>de</strong> valores <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
paternida<strong>de</strong> são atribuí<strong>do</strong>s predica<strong>do</strong>s verbais. Actualmente, usa-se a tabela <strong>de</strong> Hummel<br />
modificada em que apenas figuram valores <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> superiores a 99%,<br />
pois com as novas tecnologias empregues é pouco provável não se atingir este valor.<br />
Tabela <strong>de</strong> Hummel modificada<br />
Probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Paternida<strong>de</strong><br />
Predica<strong>do</strong> verbal<br />
W ≥ 99.73%<br />
Paternida<strong>de</strong> praticamente provada<br />
99.73% > W ≥ 99% Paternida<strong>de</strong> extremamente provável<br />
Exclusão <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong><br />
Quan<strong>do</strong> se caracterizam laboratorialmente os diferentes polimorfismos que constituem a prova<br />
pericial, po<strong>de</strong> ocorrer que se encontre exclusão por um sistema, várias exclusões ou nenhuma.<br />
Todavia, nem to<strong>do</strong>s os tipos <strong>de</strong> exclusão têm o mesmo valor.<br />
Assim, classicamente, concluía-se por exclusão <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> houvesse exclusão pelo<br />
menos por <strong>do</strong>is sistemas, sen<strong>do</strong> uma <strong>de</strong>las <strong>de</strong> 1ª or<strong>de</strong>m (directa ou pela 1ª regra <strong>de</strong> Landsteiner).<br />
Os casos mais frequentes <strong>de</strong> exclusão <strong>de</strong> 1ª or<strong>de</strong>m para um da<strong>do</strong> sistema ocorrem, quan<strong>do</strong> o<br />
filho possui um alelo ausente na mãe e no pretenso pai ou quan<strong>do</strong> o pretenso pai é heterozigótico<br />
e o filho não possui nenhum <strong>do</strong>s seus alelos. É para notar que apenas existe exclusão <strong>de</strong> 1ª<br />
or<strong>de</strong>m aparente, quan<strong>do</strong> houver um erro técnico ou quan<strong>do</strong> existir uma mutação, contu<strong>do</strong>, a taxa<br />
<strong>de</strong> mutação geral para a espécie humana é baixa.<br />
Actualmente, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao uso <strong>de</strong> marca<strong>do</strong>res genéticos, concretamente <strong>de</strong> STRs, com taxas <strong>de</strong><br />
mutação relativamente elevadas, as regras, previamente usadas, para se concluir um caso por<br />
exclusão <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem ser suficientemente pon<strong>de</strong>radas e avaliadas caso a caso, sen<strong>do</strong><br />
aconselhável, nalgumas situações, a sequenciação <strong>do</strong>s alelos <strong>do</strong>s sistemas que proporcionam a<br />
exclusão.
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As exclusões <strong>de</strong> 2ª or<strong>de</strong>m (indirectas ou pela 2ª regra <strong>de</strong> Landsteiner) são aquelas em que po<strong>de</strong><br />
existir a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> erro, ou seja, a exclusão aparente <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> para o<br />
sistema em questão existem alelos silenciosos ou que se comportem como tal. O caso mais<br />
frequente <strong>de</strong>ste género <strong>de</strong> exclusões ocorre quan<strong>do</strong> o pretenso pai e o filho são homozigóticos<br />
para alelos diferentes.<br />
Há alguns anos entendia-se que só se podia concluir com certeza os casos <strong>de</strong> exclusão <strong>de</strong><br />
paternida<strong>de</strong>. Hoje, da<strong>do</strong> o avanço da ciência neste campo, consi<strong>de</strong>ra-se que um resulta<strong>do</strong> positivo<br />
<strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vidamente <strong>do</strong>cumenta<strong>do</strong>, é mais seguro <strong>do</strong> que o da exclusão <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong><br />
apenas por <strong>do</strong>is marca<strong>do</strong>res genéticos.<br />
Por outro la<strong>do</strong>, o antigo argumento usa<strong>do</strong> pela <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> que po<strong>de</strong> existir um indivíduo<br />
geneticamente igual ao pretenso pai, tem cada vez menos valor. Pois, um resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
paternida<strong>de</strong> próximo <strong>de</strong> 99.99% pressupõe a utilização <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> sistemas<br />
suficientemente alarga<strong>do</strong>, pelo que na prática, não será possível encontrar um indivíduo<br />
geneticamente igual ao pretenso pai, com excepção <strong>do</strong>s gémeos monozigóticos.<br />
b) CRIMINALÍSTICA BIOLÓGICA<br />
De acor<strong>do</strong> com a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Villanueva Cañadas (1991), “Criminalística é a ciência que estuda<br />
os indícios <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong>s no local <strong>do</strong> <strong>de</strong>lito, graças aos quais se po<strong>de</strong> estabelecer, nos casos mais<br />
favoráveis, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> criminoso e as circunstâncias que concorreram para o referi<strong>do</strong> <strong>de</strong>lito”.<br />
O interesse médico-legal da criminalística resi<strong>de</strong> no facto <strong>de</strong> se procurar vestígios anatómicos,<br />
biológicos ou humorais que permitam estabelecer a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> autor <strong>do</strong> crime. Todavia, os<br />
referi<strong>do</strong>s vestígios encontra<strong>do</strong>s na cena <strong>do</strong> crime são <strong>de</strong> natureza muito diversa e, por isso, para<br />
a sua recolha <strong>de</strong>veriam participar indivíduos especializa<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>signadamente, polícias, médicos,<br />
peritos em balística e impressões digitais e técnicos <strong>do</strong> laboratório on<strong>de</strong> são efectua<strong>do</strong>s os<br />
exames, ou indivíduos com informação suficiente por forma a fazerem a colheita e o<br />
acondicionamento <strong>do</strong>s vestígios nas melhores condições.<br />
É para notar, que o êxito <strong>do</strong> trabalho laboratorial <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da forma como os vestígios foram<br />
recolhi<strong>do</strong>s, acondiciona<strong>do</strong>s e envia<strong>do</strong>s. É também <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância a selecção a<strong>de</strong>quada<br />
das amostras a estudar, pois não raras vezes é recebi<strong>do</strong> material que não tem qualquer interesse<br />
médico-legal e que o perito tem que analisar, constituin<strong>do</strong> este tipo <strong>de</strong> exames uma mera perda<br />
<strong>de</strong> tempo.<br />
Para a análise <strong>do</strong> DNA é necessário qualquer tipo <strong>de</strong> mancha ou produto que contenha material<br />
genético. Este material genético ou DNA encontra-se em todas as células nucleadas <strong>do</strong><br />
organismo e possui características importantes para a sua aplicação em <strong>estu<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação,<br />
já que o DNA é único para cada indivíduo, e é idêntico em todas as suas células. Ou seja,
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estudan<strong>do</strong> qualquer vestígio biológico po<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificar o indivíduo ao qual esse vestígio<br />
pertence.<br />
Os vestígios encontra<strong>do</strong>s com mais frequência, com interesse médico-legal, são as manchas <strong>de</strong><br />
sangue e sémen.<br />
Natureza <strong>do</strong>s vestígios biológicos<br />
Manchas <strong>de</strong> sangue<br />
O sangue é o tipo <strong>de</strong> amostra mais frequentemente analisada, tanto no esta<strong>do</strong> liquí<strong>do</strong> como em<br />
mancha seca. O DNA é extraí<strong>do</strong> <strong>do</strong>s leucócitos <strong>do</strong> sangue, uma vez que os eritrócitos são células<br />
anucleadas. Esta extracção é efectuada mediante diferentes protocolos, sen<strong>do</strong> os mais usa<strong>do</strong>s os<br />
que utilizam o fenol-clorofórmio (Smith e col., 1990) ou o Chelex (Singer-Sam e col., 1989).<br />
Aquelas manchas po<strong>de</strong>m encontrar-se em suportes porosos e absorventes existentes na cena <strong>do</strong><br />
crime, como sofás, tapetes, alcatifas e mesmo na roupa da vítima ou <strong>do</strong> autor <strong>do</strong> crime; ou em<br />
suportes não porosos como, por exemplo, diferentes tipos <strong>de</strong> revestimentos <strong>de</strong> chão ou pare<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> residências, vidros ou cerâmicas.<br />
Sémen<br />
O sémen (suspensão <strong>de</strong> espermatozói<strong>de</strong>s no líqui<strong>do</strong> seminal), é a seguir ao sangue o vestígio<br />
mais estuda<strong>do</strong>, o que se <strong>de</strong>ve ao facto <strong>de</strong> haver muitos casos <strong>de</strong> suspeita <strong>de</strong> agressão sexual<br />
regista<strong>do</strong>s na casuística da Delegação <strong>do</strong> Porto <strong>do</strong> Instituto Nacional <strong>de</strong> Medicina Legal.<br />
O DNA a analisar é extraí<strong>do</strong> <strong>do</strong>s espermatozói<strong>de</strong>s. Por isso, é conveniente efectuar, em primeiro<br />
lugar, uma confirmação microscópica da sua existência na amostra a estudar. É, também, prática<br />
corrente efectuar o teste ou reacção da Brentamina (<strong>de</strong>terminação da activida<strong>de</strong> da fosfatase<br />
ácida), cuja reacção positiva (presença <strong>de</strong> células seminais, mesmo na ausência <strong>de</strong><br />
espermatozói<strong>de</strong>s) se traduz no aparecimento <strong>de</strong> uma coloração púrpura, numa mancha que se<br />
suspeita ser <strong>de</strong> sémen, <strong>de</strong>pois da aplicação <strong>do</strong> reagente. Por vezes, o resulta<strong>do</strong> é duvi<strong>do</strong>so, por<br />
se tratar <strong>de</strong> uma reacção colorimétrica e, nalguns casos, <strong>de</strong> difícil interpretação <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à cor <strong>do</strong><br />
próprio teci<strong>do</strong> on<strong>de</strong> a reacção é efectuada.<br />
Depois da extracção <strong>do</strong> DNA <strong>do</strong> vestígio biológico ou <strong>do</strong>s exsudatos vaginais ou anais, proce<strong>de</strong>se<br />
ao estu<strong>do</strong> da amelogenina. A amplificação <strong>do</strong> gene homólogo da amelogenina X-Y, permite<br />
concluir que quan<strong>do</strong> estão presentes células masculinas aparecem duas bandas, uma com 212<br />
pb, específica <strong>do</strong> cromossoma X e outra com 218 pb, característica <strong>do</strong> cromossoma Y (os<br />
tamanhos em pares <strong>de</strong> bases <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s primers usa<strong>do</strong>s).<br />
Na gran<strong>de</strong> maioria <strong>do</strong>s casos estuda<strong>do</strong>s, a amostra presente para exame é o exsudato vaginal da<br />
queixosa, que é colhi<strong>do</strong> aquan<strong>do</strong> <strong>do</strong> exame efectua<strong>do</strong> no Serviço <strong>de</strong> Clínica Médico-Legal. No<br />
entanto, também po<strong>de</strong> haver sémen em peças <strong>de</strong> vestuário da vítima ou <strong>do</strong> agressor ou, ainda, no<br />
local on<strong>de</strong> ocorreu a violação, tanto em suportes porosos como não porosos.
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O facto das amostras <strong>de</strong> sémen po<strong>de</strong>rem estar misturadas com outro tipo <strong>de</strong> produtos biológicos<br />
da vítima ou <strong>de</strong> haver mistura <strong>de</strong> sémen <strong>de</strong> <strong>do</strong>is ou mais indivíduos, não constitui problema para a<br />
resolução <strong>do</strong>s casos. Actualmente, há meto<strong>do</strong>logias que permitem a separação eficiente <strong>do</strong> DNA<br />
<strong>do</strong>s espermatozói<strong>de</strong>s <strong>do</strong> DNA das células <strong>do</strong> epitélio vaginal da violada e, no caso <strong>de</strong> mistura <strong>de</strong><br />
sémen <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um indivíduo, a análise <strong>de</strong> DNA possibilita a <strong>de</strong>tecção e i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong>s<br />
indivíduos.<br />
Outros vestígios<br />
Os pêlos são outro tipo <strong>de</strong> vestígio biológico frequentemente analisa<strong>do</strong>. Estes po<strong>de</strong>m aparecer em<br />
peças <strong>de</strong> vestuário, nas mãos da vítima, ou ainda na cena <strong>do</strong> crime e <strong>de</strong>vem ser recolhi<strong>do</strong>s e<br />
acondiciona<strong>do</strong>s com precaução, pois po<strong>de</strong>m ser provenientes <strong>de</strong> pessoas distintas.<br />
O DNA <strong>do</strong>s pêlos está particularmente concentra<strong>do</strong> na raiz, pelo que os arranca<strong>do</strong>s dão melhores<br />
resulta<strong>do</strong>s, pois, na generalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s casos, possuem células <strong>do</strong> folículo piloso, o que permite<br />
obter DNA em maior quantida<strong>de</strong>. Em condições i<strong>de</strong>ais po<strong>de</strong>-se conseguir até 0.5 µg <strong>de</strong> DNA <strong>de</strong><br />
um só pêlo, sen<strong>do</strong> a quantida<strong>de</strong> normalmente conseguida <strong>de</strong> 200 ng em cabelos recentemente<br />
arranca<strong>do</strong>s e cerca <strong>de</strong> 10 ng em cabelos caí<strong>do</strong>s. É para notar, que a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> DNA existente<br />
na raiz <strong>de</strong> um pêlo, varia <strong>de</strong> pessoa para pessoa e na mesma pessoa é também variável<br />
consoante o local da sua proveniência (cabeça, barba, púbis, etc.).<br />
Aquan<strong>do</strong> da realização da extracção <strong>do</strong> DNA <strong>de</strong> pêlos <strong>de</strong>ve-se ter em consi<strong>de</strong>ração o facto da<br />
existência <strong>de</strong> melanina na sua composição. Esta constitui um factor inibi<strong>do</strong>r da amplificação, pelo<br />
que se <strong>de</strong>ve, preferencialmente, usar apenas as raízes.<br />
Os pêlos são maioritariamente constituí<strong>do</strong>s por queratina (proteína), pequenas quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
metais, ar e pigmento, a melanina. Esta é um potente inibi<strong>do</strong>r da amplificação (PCR). Por isso,<br />
quan<strong>do</strong> se estuda o DNA nuclear <strong>de</strong> hastes <strong>de</strong> pêlos ou mesmo <strong>de</strong> raízes <strong>de</strong> pêlos que caíram<br />
espontaneamente, sem teci<strong>do</strong>s <strong>do</strong> folículo piloso, os resulta<strong>do</strong>s, geralmente, não são conclusivos.<br />
Acresce ainda, a possibilida<strong>de</strong> da existência <strong>de</strong> factores que possam impedir uma eficaz<br />
extracção <strong>do</strong> DNA, como os tratamentos químicos, resistentes aos méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> digestão<br />
enzimática que usam ditiotreitol, proteinase K, <strong>de</strong>tergentes e o aquecimento para dissolver o pêlo.<br />
A saliva e a urina não contêm células na sua constituição, mas, por transportarem células<br />
epiteliais, respectivamente da cavida<strong>de</strong> bucal e das vias urinárias, possuem DNA. As amostras<br />
que tenham saliva, como filtros <strong>de</strong> cigarros fuma<strong>do</strong>s, garrafas ou latas <strong>de</strong> refresco e ainda selos<br />
ou envelopes, são susceptíveis <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar o autor <strong>do</strong> crime. As mais frequentes são as pontas<br />
<strong>de</strong> cigarros que, não raras vezes, aparecem no local <strong>do</strong> crime.<br />
A urina possui bactérias e outros agentes contaminantes que dificultam a obtenção <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s.<br />
Relativamente às fezes os resulta<strong>do</strong>s são ainda mais escassos, porque, na gran<strong>de</strong> maioria das<br />
vezes, não possuem material genético, susceptível <strong>de</strong> ser analisa<strong>do</strong> e têm na sua composição<br />
elementos que impe<strong>de</strong>m o êxito <strong>do</strong> estu<strong>do</strong>.
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A i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> restos cadavéricos através <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> material genético <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>do</strong> esta<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> preservação o qual, varia com o tempo <strong>de</strong>corri<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a morte e <strong>de</strong> outros factores<br />
ambientais, sen<strong>do</strong> os mais adversos a humida<strong>de</strong> e a temperatura. Se estes restos forem<br />
encontra<strong>do</strong>s submersos a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se conseguir bons resulta<strong>do</strong>s é remota, uma vez que o<br />
esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação é muito maior.<br />
Como na maioria <strong>do</strong>s casos não se dispõe <strong>de</strong> sangue, o material que se estuda é músculo ou<br />
osso, mesmo que tenha <strong>de</strong>corri<strong>do</strong> bastante tempo após a morte.<br />
Como restos postmortem também se po<strong>de</strong>m estudar os <strong>de</strong>ntes (polpa <strong>de</strong>ntária), que representam<br />
elementos importantes na i<strong>de</strong>ntificação genética em casos <strong>de</strong> incêndio em que as partes <strong>do</strong><br />
organismos mais preservadas são as peças <strong>de</strong>ntárias, em locais on<strong>de</strong> ocorreram gran<strong>de</strong>s<br />
catástrofes em que exista um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> mortos e ainda em casos <strong>de</strong> afogamento.<br />
Os restos cadavéricos disponíveis, quan<strong>do</strong> a morte tiver ocorri<strong>do</strong> há bastante tempo<br />
(normalmente mais <strong>de</strong> 5 anos), são os ossos, uma vez que os teci<strong>do</strong>s moles já <strong>de</strong>sapareceram e<br />
os <strong>de</strong>ntes e os cabelos, se ainda existirem, possuem quantida<strong>de</strong>s exíguas e <strong>de</strong>gradadas <strong>de</strong> DNA.<br />
O material fetal é usa<strong>do</strong>, na maioria <strong>do</strong>s casos, no esclarecimento <strong>de</strong> casos <strong>de</strong> investigação<br />
biológica <strong>de</strong> maternida<strong>de</strong> em que há suspeita <strong>do</strong> feto ter si<strong>do</strong> aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> pela mãe ou quan<strong>do</strong> a<br />
gravi<strong>de</strong>z tiver resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> violação, se tiver si<strong>do</strong> feita a interrupção da mesma (Artigo 42º <strong>do</strong><br />
Código Penal).<br />
As amostras proce<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> teci<strong>do</strong>s fetais contêm quantida<strong>de</strong>s apreciáveis <strong>de</strong> DNA, susceptíveis<br />
<strong>de</strong> serem analisadas. Estas <strong>de</strong>vem ser rapidamente congeladas, para evitar a sua <strong>de</strong>gradação.<br />
Não se <strong>de</strong>vem adicionar conservantes, como álcool ou formol, pois estes produtos alteram <strong>de</strong><br />
uma forma irreversível os componentes celulares.<br />
Colheita e armazenagem <strong>de</strong> amostras biológicas<br />
Degradação<br />
A <strong>de</strong>gradação <strong>do</strong> DNA po<strong>de</strong> partir o DNA em fragmentos mais pequenos, sen<strong>do</strong> os principais<br />
factores que a provocam, o tempo, a temperatura, a humida<strong>de</strong>, a luz (solar e raios UV). A<br />
<strong>de</strong>gradação pressupõe a não obtenção <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s e nunca o aparecimento <strong>de</strong> um genótipo<br />
distinto daquele que correspon<strong>de</strong>ria à amostra.<br />
O DNA é muito mais estável <strong>do</strong> que os marca<strong>do</strong>res genéticos convencionais, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se manter<br />
estável durante muitos anos e, por isso, em condições <strong>de</strong> ser estuda<strong>do</strong> e <strong>de</strong> proporcionar bons<br />
resulta<strong>do</strong>s, especialmente usan<strong>do</strong> a técnica <strong>de</strong> PCR.<br />
Algumas vezes a <strong>de</strong>gradação em vez <strong>de</strong> impedir a obtenção <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s po<strong>de</strong> ocasionar a<br />
visualização <strong>de</strong> um único alelo em vez <strong>de</strong> <strong>do</strong>is, sen<strong>do</strong> mais frequente que <strong>de</strong>sapareça o alelo <strong>de</strong><br />
maior dimensões. Por isso, quan<strong>do</strong> se analisam vestígios com uma certa antiguida<strong>de</strong> e se obtém
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homozigotia para alguns sistemas <strong>de</strong>ve-se ter cuida<strong>do</strong> na utilização <strong>de</strong>sses resulta<strong>do</strong>s, pois<br />
po<strong>de</strong>m ser heterozigóticos.<br />
Para se evitar a <strong>de</strong>gradação <strong>de</strong>ve-se promover a secagem completa <strong>do</strong> vestígio antes <strong>do</strong> seu<br />
acondicionamento (colocar em embalagens próprias - envelopes, pequenos sacos <strong>de</strong> papel <strong>de</strong><br />
celofane, etc.) e armazenagem, que <strong>de</strong>ve ser efectuada a baixas temperaturas.<br />
Contaminação<br />
Deve ser evitada qualquer tipo <strong>de</strong> contaminação que interfira na análise, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> ser preservada<br />
a integrida<strong>de</strong> biológica da amostra. Uma das exigências a ter sempre presente pelo perito, entre<br />
<strong>outras</strong>, é o uso <strong>de</strong> luvas <strong>de</strong>scartáveis.<br />
Po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>finir vários tipos <strong>de</strong> contaminação:<br />
• Contaminação química - produz resulta<strong>do</strong>s inconclusivos ou ausência <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s.<br />
• Contaminação provocada por microrganismos (bactérias e fungos) - normalmente não<br />
interfere na interpretação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s finais. Por exemplo, o sangue e o sémen encontra<strong>do</strong>s<br />
nos locais <strong>do</strong> crime, constituem um bom meio para o crescimento <strong>de</strong> bactérias e fungos, que<br />
po<strong>de</strong>m levar à <strong>de</strong>gradação <strong>do</strong> DNA humano. Quan<strong>do</strong> o DNA se encontra <strong>de</strong>grada<strong>do</strong> e o<br />
resulta<strong>do</strong> for inconclusivo, será preferível consi<strong>de</strong>rá-lo como tal.<br />
• Contaminação por outro DNA humano - Este é o tipo <strong>de</strong> contaminação mais importante, que<br />
po<strong>de</strong> ocorrer durante ou <strong>de</strong>pois da colheita das amostras.<br />
É importante saber distinguir “mistura <strong>de</strong> amostras” e “amostra contaminada”. A primeira é uma<br />
amostra que contém DNA <strong>de</strong> mais <strong>do</strong> que um indivíduo, em que a mistura ocorreu antes ou<br />
durante a prática <strong>do</strong> crime. A segunda, é aquela em que o material contaminante foi <strong>de</strong>posita<strong>do</strong><br />
durante a colheita da amostra, acondicionamento, manuseamento, armazenagem, ou análise.<br />
Usan<strong>do</strong> a técnica <strong>de</strong> PCR, provavelmente serão <strong>de</strong>tectadas pequenas quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> amostra<br />
contaminante e, por isso, o problema ficará ultrapassa<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se inclusivamente i<strong>de</strong>ntificála.<br />
Devem ser tomadas todas as precauções para evitar a contaminação, se bem que a<br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> células contaminantes é, muitas vezes, relativamente pequena, por conseguinte,<br />
não afectará o resulta<strong>do</strong> da análise, a não ser que o vestígio a estudar tenha uma quantida<strong>de</strong><br />
muito exígua <strong>de</strong> DNA e o DNA contaminante esteja em muito maior quantida<strong>de</strong>. De qualquer<br />
mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>vem ser seguidas todas as normas aconselhadas.<br />
• Contaminação por <strong>outras</strong> amostras - Este tipo <strong>de</strong> contaminação po<strong>de</strong> ocorrer <strong>de</strong>pois da<br />
secagem e armazenagem, quan<strong>do</strong> o perito manuseia as amostras. Por isso, as boas normas<br />
<strong>de</strong> conducta laboratorial e o treino são fundamentais para evitar estas situações.<br />
Colheita <strong>de</strong> vestígios
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• Vestígios transportáveis - colheita directa <strong>do</strong>s vestígios.<br />
• Vestígios não transportáveis - remoção <strong>do</strong> vestígio para um suporte on<strong>de</strong> seja possível<br />
realizar a extracção <strong>do</strong> DNA. Normalmente usa-se pano branco, lava<strong>do</strong>, ligeiramente<br />
hume<strong>de</strong>ci<strong>do</strong> com água pura (MQ).<br />
Teoricamente, quan<strong>do</strong> o vestígio é transportável não se põe tanto o problema da contaminação e<br />
perda <strong>de</strong> material biológico, porquanto o vestígio é leva<strong>do</strong> directamente para o laboratório sem o<br />
sujeitar a qualquer tipo <strong>de</strong> operação.<br />
Quan<strong>do</strong> se colhem evidências <strong>de</strong>ve também colher-se uma pequena quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte,<br />
adjacente às manchas, que irá funcionar como controlo negativo.<br />
Preservação das amostras<br />
Uma vez colhida a amostra <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>ixar-se secar ao ar e acondicioná-la na ausência da<br />
humida<strong>de</strong>, para que mantenha as suas características. Posteriormente, <strong>de</strong>ve ser armazenada a<br />
baixas temperatura, evitan<strong>do</strong>-se as flutuações <strong>de</strong> temperatura e humida<strong>de</strong>.<br />
Avaliação da amostra<br />
Devem ser efectua<strong>do</strong>s testes no senti<strong>do</strong> da confirmação da natureza da amostra. Se se tratar <strong>de</strong><br />
uma amostra biológica po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>terminar a quantida<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> DNA extraí<strong>do</strong>, para<br />
posteriormente se <strong>de</strong>finir a estratégia a seguir para o seu estu<strong>do</strong>. Alguns laboratórios, preferem<br />
efectuar um controlo da qualida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>terminação aproximada da quantida<strong>de</strong>, nos produtos<br />
amplifica<strong>do</strong>s, utilizan<strong>do</strong> para tal um gel <strong>de</strong> comprovação.<br />
Actualmente, a maioria <strong>do</strong>s laboratórios apenas efectuam técnicas <strong>de</strong> PCR, ao contrário <strong>de</strong> há<br />
alguns anos em que se usava o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> DNA via RFLP, técnica que exigia entre <strong>outras</strong><br />
condições DNA <strong>de</strong> alto peso molecular (HMW), ou seja, fragmentos <strong>de</strong> tamanhos entre 20 000 -<br />
25 000 pb e em quantida<strong>de</strong> suficiente (10ng - 50ng).<br />
Em muitas situações isto não é possível, particularmente quan<strong>do</strong> se realiza o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> vestígios<br />
biológicos antigos.<br />
A sensibilida<strong>de</strong> da PCR permite a análise <strong>de</strong> fragmentos com apenas algumas centenas <strong>de</strong> pares<br />
<strong>de</strong> bases (pb) e em pequena quantida<strong>de</strong> (0.2ng - 0.5ng). Nos casos <strong>de</strong> violação aquele número <strong>de</strong><br />
fragmentos po<strong>de</strong> equivaler a escassas centenas <strong>de</strong> espermatozói<strong>de</strong>s ou a uma pequena mancha<br />
<strong>do</strong> tamanho <strong>de</strong> uma cabeça <strong>de</strong> alfinete.<br />
É <strong>de</strong> realçar, que a colheita e preservação das amostras apresentam um papel <strong>de</strong>terminante no<br />
sucesso da análise <strong>de</strong> DNA, como já foi referi<strong>do</strong>.<br />
Bases <strong>de</strong> Da<strong>do</strong>s Genéticos
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É tão importante dispor <strong>de</strong> vestígios biológicos em casos <strong>de</strong> crimes, como <strong>de</strong> células <strong>do</strong> suspeito.<br />
Por isso, tem si<strong>do</strong> objecto <strong>de</strong> aceso <strong>de</strong>bate, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> aos aspectos legais e éticos subjacentes, a<br />
existência <strong>de</strong> bases <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s nacionais <strong>de</strong> indivíduos suspeitos ou acusa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> terem pratica<strong>do</strong><br />
crimes (furtos ou crimes mais graves) e <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong>sses da<strong>do</strong>s. Sen<strong>do</strong> também<br />
amplamente discuti<strong>do</strong> o problema <strong>do</strong> consentimento por parte <strong>do</strong>s suspeitos, na obtenção das<br />
amostras para comparação.<br />
A opinião geral europeia é que apenas façam parte das referidas bases os indivíduos acusa<strong>do</strong>s<br />
<strong>de</strong> terem cometi<strong>do</strong> crimes graves. Quanto ao seu perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> conservação, não existe<br />
uniformida<strong>de</strong> <strong>de</strong> opiniões.<br />
As bases <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s genéticos <strong>de</strong>vem ser efectuadas em conformida<strong>de</strong> com padrões <strong>de</strong> protecção<br />
<strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o estipula<strong>do</strong> na Convenção Europeia <strong>de</strong> Protecção <strong>de</strong> Da<strong>do</strong>s, em<br />
particular na Recomendação NºR (87) e na nossa Lei <strong>de</strong> Protecção <strong>de</strong> Da<strong>do</strong>s Pessoais (Lei nº<br />
67/98).<br />
Quan<strong>do</strong> são colhidas amostras biológicas a um indivíduo, tem <strong>de</strong> se partir <strong>do</strong> princípio que estas<br />
possuem uma consi<strong>de</strong>rável informação genética, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> proporcionar o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> genes<br />
relaciona<strong>do</strong>s com <strong>de</strong>terminadas <strong>do</strong>enças genéticas.<br />
Há autores que referem que o diagnóstico <strong>de</strong>ssas <strong>do</strong>enças po<strong>de</strong>rá ser susceptível <strong>de</strong> ser usa<strong>do</strong>,<br />
por exemplo, por empresas que face à competitivida<strong>de</strong> económica existente, preten<strong>de</strong>ssem<br />
afastar funcionários que futuramente po<strong>de</strong>riam apresentar elevadas taxas <strong>de</strong> absentismo e ainda<br />
consi<strong>de</strong>ráveis custos médicos. É ainda referida a possibilida<strong>de</strong> da utilização daquelas amostras na<br />
<strong>de</strong>terminação genética da predisposição para o consumo exagera<strong>do</strong> <strong>de</strong> álcool ou para a<br />
homossexualida<strong>de</strong>, particularida<strong>de</strong>s que po<strong>de</strong>riam levar à marginalização <strong>do</strong>s indivíduos.<br />
É <strong>de</strong> sublinhar que a parte <strong>do</strong> genoma que tem maior interesse médico-legal, como será<br />
posteriormente aborda<strong>do</strong> mais <strong>de</strong>talhadamente, é o DNA não codificante e que, por isso, não está<br />
relacionada com os cita<strong>do</strong>s genes responsáveis por <strong>do</strong>enças genéticas. No entanto, recentemente<br />
foi levantada a possibilida<strong>de</strong> da associação da <strong>do</strong>ença maníaco-<strong>de</strong>pressiva com o STR<br />
HUMTH01, marca<strong>do</strong>r amplamente usa<strong>do</strong> nos laboratórios <strong>de</strong> Biologia Forense. A ser confirmada<br />
esta hipótese, este sistema po<strong>de</strong>rá ser retira<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho laboratorial <strong>de</strong> rotina.<br />
Po<strong>de</strong>m-se consi<strong>de</strong>rar os seguintes tipos <strong>de</strong> bases <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s:<br />
• Interesse Criminal<br />
• I<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapareci<strong>do</strong>s<br />
• Populacionais anónimas (fins estatísticos)<br />
• Passivas (armazenamento <strong>de</strong> amostras biológicas).
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Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />
As bases <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s genéticos com interesse criminal estão a ser objecto <strong>de</strong> discussão na União<br />
Europeia (EU). Os laboratórios que levem a cabo a sua criação, <strong>de</strong>vem obe<strong>de</strong>cer a alguns<br />
critérios, <strong>de</strong>signadamente implementar normas <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, por forma a minimizar a<br />
possibilida<strong>de</strong> da existência <strong>de</strong> erros técnicos, bem como in<strong>de</strong>pendência, confi<strong>de</strong>ncialida<strong>de</strong> e<br />
respeito pela intimida<strong>de</strong> e privacida<strong>de</strong>.<br />
No Reino Uni<strong>do</strong>, existe legislação bastante permissiva quanto à constituição <strong>de</strong> bases <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s<br />
genéticos e à recolha <strong>de</strong> amostras biológicas a indivíduos implica<strong>do</strong>s em crimes, mesmo não<br />
violentos. Este procedimento surgiu na sequência da análise <strong>de</strong> amplas estatísticas<br />
<strong>de</strong>monstrativas <strong>de</strong> que a gran<strong>de</strong> maioria <strong>do</strong>s indivíduos que cometeram crimes graves tinham<br />
pratica<strong>do</strong>, anteriormente, ofensas menores. Por isso, um <strong>do</strong>s objectivos da criação <strong>de</strong> bases <strong>de</strong><br />
da<strong>do</strong>s assentou no seu po<strong>de</strong>r dissuasivo, uma vez que um potencial viola<strong>do</strong>r reinci<strong>de</strong>nte saben<strong>do</strong><br />
que o seu perfil genético ficava regista<strong>do</strong>, aquan<strong>do</strong> da primeira violação, <strong>de</strong>sistiria da prática <strong>de</strong><br />
mais crimes.<br />
Em relação à colheita <strong>de</strong> amostras a indivíduos suspeitos, a legislação inglesa apenas consi<strong>de</strong>ra<br />
“amostras íntimas” as amostras cuja colheita é susceptível <strong>de</strong> violar a integrida<strong>de</strong> física <strong>de</strong> um<br />
indivíduo, como o sangue; os exsudatos bucais (zaragatoas) e as raízes <strong>de</strong> cabelos são<br />
consi<strong>de</strong>radas “não íntimas” e, por isso, po<strong>de</strong>m ser colhidas sem permissão e, se for necessário,<br />
utilizan<strong>do</strong> a força.<br />
Relativamente às bases <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, no Reino Uni<strong>do</strong>, o Forensic Science Service (FSS)<br />
<strong>de</strong>senvolveu e pôs em funcionamento o “National DNA Database” que analisa amostras <strong>de</strong><br />
indivíduos suspeitos <strong>de</strong> terem cometi<strong>do</strong> crimes e amostras colhidas em cenas <strong>do</strong> crime. O<br />
objectivo <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> laboratório é possuir 5 milhões <strong>de</strong> perfis <strong>de</strong> DNA, numa população total <strong>de</strong> 60<br />
milhões, ten<strong>do</strong> vin<strong>do</strong> a estudar 135 000 amostras por ano. É, no entanto, <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar que possui<br />
um staff científico constituí<strong>do</strong> por mais <strong>de</strong> uma centena <strong>de</strong> peritos e vários sequencia<strong>do</strong>res<br />
automáticos (mais <strong>de</strong> <strong>do</strong>ze), para além <strong>de</strong> instalações a<strong>de</strong>quadas, que lhe permite ultrapassar,<br />
sem problemas, auditorias externas a que são submeti<strong>do</strong>s pelo serviço <strong>de</strong> acreditação <strong>do</strong> país.<br />
Nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s existe uma base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s <strong>de</strong>signada CODIS (Combined DNA In<strong>de</strong>x<br />
System), na qual estão integradas: a <strong>de</strong> interesse criminal, a <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapareci<strong>do</strong>s e a <strong>de</strong> interesse<br />
estatístico. Neste sistema participam 100 laboratórios, cada um <strong>do</strong>s quais gere os seus próprios<br />
da<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>claran<strong>do</strong>-os a uma central. Esta base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s obe<strong>de</strong>ce a medidas estritas <strong>de</strong><br />
segurança e protecção, o que assegura a sua eficácia.<br />
Relatório pericial em Criminalística<br />
A resolução <strong>do</strong>s casos médico-legais <strong>do</strong> âmbito da criminalística implica, na maior parte <strong>do</strong>s<br />
casos, o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> vestígios biológicos e a comparação das suas características genéticas com<br />
as da vítima e suspeito ou suspeitos.
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Tradicionalmente, aquelas perícias realizavam-se mediante o estu<strong>do</strong> exclusivo <strong>de</strong> marca<strong>do</strong>res<br />
genéticos convencionais. Todavia, visto que a maior parte <strong>de</strong>stes marca<strong>do</strong>res são proteínas que<br />
proporcionam, neste campo, informação reduzida por possuírem uma escassa variação (baixo<br />
polimorfismo) e porque se <strong>de</strong>gradam rapidamente, é preferível o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s polimorfismos <strong>de</strong><br />
DNA.<br />
A conclusão <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> perícia médico-legal é muito mais complexa <strong>do</strong> que os casos <strong>de</strong><br />
investigação <strong>de</strong> filiação, porquanto nestes últimos o perito colhe quantida<strong>de</strong> suficiente <strong>de</strong> sangue<br />
aos intervenientes para a realização <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> e as amostras são preservadas nas condições<br />
i<strong>de</strong>ais (arca congela<strong>do</strong>ra a -20ºC ou a temperaturas inferiores). Por outro la<strong>do</strong>, os vestígios<br />
recebi<strong>do</strong>s para a resolução <strong>de</strong> casos liga<strong>do</strong>s à criminalística são <strong>de</strong> diferentes origens (manchas<br />
<strong>de</strong> sangue, esperma, pêlos etc.), para além <strong>de</strong> que as suas quantida<strong>de</strong>s são exíguas e o seu<br />
esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> conservação é <strong>de</strong>ficiente, na maior parte <strong>do</strong>s casos.<br />
Dadas as características <strong>do</strong>s vestígios anteriormente mencionadas, o perito necessita <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolver diferentes protocolos <strong>de</strong> extracção <strong>do</strong> DNA, conforme o produto a analisar e o seu<br />
esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> conservação. Não raras vezes, tem também <strong>de</strong> lançar mão <strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s que lhe<br />
permitam fazer a concentração e purificação das amostras <strong>de</strong> DNA, após a extracção.<br />
Nos casos <strong>de</strong> violação em que são colhi<strong>do</strong>s exsudatos vaginais, em que há mistura com o sémen<br />
<strong>do</strong> viola<strong>do</strong>r, têm si<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvidas técnicas no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> possibilitar a separação das células<br />
espermáticas das células vaginais.<br />
Nas perícias relativas à i<strong>de</strong>ntificação individual, em restos cadavéricos antigos, têm si<strong>do</strong><br />
introduzidas técnicas <strong>de</strong> extracção e purificação complexas. Com este tipo <strong>de</strong> material têm <strong>de</strong> ser<br />
tomadas com mais acuida<strong>de</strong> todas as precauções sugeridas aos laboratórios que fazem PCR,<br />
para evitar a contaminação.<br />
O relatório neste género <strong>de</strong> perícia <strong>de</strong>ve ser exaustivo, referin<strong>do</strong> e <strong>de</strong>screven<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o material<br />
recebi<strong>do</strong>, técnicas usadas na extracção <strong>do</strong> DNA, méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> tipagem e resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s. As<br />
conclusões <strong>de</strong>vem incluir as comparações das características genéticas <strong>do</strong>s vestígios com as<br />
mesmas características <strong>do</strong> sangue <strong>do</strong> suspeito ou suspeitos e vítima, para além <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r incluir a<br />
valorização da prova em termos <strong>de</strong> “likelihood ratio” (razão bayesiana <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>s) ou<br />
probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concordância. A valorização da prova pressupõe que haja coincidência entre os<br />
genótipos <strong>do</strong> vestígio e os <strong>do</strong> suspeito.
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />
Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />
3<br />
PERÍCIAS EM PSIQUIATRIA FORENSE<br />
Teresa Magalhães<br />
A Psiquiatria Forense engloba casos no âmbito <strong>do</strong> Direito Penal mas também <strong>do</strong> Direito Civil, <strong>do</strong><br />
Direito <strong>do</strong> Trabalho, <strong>do</strong> Direito Militar e <strong>do</strong> Estatuto Disciplinar <strong>do</strong>s Funcionários e Agentes da<br />
Administração Central, Regional e Local.<br />
Trata-se <strong>de</strong> uma “ciência auxiliar <strong>do</strong> direito que estabelece e <strong>de</strong>fine os elementos<br />
necessários ao fundamento da opinião médica que informa o juiz a respeito da aplicação<br />
da lei aos porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças e anomalias mentais” (Pedro Polónia). Constitui uma<br />
activida<strong>de</strong> conjugada <strong>do</strong> direito e da psiquiatria, com a contribuição da sociologia, da<br />
criminologia/vitimologia, da antropologia, da psicologia e da medicina legal.<br />
O relatório <strong>de</strong> psiquiatria forense, tal como os restantes relatório médico-legais <strong>de</strong>ve conter<br />
da<strong>do</strong>s objectivos, bem sistematiza<strong>do</strong>s, numa linguagem simples, acessível a não técnicos <strong>de</strong><br />
saú<strong>de</strong> mental, <strong>de</strong>finin<strong>do</strong> os conceitos a que recorre e apresentan<strong>do</strong> conclusões bem<br />
fundamentadas. Em casos complexos <strong>de</strong> perícias, por mutismo, negativismo ou aparente<br />
simulação <strong>de</strong> argui<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>rá ser necessário recorrer à observação <strong>do</strong> comportamento no seu<br />
meio e a informações <strong>de</strong> terceiros (familiares, amigos, vizinhos, etc.).<br />
No âmbito <strong>do</strong> direito penal a perícia <strong>de</strong>stina-se, na maior parte <strong>do</strong>s casos, à <strong>de</strong>terminação da:<br />
a) perigosida<strong>de</strong>: “tendência para a perpetração <strong>de</strong> actos <strong>de</strong> violência”; está relacionada com<br />
“violência, repetição, premeditação, impulsão” (Mário Taborda). O perito <strong>de</strong>ve prever o<br />
comportamento pós-<strong>de</strong>litual para o mesmo tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito ou outro. Mário Taborda consi<strong>de</strong>ra<br />
que o esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> perigosida<strong>de</strong> não é uma “energética cega, que emane apenas da<br />
personalida<strong>de</strong> ou das brumas da psicose”, mas é também um factor social, significan<strong>do</strong> o acto<br />
perigoso uma tentativa <strong>de</strong> nova comunicação com o grupo, através <strong>de</strong> uma linguagem<br />
peculiar.<br />
b) capacida<strong>de</strong> para se auto-<strong>de</strong>terminar <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a sua vonta<strong>de</strong> (para o contexto <strong>do</strong>s factos<br />
<strong>de</strong> que o examina<strong>do</strong> é acusa<strong>do</strong>, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> disso a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> culpa), o que implica<br />
integrida<strong>de</strong> da tría<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>-inteligência-vonta<strong>de</strong>; esta capacida<strong>de</strong> permite-nos <strong>de</strong>terminar a
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Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />
imputabilida<strong>de</strong>. A inimputabilida<strong>de</strong> traduz a incapacida<strong>de</strong> para no momento <strong>do</strong> <strong>de</strong>lito<br />
reconhecer a ilegalida<strong>de</strong> ou ilicitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> acto cometi<strong>do</strong> por existir um quadro psicopatológico; a<br />
imputabilida<strong>de</strong> atenuada contempla situações complexas como as que respon<strong>de</strong>m a<br />
<strong>de</strong>terminantes biológicas e caracteriais, difíceis <strong>de</strong> comparar em peso relativo, como acontece<br />
com os psicopatas e outros distúrbios da personalida<strong>de</strong>.<br />
• Neuroses: <strong>de</strong>verão ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s quase sempre imputáveis; nalgumas situações<br />
limites como a neurose obsessivo-compulsiva grave, a cleptomania e a dissociação<br />
histérica po<strong>de</strong>rão justificar a figura <strong>de</strong> imputabilida<strong>de</strong> atenuada ou mesmo <strong>de</strong><br />
inimputabilida<strong>de</strong>, em casos específicos.<br />
• Esquizofrenia: <strong>de</strong>verão ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s inimputáveis, sempre que o <strong>de</strong>lito se<br />
correlacione directamente com a activida<strong>de</strong> <strong>de</strong>lirante ou alucinatória, em plena fase<br />
produtiva da <strong>do</strong>ença; há casos em que a fragmentação da personalida<strong>de</strong> e o estilo <strong>de</strong><br />
vida não sofreram alterações significativas, quer por benefícios terapêuticos quer pelas<br />
características <strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> esquizofrenia, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> imputabilida<strong>de</strong> atenuada para certos<br />
<strong>de</strong>litos.<br />
• Psicoses afectivas: <strong>de</strong>pressão e mania. Po<strong>de</strong>m existir situações extremas <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>pressão que sejam causa <strong>de</strong> imputabilida<strong>de</strong> (ex: grave <strong>de</strong>pressão com i<strong>de</strong>ação<br />
suicida altruísta); em certos casos <strong>de</strong> mania (ex: gasta<strong>do</strong>res e perdulários <strong>do</strong> património<br />
familiar, quer <strong>de</strong> bens móveis quer <strong>de</strong> bens imóveis), po<strong>de</strong> justificar-se a interdição ou<br />
inabilitação.<br />
• Síndroma cerebral orgânica: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> imputáveis a inimputáveis, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> esta<strong>do</strong><br />
da <strong>do</strong>ença e <strong>do</strong> contexto <strong>do</strong> <strong>de</strong>lito. Nas <strong>de</strong>mências estabelecidas a inimputabilida<strong>de</strong> é<br />
mandatória, sen<strong>do</strong> possível admitir imputabilida<strong>de</strong> atenuada em situações pré<strong>de</strong>mências<br />
<strong>de</strong> bom prognóstico. Os epilépticos também po<strong>de</strong>rão ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> imputáveis a inimputáveis, passan<strong>do</strong> pela figura intermédia <strong>de</strong> imputáveis com<br />
atenuantes (se houver <strong>de</strong>lito em alteração <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> consciência po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar-se<br />
a inimputabilida<strong>de</strong>).<br />
• Alcoolismo e <strong>outras</strong> toxico<strong>de</strong>pendências: po<strong>de</strong>rão ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
imputáveis a inimputáveis. Exemplos <strong>de</strong> inimputabilida<strong>de</strong>: alteração <strong>de</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
consciência (<strong>de</strong>lirium-tremens, embriaguez patológica, <strong>de</strong>mência alcoólica) e estádios<br />
<strong>de</strong>lirantes como a paranóia <strong>de</strong> ciúme alcoólica. As situações <strong>de</strong> alcoolismo cultural,<br />
<strong>de</strong>verão ser consi<strong>de</strong>radas como imputáveis, porquanto o indivíduo conhece<br />
previamente os malefícios <strong>do</strong> álcool. Em relação aos crimes cometi<strong>do</strong>s sob efeito <strong>do</strong><br />
álcool a imputabilida<strong>de</strong> é a regra, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> admitir-se, eventualmente, atenuantes em<br />
casos <strong>de</strong> não intencionalida<strong>de</strong> no abuso <strong>de</strong> álcool. No caso das toxico<strong>de</strong>pendências por<br />
drogas ilícitas, a regra geral é a <strong>de</strong> que em alteração <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> consciência a
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Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />
inimputabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>verá ser consi<strong>de</strong>rada; mais <strong>de</strong>licadas, em termos <strong>de</strong> conclusões, são<br />
as situações <strong>de</strong> abstinência na síndroma <strong>de</strong> privação (a imputabilida<strong>de</strong> atenuada <strong>de</strong>verá<br />
consi<strong>de</strong>rada em tal circunstância pelo prejuízo parcial da tría<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>-inteligênciavonta<strong>de</strong>).<br />
No caso específico <strong>do</strong> cocainómano a diferença entre abusa<strong>do</strong>res e<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes po<strong>de</strong> ser fundamental para concluir pela imputabilida<strong>de</strong> ou pela<br />
inimputabilida<strong>de</strong> atenuada, respectivamente; enquanto que nos primeiros o consumo é<br />
esporádico e há maior controlo <strong>sobre</strong> a vonta<strong>de</strong>, nos segun<strong>do</strong>s a <strong>de</strong>pendência revestese<br />
<strong>de</strong> um certo <strong>de</strong>terminismo biológico.<br />
• Oligofrenias: as <strong>de</strong> média e profunda gravida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>verão ser sempre consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s<br />
causa <strong>de</strong> inimputabilida<strong>de</strong>; no caso particular <strong>do</strong>s oligofrénicos ligeiros, por vezes com<br />
critérios psicométricos a tocar um Q.I. global entre 65 e 69, po<strong>de</strong>rão ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s<br />
imputáveis com atenuantes, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> contexto <strong>do</strong>s factos.<br />
• Distúrbios da personalida<strong>de</strong>: referem-se às chamadas sociopatias e, em geral,<br />
pressupõem imputabilida<strong>de</strong> atenuada por existirem factores biológicos e sociais que<br />
retiram ao <strong>do</strong>ente parte da sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auto-<strong>de</strong>terminação, por prejuízo da<br />
vonta<strong>de</strong>.<br />
No âmbito <strong>do</strong> direito civil o perito é chama<strong>do</strong> a pronunciar-se, em geral, <strong>sobre</strong>:<br />
a) consequências psiquiátricas <strong>de</strong> um traumatismo (também no âmbito <strong>do</strong> direito <strong>do</strong><br />
Trabalho): pela TNI (para aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho e <strong>do</strong>enças profissionais) os coeficientes <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>svalorização variam <strong>de</strong> 0 a 100% <strong>de</strong> incapacida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o esta<strong>do</strong> normal ao simples<br />
esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida vegetativa. Nos casos particulares <strong>de</strong> incapacida<strong>de</strong> permanente <strong>de</strong>vida a<br />
agressões ou aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> viação, por exemplo, a TNI po<strong>de</strong> servir como mera orientação,<br />
<strong>de</strong>terminan<strong>do</strong>-se, também, os danos extra-patrimoniais. O essencial é o estabelecimento, ou<br />
não, <strong>de</strong> um nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong>. O perito <strong>de</strong>verá estar prepara<strong>do</strong> para a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
simulação <strong>de</strong> queixas, em todas as suas variantes, perician<strong>do</strong> com rigor e objectivida<strong>de</strong>, pelo<br />
que po<strong>de</strong> recorrer a testes, como os <strong>de</strong> nível <strong>de</strong> inteligência com cálculo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terioração,<br />
electroencefalograma, tomografia axial computorizada ou ressonância magnética nuclear<br />
crâneo-encefálicas. Certos casos <strong>de</strong>verão ser reavalia<strong>do</strong>s posteriormente, porquanto a<br />
evolução <strong>de</strong> algumas afecções po<strong>de</strong>rá ser favorável após tratamento a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> (ex. síndroma<br />
pós-comocional <strong>do</strong>s traumatiza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> crânio).<br />
b) interdição: po<strong>de</strong>rá ser atribuída a quem por anomalia psíquica, sur<strong>do</strong>-mu<strong>de</strong>z ou cegueira,<br />
seja incapaz <strong>de</strong> governar pessoas e bens. Correspon<strong>de</strong> a um estatuto <strong>de</strong> menorida<strong>de</strong>, sen<strong>do</strong><br />
indigita<strong>do</strong> um tutor para cuidar e zelar daqueles aspectos. Ouvi<strong>do</strong> o conselho <strong>de</strong> família,<br />
usualmente o tutor é alguém da família, <strong>de</strong>signa<strong>do</strong> pelo Tribunal. O processo po<strong>de</strong> ser
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Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />
requeri<strong>do</strong> por diversas pessoas, como o conjuge ou parente sucessível, e ainda pelo Ministério<br />
Público, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a interdição ser levantada logo que cesse a causa que a <strong>de</strong>terminou.<br />
c) inabilitação: forma <strong>de</strong> interdição parcial. Po<strong>de</strong>rá ser atribuída a quem por anomalia psíquica,<br />
sur<strong>do</strong>-mu<strong>de</strong>z, cegueira, prodigalida<strong>de</strong> e abuso <strong>de</strong> álcool ou drogas ilícitas, não seja capaz <strong>de</strong><br />
reger convenientemente o seu património. Pressupõe um esta<strong>do</strong> não tão grave como nos<br />
casos <strong>de</strong> interdição, não só porque po<strong>de</strong>rão correspon<strong>de</strong>r a situações patológicas transitórias<br />
mas também porque em causa está apenas a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resguardar eventuais<br />
<strong>de</strong>sman<strong>do</strong>s materiais por negócios irreais ou megalomaníacos. Para orientar esse património<br />
o Tribunal nomeia um cura<strong>do</strong>r, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a inabilitação ser levantada antes <strong>de</strong> 5 anos, para<br />
os casos específicos <strong>de</strong> alcoolismo e <strong>outras</strong> toxicomanias.<br />
d) questões testamentárias (incapacida<strong>de</strong> para testar ou anulação <strong>de</strong> testamento): consi<strong>de</strong>ramse<br />
incapazes para testar os interditos por anomalia psíquica (para além <strong>do</strong>s menores não<br />
emancipa<strong>do</strong>s); prevê-se incapacida<strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntal para quem, mesmo transitoriamente, se<br />
encontra incapacita<strong>do</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o senti<strong>do</strong> da sua <strong>de</strong>claração ou não tinha o livre exercício<br />
da sua vonta<strong>de</strong>.<br />
e) inibição <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r paternal (a requerimento <strong>do</strong> Ministério Público, parente <strong>do</strong><br />
menor ou pessoa responsável pela sua guarda) quan<strong>do</strong> qualquer <strong>do</strong>s pais, por diversos<br />
motivos, entre eles enfermida<strong>de</strong>, não se mostre em condições <strong>de</strong> cumprir aquele <strong>de</strong>ver. Tratase<br />
<strong>de</strong> uma perícia <strong>de</strong>licada que obriga a parecer <strong>de</strong> conclusões bem fundamentadas, para as<br />
quais concorreram, frequentemente, diversos testes <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> e a consulta <strong>de</strong> fontes<br />
informativas vastas e minuciosas.<br />
f) internamento e tratamento compulsivos: <strong>de</strong> uma forma genérica, a recusa <strong>de</strong> tratamento e<br />
internamento tem tutela constitucional e civil. O Ministério Público e, em casos urgentes as<br />
autorida<strong>de</strong>s administrativas e policiais, po<strong>de</strong>m internar compulsivamente um indivíduo que<br />
cause distúrbios na “or<strong>de</strong>m, tranquilida<strong>de</strong>, segurança, moral pública,” competin<strong>do</strong> à Instituição<br />
psiquiátrica receptora o pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> confirmação <strong>do</strong> internamento pelo Tribunal da Comarca. O<br />
juíz po<strong>de</strong> também <strong>de</strong>terminar regime fecha<strong>do</strong>, através <strong>de</strong> atesta<strong>do</strong> médico, subscrito por <strong>do</strong>is<br />
clínicos <strong>de</strong> preferência com a especialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> psiquiatria, quan<strong>do</strong> um indivíduo for<br />
consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como carácter perigoso ou anti-social.<br />
A simulação po<strong>de</strong> ser percebida segun<strong>do</strong> diversas vertentes:<br />
a) pré-simulação: simulação <strong>de</strong> um quadro patológico para obtenção, por exemplo, <strong>de</strong> um<br />
internamento em hospital psiquiátrico;<br />
b) meta-simulação: acontece com a pessoa que após a “cura” continua a mostrar-se “<strong>do</strong>ente”;<br />
c) dissimulação: encobrimento <strong>de</strong> <strong>do</strong>ença pré-existente;<br />
d) para-simulação: situação mista em que existem, simultaneamente, <strong>do</strong>ença e simulação;
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Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />
e) super-simulação: simulação <strong>de</strong> múltiplas patologias orgânicas a simulação.<br />
Referências bibliográficas<br />
- Dec-Lei nº 326/86, <strong>de</strong> 29 Setembro<br />
- Calabuig JA. Medicina Legal y Toxicología. 5ª edición. Barcelona: Masson, S.A., 1998: 911-1102.
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Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />
4<br />
ANTROPOLOGIA E ODONTOLOGIA FORENSES<br />
Teresa Magalhães<br />
1. ANTROPOLOGIA FORENSE<br />
A Antropologia Forense constitui a aplicação <strong>de</strong> conhecimentos <strong>de</strong> Antropologia Física às<br />
questões <strong>de</strong> direito, <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong> no que concerne à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> cadáveres ou restos<br />
cadavéricos ainda que, numa pequena parte (em razão da sua frequência), se aplique também a<br />
questões relacionadas com indivíduos vivos. Trata-se aqui <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntificação morfológica, da<strong>do</strong><br />
que a i<strong>de</strong>ntificação genética, como discuti<strong>do</strong> em aula anterior, é da competência da Genética e<br />
Biologia Forense.<br />
As situações mais frequentemente relacionadas com a i<strong>de</strong>ntificação cadavérica<br />
(necroi<strong>de</strong>ntificação) têm a ver com acha<strong>do</strong>s em escavações <strong>de</strong> vária or<strong>de</strong>m, com cadáveres<br />
aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s e já em fase avançada <strong>de</strong> <strong>de</strong>composição ou mutila<strong>do</strong>s/<strong>de</strong>sfigura<strong>do</strong>s<br />
voluntariamente pelo homicida (para impedir a i<strong>de</strong>ntificação), com cadáveres que possam<br />
correspon<strong>de</strong>r a indivíduos procura<strong>do</strong>s ou com <strong>de</strong>sastres <strong>de</strong> massa 1 (aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> aviação,<br />
naufrágios ou catástrofes <strong>de</strong> origem natural, por exemplo, em que se verifica carbonização ou<br />
<strong>de</strong>struição maciça <strong>do</strong> corpo).<br />
Com base nestes exemplos compreen<strong>de</strong>-se que a Antropologia Forense se move,<br />
particularmente, em <strong>do</strong>is distintos ramos <strong>do</strong> direito: o penal e o civil.<br />
Os <strong>estu<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação baseiam-se, <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong>, na análise <strong>do</strong>s ossos, uma vez que estes<br />
conservam aspectos da vida <strong>do</strong> indivíduo, que po<strong>de</strong>m persistir muito para além da morte e serem<br />
preciosos à sua i<strong>de</strong>ntificação. É o caso <strong>de</strong> fracturas ou calos <strong>de</strong> fracturas, <strong>de</strong> sequelas <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>terminadas patologias ou mesmo <strong>de</strong> malformações. Os <strong>de</strong>ntes, como veremos no capítulo da<br />
o<strong>do</strong>ntologia forense, são também elementos fundamentais à i<strong>de</strong>ntificação, quer pelas informações<br />
que nos po<strong>de</strong>m dar <strong>sobre</strong> as características físicas e passa<strong>do</strong> <strong>do</strong> indivíduo, quer pela sua gran<strong>de</strong><br />
resistência.<br />
1 situação que, resultante da mesma ocorrência, provoca um número <strong>de</strong> vítimas superior à capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
resposta das instituições locais.
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Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />
Este trabalho só será bem sucedi<strong>do</strong> se, para além das características <strong>gerais</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong><br />
indivíduo, apuradas através <strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s reconstrutivos (ex: sexo, altura, ida<strong>de</strong> aproximada), for<br />
também possível proce<strong>de</strong>r a um estu<strong>do</strong> comparativo que permita <strong>de</strong>terminar características<br />
individualizantes. Este sucesso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá, também, da existência <strong>de</strong> material suficiente para a<br />
i<strong>de</strong>ntificação (daí a importância <strong>de</strong> um correcto exame <strong>do</strong> local, ten<strong>do</strong> em vista a recolha da<br />
totalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> material existente).<br />
Relativamente à situações mortais, e <strong>de</strong> uma forma genérica, po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar como<br />
objectivos da Antropologia Forense:<br />
1 - Determinar i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> indivíduo;<br />
- origem <strong>do</strong>s restos (espécie - humana, animal, vegetal, outra);<br />
- características <strong>gerais</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação (sexo, ida<strong>de</strong>, altura, raça);<br />
- características individualizantes (sinais particulares);<br />
2 - Determinar data da morte;<br />
3 - Determinar causa da morte;<br />
4 - Interpretar as circunstâncias da morte.<br />
a) A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
Determinar a espécie <strong>do</strong>s restos cadavéricos ou a origem <strong>do</strong> material presente ao perito constitui<br />
um passo fundamental pois, não raramente, tratam-se <strong>de</strong> restos <strong>de</strong> animais ou até <strong>de</strong> objectos<br />
(ex: incêndio num espaço no qual coexistiam pessoas e animais; restos <strong>de</strong> animais mortos ou<br />
bonecos <strong>de</strong> plástico encontra<strong>do</strong>s em locais suspeitos). Em geral uma observação atenta <strong>do</strong>(s)<br />
osso(s) permite fazer o diagnóstico, existin<strong>do</strong> contu<strong>do</strong> certas técnicas a que po<strong>de</strong> ser feito recurso<br />
como sejam a <strong>de</strong>terminação <strong>do</strong> seu peso, da sua <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> ou índice medular, ou a análise das<br />
suas características histológicas, radiológicas ou imunológicas.<br />
As características <strong>gerais</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação são relativas a vários aspectos, entre os quais o<br />
sexo, a ida<strong>de</strong>, a altura e a raça.<br />
A <strong>de</strong>terminação <strong>do</strong> sexo baseia-se nas características morfológicas <strong>de</strong> certos ossos em razão <strong>do</strong><br />
sexo, como sejam os ossos da bacia. Em geral nos homens os ossos são mais robustos (com<br />
maior pre<strong>do</strong>minância <strong>do</strong> volume epifisário relativamente ao volume da diáfise) e com mais marcas<br />
das inserções musculares <strong>do</strong> que no caso das mulheres; nas crianças esta <strong>de</strong>terminação é mais<br />
difícil <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à falta <strong>de</strong> diferenciação <strong>de</strong> certas características sexuais. Como se compreen<strong>de</strong>,
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Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />
trata-se pois <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntificação difícil que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da quantida<strong>de</strong> e tipo <strong>de</strong> material disponível<br />
e que tem <strong>de</strong> ter em atenção uma série <strong>de</strong> variáveis constitucionais.<br />
A <strong>de</strong>terminação da ida<strong>de</strong> obe<strong>de</strong>ce a diferentes regras conforme se trate <strong>de</strong> um feto, <strong>de</strong> uma<br />
criança ou jovem, ou <strong>de</strong> um adulto.<br />
Para os fetos usam-se a fórmulas <strong>de</strong> Balthazard e Dervieux (1921): Ida<strong>de</strong> (em dias) =<br />
comprimento <strong>do</strong> feto (em centímetros) x 5,6. No caso <strong>de</strong> apenas existirem fragmentos ou ossos<br />
isola<strong>do</strong>s, utilizam-se tabelas para calcular o comprimento <strong>do</strong> feto e, através <strong>de</strong>ste, <strong>de</strong>termina-se a<br />
ida<strong>de</strong>.<br />
No caso das crianças pequenas a <strong>de</strong>terminação da ida<strong>de</strong> tem por base o seu estádio <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento. O rigor <strong>de</strong>sta estimativa vai diminuin<strong>do</strong> à medida que as crianças crescem. No<br />
caso das crianças mais velhas a ida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>terminada através <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntes (<strong>de</strong>cíduos e<br />
<strong>de</strong>finitivos, com base em tabelas), através das epífises <strong>de</strong> crescimento <strong>do</strong>s ossos longos (o<br />
processo mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> entre os 14-20 anos e efectua<strong>do</strong>, também, através <strong>de</strong> Rx, nos indivíduos<br />
vivos) ou <strong>do</strong>s núcleos <strong>de</strong> ossificação <strong>de</strong> outros ossos (ex: suturas cranianas), ou através <strong>do</strong><br />
comprimento <strong>do</strong>s ossos longos. Não po<strong>de</strong>mos contu<strong>do</strong> esquecer que esta <strong>de</strong>terminação<br />
correspon<strong>de</strong> apenas a uma estimativa, não se tratan<strong>do</strong> nunca <strong>de</strong> uma avaliação exacta em virtu<strong>de</strong><br />
das variações individuais relacionadas com o grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento (que varia com factores<br />
genéticos, metabólicos, nutricionais, ambientais, etc.).<br />
No adulto caso <strong>do</strong>s adultos recorre-se, geralmente, à análise <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntes ou das alterações a nível<br />
da sínfise púbica (zona <strong>de</strong> articulação anterior <strong>do</strong>s ossos da bacia) po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, também, proce<strong>de</strong>rse<br />
ao estu<strong>do</strong> da fusão das suturas cranianas quan<strong>do</strong> não existam <strong>de</strong>ntes ou ossos da bacia.<br />
Po<strong>de</strong>m ainda ser tidas em conta alterações que ten<strong>de</strong>m a surgir com a ida<strong>de</strong>, como alterações<br />
<strong>de</strong>generativas ósteo-articulares. No entanto, também neste caso existem variações individuais<br />
que têm que ser pon<strong>de</strong>radas.<br />
A <strong>de</strong>terminação da altura po<strong>de</strong> ser feita através da medição <strong>do</strong> esqueleto (méto<strong>do</strong> anatómico) ou,<br />
caso este não exista na sua totalida<strong>de</strong>, através da medição <strong>do</strong>s ossos longos. Esta avaliação<br />
baseia-se na relação <strong>de</strong> proporcionalida<strong>de</strong> constante entre este comprimento e a altura <strong>do</strong><br />
indivíduo (0,8), socorren<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> tabelas e, aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ao sexo previamente <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> (méto<strong>do</strong><br />
matemático). Existem tabelas específicas para os fetos e crianças pequenas, uma vez que neste<br />
casos os ossos longos nunca são encontra<strong>do</strong>s na sua totalida<strong>de</strong> (separação das epífises).<br />
A <strong>de</strong>terminação da raça (afinida<strong>de</strong> populacional) é muito complexa e pouco fiável, o que se fica a<br />
<strong>de</strong>ver aos cruzamentos entre os povos e às questões <strong>de</strong> variação entre as populações.<br />
Geralmente consi<strong>de</strong>ram-se as variações <strong>do</strong>s traços crâneo-faciais (prognatismo facial inferior,<br />
conformação <strong>do</strong> malar ou <strong>do</strong> palato, proporção das superfícies orbitárias e nasal, características<br />
da abertura <strong>do</strong> nariz e <strong>do</strong> bor<strong>do</strong> nasal inferior e certos estigmas <strong>de</strong>ntários).
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Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />
As características individualizantes correspon<strong>de</strong>m a aspectos específicos que po<strong>de</strong>m<br />
caracterizar o indivíduo, através <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> comparativo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação, com base em elementos<br />
forneci<strong>do</strong>s por pessoas supostamente conhecidas da vítima (ex: fotografias, registos clínicos,<br />
particularmente <strong>de</strong> medicina <strong>de</strong>ntária, RX, história <strong>do</strong>s antece<strong>de</strong>ntes patológicos ou traumáticos,<br />
hábitos, etc). Trata-se <strong>de</strong> um estu<strong>do</strong> que, em geral, é interdisciplinar, envolven<strong>do</strong> não só médicos<br />
legistas como clínicos, o<strong>do</strong>ntologistas, antropologistas <strong>forenses</strong> e agentes <strong>de</strong> investigação<br />
criminal.<br />
Po<strong>de</strong>m valorizar-se aspectos anatómicos próprios <strong>do</strong> sujeito, como a morfologia <strong>do</strong>s seios<br />
frontais, por exemplo, aspectos que nos indiquem a lateralida<strong>de</strong> <strong>do</strong> mesmo (o tamanho <strong>do</strong>s ossos<br />
longos é maior <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong>minante), sinais característicos <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas profissões ou hábitos<br />
(alterações nos <strong>de</strong>ntes ou pigmentação das faneras), marcas <strong>de</strong> traumatismos antigos ou<br />
recentes (fracturas, calos ósseos, amputações, dismorfias) ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas <strong>do</strong>enças<br />
(infecções, tumores, <strong>do</strong>enças articulares ou endócrinas ou, ainda, perturbações nutritivas). A<br />
comparação com as características encontradas po<strong>de</strong> ser feita com base em <strong>estu<strong>do</strong>s</strong><br />
radiográficos, comparação fotográfica (<strong>sobre</strong>posição <strong>de</strong> imagem em computa<strong>do</strong>r, pesquisan<strong>do</strong>-se<br />
a existência <strong>de</strong> concordância entre as linhas e curvas da face com pontos <strong>do</strong> esqueleto) ou<br />
reconstrução da face (mo<strong>de</strong>lagem das partes moles <strong>sobre</strong> o crânio, ou através <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos).<br />
A <strong>de</strong>terminação da data da morte é muito complexa pois na sua maioria, tratam-se <strong>de</strong> casos em<br />
avança<strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>composição cadavérica (<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> factores, como já<br />
referi<strong>do</strong> em aula anterior), alguns já mesmo em fase <strong>de</strong> esqueletização. Existem, contu<strong>do</strong>, uma<br />
série <strong>de</strong> meto<strong>do</strong>logias orienta<strong>do</strong>ras <strong>de</strong>sta avaliação entre elas: fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>composição cadavérica;<br />
estu<strong>do</strong> da fauna necrófaga encontrada no corpo (entomologia forense); estu<strong>do</strong> das modificações<br />
da composição química <strong>do</strong> osso (relação entre matéria orgânica e inorgânica, por análise térmica<br />
diferencial ou por análise termo-gravimétrica, mas esta também <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> local on<strong>de</strong> os<br />
ossos se encontravam).<br />
A causa da morte, no caso <strong>de</strong> indivíduos esqueletiza<strong>do</strong>s só po<strong>de</strong> ser estudada relativamente a<br />
situações que <strong>de</strong>ixem marcas nestas estruturas, como é o caso <strong>de</strong> certos traumatismos com<br />
fracturas ou ferimentos por armas <strong>de</strong> fogo ou, ainda, <strong>de</strong> intoxicações crónicas pelo arsénio.<br />
A interpretação relativa às circunstâncias da morte, é em geral difícil e as conclusões escassas,<br />
limitan<strong>do</strong>-se geralmente à análise da existência, ou não, <strong>de</strong> sinais <strong>de</strong> violência e da interpretação<br />
da vitalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> certas lesões (diagnóstico diferencial com lesões pós-mortem provocadas por<br />
animais ou outros elementos da natureza - tafonomia).
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2. ODONTOLOGIA FORENSE<br />
A O<strong>do</strong>ntologia Forense compreen<strong>de</strong> áreas diversas <strong>de</strong> intervenção que vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a avaliação <strong>do</strong><br />
dano orofacial pós-traumático (no âmbito da clínica médico-legal <strong>do</strong> direito penal, civil ou <strong>do</strong><br />
trabalho), até à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> indivíduos mortos ou à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> agressores, através das<br />
marcas <strong>de</strong> mordida.<br />
Como já referi<strong>do</strong>, os <strong>de</strong>ntes são estruturas fundamentais à i<strong>de</strong>ntificação médico-legal, em virtu<strong>de</strong><br />
da sua resistência (à putrefacção, ao calor, aos traumatismos e à acção <strong>de</strong> certos agentes<br />
químicos) e especificida<strong>de</strong> (cada <strong>de</strong>ntadura é única).<br />
A i<strong>de</strong>ntificação através <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntes permite o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s aspectos assinala<strong>do</strong>s para a Antropologia<br />
Forense, através <strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> reconstrução e comparação.<br />
A <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>finitivos é geralmente feita através <strong>de</strong> números. Para este efeito<br />
existem vários sistemas, entre os quais o <strong>de</strong> Palmer, o <strong>de</strong> Ha<strong>de</strong>rup e o da Fédération Dentaire<br />
Internationale. Este último <strong>de</strong>signa os quadrantes por algarismos (1, 2, 3 e 4) e cada <strong>de</strong>nte por<br />
outro algarismo (exemplo: 2º incisivo superior direito - 2.1; canino inferior esquer<strong>do</strong> – 3.3). Nos<br />
<strong>de</strong>cíduos, os quadrantes <strong>de</strong>signam-se pelos algarismos 5, 6, 7 e 8. Os <strong>de</strong>ntes supranumerários<br />
<strong>de</strong>signam-se pelo algarismo 9.<br />
Entre as características individualizantes a analisar contam-se: nº <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntes, alterações<br />
morfológicas congénitas ou adquiridas (hábitos, profissão, etc), alterações da posição ou rotação,<br />
alterações patológicas (cáries) ou traumáticas, existência <strong>de</strong> tratamentos ortodônticos<br />
(almágamas, coroas, pontes, próteses fixas ou amovíveis). Po<strong>de</strong> ser feito o estu<strong>do</strong> radiológico <strong>do</strong>s<br />
<strong>de</strong>ntes para posterior comparação com Rx feitos em vida.<br />
Outra forma <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação é através das marcas <strong>de</strong> mordida. Define-se como marca <strong>de</strong><br />
mordida a impressão causada unicamente pelos <strong>de</strong>ntes ou em combinação com <strong>outras</strong> partes da<br />
boca. No entanto, por vezes a marca limita-se apenas a uma pequena equimose difusa, sem se<br />
i<strong>de</strong>ntificarem características <strong>de</strong>ntárias específicas.<br />
A marca <strong>de</strong> mordida típica é oval ou circular, como uma equimose, que ao ser objecto <strong>de</strong> uma<br />
análise mais cuidada po<strong>de</strong> revelar a arcada <strong>de</strong>ntária e os <strong>de</strong>ntes individualmente. Estas marcas,<br />
quan<strong>do</strong> i<strong>de</strong>ntificadas na pele humana, po<strong>de</strong>m representar provas físicas importantes em crimes<br />
violentos, já que a representação das características <strong>de</strong>ntárias <strong>do</strong> perpetra<strong>do</strong>r da marca oferece<br />
uma prova que entre os <strong>do</strong>is indivíduos houve contacto violento. De facto, os <strong>de</strong>ntes são<br />
frequentemente usa<strong>do</strong>s como armas quan<strong>do</strong> uma pessoa ataca outra ou quan<strong>do</strong> a vítima <strong>do</strong><br />
ataque se tenta <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> assim ser possível a i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong> possível perpetra<strong>do</strong>r. As
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Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />
marcas <strong>de</strong> mordida não são encontradas unicamente em situações relacionadas com crimes<br />
violentos, sen<strong>do</strong> também passíveis <strong>de</strong> serem observadas nas situações <strong>de</strong> maus tratos em<br />
crianças. Esta análise das marcas <strong>de</strong> mordida baseia-se em <strong>do</strong>is pressupostos: os <strong>de</strong>ntes<br />
humanos são únicos e existe <strong>de</strong>talhe suficiente <strong>de</strong>ssa singularida<strong>de</strong> na marca <strong>de</strong> mordida.<br />
A importância das marcas <strong>de</strong> mordida na produção <strong>de</strong> evidência <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, em gran<strong>de</strong> parte, da<br />
meto<strong>do</strong>logia utilizada na sua análise, na qual os mais pormenores <strong>de</strong>verão ser ti<strong>do</strong>s em<br />
consi<strong>de</strong>ração. Existem três passos fundamentais na meto<strong>do</strong>logia da análise das marcas <strong>de</strong><br />
mordida: obtenção <strong>de</strong> evidência a partir da vítima; obtenção <strong>de</strong> evidência a partir <strong>do</strong> suspeito;<br />
comparação da evidência.<br />
a) Obtenção <strong>de</strong> evidência a partir da vítima<br />
Assim que a marca <strong>de</strong> mordida seja <strong>de</strong>tectada, esta <strong>de</strong>verá ser examinada por um perito para ser<br />
<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> se as suas dimensões e configuração estão <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s parâmetros humanos. Se tal<br />
for o caso, segue-se, então, a <strong>de</strong>scrição exaustiva da marca, <strong>de</strong>scrição esta que <strong>de</strong>verá incluir<br />
todas as suas características: localização, tamanho, forma, orientação, cor e tipo <strong>de</strong> lesão.<br />
Após elabora<strong>do</strong> o registo <strong>de</strong>talha<strong>do</strong> da lesão, a marca <strong>de</strong> mordida <strong>de</strong>verá ser fotografada, o que<br />
implica técnicas especiais.<br />
A saliva <strong>de</strong>positada <strong>sobre</strong> a pele quan<strong>do</strong> se produz a marca <strong>de</strong> mordida po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser colhida<br />
para análise<br />
Devem, ainda, ser realizadas impressões da superfície da marca <strong>de</strong> mordida sempre que existam<br />
e<strong>de</strong>ntações na pele, ou quan<strong>do</strong> se preten<strong>de</strong> preservar a natureza tridimensional da marca <strong>de</strong><br />
mordida.<br />
Em algumas circunstâncias, po<strong>de</strong>rá ser necessário proce<strong>de</strong>r à excisão <strong>do</strong> teci<strong>do</strong> lesa<strong>do</strong>, no<br />
senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> se facilitar a preservação da evidência e auxiliar as investigações relacionadas com a<br />
<strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> perpetra<strong>do</strong>r.<br />
b) Obtenção <strong>de</strong> evidência a partir <strong>do</strong> suspeito<br />
As estruturas extra-orais e intra-orais <strong>do</strong> possível perpetra<strong>do</strong>r <strong>de</strong>verão ser examinadas, dan<strong>do</strong>-se<br />
especial atenção à saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntária geral, à oclusão e à articulação temporo-mandibular, fazen<strong>do</strong><br />
referência à existência <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntária, <strong>de</strong> bolsas perio<strong>do</strong>ntais, <strong>de</strong> restaurações <strong>de</strong>ntárias,<br />
diastemas, fracturas, cáries, tratamentos <strong>de</strong>ntários realiza<strong>do</strong>s em datas próximas, antes ou <strong>de</strong>pois<br />
da agressão, e função e tonicida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s músculos da face e da mastigação.<br />
Deverão ser realizadas fotografias <strong>de</strong> face completa e perfil, bem como fotografias intra-orais das<br />
arcadas superior e inferior, vistas laterais e frontal <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntes em oclusão. É importante incluir
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Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />
uma escala <strong>de</strong> referência para permitir medições. Po<strong>de</strong>rá ser útil realizar uma fotografia da<br />
abertura inter-incisal máxima, com uma escala graduada.<br />
Culturas microbiológicas e amostras <strong>de</strong> saliva <strong>do</strong> possível perpetra<strong>do</strong>r constituem uma importante<br />
etapa da recolha <strong>de</strong> evidência. Os resulta<strong>do</strong>s serão, <strong>de</strong>pois, sujeitos a um exame comparativo,<br />
para que se possa chegar a uma conclusão positiva. Quan<strong>do</strong> o suspeito é i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> <strong>de</strong>vem<br />
obter-se impressões <strong>de</strong> ambas as arcadas <strong>de</strong>ntárias, para realizar mo<strong>de</strong>los em gesso. Será a<br />
partir <strong>de</strong>stes mo<strong>de</strong>los que efectuam <strong>sobre</strong>posições fotográficas transparentes, à mesma escala<br />
das fotografias da marca <strong>de</strong> mordida original. É <strong>de</strong> notar que é obrigatório obter autorização <strong>do</strong><br />
possível perpetra<strong>do</strong>r para efectuar as impressões.<br />
Deverão, ainda, ser realizadas marcas <strong>de</strong> mordida experimentais, em cera, silicone, plasticina ou<br />
em qualquer outro material que registe os bor<strong>do</strong>s incisais <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntes. Alguns autores referem a<br />
execução <strong>de</strong> testes <strong>de</strong> mordida por intermédio <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> gesso, que serão comprimi<strong>do</strong>s<br />
contra a pele <strong>de</strong> um voluntário. Os bor<strong>do</strong>s incisais <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo são, então, pressiona<strong>do</strong>s contra a<br />
pele, e o padrão resultante é compara<strong>do</strong>.<br />
c) Comparação da evidência<br />
A análise da marca <strong>de</strong> mordida consiste na comparação da evidência da lesão com a evidência<br />
<strong>do</strong> suspeito para se <strong>de</strong>terminar se a correlação existe. Os méto<strong>do</strong>s mais comuns incluem técnicas<br />
que comparam os padrões <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntes (forma, tamanho, posição <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntes, individual e<br />
colectivamente) com traços similares e características apresentadas em fotografias <strong>de</strong> tamanho<br />
real. São produzidas <strong>sobre</strong>posições transparentes <strong>de</strong> várias formas, mais frequentemente por<br />
computa<strong>do</strong>r, com o objectivo <strong>de</strong> assegurar que existe correspondência suficiente entre o tamanho<br />
e posição <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntes <strong>do</strong> possível perpetra<strong>do</strong>r e as características i<strong>de</strong>ntificadas na marca <strong>de</strong><br />
mordida. Outros méto<strong>do</strong>s consistem em comparações directas <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los <strong>do</strong> suspeito com<br />
fotografias da marca <strong>de</strong> mordida, comparação das marcas <strong>de</strong> mordida experimentais ou a<br />
utilização <strong>de</strong> imagens radiográficas<br />
Referências bibliográficas<br />
- Calabuig JA. Medicina Legal y Toxicología. 5ª edición. Barcelona: Masson, S.A., 1998: 1131-1166.<br />
- Pereira A: Medicina Dentária Forense, Edição AEFMDUP, Porto, 1994.
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5<br />
PERÍCIAS EM CASOS DE RESPONSABILIDADE MÉDICA<br />
Teresa Magalhães<br />
Em termos <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> profissional, <strong>de</strong>signadamente médica, evoluiu-se da atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
resignação <strong>do</strong> lesa<strong>do</strong> perante um dano pratica<strong>do</strong> pelos profissionais liberais, no exercício da sua<br />
profissão, para a consciencialização <strong>do</strong>s direitos e <strong>de</strong>veres; ou seja, em termos genéricos,<br />
evoluiu-se no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar que o consumi<strong>do</strong>r tem direitos perante aquele que lhe<br />
oferece o produto consumi<strong>do</strong>. Este fenómeno, entre outros, explica o aumento <strong>do</strong> número <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>mandas judiciais ten<strong>do</strong> por base situações <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> médica.<br />
Os casos <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> médica po<strong>de</strong>m ser <strong>do</strong> foro penal, civil ou administrativo. Estas<br />
formas não se excluem obrigatoriamente, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> coexistir no mesmo facto.<br />
São condições para haver responsabilida<strong>de</strong> médica a existência <strong>de</strong> um facto (acção ou omissão),<br />
<strong>de</strong> ilicitu<strong>de</strong> (direitos absolutos, interesses legalmente protegi<strong>do</strong>s), <strong>de</strong> culpa (<strong>do</strong>lo ou negligência),<br />
<strong>de</strong> um dano (patrimonal, extra-patrimonial) e <strong>de</strong> nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> entre o facto e o dano. A<br />
culpa no âmbito penal avalia-se in concreto (apreciação em função <strong>do</strong> agente concreto), como<br />
algo censurável que leva à punição; no âmbito civil avalia-se in abstracto (apreciação em função<br />
da actuação que teria o “bom pai <strong>de</strong> família”), como um erro que leva à obrigação <strong>de</strong> ressarcir o<br />
dano provoca<strong>do</strong>.<br />
1. A responsabilida<strong>de</strong> penal<br />
A responsabilida<strong>de</strong> penal surge na sequência <strong>de</strong> um comportamento que provoca um dano <strong>de</strong><br />
que o médico é culpa<strong>do</strong> e <strong>do</strong> que resulta a aplicação <strong>de</strong> uma sanção. A culpa ou culpabilida<strong>de</strong> é a<br />
“qualida<strong>de</strong> ou conjunto <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> acto que permite, a respeito <strong>de</strong>le, um juízo ético-jurídico<br />
<strong>de</strong> reprovação ou censura”. Nestes casos, como substracto da culpa exige-se voluntarieda<strong>de</strong>,<br />
sem per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista a motivação <strong>de</strong>ssa vonta<strong>de</strong>. A culpa po<strong>de</strong> revestir a forma <strong>de</strong> <strong>do</strong>lo<br />
(“conhecimento e vonta<strong>de</strong> da realização <strong>de</strong> um ilícito típico”) ou negligência (culpa em senti<strong>do</strong><br />
estrito ou mera culpa). A negligência caracteriza-se pela omissão da diligência exigível ao agente<br />
que po<strong>de</strong> resultar <strong>de</strong> levianda<strong>de</strong>, precipitação, <strong>de</strong>sleixo ou incúria, e que nele geram a convicção<br />
<strong>de</strong> que o acto por si pratica<strong>do</strong> não conduz a um resulta<strong>do</strong> ilícito não toman<strong>do</strong>, por isso, as
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Medicina Legal / Toxicologia Forense<br />
medidas necessárias para o evitar. Também po<strong>de</strong> acontecer que, por imprevidência, <strong>de</strong>scui<strong>do</strong>,<br />
imperícia ou inaptidão, o agente, apesar <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r prever e evitar o facto, não chega a ter<br />
consciência <strong>de</strong> que ele se possa vir a verificar.<br />
A responsabilida<strong>de</strong> penal é pessoal, tem natureza eminente pública sen<strong>do</strong> a maior parte das<br />
situações susceptíveis <strong>de</strong> serem cometi<strong>do</strong>s por médicos, <strong>de</strong> natureza semi-pública, tais como: a<br />
inseminação artificial (art. 168º), as ofensas corporais resultantes <strong>de</strong> intervenções e tratamentos<br />
médico-cirúrgicos (art. 150º). São <strong>de</strong> natureza pública as ofensas à integrida<strong>de</strong> física graves (art.<br />
144º e ss.), homicídios (art. 131º e 132º), atesta<strong>do</strong> falso (art. 260º), recusa <strong>de</strong> tratamento médico<br />
(art. 284º e 285º) e aborto (art.140º e ss).<br />
O art. 150º (intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos) retira as intervenções médicas <strong>do</strong><br />
quadro das ofensas à integrida<strong>de</strong> física. Este artigo exige que para que a intervenção médica seja<br />
consi<strong>de</strong>rada crime contra a integrida<strong>de</strong> física, esta não tenha si<strong>do</strong> conduzida <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as<br />
“leges artis” (“regras generalizadamente reconhecidas da ciência médica”). Se <strong>do</strong> “error artis”<br />
resultar um dano corporal, haverá que distinguir se o crime foi cometi<strong>do</strong> com <strong>do</strong>lo (crimes contra a<br />
integrida<strong>de</strong> física simples, com <strong>do</strong>lo <strong>de</strong> perigo, qualifica<strong>do</strong> pelo resulta<strong>do</strong>, priviligiada, ou <strong>de</strong><br />
envenenamento) ou com negligência (neste caso o médico po<strong>de</strong>rá ficar livre da pena, se da<br />
ofensa não resultar <strong>do</strong>ença ou incapacida<strong>de</strong> para o trabalho por mais <strong>de</strong> 8 dias).<br />
2. A responsabilida<strong>de</strong> civil<br />
A responsabilida<strong>de</strong> civil acontece quan<strong>do</strong> um indivíduo (responsável) tem <strong>de</strong> reparar outro pelo<br />
dano que lhe causou. Esta obrigação <strong>de</strong> in<strong>de</strong>mnização só existe se requerida tratan<strong>do</strong>-se, aqui,<br />
<strong>de</strong> um dano priva<strong>do</strong>; o objectivo é a restituição <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong> lesa<strong>do</strong>. A obrigação <strong>de</strong><br />
in<strong>de</strong>mnizar só existe em relação aos danos que o lesa<strong>do</strong> provavelmente não teria sofri<strong>do</strong> se não<br />
fosse a lesão. O <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> in<strong>de</strong>mnização compreen<strong>de</strong> não só os prejuízos causa<strong>do</strong>s, como os<br />
benefícios que o lesa<strong>do</strong> <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> obter em consequência da lesão. Esta restituição po<strong>de</strong> ser “in<br />
natura” (situação natural em que o lesa<strong>do</strong> se encontrava antes <strong>do</strong> evento) ou, no caso <strong>de</strong>sta não<br />
ser possível, po<strong>de</strong> ser fixada em dinheiro (in<strong>de</strong>mnização pecuniária, que constitui a regra).<br />
A responsabilida<strong>de</strong> médica po<strong>de</strong> ser contratual ou extracontratual. A obrigação médica é, regra<br />
geral, uma obrigação <strong>de</strong> meios e não uma obrigação <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s (nos casos <strong>de</strong> exames<br />
laboratoriais ou imagiológicos, ou em certos casos <strong>de</strong> activida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estomatologia ou cirurgia<br />
estética, por exemplo, haverá uma obrigação <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s). Nos casos em que existe obrigação<br />
<strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s o ónus da prova é <strong>do</strong> médico, nos casos em que existe obrigação <strong>de</strong> meios é <strong>do</strong><br />
<strong>do</strong>ente.<br />
A responsabilida<strong>de</strong> contratual resulta da violação <strong>de</strong> um direito em senti<strong>do</strong> técnico, ou seja, da<br />
falta <strong>de</strong> cumprimento <strong>do</strong> contrato <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços. O contrato médico é uma convenção<br />
estabelecida entre o médico e o <strong>do</strong>ente, ou um seu representante, pelo qual o médico aceita a
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pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente, ministrar-lhe os seus serviços, para os quais a sua profissão, legalmente, o<br />
habilita. Este contrato tem características próprias: é pessoal (o médico é livremente escolhi<strong>do</strong> em<br />
razão da confiança que inspira ao <strong>do</strong>ente), é bilateral (ambas as partes contraem obrigações: o<br />
médico tem <strong>de</strong> prestar cuida<strong>do</strong>s e o <strong>do</strong>ente que o remunerar), é a título oneroso (implica<br />
honorários, não sen<strong>do</strong> contu<strong>do</strong> nulo nos casos <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s gratuitos), é civil (por a profissão<br />
médica ser liberal), não obriga a um resulta<strong>do</strong> (o <strong>de</strong>ver <strong>do</strong> médico é cumpri<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que os<br />
cuida<strong>do</strong>s presta<strong>do</strong>s estejam conforme os da<strong>do</strong>s da ciência naquele momento), é contínuo<br />
(prolonga-se por mais ou menos tempo se não houver motivos que o interrompam), é sujeito a<br />
rescisão (po<strong>de</strong> ser anula<strong>do</strong> por qualquer uma das partes). Só é váli<strong>do</strong> se o <strong>do</strong>ente tiver<br />
capacida<strong>de</strong> civil (maior ida<strong>de</strong>, capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se <strong>de</strong>terminar <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a sua vonta<strong>de</strong>) e o<br />
médico também (inscrição na Or<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s Médicos e especialização). Neste caso, o médico que<br />
falta culposamente ao cumprimento da obrigação, torna-se responsável pelo prejuízo que causa<br />
ao seu <strong>do</strong>ente. Na maior parte <strong>do</strong>s casos a responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> médico que exerce <strong>de</strong> forma<br />
liberal é <strong>de</strong> natureza contratual e <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> uma obrigação <strong>de</strong> meios, caben<strong>do</strong> ao cre<strong>do</strong>r (<strong>do</strong>ente)<br />
<strong>de</strong>monstrar em juízo que a conduta <strong>do</strong> <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r (médico) não foi conforme às regras <strong>de</strong> actuação<br />
que em abstracto, propiciariam o resulta<strong>do</strong> pretendi<strong>do</strong>.<br />
A responsabilida<strong>de</strong> extracontratual resulta da violação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>ver ou vínculo jurídico geral <strong>de</strong><br />
um daqueles <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> conduta impostos a todas as pessoas e que correspon<strong>de</strong>m aos direitos<br />
absolutos (direito à vida) ou até à prática <strong>de</strong> certos actos que, embora lícitos, produzem danos a<br />
outrem. Esta responsabilida<strong>de</strong> pressupõe a culpa (pelo menos, a título <strong>de</strong> negligência), pois só<br />
existe obrigação <strong>de</strong> in<strong>de</strong>mnizar in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> culpa nos casos especifica<strong>do</strong>s na lei e a<br />
nossa lei não prevê casos <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> pelo risco no que toca à responsabilida<strong>de</strong> médica.<br />
A natureza extracontratual <strong>de</strong> certas situações tem lugar quan<strong>do</strong> o contrato fica nulo por ilícito<br />
(ex.: experimentação sem fins curativos ou falta <strong>de</strong> consentimento <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente) ou quan<strong>do</strong> o dano<br />
surge fora <strong>do</strong> quadro contratual (casos em que a relação médico/<strong>do</strong>ente é imposta por uma<br />
regulamentação legal ou administrativa, não haven<strong>do</strong> livre escolha <strong>do</strong> médico, ou nas situações<br />
em que o <strong>do</strong>ente não está capaz para dar o seu consentimento e fazer a sua escolha). Neste<br />
caso, o médico que lesar, com <strong>do</strong>lo ou mera culpa, o seu paciente, fica obriga<strong>do</strong> a in<strong>de</strong>mnizá-lo<br />
pelos danos resultantes.<br />
3. Responsabilida<strong>de</strong> disciplinar administrativa<br />
A responsabilida<strong>de</strong> disciplinar administrativa diz respeito à qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> médico como funcionário<br />
e a que está sujeito quan<strong>do</strong> trabalha para o Esta<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> a ver com as regras <strong>de</strong> funcionamento<br />
<strong>do</strong>s serviços.<br />
Em princípio, as instituições assumem a responsabilida<strong>de</strong> pelas faltas cometidas pelo seu pessoal<br />
médico, <strong>de</strong> enfermagem e administrativo, <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> serviço, à excepção das faltas que são da
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responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> próprio pessoal. Esta responsabilida<strong>de</strong> está condicionada à existência <strong>de</strong><br />
uma falta que po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> comissão (originada no funcionamento ou organização <strong>do</strong> serviço) ou<br />
<strong>de</strong> omissão (originada na ausência <strong>de</strong> funcionamento <strong>do</strong> serviço). Po<strong>de</strong>m distinguir-se três faltas<br />
condicionadas a três categorias <strong>de</strong> actos: os actos médicos, os actos <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s e<br />
os actos <strong>de</strong> organização e funcionamento <strong>de</strong> serviços. Apenas os actos médicos exigem a<br />
existência <strong>de</strong> uma falta pesada (no diagnóstico, no tratamento) para responsabilizar a instituição;<br />
relativamente aos outros basta a existência <strong>de</strong> uma falta simples (as faltas por actos <strong>de</strong> prestação<br />
<strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>m ser por comissão ou por omissão e as faltas por actos <strong>de</strong> organização e<br />
funcionamento <strong>de</strong> serviços po<strong>de</strong>m ser relativas à recepção <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente, a <strong>de</strong>fi<strong>ciências</strong> <strong>de</strong> vigilância<br />
geral, a <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m técnica, à não observação <strong>do</strong>s regulamentos).<br />
Em casos <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil tem aplicação a lei regula<strong>do</strong>ra da responsabilida<strong>de</strong> civil<br />
extracontratual <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s actos <strong>de</strong> gestão pública. Em responsabilida<strong>de</strong><br />
contratual, as instituições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> privadas <strong>de</strong>vem respon<strong>de</strong>r pelos actos <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o pessoal que<br />
utilizam no cumprimento das suas obrigações; mas se as instituições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> privadas forem<br />
dirigidas por pessoas estranhas à profissão médica, não terá responsabilida<strong>de</strong> extracontratual,<br />
porque esta responsabilida<strong>de</strong> pressupõe uma relação <strong>de</strong> comissão, ou seja, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
dar or<strong>de</strong>ns ou instruções, que não po<strong>de</strong>m existir entre um médico (como comissário) e um não<br />
médico (como comitente). A responsabilida<strong>de</strong> penal é sempre uma falta <strong>do</strong> pessoal e nunca da<br />
instituição.<br />
A prova pericial: a expressão “responsabilida<strong>de</strong> médica” aplica-se, <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong>, às situações em<br />
que o dano é provoca<strong>do</strong> por uma falta cometida pelo médico por: imperícia, imprudência,<br />
<strong>de</strong>satenção, negligência ou inobservância <strong>do</strong>s regulamentos (por vezes po<strong>de</strong>m coexistir).<br />
Depen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a negligência, enquanto modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> culpa, <strong>de</strong> um juízo <strong>de</strong> censurabilida<strong>de</strong> éticojurídico<br />
ao comportamento <strong>do</strong> agente, a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong>ssa censurabilida<strong>de</strong> é feita ten<strong>do</strong> como<br />
padrão o “bom médico” ou mais concretamente, um “especialista médio” (a atitu<strong>de</strong> que este teria<br />
a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong> em idêntico contexto, ten<strong>do</strong> a mesma formação e a mesma experiência); na realida<strong>de</strong>, o<br />
que se <strong>de</strong>termina é se o facto foi ou não pratica<strong>do</strong> <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as “leges artis”.<br />
O ónus da prova <strong>de</strong> que o agente lesante proce<strong>de</strong>u com culpa incumbe ao lesa<strong>do</strong> mas, dadas as<br />
especiais dificulda<strong>de</strong>s da prova, tem si<strong>do</strong> feito recurso às chamadas presunções <strong>de</strong> facto,<br />
impon<strong>do</strong>-se-lhe apenas que prove os factos indicia<strong>do</strong>res <strong>de</strong>ssa mesma culpa. Há inversão <strong>do</strong><br />
ónus da prova quan<strong>do</strong> se consi<strong>de</strong>ra que está em causa uma activida<strong>de</strong> perigosa.<br />
As dificulda<strong>de</strong>s técnicas nesta matéria justificam o recurso das autorida<strong>de</strong>s judiciárias e judiciais<br />
ao contributo <strong>de</strong> peritos; assim, em qualquer situação que implique responsabilida<strong>de</strong> médica o<br />
médico po<strong>de</strong> ser solicita<strong>do</strong>, como perito, para emitir juízos <strong>de</strong> valor <strong>sobre</strong> a conduta técnica e<br />
científica <strong>do</strong> agente e <strong>de</strong>terminar o nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> entre o acto pratica<strong>do</strong> e o dano sofri<strong>do</strong>,<br />
da<strong>do</strong> que um tal parecer pressupõe conhecimentos especializa<strong>do</strong>s. A perícia médica só <strong>de</strong>ve
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />
Medicina Legal / Noções Gerais <strong>sobre</strong> <strong>outras</strong> <strong>ciências</strong> <strong>forenses</strong><br />
constituir complemento da avaliação <strong>do</strong> magistra<strong>do</strong>, numa área que este não <strong>do</strong>mina, não<br />
<strong>de</strong>ven<strong>do</strong> o perito alargar a sua missão a uma apreciação jurídica que não é da sua competência.<br />
Assim, quer a sua apreciação seja científica ou <strong>de</strong>ontológica, esta <strong>de</strong>ve ser limitada à missão que<br />
lhe é conferida pelo magistra<strong>do</strong>. Dada a complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes casos, po<strong>de</strong>rá não ser suficiente o<br />
parecer <strong>de</strong> um perito, haven<strong>do</strong> que associar pareceres <strong>de</strong> diversas especialida<strong>de</strong>s, incluin<strong>do</strong> os<br />
<strong>de</strong> especialistas da área em causa (pois além <strong>do</strong>s conhecimentos teóricos é necessária a<br />
experiência concreta das situações vividas diariamente) e o <strong>do</strong> médico legista (para integração<br />
<strong>do</strong>s diferentes pareceres, <strong>de</strong> uma forma isenta e imparcial). A Or<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s Médicos ou o Instituto<br />
Nacional <strong>de</strong> Medicina Legal (através <strong>do</strong> Conselho Médico-Legal) são <strong>do</strong>is órgãos que po<strong>de</strong>m<br />
orientar essas perícias <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a que estas integrem os pareceres <strong>de</strong> diferentes especialistas.<br />
Além <strong>do</strong>s erros técnicos, a falta <strong>de</strong> consentimento esclareci<strong>do</strong> e <strong>de</strong> uma boa relação médico<strong>do</strong>ente<br />
é uma das circunstâncias que presi<strong>de</strong> a muitos <strong>do</strong>s casos <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> médica.<br />
É <strong>de</strong>sejável que, nesta matéria, se evolua para uma “socialização <strong>do</strong>s risco <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>nte”, pela<br />
qual se <strong>de</strong>verá enten<strong>de</strong>r que sempre que alguém sofre danos por acto <strong>de</strong> terceiro <strong>de</strong>verá ter<br />
direito a uma in<strong>de</strong>mnização, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong>sse terceiro ter agi<strong>do</strong> com culpa. Tal aspecto<br />
impõe a cobertura <strong>de</strong>sse risco, através da segurança social ou através <strong>do</strong> seguro pessoal<br />
obrigatório contra danos.<br />
Referências bibliográficas<br />
- Pina E: A Responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s Médicos, Li<strong>de</strong>l, Lisboa, 1994<br />
- Calabuig JA. Medicina Legal y Toxicología. 5ª edición. Barcelona: Masson, S.A., 1998: 87-124.