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LUIZ GONZAGA - MultiRio

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<strong>LUIZ</strong> <strong>GONZAGA</strong><br />

Por Pedro Paulo Malta<br />

1912 – Luiz Gonzaga do Nascimento veio ao mundo numa sexta-feira, dia 13 de dezembro,<br />

na cidade de Exu, no sertão de Pernambuco, mais perto da divisa com o Ceará<br />

(a 20 km) do que de Recife (a 618 km). O nome foi sugestão do padre José Fernandes<br />

de Medeiros, que batizou o menino na Matriz de Exu, em 5 de janeiro de 1913:<br />

Luiz, pois era dia de Santa Luzia; Gonzaga, pois o nome completo do santo é São Luiz<br />

Gonzaga; e do Nascimento, pois dezembro é o mês em que nasceu Jesus. “Ele será do<br />

mundo. Vai andar tanto, por cima e por baixo, que criará feridas nos pés”, disse uma<br />

cigana à mãe do menino, quando ele tinha entre 6 e 8 meses de idade.<br />

Luiz é o segundo filho dos nove que tiveram Januário<br />

José dos Santos e Ana Batista de Jesus –<br />

bela cabocla de olhos verdes conhecida pelo apelido<br />

de Santana. Nasceu na fazenda da Caiçara,<br />

onde os pais viviam casados desde 1909, no sopé<br />

da Serra do Araripe, onde nasce o Rio Brígida,<br />

que por sua vez deságua no São Francisco. Apesar<br />

da condição de extrema pobreza, a filharada<br />

de Januário e Santana – que também tiveram<br />

Joca, Maria Ifigênia (Geni), Severino, Raimunda<br />

(que tinha o apelido de Muniz), José Januário (o<br />

sanfoneiro Zé Gonzaga, falecido em 2002, aos<br />

81 anos), Francisca (a cantora Chiquinha, falecida<br />

em 2011, aos 85 anos), Socorro e Aloísio – viveu<br />

uma infância repleta de brincadeiras. Afinal, eles<br />

foram criados com outros 24 primos, filhos das<br />

irmãs de Santana. Cresceram correndo no mato,<br />

brincando de caçar e nadando horas a fio no Rio<br />

Brígida. Ou então ouvindo as histórias que eram<br />

contadas por Santana – rara pessoa naquele meio<br />

que (inexplicavelmente) sabia ler e escrever.<br />

Único sanfoneiro da região, Januário era muito<br />

solicitado em cerimônias e forrós dos arredores<br />

da fazenda Caiçara, sempre animando arrasta-pés<br />

em lugarejos como Canoa Brava, Viração, Granito,<br />

Itaboca, Rancharia, Salgueiro, Bodocó e outras<br />

cidadezinhas próximas de Exu. Trabalho não<br />

faltava para sanfoneiro naquela região, fosse nas<br />

Pequenos Notáveis - Luiz Gonzaga<br />

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datas religiosas, fosse nos sambas – como eram chamadas as festas e forrós. Em casa,<br />

ele também vivia cheio de trabalho, geralmente na oficina, consertando sanfonas, gaitas<br />

e harmônicas de outros puxadores de fole. A entrada das crianças era proibida no<br />

cômodo de trabalho de Januário, mas Luiz sempre dava um jeito de driblar a vigilância<br />

da mãe para ver os instrumentos de perto e por dentro. Além de educadora rigorosa de<br />

seus nove filhos, era Santana quem comandava a roça da família.<br />

1917 – A primeira lembrança guardada pela família da relação de Luiz com a música<br />

data de quando ele tinha 5 anos, quando ainda vivia nu andando pela beira do<br />

Rio Brígida – era assim no sertão: os meninos só ganhavam as primeiras calças aos 8<br />

anos; antes disso, andavam pelados por toda parte. Segundo a prima Maria das Dores,<br />

Luiz pegava a sanfona do pai, nos arredores da casa deles. Mexia, tocava uma coisa<br />

ou outra e, quando o velho descuidava, empunhava o fole e punha a meninada para<br />

“pinotear”. Vendo a intimidade do menino com a sanfona, Januário passa a levá-lo a<br />

tiracolo para os locais em que ia trabalhar. Era bem menino ainda quando começou a<br />

se revezar com o pai, mantendo a animação dos bailes enquanto o velho descansava.<br />

Ficou conhecido como o “Luiz de Januário”.<br />

1919 – Luiz tinha 7 anos quando Santana passou a levá-lo com ela (mais o primogênito<br />

Joca) para a roça, onde pretendia que o menino – assim como os outros filhos<br />

– trabalhasse. Era terminantemente contrária à frequência do menino nos sambas, motivo<br />

pelo qual Januário tinha que comprar briga toda vez que saía levando o companheiro<br />

mirim de noitadas. No fim das contas, a matriarca teria que se resignar, afinal,<br />

cinco dos nove filhos acabariam sanfoneiros como o pai.<br />

1920 – Aos 8 anos de idade, Luiz é convocado para substituir um sanfoneiro numa<br />

festa na fazenda da Caiçara, a pedido de amigos de Januário. Depois de cantar e tocar<br />

a noite inteira, recebeu seu primeiro cachê, de 20 mil-réis. Passa a ser solicitado para<br />

animar os sambas das redondezas, construindo sua própria fama no Araripe, onde<br />

passaria a ser conhecido também como Lula ou, simplesmente, Luiz Gonzaga, até<br />

completar 16 anos.<br />

Um dos locais preferidos de sua vida artística precoce era o forró de Seu Miguelzinho,<br />

onde tocava escondido, pois não tinha o consentimento da mãe, que não queria que o<br />

filho seguisse a carreira de Januário. Até que, certa noite, o sanfoneiro titular não apareceu<br />

e Seu Miguelzinho escalou Luiz, que desta vez se apresentou com a anuência de<br />

Santana. Garantiu o baile e fez sucesso. De tão novinho que era, sentiu sono às tantas<br />

horas e foi acolhido numa rede. Fez xixi nas calças enquanto dormia.<br />

1924 – Em meados do ano, uma cheia faz com que o Rio Brígida suba de nível e<br />

transborde, inundando todas as roças e destruindo moradias próximas às margens –<br />

caso da casinha de Januário, que se muda com a família para o povoado do Araripe,<br />

na fazenda Várzea Grande.<br />

1925 – Aos 12 anos, idade em que todos os meninos do sertão normalmente entram<br />

de vez para a força de trabalho na lavoura (eram obrigados a trabalhar dois dias por<br />

semana para os patrões), Luiz tem mais sorte. É acolhido pelo coronel Manoel Aires<br />

de Alencar, da fazenda Gameleira, prefeito e rábula (espécie de advogado) de Exu, que<br />

o escolhe como tomador de conta de seus cavalos nas viagens que fazia. Ganhando<br />

700 réis por dia, acompanha Aires por todo o interior de Pernambuco, montado num<br />

burrico atrás do patrão, que ia a cavalo. Divertia o patrão contando histórias nas horas<br />

que passavam nas estradas. Numa viagem à cidadezinha de Ouricuri, Luiz vê uma sanfona<br />

na loja vizinha à casa em que ele e o patrão estavam hospedados e cisma que vai<br />

ser dono daquele fole, que ainda por cima era igual ao do pai. Era uma sanfona Koch<br />

de oito baixos (da marca Veado) e custava 120 mil réis. Ao repetir a viagem, no mês<br />

Pequenos Notáveis - Luiz Gonzaga<br />

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seguinte, Luiz tanto amola o patrão que consegue um jeito de financiar a compra da<br />

primeira sanfona de Luiz Gonzaga: metade do valor seria paga com o salário já acumulado<br />

do menino e a outra metade seria adiantada como empréstimo pelo coronel<br />

Aires. Consumada a aquisição, Luiz avisa ao patrão que não quer mais trabalhar com<br />

ele, pois queria ser sanfoneiro profissional. O coronel não tem outro jeito senão se<br />

resignar. A proximidade com Manoel Aires de Alencar valeu ainda outros dois presentes<br />

a Luiz: com as filhas do patrão aprendeu a usar os talheres e a ler e escrever.<br />

Não fosse a disponibilidade das filhas do coronel Aires, a alfabetização de Luiz teria ficado<br />

nos coros cantados que ouvia sempre que passava em frente à escolinha de Exu.<br />

“Abecedê, ê, fê, guê, jê, lê, mê, nê, ô, pequerê...” Era o canto que saía pela janela da<br />

escolinha e que Luiz ouvia e ia decorando. Em 1926, foi muito incentivado por Gilberto<br />

Aires (filho do coronel e fã da sanfona de Gonzaga) a aderir ao grupo de escoteiros<br />

que tinha sido formado em Exu pelo sargento de polícia Aprígio, recém-chegado do<br />

Rio de Janeiro. Sabendo que entre as atividades do sargento estava a alfabetização dos<br />

garotos, Gilberto praticamente intimou Luiz a se tornar escoteiro. Propôs ao amigo<br />

que tocasse na noite de Exu e, com o dinheiro, pagasse um quarto na hospedagem de<br />

Dona Vitalina, afinal a cidade distava duas léguas da casinha em que vivia com a família.<br />

Luiz topou e chegou a frequentar o grupo por 40 dias – período em que aprendeu<br />

a assinar o nome e escrever algumas frases. Resumiu-se a isso a vida escolar de<br />

nosso personagem, que assim explica o abandono das aulas do sargento Aprígio: “Eu<br />

queria aprender a ler, mas meus pais precisavam de mim para ajudar na roça, e aquele<br />

vaivém entre Exu e a Caiçara não acabava mais. E eu não era um aluno interessado em<br />

queimar as pestanas. Isso me faz falta até hoje”, diria o futuro Rei do Baião à escritora<br />

Dominique Dreyfus, autora de Vida do Viajante: a Saga de Luiz Gonzaga.<br />

1927 – Chega ao Araripe a notícia de que o bando de Lampião estava a caminho<br />

daquela região, por onde passaria para chegar a Juazeiro do Norte, onde se encontraria<br />

com Padre Cícero. O líder religioso tinha convocado os cangaceiros para proteger<br />

a área da temida Coluna Prestes, que àquela altura marchava rumo ao Nordeste. Com<br />

medo de Lampião (cujo bando tinha fama de tomar casas, comer as criações e assassinar<br />

quem tentasse impedi-los), Januário, Santana e a filharada deixam a casa às pressas<br />

e correm para a beira do rio, para a tristeza do jovem Luiz, então com 15 anos, que<br />

sonhava ver o ídolo cangaceiro de perto e, quem sabe, se oferecer como sanfoneiro do<br />

bando. A família passa a noite sob uma quixabeira e, na manhã seguinte, é Luiz quem<br />

se escala para checar se estava tudo bem na casa. Descobriu que Lampião sequer tinha<br />

passado perto dali, mas mesmo assim voltou aos berros: “Corre, pessoal, que Lampião<br />

está vindo aí!”. O pai já tinha apagado a fogueira e as crianças corriam longe, quando<br />

revelou que se tratava de um trote. Levou uma saraivada de cocos na cabeça.<br />

1930 – Charmoso, bom prosador e ótimo sanfoneiro, Luiz era bem cotado entre as<br />

meninas de Exu. Chegou a pedir uma certa Ana Doca em noivado, com anel e tudo,<br />

mas Santana tratou de desmanchar a proposta do filho – que, na época, tinha 15<br />

anos. Já em 1930, se apaixona pela jovem Nazarena Olindo, a Nazinha, moça branca<br />

de boa família com quem sonha se casar. Estava todo animado com o enlace quando<br />

soube que o pai da moça, o severo Raimundo Olindo, tinha feito pouco dele: “sanfoneirozinho<br />

de nada, sem futuro”, que “vive por aí puxando fole” e “nem roça tem”.<br />

Mexido, o rapaz tomou umas cachaças, pegou na peixeira e foi tomar satisfação com<br />

o candidato a sogro, que respondeu que se tratava de um mal-entendido, mas foi<br />

em seguida fazer queixa a Santana. A mãe deu uma surra em Luiz, que ainda tentou<br />

proteção de Januário, mas tudo que ganhou foi um chute no traseiro. Humilhado,<br />

o rapaz decidiu fugir de Exu. Foi para o Crato (CE) e se viu obrigado a vender sua<br />

primeira sanfona – por 80 mil réis – para bancar a fuga. Correu para Fortaleza, aonde<br />

chegou em julho de 1930, fingindo ser mais velho para poder entrar no Exército antes<br />

Pequenos Notáveis - Luiz Gonzaga<br />

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dos 18 anos, que só completaria no fim de 1930. Ingressou no 22º Batalhão de Caçadores,<br />

virando o Soldado Nascimento, número 122. Continuou a viajar, desta vez para<br />

o Piauí, para a Paraíba e para onde mais seu batalhão se deslocasse para atuar a favor<br />

da Revolução de 30 ou contra o cangaço (principais atribuições do 22º BC).<br />

1931 – Em dezembro, seguindo o desejo de conhecer o “Sul”, consegue transferência<br />

para o Rio de Janeiro, mas adoece, permanecendo alguns meses internado no Hospital<br />

Central do Exército. É transferido para Belo Horizonte, aonde chega em agosto de<br />

1932. Em novembro, transfere-se para Juiz de Fora (MG). Agora está lotado no 12º<br />

Regimento de Infantaria, com o qual viaja em 1933 para Campo Grande (então MT,<br />

hoje MS) para apoiar a Bolívia contra o Paraguai na Guerra do Chaco.<br />

1933 – Transfere-se para o 11° Batalhão de Caçadores, em São João del Rei (MG),<br />

onde é aprovado no curso de corneteiro. Estuda noções de harmonia, aprende a tocar<br />

corneta e é elevado a tambor-corneteiro de primeira classe. Começa a dar um rumo<br />

musical a sua vida militar, na qual passa a ser conhecido por “Bico de Aço”.<br />

1936 – Ainda em São João del Rei (MG), torna-se amigo do soldado de polícia Domingos<br />

Ambrósio, com quem aprende a tocar sanfona de 120 baixos. De quebra, o novo<br />

amigo lhe ensina as músicas da moda, que faziam sucesso e chegavam aos ouvidos de<br />

Luiz pela Rádio Tupi, que ele conseguia sintonizar sem maiores problemas no interior<br />

de Minas. Eram valsas, polcas, boleros, tangos, rancheiras, foxtrotes e outros gêneros<br />

musicais estrangeiros. Para poder se aprimorar nos estudos, compra uma sanfona de<br />

48 baixos (“Era ruim demais!”), com a qual passa a se apresentar nas horas de folga.<br />

1937 – É neste ano que se dá a última transferência da vida militar do soldado Nascimento:<br />

desta vez, ele se muda para Ouro Fino (MG), mas só quer saber de música.<br />

A convite do advogado Raul Apocalipse, se apresenta no clube Éden – tocando pela<br />

primeira vez para uma plateia urbana.<br />

1938 – Encantado com uma sanfona branca que lhe é oferecida por um caixeiro viajante<br />

de São Paulo (uma Horner, de 80 baixos), paga 500 mil-réis em prestações, mas<br />

nunca recebe o instrumento. Ao sentir que está sendo ludibriado, viaja para São Paulo<br />

e descobre que o endereço que tinha recebido do vendedor não existia. Fica desesperado.<br />

De volta ao Hotel Toscana, onde estava hospedado, conta o drama ao dono do<br />

estabelecimento e este convence o filho a vender sua Horner (também branca, de 80<br />

baixos) ao soldado pernambucano, que consegue dinheiro com a venda da sanfona de<br />

48 baixos que tinha comprado em São João del Rei.<br />

1939 – Pede baixa no Exército e, em março, vai para o Rio de Janeiro, chegando já<br />

com bilhetes comprados para retornar (de navio) a Recife e viajar (de trem) até Exu. Na<br />

espera pelo navio do Lloyd que o levaria de volta ao Nordeste, resolve conhecer a zona<br />

do meretrício da então Capital Federal, mais conhecida como Mangue. Fica de vez. É<br />

interessante como, no mesmo ano (e com uma diferença de apenas um mês), chegaram<br />

ao Rio de Janeiro os dois compositores que, na década seguinte, fariam o Nordeste<br />

renascer dentro da música brasileira: o sertanejo pernambucano Luiz Gonzaga e o<br />

praieiro baiano Dorival Caymmi, que desembarcaria na Capital Federal em fins de abril.<br />

Ajudado pelo violonista baiano Xavier Pinheiro, Luiz Gonzaga vai morar no Morro de<br />

São Carlos. Começa a ganhar a vida com apresentações no próprio Mangue, tocando<br />

música estrangeira para embalar as noites de marinheiros e outros forasteiros – de um<br />

marinheiro bêbado compra uma sanfona Scandalli, italiana, de 120 baixos. É com ela<br />

que vara noites em bibocas como o Bar Espanhol e, depois, o Bar Cidade Nova. Pois<br />

foi neste segundo que, certa noite, foi abordado por um grupo de estudantes cearenses<br />

querendo saber de onde Luiz tinha vindo. Ao dizer que era de Exu, perto da Serra<br />

do Araripe, os conterrâneos exultaram: “Você é cabeça chata que nem a gente! Pois<br />

Pequenos Notáveis - Luiz Gonzaga<br />

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então deixe de lado essas músicas estrangeiras e toque uns forrós, que é a nossa música!”.<br />

Luiz atacou de Pé de Serra (mais tarde rebatizada de Xamego) e Vira e Mexe,<br />

fazendo sucesso imediato e aposentando de vez o repertório gringo.<br />

1940 – É também o baiano Xavier Pinheiro que apresenta Luiz ao famoso acordeonista<br />

Antenógenes Silva, com quem começa a estudar. “Em pouco tempo ele já sabia<br />

mais do que eu”, diria o mestre. “Eu não tinha mais o que ensinar.” Participa com<br />

destaque dos programas de rádio Papel Carbono (de Renato Murce) e Calouros em<br />

Desfile (de Ary Barroso). Neste segundo, apresenta Vira e Mexe e Pé de Serra, levando<br />

a nota máxima e o primeiro prêmio de 150 mil-réis. Seu primeiro emprego no rádio é<br />

na Transmissora, trabalhando no programa A Hora Sertaneja, de Zé do Norte.<br />

1941 – Em 5 de março, realiza a primeira gravação, acompanhando na sanfona a dupla<br />

caipira Genésio Arruda e Januário França na cena cômica A Viagem de Genésio, na<br />

RCA Victor, gravadora com a qual assina contrato e que o acompanharia por toda a<br />

carreira. Depois de merecer elogios do chefe de vendas da gravadora, Ernesto Augusto<br />

Matos, grava pela primeira vez como solista, no dia 14 de março, fazendo dois discos:<br />

um com a mazurca Véspera de São João (de sua autoria com Francisco Reis) e com a<br />

valsa Numa Seresta, sem parceiro; o outro com a valsa Saudades de São João Del Rei<br />

(de Simão Jandi) e o chamego Vira e Mexe, de sua própria autoria. Daí por diante, não<br />

parou mais de gravar. Até conhecer Humberto Teixeira e se assumir como embaixador<br />

do sertão na Capital Federal, gravou 79 músicas, todas instrumentais, algumas com<br />

relativo sucesso, como o choro Galo Garnizé (parceria com Antonio Almeida) e o chamego<br />

Penerô Xerém (com Miguel Lima). “Chamego” foi como Luiz Gonzaga cunhou o<br />

gênero musical – um chorinho ligeiro com sotaque nordestino – que adotou como uma<br />

de suas marcas na primeira metade dos anos 40. Neste ano, é contratado pela Rádio<br />

Clube do Brasil para substituir Antenógenes Silva no programa Alma do Sertão, de<br />

Renato Murce. Foi por esta época e nesta emissora que o violonista Dino Sete Cordas,<br />

vendo o formato do rosto de Luiz Gonzaga, cria para ele o apelido de Lua.<br />

1943 – Após uma passagem pela Rádio Mayrink Veiga, é contratado pela Rádio<br />

Tamoio. Passa a se apresentar vestido de vaqueiro nordestino. A inspiração da<br />

indumentária foi outro sanfoneiro: o catarinense Pedro Raimundo (1906-1973),<br />

contratado neste ano para integrar o cast da Rádio Nacional, lotando o auditório<br />

da emissora em suas apresentações com trajes típicos de gaúcho. Assim como os<br />

turbantes e balangandãs de Carmen Miranda e o terno branco de Moreira da Silva, a<br />

indumentária sertaneja seria a marca visual de Luiz Gonzaga até o fim de sua vida.<br />

Outro marco importante de sua carreira neste ano são as primeiras apresentações no<br />

rádio como cantor: incomodado com a interpretação de Manezinho Araújo para seu<br />

samba Dezessete e Setecentos (cantado como se fosse uma embolada), começa a<br />

cantar a música e chovem cartas na Rádio Tamoio, pedindo bis.<br />

1945 – Em setembro, foi dispensado pela Rádio Tamoio, sendo imediatamente contratado<br />

pela Rádio Nacional, onde o apelido Lua se torna oficial, tamanha a divulgação<br />

feita pelo ator – e, na época, grande radialista – Paulo Gracindo. Depois de se lançar<br />

como acordeonista e compositor de valsas, polcas e choros, é neste ano que realiza<br />

a primeira gravação como cantor: a estreia se dá com Dança, Mariquinha, mazurca<br />

dele com Miguel Lima. Feita a estreia de sua voz em disco, passa a nutrir a vontade de<br />

cantar o Nordeste para o Brasil todo, mas precisava encontrar um parceiro que traduzisse<br />

em letra o que sentia. Procurou o compositor e pianista cearense Lauro Maia, que<br />

o encaminhou ao cunhado: o advogado Humberto Teixeira, natural de Iguatu (CE).<br />

Teixeira vivia desde 1932 no Rio, aonde chegou aos 17 anos incompletos, com o objetivo<br />

inicial de estudar Medicina. Desistiu no meio do caminho, mas manteve os planos<br />

de ser doutor, matriculando-se na Faculdade Nacional de Direito, de onde só sairia em<br />

1943, já formado. Quando foi procurado por Luiz Gonzaga, também tinha músicas<br />

Pequenos Notáveis - Luiz Gonzaga<br />

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gravadas – por Cyro Monteiro (Agradece a Deus), Odete Amaral (Bem Vi) e Quatro<br />

Ases e Um Coringa (Natalina e Morena dos Meus Sonhos).<br />

Foi em agosto daquele ano de 1945 que se deu o encontro dos dois parceiros, como<br />

contou Teixeira ao pesquisador Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez (11/12/1977): “Um<br />

dia, estou lá no escritório, na Avenida Calógeras (Centro do Rio), quando me procurou<br />

o Luiz Gonzaga, que conhecia de nome, mas era a primeira vez que o via. Ele<br />

começou contando a conversa com o Lauro e, em seguida, explicou-me a história de<br />

deflagrar a música do Norte nos grandes centros (na época, usava-se muito o termo<br />

Norte em lugar de Nordeste). Aí, ficamos conversando de quatro e meia à meia-noite.<br />

Eu fechei o escritório (de advocacia), como fazia quando tratava de música, e relembramos<br />

aqueles ritmos do Ceará, de Pernambuco, e naquele dia mesmo nós chegamos<br />

à conclusão de que a música a ser utilizada (no projeto) era o baião, pois era a que<br />

tinha a característica mais fácil, mais uniforme para se lançar”.<br />

O baião já existia desde a virada do século XIX para o XX: era uma dança que derivava<br />

do lundu, sendo definida no Dicionário do Folclore Brasileiro (Câmara Cascudo)<br />

como “uma dança rasgada, lasciva, movimentada, ao som de canto próprio, com letras<br />

e acompanhamento a viola e pandeiro”. Originalmente chamava-se “baiano”, mas<br />

popularizou-se já com a corruptela “baião”.<br />

Em 22 de setembro, nasce no Rio de Janeiro o menino Luiz Gonzaga do Nascimento<br />

Jr., seu filho da relação com Odaléia Guedes dos Santos, cantora do Dancing Brasil que<br />

namorava o pai do menino desde 1944. Embora fosse estéril e não fosse casado com<br />

a Léa, aceita registrar o bebê como seu filho. Na biografia Vida do Viajante: a Saga<br />

de Luiz Gonzaga, a escritora Dominique Dreyfus afirma que “os testemunhos foram<br />

unânimes, afirmando que todo mundo sabia que Gonzaguinha não era filho de Luiz<br />

Gonzaga”. Mais adiante, ela escreve: “A verdade é que, na medida em que Luiz Gonzaga,<br />

pai e filho, nunca fizeram teste de DNA, o mistério permanece inteiro e inviolável”.<br />

Órfão de mãe aos 2 anos (Odaléia morreu aos 22, de tuberculose), o menino foi criado<br />

pelos padrinhos, já que o pai – constantemente viajando por todo o Brasil – não tinha<br />

como tomar conta. Assim, Luizinho cresceu no Morro de São Carlos (Estácio), sob os<br />

cuidados de Dina (Leopoldina de Castro Xavier) e Xavier (Henrique Xavier), ele violonista<br />

e primeiro professor de música do menino. De Luiz Gonzaga recebeu, além do<br />

nome, algumas visitas esporádicas e dinheiro para os estudos.<br />

1946 – Ano inicial da Era do Baião. Em outubro, o grupo Quatro Ases e Um Coringa<br />

lança, num disco de 78 rotações da gravadora Odeon, a canção-manifesto Baião<br />

(Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira), gravada em 22 de maio daquele ano, marcando<br />

a abertura das porteiras para o sucesso nacional do gênero musical ressuscitado pela<br />

dupla de compositores. O curioso é que, aparentemente, nem o conjunto, nem a gravadora<br />

levavam fé no projeto de Gonzaga e Teixeira, tanto que o lançamento de Baião<br />

se deu no lado B de um disco cujo lado A trazia um samba: o desde sempre desconhecido<br />

De Quem é o Azar (Gil Lima e Nelson Teixeira). Contrariando a tradição da época<br />

(esperava-se que a música do lado A puxasse as vendas dos discos), o sucesso daquele<br />

78 rotações se deveu exclusivamente à peça abre-alas nordestina que convidava o<br />

ouvinte a conhecer aquela novidade: “Eu vou mostrar pra vocês / Como se dança o<br />

baião / E quem quiser aprender / É favor prestar atenção...”. Entre as inúmeras regravações<br />

que teve, uma merece destaque: foi feita em inglês, com o nome de Ca-room’<br />

Pa Pa (versão de Ray Gilbert), no último disco de Carmen Miranda, lançado em 1950<br />

pela gravadora americana Decca. Em dezembro de 1946, o próprio Luiz Gonzaga lança<br />

o xote No Meu Pé de Serra, também da primeira fornada composta com Humberto<br />

Teixeira, gravado em 27 de novembro de 1946.<br />

No livro A Canção do Tempo – Volume 1, os pesquisadores Jairo Severiano e Zuza<br />

Pequenos Notáveis - Luiz Gonzaga<br />

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Homem de Mello dão ares heroicos ao baião, definindo o gênero nordestino como<br />

“a música que melhor enfrentou a invasão do bolero ao final dos anos 40”. Quanto<br />

ao primeiro exemplar do gênero-projeto concebido por Luiz Gonzaga e Humberto<br />

Teixeira, os escritores destacam a importância da dupla ao estilizar o velho baião,<br />

tornando-o mais assimilável ao gosto urbano, sem, contudo, retirar suas características<br />

básicas, como o ritmo, com ênfase na síncope do segundo tempo. “Tudo isso<br />

sobre uma melodia cheia de sétimas menores, semelhante às cantigas de cantadores<br />

do Nordeste”, definem Jairo e Zuza.<br />

O ano de 1946 marcou também a primeira visita de Luiz Gonzaga a Exu desde 1930,<br />

de onde saíra corrido, depois de se desentender com o pai de uma namorada e levar<br />

uma surra de Santana. Voltou famoso, em meados do ano, acompanhando a mãe, que<br />

tinha ido ao Rio visitar o filho famoso. Chegou ao Araripe com grande recepção e foi<br />

logo procurar Januário, seu pai e professor de música. Logo vieram os shows e, com<br />

eles, gente de todo lado, para ouvir “Luiz de Januário”, agora famoso, tocando sanfona<br />

de 120 baixos cheia de recursos, devidamente exibidos por Luiz. O povo continuou<br />

preferindo o pai, com comentários que serviram de mote para Respeita Januário, que<br />

Humberto Teixeira letraria a partir do relato de Luiz: “Quando eu voltei lá no sertão<br />

/ Eu quis mangar de Januário / Com meu fole prateado / Só de baixo cento e vinte /<br />

Botão preto, bem juntinho / Como nego empareado...”. O causo do reencontro com<br />

Januário seria contado pelo próprio Luiz Gonzaga em suas apresentações a partir dos<br />

anos 70, como uma introdução proseada, acompanhada de sua sanfona.<br />

Nesta viagem, antes de retornar ao Rio, passou uns dias em Recife, onde participou<br />

de festas e programas de rádio e conheceu grandes músicos locais, que logo se<br />

tornariam nomes nacionais, como Sivuca, Nelson Ferreira e Capiba. Também conheceu<br />

o médico obstetra José de Souza Dantas Filho, vulgo Zé Dantas, que viria a ser<br />

o parceiro mais constante de sua obra. Nascido em 1921 na cidade pernambucana<br />

de Carnaíba de Flores (Sertão do Alto Pajeú), vivia desde a infância em Recife, onde<br />

fora estudar, como acontecia normalmente aos filhos da burguesia rural – caso da<br />

família de Zé Dantas. Já cursava Medicina na Universidade Federal de Pernambuco<br />

quando descobriu a boemia e começou a compor, criando fama no meio universitário.<br />

Quando soube que o famoso Luiz Gonzaga estava hospedado no Grande Hotel,<br />

em Recife, foi logo procurá-lo, entregando-lhe algumas composições e fazendo<br />

amizade. Formado médico, Dantas veio para o Rio em 1949, para fazer residência<br />

em Obstetrícia. Na chegada, foi Luiz Gonzaga quem foi recebê-lo (com Humberto<br />

Teixeira) na plataforma da estação de trem da Leopoldina.<br />

1947 – Ano do maior sucesso de Luiz Gonzaga: a toada Asa Branca, composta em<br />

parceria com Humberto Teixeira, é lançada pelo próprio Gonzaga, em disco de 78<br />

rotações da RCA Victor. Curiosamente, assim como Baião, Asa Branca também se<br />

popularizou a despeito de ser uma música de lado B – neste caso, de um disco cujo<br />

lado A trazia a marchinha Vou pra Roça, também interpretada por Luiz Gonzaga,<br />

um dos autores da música, em parceria com Zé Ferreira. Segundo Jairo Severiano e<br />

Zuza Homem de Mello (A Canção no Tempo – Volume 1), a origem de Asa Branca<br />

é um tema folclórico muito antigo, sobre uma espécie de pomba branca, que foge<br />

do sertão ao pressentir a seca. “Luiz Gonzaga o conhecia desde a infância, através<br />

da sanfona do pai, mas achava-o simples demais para transformá-la numa canção”,<br />

contam os autores. “Assim, foi só para atender ao pedido de uma comadre que se<br />

dispôs a gravá-lo, levando-o antes para Humberto Teixeira dar-lhe uma ajeitada na<br />

letra. Então, Teixeira ajeitou-lhe também a melodia, acrescentou-lhe versos inspirados<br />

(‘Quando o verde dos teus óios se espaiá na prantação’) e tornou Asa Branca<br />

uma obra-prima.” Antes do sucesso estrondoso e de incontáveis regravações no Brasil<br />

e no exterior, o regionalismo e a tristeza de Asa Branca chegaram a ser motivo de<br />

Pequenos Notáveis - Luiz Gonzaga<br />

7


chacota no próprio estúdio da RCA Victor, onde os músicos do Regional de Canhoto<br />

faziam troça, imitavam ceguinhos que pediam esmola enquanto ouvia-se a gravação<br />

na sala da técnica. “Isso é música de cego”, zombavam. Foi também em 1947 que Luiz<br />

Gonzaga incluiu o chapéu de couro na indumentária sertaneja com que já se apresentava<br />

desde 1943. Na Rádio Nacional, contudo, ele só poderia se apresentar com o<br />

assessório – homenagem ao antigo ídolo Lampião – a partir de 1949.<br />

1948 – Em 16 de junho, casa-se com Helena das Neves Cavalcanti, pernambucana<br />

radicada no Rio desde 1944. Os dois se conheceram em 1946 na Rádio Nacional, onde<br />

ela trabalhava como contadora de histórias. Imediatamente, Gonzaga contratou-a<br />

como sua secretária particular e os dois começaram a namorar. Quando se casaram,<br />

foram morar com Dona Marieta, mãe dela, no bairro do Cachambi. Os dois irmãos<br />

mais novos de Luiz, Socorro e Aloísio, passam a morar com o casal no Rio, para serem<br />

escolarizados.<br />

De passagem por Garanhuns (interior de Pernambuco), naquele ano de 1948, Luiz fica<br />

vidrado no grupo mirim Os Três Pinguins, especialmente no pandeirista Nenê, de 7<br />

anos. Vendo o talento do pequeno artista, se lembrou dos tempos da fazenda Caiçara<br />

e pressentiu que poderia ter ali um seguidor. Deu ao menino-prodígio seu endereço<br />

e pediu que o procurasse se fosse ao Rio de Janeiro, pois seria o primeiro a incentivar<br />

sua carreira.<br />

1949 – Este ano é marcado por uma fornada e tanto da dupla Luiz Gonzaga e Humberto<br />

Teixeira, que trazia o xote Mangaratiba (lançado pelo Quatro Ases e Um Coringa,<br />

num disco de 78 rotações da Odeon) e outros sucessos gravados pelo próprio<br />

Luiz Gonzaga: a valsa Légua Tirana, o belíssimo baião Juazeiro e a polca Lorota Boa,<br />

do famoso refrão que todo mundo conhece, mas não sabe de quem é: “Que mentira,<br />

que lorota boa!”. Outro grande sucesso da dupla lançado neste ano foi o baião Qui<br />

Nem Jiló, interpretado por Marlene com os Cariocas e acompanhamento da Orquestra<br />

Tabajara. No ano seguinte, o próprio Luiz Gonzaga regrava a música, desta vez com a<br />

melodia correta – sem as alterações feitas por Marlene e os Cariocas.<br />

No mês de novembro, grava as primeiras músicas em parceria com Zé Dantas: os<br />

baiões No Forró de Mané Vito e Vem, Morena. Alguns livros se referem a estas duas<br />

composições como sendo somente de Zé Dantas (Gonzaga teria se tornado parceiro<br />

para gravá-las), mas há quem afirme que o Rei do Baião participou da composição<br />

delas. Assim, como estão assinadas pela dupla, é prudente considerá-las criações de<br />

Luiz Gonzaga e Zé Dantas. Radicado no Rio, Zé Dantas se divide entre as atividades<br />

de médico (atendendo em seu consultório ou no Hospital do Ipase, onde chegaria a<br />

vice-diretor da Maternidade) e artista – como diretor do programa O Rei do Baião<br />

(Rádio Nacional) e do Departamento de Folclore da Mayrink Veiga.<br />

No fim do ano, Luiz Gonzaga aluga um caminhão e traz a família do Araripe para morar<br />

no Rio de Janeiro, pertinho dele, no mesmo bairro do Cachambi: Januário, Santana<br />

e os cinco filhos que ainda moravam com eles. Mais adiante, compra no mesmo bairro<br />

uma casa grande – que Gonzaga chamava de “palacete” – e vão todos morar juntos.<br />

Januário voltaria para o Araripe nos primeiros anos da década de 50 e o resto da família<br />

se mudaria para Santa Cruz, na Zona Oeste.<br />

1950 – Neste ano, Luiz Gonzaga emplacou grandes sucessos com seus dois principais<br />

parceiros. Com Humberto Teixeira lançou o clássico baião Paraíba, com duas gravações<br />

no mesmo ano: a primeira com Emilinha Borba e a segunda com o Quatro Ases e<br />

Um Coringa. Já o próprio Luiz Gonzaga gravou o baião Respeita Januário (em 13 de<br />

abril) e a toada Assum Preto (26 de maio), ambos feitos com Teixeira. Já da parceria<br />

com Zé Dantas, Luiz Gonzaga lança o baião A Volta da Asa Branca e o xote Cintura<br />

Pequenos Notáveis - Luiz Gonzaga<br />

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Fina. Outra parceria de Gonzaga e Dantas, lançada neste ano, é A Dança da Moda,<br />

que já repercutia o sucesso do baião: “No Rio está tudo mudado / Nas noites de São<br />

João / Em vez de polca e rancheira / O povo só dança, só pede o baião”.<br />

No fim do ano, a Rádio Nacional lança a série No Mundo do Baião, como parte do<br />

programa Cancioneiro Royal, que tinha patrocínio dos produtos Royal. Tendo como<br />

produtores os dois grandes parceiros de Luiz Gonzaga – Humberto Teixeira e Zé Dantas<br />

– e como apresentador o carismático Paulo Roberto, o programa seria fundamental<br />

para a divulgação do baião pelo Brasil, com a participação de contadores de causos<br />

e inúmeras apresentações musicais de artistas do cast da emissora (Emilinha Borba,<br />

Ivon Curi, Quatro Ases e Um Coringa e os próprios Luiz Gonzaga e Zé Dantas), com<br />

acompanhamento de orquestra regida pelo maestro Ercole Varetto. Foi neste programa<br />

da Rádio Nacional que Luiz Gonzaga – já conhecido como Rei do Baião (apelido<br />

conferido neste ano pela imprensa de São Paulo, após um show realizado na cidade)<br />

– coroou, em 1951, a cantora Carmélia Alves como a Rainha do Baião. Completando<br />

a realeza, o programa também conferiu títulos de nobreza a Luiz Vieira (príncipe) e<br />

Claudette Soares (princesinha).<br />

1951 – Depois de ver o baião virar febre nacional e de emplacar sucesso atrás de sucesso,<br />

outra invenção de Luiz Gonzaga viria para ficar a partir deste comecinho da década<br />

de 50: o trio de forró. O Rei do Baião, que no início da carreira se acompanhava sozinho<br />

e depois passou a ser acompanhado por regional de choro (flauta, cavaquinho, violão,<br />

bandolim e pandeiro), queria agora encontrar uma sonoridade que fosse própria do<br />

baião e desse conta dos tantos bailes que já vinha fazendo. Inspirado nas bandas de pife<br />

que via nas novenas das igrejas do Araripe, Gonzaga adota primeiro o acompanhamento<br />

da zabumba, marcando o rimo com som grave. Já o triângulo veio da lembrança de uma<br />

feira no Recife, onde vira um menino vendendo biscoitos e cantando seu pregão acompanhado<br />

do instrumento. Pronto: o casamento do som grave e reverberado da zabumba<br />

com o tilintar saltitante do triângulo era a base perfeita para a sua sanfona. Chegou a<br />

considerar a entrada dos pífanos na formação, mas desistiu logo, pois o som agudinho<br />

das flautinhas típicas do sertão seria engolido pela sonzeira que saía do fole. A partir<br />

dali, Luiz Gonzaga se apresentaria acompanhado de zabumba e triângulo, criando uma<br />

formação que até hoje vigora em qualquer forró. Seus primeiros companheiros de trio<br />

foram Zequinha (triângulo) e Catamilho (zabumba).<br />

Em termos fonográficos, 1951 também deu bons frutos. No comecinho do ano, saiu<br />

a toada Estrada do Canindé, com Humberto Teixeira, gravada por Gonzaga em 20 de<br />

dezembro do ano anterior. Em junho, foi a vez de estourar a marchinha junina Olha<br />

pro Céu, de Luiz Gonzaga e José Fernandes, gravada pelo próprio Gonzaga em 5 de<br />

abril. Clássico do repertório junino, Olha pro Céu seria regravado muitas vezes, por artistas<br />

como Maria Bethânia, Gilberto Gil, Dominguinhos, Altamiro Carrilho e até Xuxa.<br />

1952 – Helena e Luiz Gonzaga adotam uma menina: Rosa Maria, que seria chamada de<br />

Rosinha. Já no campo artístico, o ano é marcado por uma separação: termina a parceria<br />

com Humberto Teixeira. Segundo Jairo Severiano, os dois já não se entendiam muito<br />

bem quando se associaram a diferentes sociedades arrecadadoras de direitos autorais.<br />

Apesar da importância da obra que resultou da parceria, deixaram apenas 27 composições<br />

juntos. Nos festejos juninos, o grande sucesso é o show Os Sete Gonzaga, que,<br />

reunindo o patriarca Januário e mais Luiz, Severino, Zé, Chiquinha, Socorro e Aloísio, foi<br />

atração de muito sucesso na Rádio Tupi, com a temporada (antes prevista para junho)<br />

prorrogada até 28 de julho. Fariam mais um show em 11 de agosto.<br />

Entre os lançamentos de Luiz Gonzaga no ano, o destaque é Pau de Arara, baião em<br />

parceria com o maestro Guio de Moraes: “Quando eu vim do sertão, seu moço, do<br />

meu Bodocó / A malota era um saco e o cadeado era um nó / Só trazia a coragem e<br />

Pequenos Notáveis - Luiz Gonzaga<br />

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a cara / Viajando num pau-de-arara / Eu penei... / Mas aqui cheguei”. Histórias como<br />

a de Pau de Arara caíam feito uma luva para os nordestinos que, com uma mão na<br />

frente e outra atrás, desembarcavam aos milhares no Rio e em São Paulo, sonhando<br />

com um futuro melhor. Como uma certa família Silva que, dali a dois anos, desembarcaria<br />

em Santos (SP) com uma penca de filhos, entre eles o futuro presidente da<br />

República Luiz Inácio Lula da Silva, oriundo de Caetés, no sertão pernambucano.<br />

1953 – Luiz Gonzaga lança a toada A Vida do Viajante, feita em parceria com o<br />

maestro mineiro Hervê Cordovil. Parceiro de Noel Rosa (no samba Triste Cuíca e na<br />

marchinha Não Resta a Menor Dúvida), Cordovil foi mais um artista já consagrado<br />

da era do rádio que, enfeitiçado pela sanfona de Luiz Gonzaga, se enveredou pelo<br />

baião. Os dois foram apresentados pela cantora Emilinha Borba. Regravações emblemáticas<br />

de A Vida do Viajante foram feitas em duo nas décadas de 80 e 90: primeiro<br />

por Luiz Gonzaga e Gonzaguinha (1981), depois por Chico Buarque e Dominguinhos<br />

(1997). Outro grande sucesso de Luiz Gonzaga e Zé Dantas lançado em 1953 foi O<br />

Xote das Meninas, resgatado por algumas regravações marcantes, como uma de Ivon<br />

Curi (1954), outra de Gerson King Combo (1971), uma de Marisa Monte (1989) e uma<br />

quarta da cantora Marina Elali (2007), neta de Zé Dantas, com uma estranha letra em<br />

inglês (All She Wants). Também da dupla Gonzaga e Zé Dantas saíram, neste ano, o<br />

baião ABC do Sertão e a toada Vozes da Seca, ambas gravadas por Luiz Gonzaga.<br />

1954 – Procurado no Rio pelo garoto Nenê (agora com 14 anos, morando com a<br />

família em Nilópolis), Luiz Gonzaga cumpre a promessa de apadrinhá-lo e lhe dá uma<br />

sanfona de presente. Início promissor para o jovem músico, que dali a alguns anos<br />

adotaria o nome artístico de Dominguinhos (ele se chamava José Domingos de Morais)<br />

e seria proclamado por Luiz Gonzaga seu seguidor. No mesmo ano, outro seguidor<br />

chega ao Rio de Janeiro vindo do Nordeste: o paraibano Jackson do Pandeiro (acompanhado<br />

da esposa, Almira Castilho), que vem tentar a sorte no Sudeste a convite<br />

de Luiz Gonzaga. O ano de 1954 marca também o fim de seu contrato com a Rádio<br />

Nacional.<br />

Já o ex-parceiro Humberto Teixeira, depois de atuar como diretor e vice-presidente<br />

da União Brasileira dos Compositores (UBC), resolve concorrer a deputado federal pelo<br />

Ceará na legenda do Partido Social Progressista (PSP). Consegue uma suplência, exercendo<br />

o mandato por quatro vezes entre 1955 e 1959. De sua atuação na Câmara dos<br />

Deputados destaca-se a Lei 1544/56 (também conhecida como Lei Humberto Teixeira),<br />

que permitiu a realização de caravanas para a divulgação da música popular brasileira<br />

no exterior e limitava a quantidade de músicas estrangeiras executadas no Brasil. Tentou<br />

se eleger novamente em 1958, mas não foi bem-sucedido.<br />

1959 – Sai o LP Luiz Gonzaga Canta Seus Sucessos com Zé Dantas, marco final da<br />

parceria entre os dois.<br />

1960 – Em 11 de junho, morre Santana, aos 67 anos, vítima de mal de Chagas. É<br />

enterrada no Rio de Janeiro e, mais tarde, seus restos mortais são trasladados para o<br />

Araripe. Desnorteado no princípio, Januário já estaria casado de novo em novembro,<br />

com Maria Raimunda de Jesus. Ele tinha 71; ela, 32.<br />

1961 – Morando com Helena desde o ano anterior num apartamento em Cocotá, na<br />

Ilha do Governador, Luiz Gonzaga acolhe em sua casa o filho Luizinho, que tinha 15<br />

anos e, sonhando estudar Economia, preferiu viver perto do pai. Mas se desentendeu<br />

com Helena e acabou indo parar no colégio interno, onde concluiu o curso clássico.<br />

Em seguida, ingressou na Faculdade de Ciências Econômicas Cândido Mendes. Durante<br />

a vida acadêmica, se aproximaria da música por meio do Movimento Artístico Universitário<br />

(o MAU), no qual despontaram também Aldir Blanc, Ivan Lins, Paulo Emílio e<br />

Pequenos Notáveis - Luiz Gonzaga<br />

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outros compositores. Era conhecido como Luiz Gonzaga Jr.<br />

1962 – No mesmo ano de falecimento de Zé Dantas (em 11 de março, aos 41 anos),<br />

Luiz Gonzaga conhece o compositor João Silva, que seria seu parceiro mais assíduo<br />

nas décadas seguintes, com músicas como Pagode Russo (gravada em 1965), Santo<br />

Antônio Nunca Casou (1970) e Danado de Bom (1984), entre muitas outras. Os dois<br />

se conheceram na Rádio Mayrink Veiga.<br />

1963 – Luiz tem sua sanfona Universal roubada. É socorrido pelo amigo e mestre<br />

Antenógenes Silva, que lhe empresta uma sanfona branca. A partir daí, todas as suas<br />

sanfonas seriam brancas, sempre trazendo a inscrição “É do povo”.<br />

1968 – Com o surgimento do Tropicalismo, Luiz Gonzaga é um dos nomes ressuscitados<br />

pelos artistas do movimento, no baú de referências nacionais que andavam<br />

esquecidas, como os cantores Vicente Celestino e Carmen Miranda. Os dois principais<br />

nomes tropicalistas, Caetano Veloso e Gilberto Gil, dão sucessivas entrevistas apontando<br />

a obra de Luiz Gonzaga como uma de suas principais influências. Também neste<br />

ano, começa a circular pelo Rio a notícia de que os Beatles estavam para gravar Asa<br />

Branca, e Luiz Gonzaga chega a dar entrevistas comentando “o interesse dos cabeludos<br />

pela nossa música”. A notícia, no entanto, não passava de um trote inventado por<br />

Carlos Imperial.<br />

1972 – Em março, apresenta no Teatro Tereza Rachel o espetáculo Volta pra Curtir,<br />

com direção de Jorge Salomão e do poeta tropicalista José Carlos Capinan. O grande<br />

sucesso de público encerra de uma vez o período de ostracismo que vivia desde o<br />

início da bossa nova, quando seu vozeirão, seus trajes típicos e sua sanfona ficaram,<br />

de repente, totalmente fora de moda. “Começou assim a fase derradeira de sua carreira,<br />

que se estendeu até o final dos anos 80. Nesse período, em que lançou em média<br />

mais de um LP por ano, renovou seu repertório”, como escreveu Jairo Severiano em<br />

Uma História da Música Popular Brasileira, no qual aponta João Silva como parceiro<br />

mais assíduo do Rei do Baião nesta fase final. É também por esta época que o Rei do<br />

Baião assume de vez o papel de contador de causos, recheando suas apresentações e<br />

discos com histórias contadas cheias de sabor matuto, fazendo o acompanhamento na<br />

sanfona, que quase sempre dialoga com o texto que é dito.<br />

1973 – Sai pela Odeon o primeiro LP de seu filho: Luiz Gonzaga Jr. (o nome artístico<br />

Gonzaguinha só seria assumido de vez em 1977, ano de lançamento do disco Moleque<br />

Gonzaguinha). À medida que o sucesso de Luiz Gonzaga renascia entre os jovens, o<br />

filho politizado não topava a proximidade dos militares com o pai e se irritava mais<br />

ainda ao vê-lo tocar em festas de integrantes do governo que não davam valor a sua<br />

música. A relação azeda de vez quando a ausência do pai na infância é somada às<br />

divergências político-ideológicas. “De tempos em tempos, ele vinha me visitar, ia me<br />

levar pra comprar uma roupa. Geralmente aparecia e eu não estava em casa”, contou<br />

Gonzaguinha, numa entrevista em 1979. “Ele não acreditava em mim pela minha formação,<br />

não tinha domínio sobre mim, temia que eu não virasse boa coisa.”<br />

1977 – Ao lado da cantora Carmélia Alves, Luiz Gonzaga lota o Teatro João Caetano<br />

(Centro do Rio) com espetáculos da série Seis e Meia.<br />

1978 – Em 11 de junho, no dia em que se completava o 18º aniversário do falecimento<br />

de Santana, morre Januário, aos 89 anos.<br />

1979 – Em 3 de outubro, morre Humberto Teixeira, aos 64 anos.<br />

1980 – Em Fortaleza, no Estádio Castelão, o Rei do Baião se apresenta para o Papa<br />

João Paulo II, que agradece em português: “Obrigado, cantador”!<br />

Pequenos Notáveis - Luiz Gonzaga<br />

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1981 – Reaproxima-se de Gonzaguinha, com quem grava o disco Descanso em Casa,<br />

Moro no Mundo. Os dois fazem turnê juntos, com shows memoráveis em todo o<br />

Brasil. São desta turnê os discos A Viagem de Gonzagão e Gonzaguinha e Gonzagão<br />

e Gonzaguinha ao Vivo. O filho reconsidera a visão crítica sobre o pai e assume a condição<br />

de fã. O pai, por sua vez, muda de nome artístico: a partir do reencontro com<br />

Gonzaguinha, passaria a assinar como Gonzagão, inclusive nos discos.<br />

1982 – É sondado para ser candidato a deputado federal pelo PDS, mas declina. Neste<br />

mesmo ano, se apresenta pela primeira vez no exterior, com um show em Paris a convite<br />

da cantora amazonense Nazaré Pereira. Na plateia do Teatro Bobino, gente importante<br />

do Brasil, como o ministro Celso Furtado e a cantora Maria Bethânia. Voltaria à<br />

capital francesa em 1986, como atração do festival Couleurs Brésil, apresentando-se<br />

para um público de 15 mil pessoas.<br />

1984 – É homenageado pelo Prêmio Shell de Música, com espetáculo realizado no<br />

Teatro Municipal do Rio de Janeiro.<br />

1988 – Pede o desquite e se separa de Helena, depois de 40 anos casados. Assume o<br />

relacionamento com Zuíta – apelido de Edelzuíta Rabelo, com quem se relacionava<br />

desde 1968, quando se conheceram numa festa junina de Caruaru (PE).<br />

1989 – Faz o último show em 6 de junho, no Teatro Guararapes (Recife), ao lado de<br />

amigos e discípulos como Alceu Valença, Marinês, Pinto do Acordeon, Gonzaguinha,<br />

Dominguinhos, Joquinha Gonzaga, Waldonys e Nando Cordel, entre outros amigos. Já<br />

bastante debilitado por um câncer de próstata, sua entrada no palco se deu de cadeira<br />

de rodas. Depois de 42 dias de internação, Luiz Gonzaga morre no dia 2 de agosto,<br />

aos 76 anos, no Hospital Santa Joana, no Recife. Velado na Assembleia Legislativa do<br />

Estado de Pernambuco, foi enterrado em Exu, onde hoje se encontra o Mausoléu do<br />

Gonzagão. “O Quixote do chapéu de couro”, definia o obituário do dia seguinte no<br />

Jornal do Brasil, assinado pelo jornalista João Máximo.<br />

2000 – Gilberto Gil lança o CD As Canções de Eu, Tu, Eles, com a trilha sonora do filme<br />

dirigido por Guel Arraes. O repertório é uma grande homenagem a Luiz Gonzaga, tanto<br />

com composições de sua autoria, quanto com músicas lançadas por ele (Óia Eu Aqui de<br />

Novo e Baião da Penha) e novos baiões, como o novo clássico Esperando na Janela. O<br />

sucesso do CD dá novo gás ao baião e, em especial, à figura de Luiz Gonzaga.<br />

2012 – No ano do centenário de seu nascimento, é homenageado pela escola de<br />

samba Unidos da Tijuca, que conquista o terceiro título de sua história com o enredo<br />

O Dia em Que Toda a Realeza Desembarcou na Avenida para Coroar o Rei Luiz do<br />

Sertão, desenvolvido pelo carnavalesco Paulo Barros.<br />

* Pedro Paulo Malta é músico, jornalista e pesquisador de música popular brasileira. Foi consultor da<br />

série Pequenos Notáveis, produzida pela <strong>MultiRio</strong>, que mostra a vida e a obra de grandes compositores<br />

brasileiros a fim de inspirar crianças de 9 a 14 anos a descobrir suas aptidões.<br />

Pequenos Notáveis - Luiz Gonzaga<br />

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