Sexualidade e desenvolvimento: a polÃtica brasileira de ... - Abia
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Achados da pesquisa 47 •<br />
Durante o estudo <strong>de</strong> caso, visitamos o PSF e tivemos a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acompanhar<br />
uma agente <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> 38 em duas visitas domiciliares. A primeira em um casarão antigo na<br />
Rua Mem <strong>de</strong> Sá, Lapa, on<strong>de</strong> encontramos Luciana, uma conhecida travesti consi<strong>de</strong>rada<br />
lí<strong>de</strong>r na região. O casarão, quase em ruínas, dispõe <strong>de</strong> <strong>de</strong>z quartos ocupados por travestis,<br />
e uma sala gran<strong>de</strong>. A agente <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> foi recebida com boas-vindas e apresentada<br />
às moradoras presentes: visitou os quartos, preencheu um formulário individual para<br />
cada resi<strong>de</strong>nte, conversou com todas, marcou consultas médicas e distribuiu camisinhas<br />
insistindo no seu uso. Esta agente informou que casos <strong>de</strong> tuberculose são frequentes e<br />
muitas travestis são HIV-positivas.<br />
A maioria das moradoras da casa veio das regiões Norte e Nor<strong>de</strong>ste do país. Apenas<br />
uma era carioca. Algumas relataram ser frequentadoras assíduas do PSF e que eram bem<br />
atendidas. Referiram-se à médica do PSF com muito carinho. Algumas informaram<br />
que são “voluntárias <strong>de</strong> pesquisa” <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> investigação clínica sobre a eficácia<br />
do antiretroviral Truvada (ARV Truvada) como prevenção medicamentosa do HIV<br />
(projeto IPREX). Por isto, também recebem tratamento médico em uma unida<strong>de</strong><br />
pública, o Hospital Evandro Chagas, mas não conhecem qualquer outro serviço<br />
público <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Mencionaram médicos/as particulares que prescrevem hormônios<br />
e aplicam silicone.<br />
A segunda visita foi a um edifício mo<strong>de</strong>rno, mas bastante precário, localizado na Rua<br />
do Rezen<strong>de</strong>. No quarto andar, Elizete bateu à porta <strong>de</strong> um apartamento, anunciando<br />
que era agente <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Houve <strong>de</strong>mora em abrir, mas, finalmente, duas travestis,<br />
bastante jovens introduziram a agente e o pesquisador a um pequeno espaço contendo<br />
eletrodomésticos e mobiliário básico. Uma terceira pessoa vive no apartamento, mas<br />
não estava presente. Uma das travestis tinha se submetido recentemente ao implante<br />
<strong>de</strong> silicone, sentia muitas dores e estava com dificulda<strong>de</strong> para movimentar-se. A agente<br />
<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> cumpriu o ritual: preenchimento das fichas, perguntas, respostas, entrega <strong>de</strong><br />
camisinhas e marcação <strong>de</strong> consultas.<br />
A experiência do PSF Lapa é emblemática. Por um lado, informa que, <strong>de</strong> fato, o<br />
sistema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> precisa reconhecer as diferenças que caracterizam a população usuária<br />
e que profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> precisam ser sensibilizados/as para lidar com as <strong>de</strong>mandas<br />
que <strong>de</strong>correm <strong>de</strong>ssas diferenças. A marca “diferença” é especialmente flagrante no<br />
caso das travestis, pois suas expressões corporais e necessida<strong>de</strong>s específicas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,<br />
relacionadas às transformações do corpo, <strong>de</strong>safiam abertamente normas <strong>de</strong> sexualida<strong>de</strong><br />
e gênero que predominam na visão e nas intervenções da saú<strong>de</strong> pública. Além disso, suas<br />
condições <strong>de</strong> vida, <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e <strong>de</strong> trabalho são, <strong>de</strong> modo geral, muito precárias, o que<br />
agrava situações <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> frente à AIDS, à violência e à discriminação. Neste<br />
sentido o investimento da equipe do PSF <strong>de</strong>ve ser reconhecido como extremamente<br />
38<br />
I<strong>de</strong>ntificada apenas por seu primeiro nome: Elizete.