Sexualidade e desenvolvimento: a polÃtica brasileira de ... - Abia
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Análise <strong>de</strong> contexto 15 •<br />
20, grupos filantrópicos, em particular religiosos, formularam propostas e projetos<br />
<strong>de</strong> reabilitação para prostitutas. O exemplo mais conhecido é a Pastoral da Mulher<br />
Marginalizada, vinculada à Igreja Católica 3 .<br />
Por outro lado, como bem analisam Rago 4 (1985), Kushner 5 (1996) e Pereira<br />
(2005), as prostitutas e a prostituição constituíam elementos marcantes do cenário<br />
cultural brasileiro <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o final do século 19, quando o país experimentou os primeiros<br />
momentos da mo<strong>de</strong>rnização e <strong>de</strong> urbanização. Escravas e negras forras eram maioria entre<br />
as mulheres que prestavam serviços sexuais, mas havia também prostitutas imigrantes<br />
francesas, italianas, espanholas e polacas (judias), que à época chegaram ao país em gran<strong>de</strong><br />
número (especialmente ao Rio <strong>de</strong> Janeiro e São Paulo) 6 . Rago e Kushner <strong>de</strong>screvem,<br />
inclusive, a história <strong>de</strong> associativismo protagonizada por prostitutas <strong>de</strong> origem judaica,<br />
no Rio <strong>de</strong> Janeiro, cujos efeitos positivos são inequívocos. A associação construiu um<br />
cemitério próprio e criou um fundo <strong>de</strong> pecúlio para garantir uma pensão para as<br />
prostitutas que já não podiam trabalhar 7 .<br />
Entretanto, um movimento <strong>de</strong> prostitutas com objetivos políticos explícitos só<br />
se concretizaria bem mais tar<strong>de</strong>, no final da década <strong>de</strong> 1970, quando um pequeno<br />
grupo <strong>de</strong> profissionais do sexo (mulheres e travestis) <strong>de</strong> São Paulo reagiu, <strong>de</strong> maneira<br />
organizada, à repressão policial contra a prostituição <strong>de</strong> rua. A partir <strong>de</strong> então cresceram<br />
paulatinamente as iniciativas <strong>de</strong> mobilização contra a discriminação e a violência e por<br />
mais respeito social pelo trabalho das prostitutas e <strong>de</strong>mais profissionais do sexo. Essas<br />
mobilizações foram apoiadas por artistas e grupos religiosos progressistas (católicos,<br />
luteranos e anglicanos) 8 .<br />
Em 1987, aconteceu o primeiro Encontro Nacional das Prostitutas, li<strong>de</strong>rado por<br />
Gabriela Leite. Este evento está na origem da atual Re<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Prostitutas. Além<br />
disso, o surgimento do movimento político das prostitutas coincidiu com os primeiros<br />
passos rumo à <strong>de</strong>mocratização e com os primeiros casos <strong>de</strong> AIDS confirmados no<br />
Brasil. Como em outros países, nos primeiros momentos da epi<strong>de</strong>mia alguns grupos<br />
3<br />
A Pastoral da Mulher Marginalizada é uma iniciativa muito antiga da Igreja Católica, voltada para o resgate <strong>de</strong><br />
mulheres prostitutas. Se nos anos 1970 e 1980 a Pastoral teve, em vários lugares, uma linha <strong>de</strong> trabalho bastante<br />
progressista, nos dias atuais está fundamentalmente voltada para ações <strong>de</strong> combate à prostituição infantil, tráfico<br />
sexual e resgate <strong>de</strong> mulheres da prostituição.<br />
4<br />
RAGO, M. Do cabaré ao lar: a utopia da cida<strong>de</strong> disciplinar, Brasil 1890-1930. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 1985.<br />
5<br />
KUSHNER, B. Baile <strong>de</strong> máscaras. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago, 1996.<br />
6<br />
Como se sabe, isto implicou em uma reconfiguração profunda em termos <strong>de</strong> normas morais e fronteiras entre<br />
público e privado, na qual tem particular relevância o <strong>de</strong>slocamento das normas morais <strong>de</strong> origem religiosa para os<br />
novos parâmetros <strong>de</strong> disciplinamento sexual biomédico.<br />
7<br />
A criação <strong>de</strong> um cemitério específico para as prostitutas foi uma resposta à postura discriminatória da comunida<strong>de</strong><br />
judaica, que não admitia que elas fossem enterradas no cemitério comunitário.<br />
8<br />
O Instituto Superior dos Estudos da Religião (ISER) foi, naquele momento, a organização guarda-chuva que <strong>de</strong>u<br />
espaço e apoio estratégico a essa iniciativa.