OCULTOS E EXCLUÃDOS - Claudio Di Mauro
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O ensino privado do modelo protestante, com financiamento das<br />
missões americanas, supriu estrategicamente a deficiência do sistema com<br />
apoio dos segmentos liberais. Sua extensão incluiu a alfabetização, na área<br />
rural, de camadas populares, conforme a ética protestante para leitura da<br />
Bíblia, exigível para todos os convertidos. Não era o caso da Igreja Católica,<br />
cerceada por princípios tridentinos conservadores, que limitavam a leitura<br />
Sagrada ao clero.<br />
As respostas hoje buscadas nos debates sobre temas como o<br />
financiamento do ensino, as relações entre o público e o privado, a valorização<br />
profissional dos professores, a eficiência de metodologias e, inclusive, sobre a<br />
cidadania, não dependem apenas do contexto contemporâneo, mas de uma<br />
visão ampla de seus conflitos originais, que se encontram no século XIX.<br />
A instrução pública integra os direitos civis e políticos dos cidadãos<br />
desde a instalação da Corte no Brasil (1808) e consolidou-se<br />
constitucionalmente a partir da Independência (1822). Resta ver, porém, que<br />
sempre se verificou um hiato entre o universo legal e a realidade. Quanto à<br />
qualidade desta correspondência, Emília Viotti da Costa analisa os princípios<br />
aparentemente liberais de nossa primeira Constituição (1824) e a distância<br />
entre as disposições jurídicas e o que ocorria de fato.<br />
“Afirmava-se a liberdade e a igualdade de todos perante a lei, mas a<br />
maioria da população permanecia escrava. Garantia-se o direito de propriedade,<br />
mas dezenove partes, em vinte, da população, segundo calculava Tollenare,<br />
quando não era escrava, compunha-se de moradores vivendo nas fazendas em<br />
terras alheias, podendo ser mandados embora a qualquer hora. Garantia-se a<br />
segurança individual, mas podia-se matar impunemente um homem...<br />
Enquanto o texto da lei garantia a independência da justiça, ela se<br />
transformava num instrumento dos grandes proprietários. Aboliam-se as<br />
torturas, mas, nas senzalas, os troncos, os anjinhos, os açoites, as gargalheiras<br />
continuavam a ser usados, e o senhor era o supremo juiz decidindo da vida e<br />
da morte de seus homens”. (54)<br />
No campo estritamente educacional prevalecia a falta de<br />
correspondência entre a legislação e a realidade: garantia-se a instrução<br />
primária gratuita a todos os cidadãos, mas não se construíam escolas nem se<br />
preparavam professores. O período monárquico foi marcado por uma sucessão<br />
desconexa de leis para o ensino. A ausência de um plano definido para a<br />
educação pode ser constatada pelas inúmeras reformas e projetos que de<br />
alguma forma influíram na organização do ensino secundário ou primário,<br />
durante o Império. Sem incluir projetos e reformas de menor expressão, podem<br />
ser destacadas as leis de: 1838; 1841; 1854 (Couto Ferraz); 1855; 1857;<br />
1862; 1869 (Paulino de Souza); 1870; 1871 (João Alfredo); 1876; 1878<br />
(Leôncio de Carvalho); 1881; 1882 (Rui Barbosa/Almeida e Oliveira); 1886<br />
(Barão de Mamoré). (55)