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OCULTOS E EXCLUÍDOS - Claudio Di Mauro

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Cabe lembrar outros aspectos. Milhares de negros participaram da<br />

Guerra do Paraguai (1865/70) e de lá voltaram vitoriosos. Muitos condecorados<br />

por bravura. O retorno foi problemático porque a experiência da guerra os<br />

tornou resistentes a humilhações. E deu-lhes adestramento militar... Ao passar<br />

de gerações e com o desenvolvimento do País, os escravos absorveram idéias<br />

elementares de direito e cidadania, assim adquiriram uma visão civilizada que<br />

seus antepassados africanos não tinham. Os aqui nascidos sabiam-se brasileiros<br />

e cristãos, sentimento que contribuiu para alimentar seu espírito de resistência.<br />

Como último país a ter escravos, a ética cristã no Brasil vivia afrontosa<br />

contradição. A Igreja não tinha mais como fechar os olhos ao conflito.<br />

O movimento abolicionista, conduzido por brancos da elite, políticos,<br />

poetas, jornalistas e negros ou mulatos libertos, colocou a definitiva lenha na<br />

fogueira. O clima variava da desobediência civil ao desrespeito flagrante às leis.<br />

Abolicionistas, entre eles jovens e apaixonados maçons, articulavam<br />

abertamente contra a escravidão. Lojas baixavam leis internas penalizando<br />

quem obstruísse o processo de libertação. À noite, abolicionistas assaltavam<br />

fazendas, promoviam fugas, davam abrigo ou transportavam foragidos para<br />

lugar seguro. Era comum que fizessem caixa de arrecadações para comprar a<br />

liberdade de líderes escravos. Eles, livres, engrossavam os distúrbios.<br />

Os militares registraram altiva contribuição no processo. Convocados<br />

pelos fazendeiros para que garantissem a segurança patrimonial e a captura de<br />

escravos entre Limeira, Rio Claro e Piracicaba, os chefes militares recusaram-se<br />

ao expediente por uma questão de dignidade. Documentos da época mostram<br />

inúmeras reclamações de fazendeiros, encaminhadas ao governo, contra o que<br />

chamavam de “jovens e precipitados juízes” de Rio Claro e região (com Termo<br />

Cível desde 1857) que passavam a interpretar as leis a favor dos negros, no<br />

que se vê a contribuição do Judiciário. (Warren Dean, 1977)<br />

Por estranho que pareça, o próprio oportunismo dos fazendeiros<br />

acabou contribuindo para o fim da escravidão. Vendo que a situação estava<br />

perdida, os latifundiários converteram-se, repentinamente, às teses<br />

abolicionistas, vendo nelas o suporte para a Proclamação da República. Era um<br />

revide contra o governo imperial que houvera deixado a situação chegar àquele<br />

ponto. A desforra dos fazendeiros foi somar forças com os abolicionistas e dar<br />

um fim no Império. Tendo em vista, evidentemente, a grilagem do poder. E foi<br />

assim que aconteceu. A classe dominante da economia uniu-se, deu um golpe<br />

de Estado, destituiu o imperador e assenhorou-se do poder e finanças públicas<br />

para custear sua produção de café. Após a fraude da Lei Áurea seguiu-se,<br />

portanto, a fraude da Proclamação da República.<br />

Entre uma transição e outra, os libertos pela Abolição formaram uma<br />

massa de desvalidos. Sem direitos de qualquer espécie, continuaram sendo<br />

explorados nas fazendas. Nas cidades, pior, tornaram-se mendigos, afamados<br />

vagabundos, vítimas preferenciais da polícia. Uma rápida leitura dos jornais de

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