OCULTOS E EXCLUÃDOS - Claudio Di Mauro
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CAPÍTULO VI<br />
BRANCOS E NEGROS<br />
Comemorar a Abolição da Escravatura sempre foi coisa de branco.<br />
Para um certo alívio do complexo de culpa, talvez. Os negros nunca tiveram<br />
motivos para lembrar a data sem ressentimentos, apesar de terem reagido<br />
contra o pretenso civismo do 13 de maio só a partir da década de 80, com a<br />
redemocratização do País.<br />
De lá para cá, os segmentos afro-brasileiros escolheram o <strong>Di</strong>a de<br />
Zumbi, 20 de novembro, para lembrar o fim da miséria a que foram submetidos<br />
por 300 anos. O reivindicado <strong>Di</strong>a da Consciência Negra tornou-se preferencial<br />
por marcar a memória do líder escravo que guerreou pela liberdade de seu<br />
povo.<br />
A mudança de uma data para outra não causou nenhum impacto e<br />
ainda só encontra maior ressonância junto a grupos mais intelectualizados.<br />
Gradualmente, no entanto, seu apelo libertário ganha dimensão popular. O<br />
raciocínio que defende é simples: o grau de liberdade que a raça negra hoje<br />
dispõe é um mérito próprio, pois se trata historicamente de uma sobrevivência<br />
física e espiritual pela qual sucessivas gerações pagaram com a vida. Mais<br />
ainda, aceitar a idéia de liberdade como algo concedido pela benevolência dos<br />
detentores do poder seria raciocinar ainda em termos escravocratas, de alforria.<br />
Apesar dos proprietários de escravos espernearem até a última hora, a<br />
Abolição foi uma fraude. Velhos, adultos e crianças foram atirados à própria<br />
sorte sem qualquer chance de sobrevivência. Houvesse algum pudor civilizado,<br />
os ex-escravos teriam sido indenizados pelo trabalho não-pago de três séculos,<br />
como de certa forma chegou a ser feito nos Estados Unidos, quando negros<br />
conseguiram tornar-se meeiros nas propriedades em que trabalhavam. Uma<br />
reforma agrária histórica teria sido feita ali.<br />
A liberdade concedida pelos brancos foi ilusória, um amontoado de<br />
palavras esvaziadas de realidade. Sem recursos, sem propriedade ou acesso<br />
aos bens sociais, os negros foram abandonados à segregação. Acabaram em<br />
uma situação pior que a anterior. Como escravos eram considerados<br />
patrimônios a serem sustentados, havendo, portanto, interesse em mantê-los