OCULTOS E EXCLUÃDOS - Claudio Di Mauro
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deu-lhe uma quantia não pequena para suas despesas de transporte e compra<br />
de roupa; mas, dia depois, vendo-o no mesmo lugar e com a mesma roupa, o<br />
reverendo Conceição declarou confuso que perdera o dinheiro que havia<br />
recebido. Desconfiado o amigo do verdadeiro motivo, levou-o a um alfaiate,<br />
para supri-lo da pouca roupa que ele quis aceitar; e indagando cautelosamente<br />
soube que, encontrando um indivíduo que se lamentava de não ter meios de<br />
acudir às privações de sua família, por ter saído de um hospital onde se tratara<br />
de grave enfermidade, o caridoso evangelista, enternecido, passara para as<br />
suas mãos toda a quantia que momentos antes havia recebido”.<br />
O relato sobre o comportamento de Conceição prossegue.<br />
“Durante suas longas peregrinações, ocupava as horas de ócio em<br />
escrever a lápis, traduzir artigos religiosos, tomar apontamentos e notas<br />
curiosas sobre tudo o que via, observações topográficas e meteorológicas,<br />
vocábulos e termos especiais usados nos diversos povoados, procurando sua<br />
origem e raízes, quaisquer fatos que lhe pareciam interessantes da história<br />
natural, acompanhando-os às vezes de desenhos explicativos, ligeiros, mas que<br />
denunciavam rara aptidão. Quando se demorava por algum tempo em um sítio,<br />
onde podia dispor de comodidade, passava a limpo seus sermões, hinos, notas<br />
e traduções, empregando em tudo, muito método, clareza e belíssima letra; e<br />
todos esses papéis ele os conduzia consigo em viagem dentro de um envoltório<br />
de pano que cuidadosamente cosia para se não dispersarem, até poder dar-lhes<br />
destino, enviando uns aos amigos, outros à redação da “Imprensa Evangélica”,<br />
de que não se esquecia.”<br />
Morte<br />
O seu mal se agravava. Os amigos se afligiam e se esforçavam por<br />
retirá-lo daquela existência de privações a que se submetera voluntariamente.<br />
No segundo semestre de 1873, empreendeu sua última viagem. Blackford<br />
providenciou para ele viesse a se instalar no Rio de Janeiro, morro de Santa<br />
Teresa. O objetivo era conseguir sua recuperação. Conceição, no entanto,<br />
preferiu por mais uma jornada e, já no Rio, seguir em rumo à estação<br />
ferroviária. Surpreendido pela noite, buscou abrigo em uma casa à beira da<br />
estrada.<br />
Agora é o historiador Temudo Lessa que conta.<br />
“Um policial, desconfiado, vendo-o descalço e revestido de pobres<br />
trajes, deu-lhe voz de prisão e o recolheu ao posto, desumanamente. Três dias<br />
mais tarde foi solto, por intervenção de um amigo do Rio, a quem obtivera<br />
permissão de escrever. Na prisão esgotou os recursos exíguos e viu-se sem o<br />
necessário para adquirir o bilhete de passagem na estrada de ferro. Resolveu,<br />
por isso, seguir a pé para a Capital. E assim foi, fatigado, doente e faminto. A<br />
24 de dezembro, pelas quatro da tarde, caminhava pela estrada, sob os raios