12.11.2014 Views

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Mesmo nas discussões mais recentes sobre hipertextos eletrônicos, não é raro ainda encontrarmos<br />

argumentos que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a absoluta novida<strong>de</strong> <strong>de</strong>les. Como foi insinuado e afirmado anteriormente, é<br />

possível, sem maiores atropelos, mostrar como tal novida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser vista também (ainda que não<br />

apenas) como renovação ou <strong>de</strong>sdobramento daquilo que a produção literária impressa e até a tradição oral<br />

já traziam consigo. É nesse sentido que se po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o comentário <strong>de</strong> George P. Landow, falando<br />

<strong>de</strong> uma nova oralida<strong>de</strong> no meio eletrônico:<br />

In a hypertext environment a lack of linearity does not <strong>de</strong>stroy narrative. In fact, since rea<strong>de</strong>rs<br />

always, but particularly in this environment, fabricate their own structures, sequences, and<br />

meanings, they have surprisingly little trouble reading a story or reading for a story (...) reading<br />

hypertext fiction provi<strong>de</strong>s some of the experience of a new orality that both McLuhan and Ong<br />

have predicted. 1<br />

Dessa forma, não se po<strong>de</strong> dizer que haja aí propriamente uma evolução, ao menos essa que daria ao tempo<br />

um sentido acumulativo e positivo. Antes <strong>de</strong> tudo, há sim um re/<strong>de</strong>s-dobramento – operação que consiste<br />

em associar aos mo<strong>de</strong>los atuais as marcas sedimentadas <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los anteriores, como é o caso da tradição<br />

oral. É mais ou menos o que diz Pound da poesia: nela, não haveria passado nem futuro, propriamente, mas<br />

a instituição <strong>de</strong> um espaço expressivo que joga com o tempo e as tradições <strong>de</strong> modo não cumulativo e muito<br />

menos evolutivo. Na verda<strong>de</strong>, nessa passagem do antigo ao novo, temos buscado ver menos um corte<br />

epistemológico, uma solução <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> nos paradigmas, e mais um processo <strong>de</strong> sedimentação, no<br />

sentido em que o termo já foi aqui utilizado. Explicando melhor, não se preten<strong>de</strong> retomar uma concepção<br />

cíclica ou mítica da história, em que os novos sentidos remeteriam sempre a processos e a objetos<br />

preexistentes; por outro lado, não se quer também propor uma concepção evolutiva (ou positivista) em que<br />

a temporalida<strong>de</strong>, por si só, já traria novos sentidos e novas formas às obras. Antes, preten<strong>de</strong>-se ver, nisso<br />

que estou chamando <strong>de</strong> sedimentação, as diferentes formas <strong>de</strong> ler as obras literárias e, ao mesmo tempo,<br />

<strong>de</strong> ler a temporalida<strong>de</strong> através <strong>de</strong>las. Assim, a sedimentação passa a ser, concomitantemente, uma leitura<br />

da obra e uma releitura do tempo que nos <strong>de</strong>u essa mesma obra. Em conseqüência, sedimentação, para nós,<br />

quer significar a maneira como diferentes estratos <strong>de</strong> um mesmo objeto são justapostos ao próprio processo<br />

<strong>de</strong> diacronização com que buscamos apreendê-lo.<br />

A cada vez que um texto é lido, tornam-se possíveis outras releituras do processo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> suas<br />

significações (o que traz as marcas in<strong>de</strong>léveis da temporalida<strong>de</strong> em que ele está inevitavelmente inserido).<br />

Isso não significa que a sedimentação nos permitiria encontrar, a cada leitura, um sentido arbitrário para o<br />

tempo, mas que é possível restabelecer (ou reencontrar, para aqueles que preferem pensar em uma<br />

methexis, ou nexo <strong>de</strong> participação) uma linha <strong>de</strong> sentidos amarrando – ainda que <strong>de</strong> maneira frágil – uma<br />

dada obra e o atual processo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> significantes e significações a obras e processos anteriores.<br />

Daí se po<strong>de</strong>r afirmar que, a <strong>de</strong>speito das interfaces e aparências tecnicizadas com que a criação literária em<br />

computador se apresenta aos leitores, ela traz uma série <strong>de</strong> características que po<strong>de</strong>m aproximá-la <strong>de</strong><br />

objetos ainda ligados a tradições outras, como a oralida<strong>de</strong>. E mesmo quando se levantam algumas<br />

diferenças, elas não <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> exibir pontos <strong>de</strong> contato ou <strong>de</strong> contraste entre si. No que se refere, por<br />

97

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!