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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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produz um terceiro elemento não mais visual ou verbal, mas verbivisual. Nessa síntese – não<br />

necessariamente dialética –, proximida<strong>de</strong> e semelhança, forma e fundo po<strong>de</strong>m ser selecionados<br />

(sincronicamente) e combinados (diacronicamente); da mesma maneira, seleção e combinação se fazem a<br />

partir <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> forma e fundo, <strong>de</strong> topologias <strong>de</strong> vizinhança e <strong>de</strong> similarida<strong>de</strong>.<br />

Acima falamos, via Merleau-Ponty, das correspondências entre visível e tangível. O mesmo po<strong>de</strong> ser<br />

associado à maneira como organizamos nossa apreensão do aspecto visual <strong>de</strong> uma criação poética – seja ela<br />

do Movimento Concretista ou não. É claro que, num primeiro momento, na percepção <strong>de</strong> um objeto<br />

qualquer, não distinguimos entre o reino do verbal e o primado do visual. As primeiras evidências <strong>de</strong><br />

qualquer objeto já o colocam inteiramente <strong>de</strong>ntro do campo dos possíveis do corpo perceptivo, a partir do<br />

qual observamos esse dado objeto sem nenhum recorte ou or<strong>de</strong>namento analítico. É apenas num segundo<br />

momento que po<strong>de</strong>mos submeter essas percepções inaugurais a uma arquitetura e a uma hierarquia, isso<br />

que chamamos leitura. E tal leitura não fica restrita a uma observação a distância, mas utiliza também algo<br />

como uma inspeção táctil através do olhar, como que tocando tons, sentindo o contorno <strong>de</strong> luzes,<br />

apalpando matizes. Assim vamos avançando com um olhar que escolhe caminhos, elege locais on<strong>de</strong> se<br />

instalar, perscruta possíveis formas, tateia, titubeante, para então seguir em frente ou voltar atrás, ou<br />

mesmo voltar-se para o lado, iniciando novas inspeções, abrindo outros flancos e caminhos na superfície do<br />

visível. É assim que nesse segundo momento <strong>de</strong> apreensão, ou melhor, <strong>de</strong> compreensão do objeto, po<strong>de</strong><br />

instalar-se, por tentativa-e-erro, alguma teleologia <strong>de</strong> fundo reflexivo e analítico com que vamos mapeando<br />

os possíveis que <strong>de</strong>lineiam fôrmas da imagem. É como se, a cada percurso tentado e falhado, ainda assim<br />

algo fosse esboçado da imagem – uma fímbria <strong>de</strong> contornos, uma réstia <strong>de</strong> luz e sombra, um quê <strong>de</strong> cores.<br />

De outro lado, tais tateamentos – nos diversos sentidos do termo – também estão presentes na maneira<br />

como se percorrem ca<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> significantes verbais, tecendo significações no possível dos sentidos: não<br />

apenas apren<strong>de</strong>mos – analítica e reflexivamente – algo das palavras, mas, sobretudo, apreen<strong>de</strong>mos a<br />

fisionomia com que elas vêm habitar o espaço expressivo que lhes indicamos. E assim seguimos na leitura,<br />

auscultando modulações <strong>de</strong> frases, inspecionando seqüências <strong>de</strong> parágrafos e conectivos entre os períodos,<br />

i<strong>de</strong>ntificando contornos <strong>de</strong> significações com suas tramas <strong>de</strong> lógicas às vezes variadas. Também por<br />

tentativa-e-erro, vamos <strong>de</strong>finindo as diversas posições dos sentidos e encastrando nelas ensaios <strong>de</strong><br />

significações; voltando atrás quando <strong>de</strong>paramos com os tropeços da obscurida<strong>de</strong> ou com o abismo da<br />

incoerência. Esse método <strong>de</strong> tentativa-e-erro é justamente eleito por Haroldo <strong>de</strong> Campos como uma das<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apreensão do poema concreto, numa perspectiva, segundo ele, <strong>de</strong>rivada da gestalt: “Um<br />

tópico da cibernética, correlato, <strong>de</strong>ve ainda ser chamado aqui à cena: o método <strong>de</strong> solver problemas por<br />

‘tentativa-e-erro’, que interessa do mesmo modo aos psicólogos da gestalt. Como assinala W. Slucktin, o<br />

comportamento ‘tentativa-e-erro’ po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scrito em termos <strong>de</strong> ‘feedback negativo’.” 63 Mas, como se viu<br />

acima, não se trata <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> exclusiva da poesia concreta, a não ser se a consi<strong>de</strong>ramos pelo viés da<br />

gestalt, como aponta o próprio Haroldo <strong>de</strong> Campos.<br />

Todavia, o que importa no momento é perceber que, colocados leitor e significantes diretamente um em<br />

frente do outro, nada fica registrado <strong>de</strong>sses tateamentos todos. Diante dos olhos, exposto aos sentidos, não<br />

subsiste nenhum inventário concreto <strong>de</strong>sses significantes, lista que elencaria todos os percursos tentados e<br />

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