Leituras de nós â ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural
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outra, <strong>de</strong> uma se po<strong>de</strong> pôr a outra em movimento, <strong>de</strong> uma se po<strong>de</strong> chegar à outra sem que se anule ou<br />
<strong>de</strong>sapareça a primeira. Num certo sentido, faz-se necessário uma i<strong>de</strong>ogramização da escrita poética para<br />
que linguagens verbais e visuais não apenas compartilhem o mesmo espaço expressivo, mas para que elas<br />
todas construam um mesmo espaço expressivo, <strong>de</strong> dimensão fracionária, intermediária entre visual e verbal,<br />
sem ser exclusivamente uma ou outra, possibilitando que ambas compartilhem sentidos e significantes.<br />
* * *<br />
Agora mesmo, os poucos meus leitores talvez já estejam fazendo muxoxos <strong>de</strong> impaciência e pouco-caso, pois –<br />
diriam eles – essas hesitações ou compromissos entre visual e verbal não são coisa nova nem discussão original.<br />
Toda a reflexão crítica dos primeiros anos da poesia concreta, por exemplo, já carregava essa inquietação. Mas<br />
há alguns pontos que eu gostaria <strong>de</strong> mapear, partindo <strong>de</strong> questões suscitadas pelos próprios concretos, para ver<br />
que diferenças po<strong>de</strong>m aparecer entre aquele momento – grosseiramente, os anos 50 do século passado – e este<br />
nosso. Primeiramente, investiguemos o modo como se dão essas relações entre verbal e visual no caso da escrita,<br />
buscando seguir um dos principais marcos teóricos do concretismo. De acordo com Ernest Fenollosa, uma<br />
característica essencial dos i<strong>de</strong>ogramas é o fato <strong>de</strong> que “two things ad<strong>de</strong>d together do not produce a third<br />
thing, but suggest some fundamental relation between them”. 60 Ele fala <strong>de</strong> uma justaposição que não se<br />
resolve por adição, por subtração, por multiplicação, ou por qualquer dialética que seja. Com base nisso – e<br />
também em outros elementos –, o concretismo propôs uma criação poética verbivocovisual, em que a leitura<br />
proce<strong>de</strong>ria não <strong>de</strong> um quarto elemento (além do verbal, do vocal e do visual), mas das relações entre os três.<br />
Nesse caso – e tentando também seguir o raciocínio <strong>de</strong> Fenollosa –, po<strong>de</strong>ríamos pensar em três dualida<strong>de</strong>s<br />
(verbo-visual, voco-verbal e voco-visual) que se resolveriam não pela produção <strong>de</strong> um tertius, <strong>de</strong> um terceiro<br />
elemento, mas pela relação entre um e outro, sem que nenhum dos dois impusesse sua perspectiva <strong>de</strong> leitura.<br />
Ora, um dos aspectos mais relevantes e menos comentados da poesia concreta, sobretudo em seus<br />
<strong>de</strong>sdobramentos e her<strong>de</strong>iros, é o fato <strong>de</strong> que, em muitos casos, não se conseguiu chegar a uma criação<br />
verda<strong>de</strong>iramente verbo-visual, mas sim a poemas em que ou o visual estava subordinado ao verbal, ou o verbal<br />
submetia-se ao visual. Talvez apenas a obra <strong>de</strong> Wal<strong>de</strong>mir Dias-Pino, em sua totalida<strong>de</strong>, autorize falar numa<br />
criação poética em que verbal e visual se confrontam e se conjugam num mesmo plano <strong>de</strong> expressão, colocando<br />
na relação entre eles a única possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leitura, e possibilitando com isso o surgimento <strong>de</strong> uma terceira<br />
via, <strong>de</strong> uma outra linguagem, <strong>de</strong> uma retórica não mais subordinada exclusivamente à visual ou à verbal. Tratase,<br />
talvez – ao contrário do que afirma Fenollosa –, <strong>de</strong> um terceiro elemento, não visual ou verbal, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo<br />
da perspectiva adotada, mas visual e verbal, ou seja, verda<strong>de</strong>iramente verbivisual. 61<br />
Em resumo, as experimentações verbo-visuais, em bom número, realizaram (e realizam ainda hoje) uma<br />
poesia em que visual e verbal não foram absorvidos um pelo outro, mas mantiveram e mantêm uma<br />
in<strong>de</strong>pendência até bem evi<strong>de</strong>nte. O curioso é que, embora dizendo-se inspirada no concretismo e usando<br />
sua teoria, uma parte da produção contemporânea aponta para caminhos e direções outras. A ambição <strong>de</strong><br />
uma obra “sintético-i<strong>de</strong>ogrâmica”, em oposição a “analítico-discursiva” 62 (expressões tiradas <strong>de</strong> manifestos<br />
e ensaios teóricos dos próceres do Movimento Concreto), indicaria uma poética cujas criações estariam<br />
justamente no rastro daquela terceira perspectiva <strong>de</strong> que se falou acima com respeito às fotografias em três<br />
dimensões e às páginas eletrônicas. E é justamente tal síntese i<strong>de</strong>ogrâmica que nos interessa, essa que<br />
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