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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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as sutilezas que se po<strong>de</strong>m construir no ciberespaço nessa exploração <strong>de</strong> linguagens verbais no meio eletrônico.<br />

Tentar <strong>de</strong>finir qualquer coisa, antes disso, ainda me parece exercício <strong>de</strong> futurologia fadado ao fracasso.<br />

Daí a proposta <strong>de</strong>sse poema eletrônico Ponto, que quis justamente expor uma conjunção entre o ler e o ver, entre<br />

o verbal e o imagético. As mudanças <strong>de</strong> cor das letras, <strong>de</strong> cinza para azul, interferem diretamente na apreensão<br />

dos versos (que po<strong>de</strong> ser feita ainda <strong>de</strong>ntro da tradição impressa). Mas tal leitura na tradição impressa é só<br />

impressão inicial, pois o movimento cromático, por mais simples que seja, vem perturbar o costumeiro e o<br />

automático da leitura dos versos. É um ruído que, inicialmente, apenas se insinua e incomoda, justamente por<br />

não haver nenhuma simbolização direta ou indireta da cor azul. Posto diante <strong>de</strong> versos parados, como numa<br />

folha, ao leitor se permite não apenas ler, mas também se exige que ele o veja. E, hesitando entre o ler e o ver,<br />

ele po<strong>de</strong> ser tentado ainda a resolver o incômodo e o ruído apelando para a subordinação do visível ao legível,<br />

procurando submeter a organização visual e movente do poema às lógicas expressivas e às retóricas da<br />

linguagem verbal. Chegará algum momento em que perceberá que a criação verbal não per<strong>de</strong> nunca sua<br />

capacida<strong>de</strong> expressiva, quando se abre para outras linguagens e se <strong>de</strong>ixa influenciar por elas. Nesse Ponto, então,<br />

surge pelo menos um novo recorte no espaço perceptivo trazido pelo poema: ao percurso <strong>de</strong> significação das<br />

escritas oci<strong>de</strong>ntais em que os versos foram compostos, novas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> recortes sintagmáticos e<br />

paradigmáticos aparecem, pela maneira como proximida<strong>de</strong> e distância entre palavras e expressões são alteradas<br />

pelos movimentos das cores. Daí, talvez, sutilmente, o poema <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> ser visto como estando inserido em um<br />

retângulo <strong>de</strong>senhado por palavras para assumir fisionomias mais complexas e transitórias, aqui uma fita <strong>de</strong><br />

Moebius, acolá uma sua parente, a lemniscata, mais adiante, um fractal <strong>de</strong> dimensão 1,93, e assim por diante.<br />

* * *<br />

Qualquer linguagem – verbal, visual, icônica, sonora, gestual e a lista não teria fim, pois o nome linguagem<br />

é legião – é essencialmente intersubjetiva. Nos gestos corporais com que habito o campo dos sentidos<br />

possíveis do mundo vivido, insiro significações que se conjugam a outros gestos, <strong>de</strong> outros indivíduos. Na<br />

linguagem verbal, cada ca<strong>de</strong>ia significante somente adquire capacida<strong>de</strong> expressiva por trazer em sua trama<br />

e fisionomia outras significações, outros sentidos, <strong>de</strong> outras pessoas: se nem sempre dizemos ou escrevemos<br />

para outro, necessariamente dizemos ou escrevemos com outros, sob pena <strong>de</strong> não termos linguagem<br />

alguma. 55 Da mesma forma, a linguagem visual explora diferentes perspectivas – quer dizer, distintas<br />

manifestações da visibilida<strong>de</strong> – para compor nosso olhar específico <strong>de</strong> um dado objeto: sem as perspectivas<br />

<strong>de</strong> olhares <strong>de</strong> outros, necessariamente distintas das minhas, eu não po<strong>de</strong>ria distinguir objeto algum como<br />

um volume no espaço. É mais ou menos o que afirma Maurice Benayoun, quando diz:<br />

“Cette image (...) est composée en temps réel <strong>de</strong> la trace <strong>de</strong>s regards multiples qui explorent <strong>de</strong>s autres<br />

images (les différents points <strong>de</strong> vue <strong>de</strong> l’exposition La Beauté). Sur internete et sur l’écran du Centre<br />

Pompidou chacun peut découvrir la trace <strong>de</strong>s regards <strong>de</strong>s autres; chaque nouvelle trace intégrant les fragments<br />

d’intérêt <strong>de</strong>s uns et <strong>de</strong>s autres dans un nouvel espace qui est à proprement parler un espace mémoire”. 56<br />

O que Benayoun <strong>de</strong>screve nesse trecho não diz respeito apenas aos objetos expostos no Beaubourg, na<br />

exposição La Beauté. É da própria visibilida<strong>de</strong> que ele fala. O mesmo po<strong>de</strong> ser dito da obra Depois do<br />

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