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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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sensação <strong>de</strong> originalida<strong>de</strong>. Isso se dava também com respeito aos intertextos. 54 Como resultado a leitura<br />

podia ser às vezes interrompida, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da bagagem do leitor, por inesperadas <strong>de</strong>scobertas e<br />

entusiasmos, <strong>de</strong>scobertas mais fáceis – como a ligação entre Os Lusíadas e a Invenção <strong>de</strong> Orfeu, <strong>de</strong> Jorge <strong>de</strong><br />

Lima –, ou menos evi<strong>de</strong>ntes – como a filiação <strong>de</strong> O Cortiço, <strong>de</strong> Aluízio Azevedo, a L’Assomoir, <strong>de</strong> Émile Zola,<br />

que necessitou da argúcia <strong>de</strong> mestre Candido para ser dada à luz. Mas, no meio impresso, essa explicitação<br />

(ou <strong>de</strong>s-sutilização) dos intertextos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>u sempre da experiência, dos conhecimentos, da memória e até<br />

mesmo da inventivida<strong>de</strong> do leitor. É assim que, no caso dos versos compostos para Ponto, apenas alguns<br />

mais argutos talvez percebessem as rimas toantes atravessadas <strong>de</strong> um lado a outro dos versos e da estrofe.<br />

Quando passado para o meio eletrônico, e submetido a processos informáticos <strong>de</strong> tratamento e <strong>de</strong><br />

manipulação, o sutil jogo <strong>de</strong> sonorida<strong>de</strong>s pô<strong>de</strong> ser evi<strong>de</strong>nciado, exposto pela mudança <strong>de</strong> cor que vai, em<br />

seqüência, <strong>de</strong>stacando os pares <strong>de</strong> expressões que fazem a rima toante:<br />

Quase tudo acaba bem<br />

Sem adaga, mudo alar<strong>de</strong>,<br />

Quase tudo acaba bem<br />

Sem adaga, mudo alar<strong>de</strong>,<br />

Quase tudo acaba bem<br />

Sem adaga, mudo alar<strong>de</strong>,<br />

Quase tudo acaba bem<br />

Sem adaga, mudo alar<strong>de</strong>,<br />

O meio eletrônico permite concretizar e expor diretamente os intertextos, como, aliás, foi feito neste<br />

ensaio: ao início, há uma citação velada ao romance Voyage Autour <strong>de</strong> Ma Chambre, <strong>de</strong> Xavier <strong>de</strong> Maistre.<br />

Numa leitura em papel, sem a interferência apelativa <strong>de</strong> uma nota <strong>de</strong> rodapé (mais uma!), muitos <strong>de</strong> meus<br />

já poucos leitores passariam em branco pela referência. Todavia, num texto eletrônico, num arquivo word<br />

por exemplo, pu<strong>de</strong> facilmente colocar diante dos olhos do leitor a versão integral do romance. Da mesma<br />

maneira, o meio eletrônico permitiu explicitar, em azul, as elucubrações sonoras <strong>de</strong> Ponto, tirando o prazer<br />

<strong>de</strong> ler, ouvir e <strong>de</strong>scobrir para, no lugar, pôr a diversão <strong>de</strong> ver. E a pergunta, inapelável, que surge é: quais<br />

novas sutilezas viriam, então, habitar essa <strong>literatura</strong> eletrônica no lugar daquelas, perdidas, da tradição<br />

impressa? Ou estaríamos nós con<strong>de</strong>nados à evidência direta, à leitura imediata, a um mundo <strong>de</strong><br />

significações planas e <strong>de</strong> sentidos sem profundida<strong>de</strong>?! Parece-me que não, mas essa impressão, para que<br />

ganhe foros <strong>de</strong> certeza, necessita <strong>de</strong> algum tempo, justamente o tempo que vai permitir a sedimentação <strong>de</strong><br />

processos <strong>de</strong> criação e <strong>de</strong> linguagens, que vai permitir às diferentes linguagens que dêem origem a um<br />

mesmo espaço expressivo e façam surgir uma retórica do texto eletrônico, das poéticas digitais, dos<br />

ciberpoemas. É apenas com o passar do tempo que os dispositivos, os objetos e os gestos expressivos – como<br />

ocorre em todo espaço cultural – ganham profundida<strong>de</strong>, que se torna mais evi<strong>de</strong>nte sua complexida<strong>de</strong> original<br />

e originária, que o processo <strong>de</strong> simbolização, inicialmente apenas possível ou latente, é trazido para a<br />

exteriorida<strong>de</strong> do processo <strong>de</strong> produção das significações. Apenas nesse momento, então, po<strong>de</strong>remos <strong>de</strong>scortinar<br />

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