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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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a sua escrita. Por outro lado, é certo que essa ciberescrita exige a apreensão <strong>de</strong> uma nova sintaxe, no que<br />

Kac está rigorosamente correto, 41 ainda que eu prefira falar em retórica e não em sintaxe.<br />

Mas que sintaxe, ou melhor, que retórica é essa, como ela se <strong>de</strong>senvolve nesse campo eletrônico <strong>de</strong><br />

misturas semióticas, <strong>de</strong> baralhamentos <strong>de</strong> significantes, <strong>de</strong> clivagens e cristalizações <strong>de</strong> significados<br />

heterogêneos? Que retórica da escrita eletrônica é essa, então, que ainda mal tenta se esboçar, mas <strong>de</strong><br />

que se exige resolver, materialmente, uma série <strong>de</strong> contradições (linear e não-linear, visual e verbal,<br />

sincrônico e diacrônico etc.)? E, para ser mais específico, que gramática é essa que se anuncia nos<br />

processos eletrônicos <strong>de</strong> interferência entre verbal e visual? Por certo, tal dissonância entre esses dois<br />

materiais é das questões mais instigantes que se colocam para a assim chamada criação poética em meio<br />

eletrônico. Enten<strong>de</strong>r como ambos po<strong>de</strong>m interferir positiva ou negativamente, 42 proporcionando um<br />

espaço <strong>de</strong> significantes não mais subordinado exclusivamente a um ou a outro, eis o <strong>de</strong>safio e o<br />

interesse <strong>de</strong>ssas cibercriações, que, assim, po<strong>de</strong>riam finalmente ser classificadas como literárias. Todavia,<br />

na imensa maioria dos casos, essas obras, criadas especificamente para o ciberespaço, ainda se obrigam<br />

a uma disjunção redutora: ou investem na criação verbal, ou – o que é bem mais freqüente – entregamse<br />

apenas à ornamentação visual baseada nas capacida<strong>de</strong>s dos programas <strong>de</strong> computadores disponíveis.<br />

No caso, há um aprendizado a se fazer com certas tradições literárias contemporâneas da imprensa e<br />

que se espalharam por épocas e regiões variadas: os calligrammes <strong>de</strong> Apollinaire, poemas <strong>de</strong> Tardieu, <strong>de</strong><br />

Cummings, <strong>de</strong> Butor, o Coup <strong>de</strong> Dés e as antecipações do Livre, <strong>de</strong> Mallarmé, os lipogramas e os<br />

labirintos da <strong>literatura</strong> ibérica dos séculos XVI, XVII e XVIII, as carmina figurata (anexo 2) e os rébus 43 da<br />

tradição medieval etc.<br />

Tudo isso está ligado, <strong>de</strong> alguma forma, a um antigo projeto <strong>de</strong> conciliar o alfabético e o figurativo, em<br />

outras palavras, o verbal e o visual, fugindo a uma escolha exclu<strong>de</strong>nte entre a figuração do i<strong>de</strong>ograma e<br />

a abstração do alfabeto. 44 Todavia, em tempos <strong>de</strong> <strong>literatura</strong> impressa, tais oscilações da criação literária<br />

eram submetidas a um rigoroso dispositivo <strong>de</strong> disseminação: uma vez escolhido o ponto <strong>de</strong> construção<br />

da obra literária, nessa reta que vai do verbal ao visual, a colocação no espaço plano e imutável da folha<br />

impressa impedia novas escritas, isto é, quaisquer modificações nesse contrato já firmado entre visual e<br />

verbal. Fosse uma obra mais próxima do verbal, como a escrita ropálica (anexo 3) fosse uma criação<br />

intermediária, como um labirinto (anexo 4) ou uma mais próxima do imagético, como um emblema<br />

(anexo 5) sua localização a meio caminho entre o verbal e o visual, ou mais próxima <strong>de</strong> um ou <strong>de</strong> outro,<br />

já estava <strong>de</strong>finida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua impressão. Em tempos <strong>de</strong> ciberespaço e <strong>de</strong> ferramentas eletrônicas <strong>de</strong> leitura<br />

e divulgação, o texto eletrônico po<strong>de</strong> <strong>de</strong>slocar-se continuamente entre um e outro dos dois pólos, como<br />

afirma Fabio Doctorovich: “... los límites <strong>de</strong> la <strong>literatura</strong> se <strong>de</strong>splazan gradualmente al punto en que<br />

<strong>de</strong>beríamos preguntarnos si la noción <strong>de</strong> <strong>literatura</strong> implica principalmente palabra escrita, o si esta<br />

afirmación pue<strong>de</strong> <strong>de</strong>jar <strong>de</strong> ser cierta en algún futuro cercano”. 45<br />

Mas há outros complicadores rondando essa história. Para introduzir as imagens na tela, faz-se uso <strong>de</strong> uma<br />

série <strong>de</strong> operações permitidas pelas ferramentas <strong>de</strong> processamento, armazenagem e transmissão <strong>de</strong> dados.<br />

Com isso, a ligação do visual com o verbal <strong>de</strong>rivaria <strong>de</strong> uma potencialida<strong>de</strong> tecnológica impondo <strong>de</strong><br />

antemão seus significados oriundos <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>miurgia maquínica (mas, parece, paradoxalmente propostos<br />

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