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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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evi<strong>de</strong>ntes ou insuspeitas, po<strong>de</strong> já estar indicando, nesse mesmo nó, um outro, que se evi<strong>de</strong>ncia na trama do<br />

simultâneo e do sucessivo. Todavia, para isso, não basta apenas tornar imagens e palavras correspon<strong>de</strong>ntes e<br />

análogas (e clicáveis) entre si. É preciso que ambas intercambiem sua maneira própria <strong>de</strong> dar expressivida<strong>de</strong><br />

(visual e verbal) às coisas e às pessoas envolvidas. Ou seja, temos que dispor palavras que levem tanto ao verbal<br />

quanto ao visual; temos que expor imagens que remetam ao verbal e também ao visual. Nesse caso, a palavra<br />

não po<strong>de</strong> ser apenas significações remetendo a sentidos, mas espessura, tactilida<strong>de</strong>, cor e sombras. É preciso que<br />

ela – palavra – indique, para além dos ícones, as fisionomias e as aparências das coisas e das pessoas do mundo,<br />

sem que seja necessariamente revestida ou ilustrada <strong>de</strong> cores, formas, ornada <strong>de</strong> imagens e figuras. E essa<br />

palavra, assim muda ou emu<strong>de</strong>cida precisamente por ser palavra, por ser significante, não saberia isentar-se da<br />

expressivida<strong>de</strong>, e po<strong>de</strong>ria retomar processo semelhante àquele que, num Mallarmé ou num Góngora,<br />

proporcionou a volta a um estado anterior às significações sedimentadas. Palavras que, então, falavam não <strong>de</strong><br />

idéias nem <strong>de</strong> argumentos, mas <strong>de</strong> gestos e horizontes <strong>de</strong> sentidos possíveis. Da mesma maneira, não se po<strong>de</strong><br />

admitir que a figura seja sempre e apenas uma certa relação entre forma e fundo. Mais do que se apresentar<br />

como disposição e fisionomia, é preciso que ela vá além <strong>de</strong> uma inserção (sempre) parcial no campo visual. Mas,<br />

para isso, não significa que a imagem <strong>de</strong>va começar necessariamente por travestir-se <strong>de</strong> alegoria, ou que remeta<br />

necessária e invariavelmente a algum conteúdo lingüístico. É imperioso, ao contrário, que assuma ares, pompa<br />

e circunstância <strong>de</strong> palavra, <strong>de</strong> léxico, <strong>de</strong> significação; que ela possa produzir campos <strong>de</strong> escolhas e <strong>de</strong><br />

combinações. E é assim então que o duo imagem-palavra <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser palavra ilustrada por imagem, ou imagem<br />

explicada por palavra, para tornar-se uma terceira coisa, ao mesmo tempo palavra vista (e não apenas visível) e<br />

imagem verbalizada (e não só verbalizável).<br />

* * *<br />

Também <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sses espaços <strong>de</strong> interferências, a dualida<strong>de</strong> entre linear e não-linear é das mais<br />

freqüentes, o que talvez até explique parcialmente a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> bobagens já ditas a esse respeito.<br />

Eduardo Kac, por exemplo, talvez prejudicado pelos resquícios <strong>de</strong> português que ainda teimam em<br />

perturbar seu inglês castiço, afirma que “the sequential structure of a line of verse corresponds to linear<br />

thinking, whereas the simultaneous structure of a concrete or visual poem corresponds to i<strong>de</strong>ographic<br />

thinking”. 39 Nem as leituras mais equivocadas do Discurso do Método conseguiriam reduzir a or<strong>de</strong>m do<br />

pensamento à seqüência linear dos gestos corporais com que se percorre um dado objeto. Talvez nem as<br />

mais <strong>de</strong>svairadas correntes empíricas proporiam tal aberração. Com efeito, mesmo a linha, como ente<br />

geométrico, não po<strong>de</strong> ser reduzida a tal linearida<strong>de</strong> (<strong>de</strong>sculpando-me pelo eventual paradoxo), pois o<br />

infinito para on<strong>de</strong> ela aponta em suas duas extremida<strong>de</strong>s já se encontra na quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> qualquer segmento finito que <strong>de</strong>la se escolha. Nesse tipo <strong>de</strong> pensamento – como o <strong>de</strong> Kac –, a leitura<br />

ganharia foros <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> irregularida<strong>de</strong> apenas no meio eletrônico, graças à<br />

<strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> e à irregularida<strong>de</strong> da base material dos textos criados para o ciberespaço. Ora, isso que se<br />

diz, superficialmente, do texto eletrônico nunca <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser verda<strong>de</strong> com relação às obras impressas: em<br />

qualquer caso, a leitura nunca foi obrigatoriamente linear. Sobre seus holopoemas, Eduardo Kac diz que<br />

eles <strong>de</strong>vem ser lidos “in a broken fashion, in an irregular and discontinuous movement, and it will change<br />

as it is viewed from different perspectives”. 40 A linearida<strong>de</strong> e a rigi<strong>de</strong>z por certo estão intimamente<br />

associadas à base material do texto impresso, mas <strong>de</strong> modo algum são elementos essenciais a sua leitura e<br />

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