12.11.2014 Views

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Daí que essa reflexivida<strong>de</strong> corpórea 33 aponta para a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma comunhão motivada entre visual<br />

e verbal, do mesmo tipo daquela que verificamos entre o tangível e o visível. Entre estes, também há mais<br />

do que uma coincidência causal; há o liame efetivo <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong> construída no/pelo sujeito perceptivo:<br />

“Il faut nous habituer à penser que tout visible est taillé dans le tangible, tout être tactile promis en quelque<br />

manière à la visibilité, et qu’il y a empiétement, enjambement, non seulement entre le touché et le<br />

touchant, mais aussi entre le tangible et le visible qui est incrusté en lui”. 34 Além disso, essa relação entre o<br />

tocar e o ver não se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong> <strong>de</strong> modo algum do pensar e do dizer, todos eles po<strong>de</strong>ndo ser entendidos<br />

como gestos com que nos inauguramos para o mundo e, pelos quais, um mundo se nos inaugura. Então a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> associar também a esses visíveis uma disposição que resvala tanto para a diacronia quanto<br />

para a sincronia. É como Merleau-Ponty diz das cores percebidas: elas representam um certo nó na trama<br />

do simultâneo e do sucessivo. 35 Da mesma maneira, é um nó <strong>de</strong>ssa espécie que buscamos, um nó entre o<br />

simultâneo da imagem e o sucessivo da linguagem verbal, abrindo pontos <strong>de</strong> sucessivida<strong>de</strong> no simultâneo<br />

da imagem e, concomitantemente, brechas <strong>de</strong> simultaneida<strong>de</strong> no sucessivo das palavras. Nesse sentido, é<br />

preciso que habitemos as imagens como quem lê uma ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> palavras, inaugurando correntes <strong>de</strong><br />

significantes e re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sentidos, flexionando e conjugando cores, formas, aparências, buscando acima da<br />

disposição física ou óptica das imagens um estado <strong>de</strong> dicionário e uma disposição sintática.<br />

Realizar tais tarefas correspon<strong>de</strong> a propor um novo conjunto <strong>de</strong> retóricas para o texto eletrônico, à<br />

semelhança do que foi feito, durante a Ida<strong>de</strong> Média, para a escrita com base em retóricas clássicas. 36 Essas<br />

retóricas do escrito e do impresso <strong>de</strong>senvolveram elementos e processos que já materializavam, em instâncias<br />

distintas, a sucessivida<strong>de</strong> e a simultaneida<strong>de</strong>. De fato, não há dificulda<strong>de</strong>s maiores para enten<strong>de</strong>r questão<br />

bastante evi<strong>de</strong>nte: à sucessivida<strong>de</strong> sem volta dos fonemas, como ocorria na oralida<strong>de</strong>, a técnica da escrita<br />

fixou como simultâneos os significantes verbais, concretamente, colocando-os nas mãos do leitor ao longo<br />

das páginas todas. A obra inteira já estava disponível <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início e não havia necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esperar nada<br />

ou ninguém para chegar ao fim ou mesmo para atingir qualquer ponto <strong>de</strong>la. 37 Porém, o processo <strong>de</strong> leitura 38<br />

ainda pagava tributo à seqüencialida<strong>de</strong> da fala, quer dizer, à impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o leitor manipular os<br />

significantes todos, seja pelos limites <strong>de</strong> seu campo visual, seja por sua reduzida capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> memória. Em<br />

resumo, os significantes eram dados todos como simultâneos, mas os limites físicos do leitor impediam que<br />

fossem tratados e tornassem disponíveis à leitura simultaneamente. Dessa maneira, a divisão em páginas, em<br />

tamanhos que também não ultrapassaram nunca os limites do campo visual, acabou materializando uma<br />

sucessivida<strong>de</strong> na já materializada simultaneida<strong>de</strong> do impresso. Ora, no meio eletrônico, sucessivida<strong>de</strong> e<br />

simultaneida<strong>de</strong> parecem nunca estar materializadas <strong>de</strong> modo distinto, ou mesmo <strong>de</strong>finitivo. Entre elas,<br />

instala-se uma ligação imediata. Basta pensar em um exemplo muito simples: uma expressão sublinhada numa<br />

dada página eletrônica, e que leva a uma outra, po<strong>de</strong> perfeitamente abrir esta segunda ao lado da primeira,<br />

transformando por simples opção do leitor a sucessivida<strong>de</strong> em simultaneida<strong>de</strong>, concretamente, o que caracteriza,<br />

mais do que uma justaposição, uma possível conjunção imediata e direta entre uma e outra.<br />

Cabe, então, no caso do espaço digital, examinar como funciona essa reversibilida<strong>de</strong> nas imagens e nas palavras,<br />

ou melhor, na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construir um duo imagem-palavra. O sentido <strong>de</strong>ste po<strong>de</strong> estar imediatamente<br />

apontado, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da leitura, materialmente exposto e configurado pelas interativida<strong>de</strong>s e comandos<br />

associados a ele. O nó (ligação ou link) que remete concretamente a outros nós, estabelecendo sucessivida<strong>de</strong>s<br />

78

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!