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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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(seja ela composta ou não <strong>de</strong> uma pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> linguagens e códigos) e da leitura, há alguns elementos a<br />

serem consi<strong>de</strong>rados. Primeiramente, apre(e)ndo da reversibilida<strong>de</strong> a lição <strong>de</strong> que, como leitor, não tenho como<br />

não dotar-me <strong>de</strong> uma pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leitores. Isso implica inspecionar o ato <strong>de</strong> leitura e ver nele o que antece<strong>de</strong><br />

tanto a organização do campo <strong>de</strong> sentidos possíveis, em primeiro lugar, quanto, em seguida, a elaboração <strong>de</strong><br />

significados. Com isso, apontamos, no campo <strong>de</strong> leitura, para aquilo que pela linguagem vem dos outros e pelos<br />

outros; aquilo que, abrindo mão <strong>de</strong> uma origem mítica ou divina das línguas, <strong>de</strong>svela nossa participação em<br />

uma esfera <strong>de</strong> intersubjetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que a linguagem é o sintoma mais evi<strong>de</strong>nte e primeiro.<br />

Dessa maneira, a reversibilida<strong>de</strong> implica um textualizar-se: o leitor se coloca em meio aos objetos a serem<br />

lidos e partilha <strong>de</strong>sse disponibilizar-se à leitura. Uma conseqüência direta <strong>de</strong>ssa textualização do leitor é o<br />

fato <strong>de</strong> que ele constitui textos a serem dispostos no espaço dos sentidos possíveis e atravessados por<br />

significações construídas na e pela leitura. Daí assumir ele, leitor, também o papel <strong>de</strong> autor; no caso, autor<br />

<strong>de</strong> si próprio. Ao ler um texto, o leitor escreve, ainda que pouco, um tanto <strong>de</strong> sua história, <strong>de</strong> sua vida; ele<br />

inscreve em seu ser algum ritmo <strong>de</strong> palavras, algum movimento <strong>de</strong> fala, alguma imagem verbalizada<br />

(verbalizável). Daí não ser talvez apropriado falar <strong>de</strong> composição ou <strong>de</strong> justaposição, ou até mesmo <strong>de</strong> síntese<br />

dialética, entre a leitura do texto e a leitura <strong>de</strong> si. Como afirma Merleau-Ponty, 32 se queremos propor uma<br />

figura metafórica para a relação entre uma e outra, pensemos em ambas como direito e avesso reversíveis,<br />

como dois segmentos <strong>de</strong> um mesmo percurso circular, opostos mas também reversíveis; ou como os dois lados<br />

da fita <strong>de</strong> Moebius que, <strong>de</strong> fato, fazem apenas um. A partir daí, po<strong>de</strong>-se falar com certeza <strong>de</strong> uma<br />

reversibilida<strong>de</strong> entre leitor e autor. Não que um se reduza ao outro; ou que haja apenas leitores, mesmo<br />

dispondo significantes verbais em uma ca<strong>de</strong>ia própria <strong>de</strong> associações; ou que existam apenas autores,<br />

alinhavando significações em seu campo <strong>de</strong> sentidos possíveis. Entre leitor e autor se estabelece uma<br />

duplicida<strong>de</strong> anterior à materialização da linguagem em forma <strong>de</strong> escrita: o leitor que sou agora <strong>de</strong> um dado<br />

texto busca, num primeiro momento, a perspectiva do autor que eu já era <strong>de</strong> minhas palavras; já o autor <strong>de</strong><br />

quem julgo receber o texto não é apenas o outro que produziu esse texto, mas é também uma dada maneira<br />

<strong>de</strong> manifestar a originalida<strong>de</strong> com que me insiro na língua por meio <strong>de</strong>sse texto e <strong>de</strong>ssa linguagem.<br />

Mas, se tocamos nas relações entre autoria e leitura (discutidas acima), foi apenas para aproximá-las <strong>de</strong><br />

algumas questões atinentes à reversibilida<strong>de</strong> e mostrar o interesse no emprego <strong>de</strong>sse conceito. Voltando à<br />

utilização do visual na criação <strong>de</strong> uma poesia eletrônica, é importante, nessa perspectiva da reversibilida<strong>de</strong>,<br />

aprofundar ainda alguns elementos ligados à visão. Afirmamos anteriormente que não po<strong>de</strong>mos nos ver<br />

vendo diretamente, mas que po<strong>de</strong>mos, assim mesmo, <strong>de</strong>svelar a situação <strong>de</strong> reversibilida<strong>de</strong> entre vi<strong>de</strong>nte e<br />

visível quando nos damos conta da participação dos olhares <strong>de</strong> outros em nosso próprio olhar e, sobretudo,<br />

da presença do visível das coisas em nossa visibilida<strong>de</strong>. Ora, talvez esteja justamente no ciberespaço uma<br />

possibilida<strong>de</strong> imediata <strong>de</strong> simular concretamente tal situação. Nele, estaríamos em situação <strong>de</strong> arquitetar<br />

uma ficção do perceptivo, essa que nos dá chance <strong>de</strong> encenar a situação <strong>de</strong> nos ver vendo, algo que vai<br />

além do vivendo (esse viver inautêntico <strong>de</strong> que fala Hei<strong>de</strong>gger). O ciberespaço po<strong>de</strong>, então, ser a<br />

celebração ou a instauração <strong>de</strong> uma nova esfera mítica, possibilitando a produção <strong>de</strong> avatares que, no<br />

exterior <strong>de</strong> nossa capacida<strong>de</strong> visual, criam perspectivas, objetos e esboçam tracejados em que nos<br />

reconhecemos e até nos vemos vendo.<br />

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