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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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seus limites e condições <strong>de</strong> contorno já sejam pre<strong>de</strong>finidos pela conjunção entre as linguagens <strong>de</strong><br />

programação e as linguagens do escritor. Temos aí aquele mesmo <strong>de</strong>terminismo sem previsibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que<br />

acima se falou acerca dos fractais e da ciência do caos: a escrita do leitor é planejada no sentido <strong>de</strong> ser<br />

<strong>de</strong>terminada por um aparato que conjuga linguagens <strong>de</strong> programação e linguagens <strong>de</strong> criação – estas, do<br />

escritor; aquelas, do programador –, sem que se possa, contudo, prever (às vezes nem mesmo nos <strong>de</strong>talhes<br />

mais grosseiros) seus resultados. Entre leitor e escritor, enfim, instala-se não a previsibilida<strong>de</strong> limitante dos<br />

sistemas fechados, mas o <strong>de</strong>terminismo aberto que toda leitura po<strong>de</strong> ter e <strong>de</strong>ve assumir.<br />

Interferências e Dualida<strong>de</strong>s<br />

Interferências, como a citada entre linguagens do programador e linguagens do escritor, po<strong>de</strong>m remeter<br />

àquilo que Merleau-Ponty, em Le Visible et l’Invisible, chama <strong>de</strong> reversibilida<strong>de</strong>. Talvez seja um dos conceitos<br />

que possibilitem até mesmo melhor dar conta <strong>de</strong>ssa confluência <strong>de</strong> textos, <strong>de</strong> páginas, <strong>de</strong> linguagens, <strong>de</strong><br />

códigos, que é a ciber<strong>literatura</strong>. Em conseqüência, seja-nos permitido, nas linhas que se seguem, pensar essa<br />

poesia eletrônica, sobretudo no que diz respeito ao diálogo entre verbal e visual, buscando apoio e<br />

companhia nas reflexões do autor <strong>de</strong> Le Visible et l’Invisible. Em todo caso, tais questões permitirão mapear<br />

não apenas os elementos envolvidos na conjunção verbal-visual, mas em várias outras.<br />

Ao menos um dos pontos <strong>de</strong> partida <strong>de</strong> Merleau-Ponty para pensar a reversibilida<strong>de</strong> é a imagem (que ele<br />

apren<strong>de</strong> com Husserl) do corpo próprio, <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> reflexiva: nele, as mãos se tocam e são tocadas<br />

uma pela outra. Essa reflexivida<strong>de</strong> corpórea é não só confluência do que toca ao que é tocado, mas, em<br />

termos mais gerais, o entrelaçamento entre o corpo que percebe e o mundo objetivo dado à percepção. Os<br />

movimentos próprios do corpo perceptivo são <strong>de</strong>senhados sobre o mundo que eles interrogam, e ambos –<br />

corpo perceptivo e mundo das coisas percebidas – vêm dialogar numa mesma instância, sem que se reduzam<br />

um a outro, como “as duas meta<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma laranja”. 29 Por outro lado, mesmo a visão, ao contrário do que<br />

a experiência empírica nos po<strong>de</strong>ria sugerir, traz em si essa reflexivida<strong>de</strong> corpórea. Ao que tudo indica, não<br />

é possível nos ver vendo. Mas, no caso, um tal juízo <strong>de</strong>rivaria <strong>de</strong> um aparelho analítico já superposto,<br />

sutilmente, ao aparelho perceptivo corpóreo, impondo à reflexão corpórea o viés <strong>de</strong> uma análise<br />

intelectualista, impedindo-nos <strong>de</strong> assimilar o fato <strong>de</strong> que “dès que je vois, il faut (comme l’indique si bien<br />

le double sens du mot) que la vision soit doublée d’une vision complémentaire ou d’une autre vision: moimême<br />

vu du <strong>de</strong>hors, tel qu’un autre me verrait, installé au milieu du visible, en train <strong>de</strong> le considérer d’un<br />

certain lieu”. 30 Assim, o corpo, como visibilida<strong>de</strong>, seria uma espécie <strong>de</strong> condição incarnada das possibilida<strong>de</strong>s<br />

da existência. Não haveria, então, nem mundo exterior limitado às coisas, nem coisas colocadas à parte,<br />

enfurnadas em sua região ôntica, mas uma só visibilida<strong>de</strong> que, como a poesia, torna visíveis os pensamentos<br />

e as falas, faz com que o discurso do ser e o ser que o enuncia sejam os gestos e as poses <strong>de</strong> uma posse<br />

inaugural do mundo vivido.<br />

Desse ponto <strong>de</strong> vista, a reversibilida<strong>de</strong> não po<strong>de</strong>ria seria entendida como essência das coisas, nem mesmo como<br />

categoria generalizante. Reversibilida<strong>de</strong> aqui <strong>de</strong>screve a possibilida<strong>de</strong> nossa 31 <strong>de</strong> nos dotarmos <strong>de</strong> objetos ao<br />

mesmo tempo que nos instalamos (em que somos e estamos) em meio aos objetos. No caso do leitor da obra<br />

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