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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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esta outra coisa a não ser acompanhar com os olhos essa interferência <strong>de</strong> autorias que se estabelece<br />

progressivamente, até o apagamento aparentemente <strong>de</strong>finitivo <strong>de</strong> uma – a <strong>de</strong> Gonçalves Dias – para a<br />

entronização da outra – a <strong>de</strong> Lafer. Mas mesmo isso é provisório e precário, pois, logo <strong>de</strong> imediato, a estrofe<br />

inteira do poeta maranhense ressurge e se impõe a nossos olhos, como que dizendo que a vitória, mesmo<br />

fugaz, é sempre do escrito que subjaz no palimpsesto. Assim, o que se impõe <strong>de</strong> todo esse périplo é mesmo<br />

o que po<strong>de</strong> ser chamado <strong>de</strong> conjunção <strong>de</strong> regiões <strong>de</strong> autoria, dinamicamente estabelecidas (mas nunca<br />

estabilizadas) na tela do computador.<br />

Com base no que foi discutido e apresentado, po<strong>de</strong>mos concluir que <strong>de</strong> fato toda textualida<strong>de</strong> – como<br />

construção <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> leitura e <strong>de</strong> significação, seja ela em meio impresso, seja em meio eletrônico – é<br />

sempre hipertextualida<strong>de</strong>, à maneira como a enten<strong>de</strong>, entre outros, Gérard Genette:<br />

L’hypertextualité, à sa manière, relève du bricolage. (...) l’art <strong>de</strong> ‘faire du neuf avec du vieux’ a<br />

l’avantage <strong>de</strong> produire <strong>de</strong>s objets plus complexes et plus savoureux que les produits ‘faits express’:<br />

une fonction nouvelle se superpose et s’enchevêtre à une structure ancienne, et la dissonance entre<br />

ces <strong>de</strong>ux éléments coprésents donne sa faveur à l’ensemble. 24<br />

E é justamente a esse conjunto, resultado da dissonância (e não da justaposição ou da mera adição), que<br />

quisemos dar relevo quando falamos do jogo das duas fotografias, ou quando pensamos na ligaçãopassagem<br />

<strong>de</strong> um texto eletrônico a outro. Saliente-se que essa passagem <strong>de</strong> um texto a outro, <strong>de</strong> uma<br />

página a outra, não significa que tenhamos sempre o processo <strong>de</strong> hipertextualização instalado com toda a<br />

pompa e circunstância. Para que isso ocorra, é preciso que o processo <strong>de</strong> autoria se <strong>de</strong>svista <strong>de</strong> sua<br />

autorida<strong>de</strong> e associe ao autor, em <strong>de</strong>finitivo, não uma pessoa empírica, mas uma função do texto. É o que<br />

diz Philippe Bootz <strong>de</strong> suas Stances à Hélène: “...il ne s’agit pas d’un produit uniquement ‘orienté lecteur’,<br />

<strong>de</strong> quelque chose ‘donné à la lecture’, mais d’un projet également ‘orienté auteur’, dans lequel l’acte <strong>de</strong><br />

lecture du lecteur, qui agit sur un leurre, participe à la représentation et fait, dans le point <strong>de</strong> vue <strong>de</strong><br />

l’auteur, partie <strong>de</strong> l’oeuvre”. 25 Em certo sentido, parece se estabelecer entre as funções tradicionais <strong>de</strong> leitor<br />

e autor 26 a mesma interferência que havíamos observado entre as imagens que formavam a ilusão da<br />

tridimensionalida<strong>de</strong>, ou ainda entre um texto e outro no espaço eletrônico. Não que esse permanente<br />

processo <strong>de</strong> construção do texto seja uma responsabilida<strong>de</strong> compartilhada por ambos, 27 mas parece indicar,<br />

antes <strong>de</strong> tudo, uma nova acomodação entre eles (exigindo uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>sdobramentos <strong>de</strong> seus espaços e<br />

<strong>de</strong> suas temporalida<strong>de</strong>s). A objetivida<strong>de</strong> do hipertexto não se contenta <strong>de</strong> modo algum com campos<br />

previamente <strong>de</strong>marcados com elementos <strong>de</strong>finidos <strong>de</strong> antemão, atitu<strong>de</strong>, aliás, que já encontrávamos em<br />

toda boa <strong>literatura</strong> da era da imprensa. A incógnita, entretanto, é saber se esse critério ainda permite<br />

estabelecer semelhante juízo <strong>de</strong> valor também para a produção artística realizada em meio digital. Creio<br />

mesmo que tocamos aí em um dos pontos mais importantes para se pensar essas literarieda<strong>de</strong>s digitais.<br />

Se na <strong>literatura</strong> impressa a estabilida<strong>de</strong> da base material da obra exigia dos autores interessados em<br />

aprofundar o jogo literário uma série <strong>de</strong> astúcias para colocar em xeque as expectativas medianas do leitor, 28<br />

nessa ciber<strong>literatura</strong>, a instabilida<strong>de</strong> da base material já coloca justamente como pressuposto essa<br />

maleabilida<strong>de</strong>, essa in<strong>de</strong>finição fundadora. Aqui começa a se vislumbrar, talvez, a utilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse<br />

mapeamento <strong>de</strong> interferências ou dissonâncias entre elementos distintos e agrupados dois a dois, como<br />

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