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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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em perspectivas distintas, mas compartilham um mesmo espaço, 15 forçando, por isso, a visão a buscar um<br />

terceiro ponto <strong>de</strong> vista. Ora, posto numa situação em que ele oscilaria in<strong>de</strong>finidamente entre uma perspectiva<br />

e outra, o olhar acaba criando uma terceira, que não é a mera soma ou justaposição das duas anteriores, mas<br />

a criação <strong>de</strong> uma outra possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exercício da visibilida<strong>de</strong>. Com isso, até mesmo o tempo <strong>de</strong> observação<br />

<strong>de</strong> uma ou outra das duas imagens reais é suprimido: <strong>de</strong> fato, ambas não po<strong>de</strong>m ser vistas no mesmo instante,<br />

o que vale dizer que elas isoladamente acabam não sendo vistas em instante nenhum. Daí termos algo como a<br />

criação <strong>de</strong> um terceiro instante, <strong>de</strong> uma outra temporalida<strong>de</strong>, em que as duas não são mais vistas, mas<br />

possibilitam a observação <strong>de</strong> uma terceira, essa que só existe numa perspectiva mediada pelo dispositivo óptico.<br />

Isso me pôs a pensar em outro dispositivo, não mais óptico, mas visual: 16 a tela do computador, e sua capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> baralhar in<strong>de</strong>finidamente signos imagéticos e verbais, <strong>de</strong> lançar um segundo texto a partir <strong>de</strong> um primeiro,<br />

<strong>de</strong> permitir ligações constantes com uma página sempre-a-vir, e ancoragens efêmeras nessa que acabou <strong>de</strong> ser<br />

armazenada na memória. Há aí uma inesperada e possível afinida<strong>de</strong> com os dispositivos ópticos acima<br />

mencionados. Em ambos os casos, um objeto convoca um outro a também ocupar um mesmo espaço. Mas há<br />

uma diferença importante entre as duas situações. No caso das duas imagens bidimensionais, é como se nem<br />

passássemos por elas, já instalados que estamos diante <strong>de</strong> uma pretensa terceira imagem (que só existe como<br />

ilusão), essa, sim, aparentemente tridimensional na maneira como se apresenta ao olhar. Não nos cabe fixar a<br />

atenção em apenas uma das imagens (atitu<strong>de</strong> que, no mais das vezes, nem é possível), fazendo <strong>de</strong> conta que a<br />

outra não existe. Não! Apenas nos é dado o vislumbre <strong>de</strong>ssa terceira perspectiva. No texto eletrônico, passa-se,<br />

às vezes celeremente <strong>de</strong>mais, <strong>de</strong> um texto a outro sem que nos situemos, ainda que ilusoriamente, em face <strong>de</strong><br />

um terceiro texto. Na maior parte das situações, nos posicionamos apenas diante do segundo, daquele para<br />

on<strong>de</strong> nos <strong>de</strong>slocamos. Mas há algumas nuanças nesse ciberespaço <strong>de</strong> eletrônicos e virtuais objetos.<br />

Quando o segundo texto surge na tela, ele não inaugura um universo <strong>de</strong> sentidos e <strong>de</strong> possíveis significados<br />

que seja completamente novo; <strong>de</strong> resto, como qualquer texto, ele não admite leitura ingênua, a ser construída<br />

ab ovo. A maneira como vamos inseri-lo numa trama dinâmica <strong>de</strong> significados <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do grau <strong>de</strong> opacida<strong>de</strong><br />

com que vemos o texto anterior por meio <strong>de</strong>sse texto segundo. É como se tivéssemos um palimpsesto cujo<br />

fundo (isto é, o texto anterior) tivesse uma visualida<strong>de</strong> variável, <strong>de</strong> acordo com a maneira como queremos lêlo.<br />

Assim, po<strong>de</strong>mos encontrar inumeráveis possibilida<strong>de</strong>s entre um extremo e outro: num lado, o ler sempre<br />

em todo texto aquele primeiro que <strong>de</strong>u início à navegação; no outro, o ler sempre o texto atual, querendo<br />

apagar completamente rastros e vestígios daquele que veio antes. Entre um pólo e outro, situa-se uma gama<br />

infinda <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s em que se exerce o que Pedro Barbosa chamaria <strong>de</strong> escrileitura. 17 Dessa maneira,<br />

quando pensamos nesse trabalho <strong>de</strong> passar <strong>de</strong> um texto a outro, temos muito a apren<strong>de</strong>r com aquela<br />

construção <strong>de</strong> imagens tridimensionais. Temos que negar a escolha maniqueísta que nos coloca no dilema <strong>de</strong><br />

ler tão-somente o primeiro ou o segundo texto, escolher o grau <strong>de</strong> interferência entre um e outro, e que nos<br />

dará então um texto terceiro. Assim, nosso esforço <strong>de</strong> leitura, parece-me, <strong>de</strong>ve se dirigir radicalmente à<br />

constatação e à construção <strong>de</strong>ssa confluência <strong>de</strong> ambos, <strong>de</strong>ssa terceira textualida<strong>de</strong> que, ao contrário das<br />

imagens tridimensionais, temos <strong>de</strong> tirar a fórceps do nosso esquecimento, da nossa cegueira, até da nossa<br />

indiferença a ele. E esse terceiro texto não seria nem um nem outro, nem um lido pelo outro, nem o acréscimo<br />

<strong>de</strong> um a outro, mas o resultado <strong>de</strong> uma leitura que se quer e se arrisca a ser, a seu modo, também escrita<br />

(mesmo sendo esta exercida em instâncias e com instrumentos distintos daquela realizada pelo autor).<br />

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