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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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não se po<strong>de</strong> falar <strong>de</strong> duo pensante homem-máquina. Quem pensa é o homem, e toda discussão sobre<br />

inteligência artificial seria menos simplista se levasse isso em conta, se <strong>de</strong>ixasse <strong>de</strong> confundir inteligência<br />

com consciência artificial. Em resumo, as maquinações, jogos e permutações em Meschinot e Kuhlmann não<br />

são partes ou extensões do autor, mas estratégias a serem lidas e que, portanto, também fazem parte disso<br />

que chamamos simplesmente texto. Da mesma maneira, o computador não é uma entida<strong>de</strong> autônoma,<br />

espontânea. Ele é um conjunto <strong>de</strong> elementos ligados por uma série <strong>de</strong> instruções e <strong>de</strong> condições <strong>de</strong><br />

contorno; portanto, é tanto texto quanto os significantes que ele próprio, em nível diferente, manipula,<br />

processa, reor<strong>de</strong>na, <strong>de</strong>sorganiza e produz.<br />

* * *<br />

Se “apenas uma gran<strong>de</strong> intuição po<strong>de</strong> servir <strong>de</strong> bússola, nos <strong>de</strong>sertos da alma”, como afirma Pessoa, 12 talvez<br />

a palavra seja o instrumento para invocar essa intuição e esten<strong>de</strong>r caminhos e percursos nesse <strong>de</strong>serto<br />

povoado <strong>de</strong> significantes que é o ciberespaço. Tomemos, por exemplo, a palavra <strong>de</strong>riva, utilizada no início<br />

<strong>de</strong>ste ensaio. Ela tanto indica o <strong>de</strong>svio, o distanciamento, a perda <strong>de</strong> rumo como nomeia um instrumento<br />

náutico que serve justamente para evitar a perda da rota. Se são tempos <strong>de</strong> <strong>de</strong>riva e perda <strong>de</strong> rumo, estes<br />

nossos são igualmente tempos <strong>de</strong> <strong>de</strong>riva e <strong>de</strong> navegação por instrumentos <strong>de</strong> cibernáuticas empreitas. A<br />

palavra não foi arquitetada e tramada para o papel, para a folha escrita nem para a página impressa, mas<br />

fez <strong>de</strong>sse espaço sua morada e sítio quase como tivesse sido feita e inventada adre<strong>de</strong> para ocupar esse lugar.<br />

A tal ponto <strong>de</strong> um artista como Fabio Doctorovich, com a sensibilida<strong>de</strong> inteligente que o distingue, ter<br />

afirmado que “la palabra es probablemente el generador <strong>de</strong> significados más a<strong>de</strong>cuado cuando se trata <strong>de</strong><br />

página impresa (aunque no tanto teniendo en cuenta a la poesía visual)”. 13 Mas parece tropeçar quando<br />

afirma, logo em seguida: “Sin embargo, esto podría no ser así en el dominio virtual <strong>de</strong> la WWW”. 14 Mesmo<br />

parecendo otimismo exagerado, ainda <strong>de</strong>fendo que a palavra, a matéria verbal, vai encontrando sua hora<br />

e vez, seu lugar nesses espaços <strong>de</strong> espaços, nessa multidimensionalida<strong>de</strong> que é o ciberespaço, e<br />

conformando aí locais e instantes <strong>de</strong> <strong>literatura</strong>, ou melhor, <strong>de</strong> ciber<strong>literatura</strong>. E é o espaço e as condições<br />

<strong>de</strong> contorno na criação verbal que importa consi<strong>de</strong>rar. Não apenas no que ela recebe <strong>de</strong> especificida<strong>de</strong>s e<br />

limitações do meio eletrônico; também na maneira como o meio eletrônico po<strong>de</strong> ser re<strong>de</strong>senhado,<br />

retramado e retrabalhado a partir da matéria verbal. A <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> uma possível ou pretensa literarieda<strong>de</strong><br />

eletrônica terá que dar conta, então, das torções e distorções que o uso da palavra traz para o ciberespaço,<br />

em geral, e para o que, em particular, temos chamado <strong>de</strong> ciber<strong>literatura</strong>. É o que vamos discutir na<br />

seqüência <strong>de</strong>ste ensaio. Basta fazer avançar as páginas!<br />

O Texto Eletrônico como Produtivida<strong>de</strong>, ou as<br />

Relações entre Autor e Leitor<br />

Há coisa <strong>de</strong> dois anos, realizou-se em Paris, no Museu Carnavalet, uma exposição <strong>de</strong> imagens virtuais construídas<br />

nos primórdios da invenção da fotografia. Em alguns casos, a espacialização em três dimensões era obtida a<br />

partir da bidimensionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> duas fotos colocadas em distintos eixos <strong>de</strong> perspectiva. Com se dá até hoje, o<br />

mecanismo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> jogo óptico baseia-se num arranjo entre duas imagens que se colocam<br />

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