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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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evi<strong>de</strong>nte estrato (diria melhor, forma) literário, essa aparente estabilida<strong>de</strong> dos significantes que leva, <strong>de</strong><br />

imediato, a formas reconhecíveis da tradição literária: versos, estrofes, metrificação, ritmo etc.<br />

O caso <strong>de</strong> Raymond Queneau e seus Cent Milles Milliards <strong>de</strong> Poèmes representa um avanço importante não<br />

apenas quantitativo, mas também qualitativo. 10 Se mantemos a analogia com a Máquina <strong>de</strong> Turing,<br />

po<strong>de</strong>mos dizer que no caso <strong>de</strong> Queneau uma máquina foi materialmente construída, à diferença dos<br />

poemas mencionados. A edição em papel dos poemas implica uma leitura impossível, se tentamos usar os<br />

processos <strong>de</strong> manipulação da tradição impressa. Não conheço leitor que tenha conseguido algum sucesso<br />

diante da gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tirinhas <strong>de</strong> papel que se obstinam em não permitir nenhum controle<br />

efetivo <strong>de</strong> suas mãos e <strong>de</strong>dos. O lí<strong>de</strong>r do Oulipo realmente construiu uma máquina mecânica (e não<br />

eletrônica) <strong>de</strong> multiplicação <strong>de</strong> significantes que, nos resultados numéricos, vai muito além das que<br />

Meschinot e Kuhlmann propuseram. Trata-se <strong>de</strong> um máquina mecânica, sim, mas cujas possibilida<strong>de</strong>s e<br />

efeitos po<strong>de</strong>m ser próprios e mais extensamente lidos no meio eletrônico. 11 Isso tudo acaba colocando uma<br />

gran<strong>de</strong> distância entre os leitores e qualquer aparência <strong>de</strong> literarieda<strong>de</strong> tradicional, como se observa ainda<br />

nos poemas. Daí vem, talvez, a resistência <strong>de</strong> muitos críticos (ainda hoje) em atribuir qualquer valor literário<br />

a essa obra <strong>de</strong> Queneau: afinal <strong>de</strong> contas, a materialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua máquina, direta e ostensivamente dada à<br />

manipulação do leitor, praticamente afasta qualquer leitura pelo viés tradicional, isto é, que reconheça a<br />

forma do soneto e faça as costumeiras divagações e <strong>de</strong>ambulações <strong>de</strong> significados e sentidos. Todavia, esse<br />

dispositivo do escritor francês não escon<strong>de</strong> um ponto importante: tanto quanto os maquinismos virtuais <strong>de</strong><br />

Meschinot e Kuhlmann, ele é também espaço e forma significante, parte inalienável <strong>de</strong> qualquer percurso<br />

<strong>de</strong> leitura que se faça <strong>de</strong>ntro e a partir <strong>de</strong>le. Queremos dizer com isso que nem as máquinas virtuais <strong>de</strong> uns,<br />

nem a máquina real do outro po<strong>de</strong>m ser vistas apenas como meio por on<strong>de</strong> transitam os significantes, ou<br />

mesmo como agentes construtores <strong>de</strong> significantes, mas colocados na exteriorida<strong>de</strong> do texto.<br />

Os dois tipos <strong>de</strong> máquina tomam parte no texto, e também são submetidos a um processo <strong>de</strong> leitura, isto<br />

é, <strong>de</strong> estratificação, <strong>de</strong> categorização, <strong>de</strong> mapeamento <strong>de</strong> ligações sintáticas e semânticas. Daí a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r os maquinismos como simulacros. Em outras palavras, não estamos diante <strong>de</strong> um processo<br />

industrial em que o maquinismo que produziu o objeto coloca-se fora <strong>de</strong> sua utilização por qualquer<br />

usuário. Esses maquinismos <strong>de</strong> gerar significantes seriam, para usar a mesma analogia, como objetos<br />

industrializados que, para serem usados, teriam <strong>de</strong> se fazer acompanhar <strong>de</strong> toda a fábrica, com suas<br />

instalações e maquinários. Então chegamos a uma constatação importante: as máquinas <strong>de</strong> gerar<br />

significantes, quando inseridas num processo <strong>de</strong> leitura, obrigatoriamente <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser maquinismos para<br />

se tornarem simulacros <strong>de</strong> maquinismos.<br />

É assim que, no meio eletrônico, se torna imperioso enten<strong>de</strong>r e aceitar que a máquina é simulacro; que ela<br />

não gera significações, mas significantes, sendo ela própria um significante. Se não se leva isso em conta,<br />

caímos num embuste, nessa mitologia contemporânea das tecnologias que nos é imposta como se técnicas,<br />

ferramentas e processos fossem objetos à parte do mundo cultural. Como se o computador não fosse parte<br />

especial, diferenciada, com funções distintas <strong>de</strong> outros elementos, mas parte do texto que se produz<br />

durante as leituras. Por isso não se po<strong>de</strong> colocar a máquina numa esfera <strong>de</strong> espontaneida<strong>de</strong> e i<strong>de</strong>ntificá-la<br />

aos sujeitos que participam do processo <strong>de</strong> produção do texto. Não há subjetivida<strong>de</strong> na máquina, por isso<br />

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