Leituras de nós â ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural
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Aliás, tal expansão já era evi<strong>de</strong>nte na escrita (a fortiori, na imprensa), que propiciou o armazenamento <strong>de</strong><br />
quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> signos verbais bem acima das possibilida<strong>de</strong>s da memória do leitor (imprescindível até então<br />
na tradição oral). Dito <strong>de</strong> outra maneira, o meio eletrônico abre duas direções fundamentais para o leitor:<br />
<strong>de</strong> um lado, ele é instado a mapear um campo <strong>de</strong> sentidos possíveis, utilizando não apenas as linguagens<br />
costumeiras (visuais, verbais, sonoras etc.), mas também e sobretudo os processos, procedimentos e<br />
ferramentas informáticas. É como no caso do Litteraterra, em que o leitor se vê diante da tarefa <strong>de</strong> mapear<br />
e <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r como funcionam as interações e os automatismos para interagir mais eficazmente com a<br />
obra. De outro lado, com base nesse mapeamento, o leitor po<strong>de</strong> então passar para uma etapa posterior, a<br />
<strong>de</strong> organizar significações a partir do material significante colocado diante <strong>de</strong> si. E novamente entram em<br />
cena suas limitações físicas (<strong>de</strong> campo visual, <strong>de</strong> memórias <strong>de</strong> curto, médio e longo prazos): diante <strong>de</strong> uma<br />
legião <strong>de</strong> possíveis que se abre na tela e ao toque dos <strong>de</strong>dos, ao alcance dos automatismos e das interações,<br />
quaisquer interpretações <strong>de</strong>verão ser resultado <strong>de</strong> escolhas fundadas não apenas em coerências e<br />
consistências das diferentes linguagens envolvidas, mas também em lógicas <strong>de</strong> edição e <strong>de</strong> construção <strong>de</strong><br />
espaços significantes multidimensionais. No caso da criação <strong>de</strong> Artur Matuck, isso se refere à justaposição<br />
entre o verbal da tradição impressa (os escritos explicativos que se abrem aqui e ali) e o automático-iterativo<br />
do meio eletrônico. E ressalte-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma conjunção, e não <strong>de</strong> uma justaposição entre um e<br />
outro, como parece indicar a lógica <strong>de</strong> construção <strong>de</strong>ssa obra.<br />
Talvez essa diferença entre conjunção e justaposição aju<strong>de</strong> a discernir melhor a maneira como se esboça,<br />
então, uma linha que leva da <strong>literatura</strong> da tradição impressa a uma pretensa <strong>literatura</strong> eletrônica. Assim,<br />
não se fala nem <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>, nem <strong>de</strong> ruptura radical, mas <strong>de</strong> sedimentações <strong>de</strong> processos textuais<br />
variados, po<strong>de</strong>ndo colocar no mesmo saco o projeto do Livre, <strong>de</strong> Mallarmé, e propostas vanguardistas<br />
propagan<strong>de</strong>ando a própria extinção do livro. É por isso que falar da literarieda<strong>de</strong> dos hipertextos<br />
eletrônicos significa dar conta <strong>de</strong>sse intrincado jogo que não po<strong>de</strong> mais ser resumido simplistamente a uma<br />
escolha entre diacronia e sincronia. Como ocorre com todo objeto cultural, ambas se imbricam e se<br />
entrelaçam numa conjunção que não tem como se socorrer com o abrigo cômodo e reconfortante <strong>de</strong> uma<br />
dialética <strong>de</strong> feitio hegeliano. Bem examinadas, percebemos que há diacronias em qualquer recorte<br />
sincrônico e vice-versa, sincronias em toda perspectiva diacrônica. De fato, esse processo permite perceber<br />
que tais jogos e conjunções entre textos distintos também se tornam, <strong>de</strong> imediato, textos. E só o que evita<br />
que caiamos no círculo fechado e vicioso da sofística (tal como acontece com alguns críticos e teóricos que<br />
vêem em tudo apenas construção <strong>de</strong> significações) é o esforço <strong>de</strong> manter tal círculo em permanente<br />
movimentação, 5 o trabalho (sempre inútil, mas persistente) do leitor <strong>de</strong> se dirigir para fora do espaço das<br />
textualida<strong>de</strong>s, tentando inutilmente, como Sísifo, alcançar o espaço dos sentidos possíveis. 6<br />
De fato, é isso que permite a Fabio Doctorovich afirmar que “...viejas técnicas <strong>de</strong>jadas <strong>de</strong> lado por los poetas<br />
tales como el teatro, el canto y la plástica están siendo reelaboradas a partir <strong>de</strong> las experiencias dadaístas y<br />
futuristas <strong>de</strong> principios <strong>de</strong> siglo”. 7 No caso da obra tomada como exemplo, Litteraterra, po<strong>de</strong>-se perceber<br />
uma <strong>de</strong>ficiência que é marcante na imensa maioria das criações da ciber<strong>literatura</strong>: justamente a falta <strong>de</strong><br />
uma visão mais ampla e que permita contemplar e assimilar na criação da obra (e, <strong>de</strong> modo correspon<strong>de</strong>nte,<br />
na leitura <strong>de</strong>la) algumas das distintas sedimentações que dão possibilida<strong>de</strong> e sentido ao objeto submetido<br />
à leitura. São justamente essas sedimentações que vão, nelas e por elas, construindo esses textos que só<br />
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