12.11.2014 Views

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

* * *<br />

Nesse ponto, duas perguntas ainda subsistem e <strong>de</strong>vem servir <strong>de</strong> baliza para as reflexões que se fazem aqui<br />

sobre criação literária e meio eletrônico: qual seria o real estatuto da criação verbal nesse meio? Como se<br />

apropriar dos instrumentos e processos informáticos para construir uma ciberleitura que tenha como<br />

correlato uma ciberescrita? Ao mesmo tempo que postulamos essas questões, queremos nos afastar <strong>de</strong> certo<br />

simplismo que tem acometido os estudos literários há mais <strong>de</strong> uma década e procura ver <strong>literatura</strong> em toda<br />

parte, numa espécie <strong>de</strong> macarthismo às avessas (tão insidioso quanto seu original). Aceitar o pressuposto <strong>de</strong><br />

que competiria apenas ao leitor individual a atribuição do estatuto <strong>de</strong> literário para um dado objeto não<br />

significaria explicitar a evi<strong>de</strong>nte precarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste, mas, ao contrário, resultaria num leitor investido <strong>de</strong><br />

um autoritarismo quase absoluto. Por isso, quando indagamos qual seria o estatuto da criação verbal no<br />

ciberespaço, estamos propondo o mapeamento <strong>de</strong> um sistema literário que já esteja abertamente (que<br />

nunca será completamente) ancorado no meio eletrônico; estamos afirmando que não compete a leitores<br />

nem a criadores <strong>de</strong>finir, isoladamente, o que será produzido, lido, reproduzido e, portanto, <strong>de</strong>finido como<br />

<strong>literatura</strong>. E também estamos afirmando com todas as letras que escrita e leitura, por mais que se<br />

<strong>de</strong>sloquem, por mais que se renovem e se estranhem, por mais que se entranhem <strong>de</strong> elementos novos, não<br />

po<strong>de</strong>riam ser reduzidas a um mesmo e único processo.<br />

A julgar pelo que muitos críticos e teóricos têm dito nas últimas décadas, parece que o campo da<br />

literarieda<strong>de</strong> vem incorporando novos objetos, novos processos, novos materiais e, claro, novas temáticas.<br />

E essa expansão ocorre também quando se toma uma perspectiva sincrônica. David Reynolds, 1 por exemplo,<br />

afirma que haveria uma escala ascen<strong>de</strong>nte em termos <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> semiótica, que vai do que ele chama<br />

<strong>de</strong> “textos sociais” até chegar aos literários. Duas observações po<strong>de</strong>m ser levantadas com base nisso. A<br />

primeira diz respeito a uma i<strong>de</strong>ntificação entre textualização e semiotização, o que parece um tanto<br />

simplificador. A segunda – e que nos afeta diretamente – é essa pretensão <strong>de</strong> colocar o literário como ponto<br />

culminante <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> textualização. Em outras palavras, quanto mais complexos, mais literários<br />

seriam os textos. E, somando isso àquela i<strong>de</strong>ntificação entre textual e semiótico, literarieda<strong>de</strong> e<br />

semioticida<strong>de</strong> seriam equivalentes: um grau elevado <strong>de</strong> uma correspon<strong>de</strong>ria a um grau também elevado da<br />

outra, o que nos levaria imediatamente à afirmação <strong>de</strong> que ambas correspon<strong>de</strong>riam a um mesmo processo.<br />

Mas, se todo texto é imediatamente passível <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>scrição semiótica, todo texto é imediatamente<br />

literário. Se tudo se torna <strong>literatura</strong> – como o próprio Reynolds observa –, “o relativismo crítico dominará<br />

tudo e o lobby político tomará rapidamente o lugar da crítica responsável”. 2 De outro lado, nem todo texto<br />

literário, até mesmo complexamente literário – po<strong>de</strong>ríamos dizer –, é também dotado <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong><br />

semiótica. Ainda é Reynolds que afirma ser o texto literário “...a compact explosiveness of sign that occurs<br />

because an unusually large variety of cultural idioms and voices are fused to create extreme <strong>de</strong>nsity and<br />

semiotic polyvocality”. 3 A julgar por isso, teríamos que excluir um Nelson Rodrigues, um Dalton Trevisan da<br />

boa <strong>literatura</strong> <strong>de</strong>vido à exigüida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ambos em matéria <strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> “idiomas culturais”. Não há<br />

mesmo como escapar à construção <strong>de</strong> um leque mínimo <strong>de</strong> critérios <strong>de</strong> literarieda<strong>de</strong>, preferencialmente<br />

provisórios (para que não se convertam em dogmatismo estético), na tradição impressa e,<br />

conseqüentemente, no meio eletrônico. De fato, a indagação sobre o real estatuto literário <strong>de</strong> uma obra é<br />

discussão que sempre permeou o <strong>de</strong>bate crítico, coisa que se po<strong>de</strong> ver <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Aristóteles, Horácio e Longino.<br />

60

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!