Leituras de nós â ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural
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Como conseqüência, ganham relevo quase exclusivo as condições <strong>de</strong> produção, os efeitos, as formas e<br />
trajetórias <strong>de</strong> circulação do artístico. E não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> notar a presença <strong>de</strong> uma retórica <strong>de</strong> aparência<br />
teorizante, formatada ad hoc para dar conta <strong>de</strong>ssa dada prática artística e que se sobrepõe ao objeto,<br />
querendo escondê-lo também para garantir ou amplificar os efeitos acima mencionados. Caberia, no caso,<br />
perguntar se esse esforço não seria paralelo a um outro, o <strong>de</strong> precarização dos conhecimentos estéticos e<br />
históricos, relegados a segundo plano diante da premência <strong>de</strong> dominar certo conjunto <strong>de</strong> técnicas e <strong>de</strong><br />
processos. Em outras palavras, essa perda <strong>de</strong> importância da materialida<strong>de</strong> do artístico correspon<strong>de</strong>ria ao<br />
afrouxamento (e talvez também à <strong>de</strong>sorganização) dos pressupostos teóricos e estéticos em sua produção<br />
e em sua fruição. A finalida<strong>de</strong> disso talvez esteja nesse projeto <strong>de</strong> fazer com que a impessoalida<strong>de</strong> dos<br />
instrumentos e dos processos técnicos participe mais intensamente da produção artística.<br />
De fato, há <strong>de</strong> se recuperar (ou propor) as (novas) relações entre ferramentas e condições <strong>de</strong> produção, <strong>de</strong><br />
um lado, e o objeto produzido, <strong>de</strong> outro. Contudo, torna-se cada vez mais premente limpar o campo<br />
conceitual <strong>de</strong>sse simplismo que consiste em confundir materialida<strong>de</strong> com objetivida<strong>de</strong>: se as práticas <strong>de</strong> arte<br />
contemporâneas enveredam pela fugacida<strong>de</strong> do gesto, pela velocida<strong>de</strong> dos processos, pela transitorieda<strong>de</strong><br />
das re<strong>de</strong>s e dos nós, isso não quer dizer que não haja aí nenhuma objetivida<strong>de</strong>, o que acarretaria a<br />
irrelevância das sistematizações estéticas. Ao contrário, isso significa apenas que a objetivida<strong>de</strong> dada à<br />
leitura é exatamente a <strong>de</strong>ssas práticas <strong>de</strong>smaterializadas. Ora, essa confusão entre materialida<strong>de</strong> e<br />
objetivida<strong>de</strong> não parece ser, <strong>de</strong> modo algum, ingênua ou casual. Nem mesmo isenta <strong>de</strong> conseqüências.<br />
Atenuando os elementos <strong>de</strong> apreensão artística do objeto (confundido, então, com sua materialida<strong>de</strong>),<br />
enfraquecem-se também os critérios estéticos <strong>de</strong> análise. É aí que entram os discursos <strong>de</strong> aparência<br />
teorizante que acompanham as práticas artísticas: na ilusão <strong>de</strong> que não se tem mais, pretensamente, <strong>de</strong> se<br />
ocupar <strong>de</strong> qualquer objetivida<strong>de</strong> específica, abre-se caminho para que tais discursos venham se sobrepor à<br />
investigação criteriosa da obra <strong>de</strong> arte. Na verda<strong>de</strong>, ao se proclamar essa <strong>de</strong>sobjetivação do artístico – como<br />
se isso fosse conseqüência direta <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>smaterialização –, o que se faz é, espertamente, intrometer <strong>de</strong><br />
contrabando uma objetivida<strong>de</strong> envergonhada e que não se assume como tal.<br />
Paradoxalmente, os produtores (ex-artistas, então) colocam-se também como produtos, ou seja, como<br />
objetos. Será que, segundo tal perspectiva, estaria circunscrita a isso a objetivida<strong>de</strong> do fazer artístico? À<br />
reificação do artista, agora assumindo-se como produto? Na verda<strong>de</strong>, essa visão parece, mais do que tudo,<br />
uma tentativa <strong>de</strong> dar relevo ao sujeito-<strong>de</strong>spersonalizado, em oposição ao sujeito-individualizado. 31 Nesse<br />
caso, no que toca às técnicas, aos processos e aos instrumentos utilizados, eles pen<strong>de</strong>riam claramente para o<br />
lado da <strong>de</strong>spersonalização, assim como os meios, os percursos e os efeitos <strong>de</strong>ssas práticas; no que se refere<br />
aos discursos teóricos que eventualmente acompanham as práticas contemporâneas (até mesmo na forma <strong>de</strong><br />
manifestos, como esse <strong>de</strong> Aleph ou aquele do grupo Wu-Ming), eles se tornam às vezes o último reduto do<br />
sujeito-individualizado (do Je, tal como discute Couchot). É justamente a partir <strong>de</strong>sse sujeito-individualizado<br />
que se po<strong>de</strong> resistir ou a<strong>de</strong>rir ao otimismo tecnológico. De fato, a individualida<strong>de</strong>, no que diz respeito às<br />
práticas artísticas contemporâneas, tem-se resvalado muito freqüentemente para a estreita margem <strong>de</strong><br />
manobra dos manifestos e dos textos teorizantes. E, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da opção que se faça (resistência ou a<strong>de</strong>são<br />
à mitificação das técnicas), vai-se po<strong>de</strong>r falar em invenção a partir <strong>de</strong> ou reprodução das técnicas. Essa<br />
não é uma questão menor e está presente em alguns elementos abordados no manifesto <strong>de</strong> Aleph:<br />
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