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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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<strong>de</strong> leitura privilegiado, um percurso <strong>de</strong> compreensão que levaria no limite, como as hipóstases do<br />

neoplatonismo, à essência <strong>de</strong>sse objeto ciberartístico. Contudo, entraríamos aí num jogo paradoxal:<br />

multiplicamos interfaces, quando queríamos <strong>de</strong>svelar a unicida<strong>de</strong> do objeto ciberartístico, como que justapondo<br />

cortinas para <strong>de</strong>snudar uma pretensa sua essência. Ao passarmos <strong>de</strong> uma interface a outra, po<strong>de</strong>mos não fazer<br />

mais do que multiplicá-las, por não se tratar <strong>de</strong> via <strong>de</strong> mão única – sempre em direção a um eidos do ciberobjeto<br />

–, mas <strong>de</strong> um percurso que admite tanto a ida quanto a volta. Em suma, não avançamos para nenhuma essência<br />

<strong>de</strong> qualquer objeto, apenas transitamos <strong>de</strong> um nível a outro do ciberespaço, sem que nenhum <strong>de</strong>les possa ser<br />

tido e havido como <strong>de</strong>finitivo ou primordial. Para melhor compreen<strong>de</strong>r tudo isso, talvez possamos tomar a<br />

expressão “no limite” em seu sentido matemático: limite aí indicaria tão-somente uma aproximação assintótica.<br />

Com isso, a essência ou verda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse ciberobjeto não estaria colocada ao final do processo, como verda<strong>de</strong><br />

revelada ou <strong>de</strong>scoberta. Seria possível tomar os códigos <strong>de</strong> programação do objeto (a página-fonte HTML <strong>de</strong> um<br />

sítio; a codificação em Visual Basic ou C ++ <strong>de</strong> um programa etc.) como a instância <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong>sse ciberobjeto?!<br />

É claro que não! Se assim fosse, estaríamos diante <strong>de</strong> uma essência permanentemente à <strong>de</strong>riva, espalhada pelos<br />

vários programas (sistemas operacionais, páginas <strong>de</strong> códigos <strong>de</strong> caracteres alfanuméricos etc.) associados àquele<br />

que coloca em funcionamento nosso ciberobjeto. E tal essência estaria, assim, fragmentada para sempre, como<br />

um Osíris adâmico que não se recuperaria jamais da queda, fadado a permanecer na esfera da imanência até o<br />

final dos tempos ou das pilhas que alimentam os relógios dos computadores.<br />

Por outro lado, esse jogo <strong>de</strong> interfaces semelha-se às várias camadas <strong>de</strong> significantes que, no dizer <strong>de</strong> Pierre<br />

Emmanuel, 23 caracterizariam o simbólico: para o autor <strong>de</strong> Considération <strong>de</strong> l’Extase, analisar<br />

intelectualmente um símbolo seria como <strong>de</strong>scascar uma cebola, camada a camada, tentando encontrar a<br />

própria cebola. De maneira idêntica, nos três casos – da cebola, do símbolo e das interfaces telemáticas –<br />

po<strong>de</strong>-se seguir sempre em frente, na crença <strong>de</strong> chegar à essência ou à verda<strong>de</strong> do objeto em análise, mas, no<br />

final do processo, o que se tem nas mãos é apenas um vazio ou uma insignificância. Essa imagem proposta<br />

por Pierre Emmanuel reforça o princípio <strong>de</strong> que o símbolo é, claro, também texto, ou seja, um certo arranjo<br />

<strong>de</strong> significantes submetido à leitura, e não idéia originária, imagem correlata ou mesmo substância,<br />

afirmação que também po<strong>de</strong> ser feita em relação aos objetos da ciberarte – assim como <strong>de</strong> qualquer objeto<br />

artístico. Em todos esses casos, não se po<strong>de</strong> querer chegar a uma interpretação última e <strong>de</strong>finitiva; o que<br />

resta ao leitor é adiar in<strong>de</strong>finidamente o término do processo <strong>de</strong> leitura. De fato, quanto mais avançamos<br />

nessas pretensas hipóstases da ciberarte, mais nos per<strong>de</strong>mos, a menos que, como dito acima, consi<strong>de</strong>remos<br />

o código-fonte em HTML <strong>de</strong> uma web criação o verda<strong>de</strong>iro objeto artístico que buscávamos <strong>de</strong>limitar. E nessa<br />

pretensa ou possível simbolização telemática assim como no processo simbólico <strong>de</strong>scrito por Pierre<br />

Emmanuel, o símbolo não se coloca como significante ou significado <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro a discernir, mas como esse<br />

processo <strong>de</strong> composição e <strong>de</strong> <strong>de</strong>composição das várias camadas <strong>de</strong> interpretantes. Só que se trata <strong>de</strong> uma<br />

simbolização diversa daquela que, até o momento, nos foi permitido elaborar <strong>de</strong>ntro da tradição oral, em<br />

primeiro lugar, e da tradição escrita, em segundo. Enquanto nestas duas há uma estratificação hierárquica<br />

das diferentes camadas significantes, que se vão sobrepondo in<strong>de</strong>finidamente, mas sempre em or<strong>de</strong>m<br />

<strong>de</strong>crescente <strong>de</strong> entropia, na ciberarte, não há hierarquias necessárias na passagem <strong>de</strong> uma interface a outra,<br />

como se o sistema em observação se mantivesse em um nível <strong>de</strong> entropia sempre estável e, talvez, máximo.<br />

* * *<br />

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