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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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um ciberespaço homogêneo em que toda significação brotaria tão-somente <strong>de</strong> acentricida<strong>de</strong>s e<br />

<strong>de</strong>sterritorializações, sem interferências <strong>de</strong> nenhuma subjetivida<strong>de</strong>). Trata-se, na verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> tendência<br />

ligeiramente oposta, em que justamente se tenta enten<strong>de</strong>r e esten<strong>de</strong>r toda significação como resultante <strong>de</strong><br />

uma <strong>de</strong>cisão individual, produto <strong>de</strong> um voluntarismo que se confun<strong>de</strong> com o nó a que se reduz, nesses<br />

casos, a subjetivida<strong>de</strong> do leitor (e por trás <strong>de</strong> que ele se escon<strong>de</strong>). Ora, não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> chamar a<br />

atenção para as conseqüências algo <strong>de</strong>sastrosas <strong>de</strong>ssa atitu<strong>de</strong> solipsista. Ela instaura um relativismo fechado<br />

e redutor <strong>de</strong> que não se sai senão ao custo <strong>de</strong> uma negação <strong>de</strong> qualquer possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> significação<br />

intersubjetiva, o que correspon<strong>de</strong>ria, na verda<strong>de</strong>, à negação <strong>de</strong> qualquer possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> linguagem. Ela é,<br />

aliás, parente próxima do solipsismo que marcou algumas das vertentes do cartesianismo, pois, afinal <strong>de</strong><br />

contas, quando se investigam os bastidores <strong>de</strong>sse cogito fundado apenas no “Penso, logo existo”, toda a<br />

certeza do conhecimento pareceria centrar-se numa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> absoluta <strong>de</strong> si consigo mesmo, esquecendo<br />

que ela não tem como alicerçar-se a não ser na existência do mundo vivido. Toda a certeza do conhecimento<br />

só se estabeleceria, assim, a partir da arbitrarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma consciência individual cuja substância é <strong>de</strong><br />

natureza diversa daquela que ela quer conhecer, o que, em <strong>de</strong>corrência, negaria qualquer possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

conhecimento. Esse individualismo, em suma, leva no limite à negação <strong>de</strong> qualquer linguagem e, por<br />

extensão, também à <strong>de</strong> qualquer saber.<br />

Essas ilusões todas que afetam e transtornam a presença do sujeito diante do ciberespaço não são<br />

outra coisa senão um possível predomínio dos simulacros <strong>de</strong> que fala insistentemente Jean<br />

Baudrillard. Eles aparecem, por exemplo, nessas erudições <strong>de</strong> puro exibicionismo, 15 que permitem que<br />

algumas pessoas se comprazam em multiplicar referências inesperadas e obscuras, impossíveis <strong>de</strong><br />

serem retomadas, reencontradas ou mesmo utilizadas sem ser por meio <strong>de</strong> sua orientação privilegiada<br />

e <strong>de</strong> sua posição <strong>de</strong> saber <strong>de</strong> pretensos eruditos. E, quando se armam <strong>de</strong> informações a mancheias,<br />

multiplicam referências cruzadas e arquitetam complexas figuras <strong>de</strong> percursos cognitivos, 16 eles não<br />

fazem, na verda<strong>de</strong>, mais do que produzir a hiperinflação informativa que já comentei. Um outro<br />

simulacro liga-se ao tempo, ou melhor, à aparência <strong>de</strong> temporalida<strong>de</strong> que parece, então, esvaziada<br />

pela celerida<strong>de</strong> <strong>de</strong>smedida das informações que não <strong>de</strong>sfilam, mas escorrem pela tela, diante <strong>de</strong> nós.<br />

E esse <strong>de</strong>senrolar frenético não possibilitaria nenhuma construção significativa, pois tudo se reduz à<br />

homogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um presente talvez nem mesmo eterno, porém obsessivo, opressor, reduzindo<br />

toda diferença significativa à platitu<strong>de</strong> homogênea <strong>de</strong> sua onipresente figura fácil, em uma tela cheia<br />

<strong>de</strong> pixels e vazia <strong>de</strong> significações.<br />

Como resultado, temos um tempo espacializado, essa tentação fácil dos espaços telematizados em que se<br />

per<strong>de</strong> toda perspectiva <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong>. Chega-se a um tempo que é <strong>de</strong>finitivamente enganação,<br />

subterfúgio ou mesmo dissimulação. E, ainda, um último simulacro, que finge carregar a presença do outro<br />

no rastro <strong>de</strong> seus gestos expressivos, como se o encontro <strong>de</strong> discursos verbais ou icônicos em chats ou ICQs<br />

fosse capaz <strong>de</strong> resultar automaticamente na fundação <strong>de</strong> uma subjetivida<strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>ntal (que, como diz<br />

Husserl, é sempre intersubjetivida<strong>de</strong>). Todavia, ao contrário da intersubjetivida<strong>de</strong>, o que mais<br />

freqüentemente se encontra na ponta do cursor, operado pelo mouse, quando se contrapõem discursos uns<br />

a discursos outros, não é uma aproximação telemática que venceria distâncias e traria a presença do outro<br />

até o sujeito <strong>de</strong> um dado discurso, mas sim a instauração <strong>de</strong> uma distância tecnológica tão terrível e<br />

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