Leituras de nós â ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural
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irresponsavelmente, lhe atribuem alguns <strong>de</strong> seus estudiosos. Por isso <strong>de</strong>fendo uma posição diversa <strong>de</strong>ssa do<br />
sociólogo francês, em que justamente o saber seja produto <strong>de</strong> uma racionalida<strong>de</strong> circunscrita a certo<br />
domínio <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> e posta a funcionar e a se articular pelas vizinhanças significantes dos objetos que aí<br />
aparecem, pelo trabalho <strong>de</strong> significação <strong>de</strong> leitores. Quero dizer que o ciberespaço só vai adquirir<br />
significações (sempre precárias e provisórias, nunca é <strong>de</strong>mais lembrar) na medida em que nós, usuários,<br />
leitores, (hiper)escritores, o fizermos repleto <strong>de</strong> sentido por uma <strong>de</strong>cisão nossa, isto é, uma <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> cada<br />
um, mas que saiba buscar a presença dos outros, por meio <strong>de</strong>ssa fímbria <strong>de</strong> alterida<strong>de</strong> que nos dá nossa<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, ao mesmo tempo que nos coloca em meio a outros, nos instala num centro que se <strong>de</strong>sloca<br />
constantemente para as margens, buscando incessantemente o aporte dos outros, que conferem<br />
radicalida<strong>de</strong> e sentido a qualquer <strong>de</strong> nossos gestos e significados individuais.<br />
Isso que <strong>de</strong>screvo é como uma fuga para a frente, quer dizer, uma marcha em que se avança sem que o ponto<br />
<strong>de</strong> chegada esteja <strong>de</strong>finido, uma navegação a que nos lançamos resolutamente, sem que o <strong>de</strong>stino nos seja<br />
dado. Na verda<strong>de</strong>, tanto ponto <strong>de</strong> chegada quanto <strong>de</strong>stino acabam constituindo uma nova forma <strong>de</strong><br />
centralida<strong>de</strong>, não mais aquele centro das metafísicas ontológicas, mas um centro funcional que começou a se<br />
esboçar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as metafísicas gnoseológicas (a partir <strong>de</strong> Kant). E, no caso, uma das imagens mais felizes para<br />
esse centro está na charge (<strong>de</strong> cuja autoria não me recordo e a quem, infelizmente, não posso dar os créditos)<br />
do equilibrista <strong>de</strong> circo montado sobre um monociclo, <strong>de</strong>sse saltimbanco que é também um <strong>de</strong>senhista e vai<br />
rabiscando a linha sobre a qual se equilibra, com o lápis que ele segura e, à frente, vai traçando seu arame<br />
bambo e seu caminho precário. Temos, então, um centro que se dispõe não ao meio da travessia, 12 mas sempre<br />
à frente, nunca alcançado, o que vale dizer que é como se ele estivesse servindo <strong>de</strong> fundo ou <strong>de</strong> horizonte a<br />
todo o percurso sem que, por isso, tenha que <strong>de</strong>terminá-lo inteiramente. Derrida insiste na importância do<br />
centro não como um Ser, certo, mas como uma função que se torna absolutamente primordial:<br />
“I didn’t say that there was no center, that we could get along without center. I believe that the center is a<br />
function, not a being – a reality, but a function. And this function is absolutely indispensable”. 13<br />
E essa distinção é capital, sobretudo quando se trata <strong>de</strong> pensar o ciberespaço: entre o centro como essência<br />
e o centro como função, é evi<strong>de</strong>nte que apenas esta última é capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver o modo consciente e<br />
produtivo <strong>de</strong> nos apropriarmos do ciberespaço, <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>le uma região on<strong>de</strong> novos sentidos se somem<br />
aos sentidos já sedimentados em forma <strong>de</strong> cultura e daí extraiam novos percursos e novas perspectivas<br />
(mesmo indiretas) do mundo vivido. Com isso, evita-se a fossilização das percepções, o que constitui a pior<br />
das mortes que se po<strong>de</strong> dar ao sujeito. Dessa maneira, tornamo-nos capazes <strong>de</strong> associar um sentido (mesmo<br />
provisório) ao mundo, ainda que ele assuma essa precária aparência <strong>de</strong> cenários passageiros: paisagens,<br />
elementos, objetos lingüísticos, memórias, imagens, tudo <strong>de</strong>sfilando com maior ou menor celerida<strong>de</strong> diante<br />
<strong>de</strong> nós, mas sem que percamos a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manter acesa sua espetacularida<strong>de</strong>, quer dizer, a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estarmos diante <strong>de</strong> suas significações e <strong>de</strong> as percebermos sem que, ao contrário, nos<br />
tornemos um espetáculo vazio diante da tela do computador. 14<br />
Outras ilusões do ciberespaço parecem <strong>de</strong>rivar, <strong>de</strong> uma forma ou outra, <strong>de</strong>ssa primeira. Uma <strong>de</strong>las diz<br />
respeito ao individualismo, que é uma das respostas possíveis ao espontaneísmo discutido (esse que propõe<br />
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