12.11.2014 Views

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

irresponsavelmente, lhe atribuem alguns <strong>de</strong> seus estudiosos. Por isso <strong>de</strong>fendo uma posição diversa <strong>de</strong>ssa do<br />

sociólogo francês, em que justamente o saber seja produto <strong>de</strong> uma racionalida<strong>de</strong> circunscrita a certo<br />

domínio <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> e posta a funcionar e a se articular pelas vizinhanças significantes dos objetos que aí<br />

aparecem, pelo trabalho <strong>de</strong> significação <strong>de</strong> leitores. Quero dizer que o ciberespaço só vai adquirir<br />

significações (sempre precárias e provisórias, nunca é <strong>de</strong>mais lembrar) na medida em que nós, usuários,<br />

leitores, (hiper)escritores, o fizermos repleto <strong>de</strong> sentido por uma <strong>de</strong>cisão nossa, isto é, uma <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> cada<br />

um, mas que saiba buscar a presença dos outros, por meio <strong>de</strong>ssa fímbria <strong>de</strong> alterida<strong>de</strong> que nos dá nossa<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, ao mesmo tempo que nos coloca em meio a outros, nos instala num centro que se <strong>de</strong>sloca<br />

constantemente para as margens, buscando incessantemente o aporte dos outros, que conferem<br />

radicalida<strong>de</strong> e sentido a qualquer <strong>de</strong> nossos gestos e significados individuais.<br />

Isso que <strong>de</strong>screvo é como uma fuga para a frente, quer dizer, uma marcha em que se avança sem que o ponto<br />

<strong>de</strong> chegada esteja <strong>de</strong>finido, uma navegação a que nos lançamos resolutamente, sem que o <strong>de</strong>stino nos seja<br />

dado. Na verda<strong>de</strong>, tanto ponto <strong>de</strong> chegada quanto <strong>de</strong>stino acabam constituindo uma nova forma <strong>de</strong><br />

centralida<strong>de</strong>, não mais aquele centro das metafísicas ontológicas, mas um centro funcional que começou a se<br />

esboçar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as metafísicas gnoseológicas (a partir <strong>de</strong> Kant). E, no caso, uma das imagens mais felizes para<br />

esse centro está na charge (<strong>de</strong> cuja autoria não me recordo e a quem, infelizmente, não posso dar os créditos)<br />

do equilibrista <strong>de</strong> circo montado sobre um monociclo, <strong>de</strong>sse saltimbanco que é também um <strong>de</strong>senhista e vai<br />

rabiscando a linha sobre a qual se equilibra, com o lápis que ele segura e, à frente, vai traçando seu arame<br />

bambo e seu caminho precário. Temos, então, um centro que se dispõe não ao meio da travessia, 12 mas sempre<br />

à frente, nunca alcançado, o que vale dizer que é como se ele estivesse servindo <strong>de</strong> fundo ou <strong>de</strong> horizonte a<br />

todo o percurso sem que, por isso, tenha que <strong>de</strong>terminá-lo inteiramente. Derrida insiste na importância do<br />

centro não como um Ser, certo, mas como uma função que se torna absolutamente primordial:<br />

“I didn’t say that there was no center, that we could get along without center. I believe that the center is a<br />

function, not a being – a reality, but a function. And this function is absolutely indispensable”. 13<br />

E essa distinção é capital, sobretudo quando se trata <strong>de</strong> pensar o ciberespaço: entre o centro como essência<br />

e o centro como função, é evi<strong>de</strong>nte que apenas esta última é capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver o modo consciente e<br />

produtivo <strong>de</strong> nos apropriarmos do ciberespaço, <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>le uma região on<strong>de</strong> novos sentidos se somem<br />

aos sentidos já sedimentados em forma <strong>de</strong> cultura e daí extraiam novos percursos e novas perspectivas<br />

(mesmo indiretas) do mundo vivido. Com isso, evita-se a fossilização das percepções, o que constitui a pior<br />

das mortes que se po<strong>de</strong> dar ao sujeito. Dessa maneira, tornamo-nos capazes <strong>de</strong> associar um sentido (mesmo<br />

provisório) ao mundo, ainda que ele assuma essa precária aparência <strong>de</strong> cenários passageiros: paisagens,<br />

elementos, objetos lingüísticos, memórias, imagens, tudo <strong>de</strong>sfilando com maior ou menor celerida<strong>de</strong> diante<br />

<strong>de</strong> nós, mas sem que percamos a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manter acesa sua espetacularida<strong>de</strong>, quer dizer, a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estarmos diante <strong>de</strong> suas significações e <strong>de</strong> as percebermos sem que, ao contrário, nos<br />

tornemos um espetáculo vazio diante da tela do computador. 14<br />

Outras ilusões do ciberespaço parecem <strong>de</strong>rivar, <strong>de</strong> uma forma ou outra, <strong>de</strong>ssa primeira. Uma <strong>de</strong>las diz<br />

respeito ao individualismo, que é uma das respostas possíveis ao espontaneísmo discutido (esse que propõe<br />

40

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!