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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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po<strong>de</strong> não haver um limite concreto e <strong>de</strong>finitivo para esse <strong>de</strong>sfilar <strong>de</strong> informações, há, certamente, um limite<br />

para o saber. Aliás, saber sem limites está mais para <strong>de</strong>srazão (ou sua contrapartida, o irracionalismo) do<br />

que para conhecimento. Como no caso do excesso <strong>de</strong> informação que se reduz a ruído, a não informação,<br />

um saber pretensamente infinito, dotado <strong>de</strong> potências e possibilida<strong>de</strong>s divinas, não seria jamais um saber.<br />

Aparentemente, parece não haver lugar para Deus, mesmo no ciberespaço; ele se reduziria, aí, a um não<br />

saber. Na verda<strong>de</strong>, sem querer propor um ateísmo tecnológico, o que pretendo é enten<strong>de</strong>r como o<br />

conhecimento no ciberespaço só po<strong>de</strong> se construir com base nas precarieda<strong>de</strong>s dos indivíduos, da<br />

provisorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus esquemas <strong>de</strong> racionalização, da efemerida<strong>de</strong> e, ao mesmo tempo, da necessida<strong>de</strong><br />

(da urgência, diria) <strong>de</strong> suas certezas. Isso talvez possa ser mais bem entendido se analisarmos o modo como<br />

o tempo se insere e se insinua no ciberespaço e em suas navegações.<br />

O ciberespaço parece proporcionar uma espécie <strong>de</strong> justaposição <strong>de</strong> várias temporalida<strong>de</strong>s (resultando, em<br />

parte, na efemerida<strong>de</strong> mencionada). Ele nos permite, por exemplo, num só golpe, perscrutar formas e<br />

funções <strong>de</strong> telescópios direcionados para o fundo do universo (pensando nos sítios que oferecem imagens<br />

<strong>de</strong> astros longínquos à comunida<strong>de</strong> científica e a quem mais se interessar). Com isso, consegue-se uma<br />

curiosa conjunção <strong>de</strong> dois movimentos: o primeiro é esse que aponta para o futuro, que nos coloca no<br />

vértice e no vórtice <strong>de</strong> uma máquina amplificadora do olhar e <strong>de</strong> sua imensa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> processamento<br />

<strong>de</strong> dados e <strong>de</strong> imagens; o segundo é o revés do primeiro, colocando diante <strong>de</strong> nós um passado absoluto, o<br />

instante do big bang, nosso passado inaugural. Mas o efeito <strong>de</strong>ssa conjunção po<strong>de</strong> ser perverso, eliminando<br />

a diferença entre o direito e seu revés, na medida em que um e outro se homogeneizam, em que se reduz<br />

um a outro, e se faz, imediatamente, do passado absoluto o futuro que permite vê-lo (o passado) através<br />

<strong>de</strong> olhos e sensores <strong>de</strong> uma máquina das mais mo<strong>de</strong>rnas. Com isso, passado e futuro igualam-se, per<strong>de</strong>m<br />

suas diferenças recíprocas e reduzem ao absoluto <strong>de</strong> um presente que esteve no passado e estará no futuro<br />

simplesmente por que está por trás <strong>de</strong> tudo.<br />

Sempre vivemos em várias temporalida<strong>de</strong>s; em qualquer época, essas diferentes temporalida<strong>de</strong>s se tocam,<br />

às vezes se confun<strong>de</strong>m e se misturam. Nos diversos ritmos das socieda<strong>de</strong>s agrárias, conviviam os diferentes<br />

tempos das várias culturas, justapostos aos tempos das diferentes criações animais (incluídos os ritmos das<br />

gestações e das gerações humanas). No entanto, nunca tivemos a experiência <strong>de</strong> reduzir as diferentes<br />

percepções <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>ssas temporalida<strong>de</strong>s a um presente homogêneo, absoluto e onipresente. Aí<br />

parece residir a diferença <strong>de</strong>sse tempo esboçado no/pelo ciberespaço. De fato, sempre nos espalhamos pelas<br />

várias temporalida<strong>de</strong>s, mas sempre nos foi dado, também, residir e resistir em uma <strong>de</strong>las. E foi justamente<br />

isso que se esvaneceu, em parte, com a telematização dos espaços que habitamos e fazemos significar. A<br />

escolha <strong>de</strong> uma dada temporalida<strong>de</strong> parece ter-se reduzido drasticamente a uma única escolha. Ao menos,<br />

é essa a aparência da temporalida<strong>de</strong> homogênea que muitos associam ao ciberespaço. Ela vem a substituir<br />

outras figuras que, ao longo dos séculos, caracterizaram a cultura oci<strong>de</strong>ntal: primeiramente, o tempo<br />

circular das socieda<strong>de</strong>s míticas, em que presente e futuro estavam sempre conjugados no passado, já que<br />

retornavam incessantemente a um já-ocorrido; em segundo lugar, o tempo linear da ciência mo<strong>de</strong>rna, em<br />

que passado e presente reduziam-se a um percurso que só encontrava sentido e explicação no futuro para<br />

o qual apontavam, sempre e invariavelmente.<br />

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