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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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discurso. Todavia, a entrada nessa hiperinflação informativa <strong>de</strong>senfreada não traz revés algum, já que o seu<br />

contrário é ela mesma. O trágico <strong>de</strong>sse processo é que seu lado escondido é rigorosamente idêntico a si<br />

próprio, isto é, uma região neutra e sem diferenças, o que vale dizer, sem significação alguma. De fato, o<br />

excesso <strong>de</strong> informação, exatamente por ser excessivo, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser informação e torna-se ruído, per<strong>de</strong> seu<br />

valor como no caso da hiperinflação monetária. Mas, à diferença <strong>de</strong>sta, que é um processo coletivo, a<br />

hiperinflação informativa é um fenômeno individual, po<strong>de</strong>ndo ser <strong>de</strong>sligado a qualquer momento por uma<br />

flexão no campo <strong>de</strong> interesses e <strong>de</strong> significações posto em movimento pelo leitor/navegador.<br />

Dessa forma, antes <strong>de</strong> colocar em movimento um saber <strong>de</strong>ntro do ciberespaço, esse saber que chamei <strong>de</strong><br />

internético, é preciso fazer o reconhecimento <strong>de</strong>sse espaço e estabelecer como po<strong>de</strong>mos, consi<strong>de</strong>rando suas<br />

condições <strong>de</strong> contorno e <strong>de</strong> nossas contingências, construir algo como um percurso cognitivo. De início,<br />

nunca é <strong>de</strong>mais lembrar a etimologia <strong>de</strong> cibernética, termo cunhado com base no grego kybernetiké, que<br />

remete por sua vez ao timoneiro, ao ato <strong>de</strong> dar um curso à navegação em meio às intempéries e às calmarias<br />

(tanto quanto, hoje, nos movemos nesse ciberespaço chamado web, em meio a acúmulos <strong>de</strong> informações e<br />

perdas <strong>de</strong> conexão com os servidores atacados <strong>de</strong> todo lado por vírus e piratas <strong>de</strong> variado jaez e feitio).<br />

Trata-se não <strong>de</strong> buscar ou <strong>de</strong> encontrar, mas <strong>de</strong> construir uma orientação ao mesmo tempo que se avança<br />

nesse processo cognitivo, e, se nada mais <strong>de</strong> útil po<strong>de</strong> vir <strong>de</strong>ssa metaforização espacializante, ao menos ela<br />

nos servirá para pensar o pensamento <strong>de</strong> uma maneira não habitual, associando a ele (e, em conseqüência,<br />

ao próprio ciberespaço on<strong>de</strong> ele po<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolver) os elementos e os procedimentos da topologia. Em<br />

outras palavras, parece ser importante saber como orientar o pensamento em um espaço on<strong>de</strong> a cognição<br />

ainda tateia, on<strong>de</strong> hipóteses ou outras formas <strong>de</strong> retórica argumentativa <strong>de</strong>vem encontrar novos elementos<br />

e novas axiomatizações. A esse respeito, algo interessante se encontra em um opúsculo publicado por Kant<br />

no Berlinishe Monatsschrift, em outubro <strong>de</strong> 1786. Ele advertia que:<br />

S’orienter signifie au sens propre du mot: d’après une contrée du ciel donnée (nous divisons<br />

l’espace en quatre contrées <strong>de</strong> cette sorte), trouver les autres, notamment le levant. (...) Enfin, il<br />

m’est possible d’élargir encore ce concept, du moment où il consisterait dans le pouvoir <strong>de</strong><br />

s’orienter non seulement dans l’espace, c’est-à-dire mathématiquement, mais dans la pensée, c’està-dire<br />

logiquement. 10<br />

Importa, no caso, resgatar, segundo o filósofo alemão, a mesma operação <strong>de</strong> direcionamento para o que já<br />

chamávamos a atenção quando apresentamos o termo cibernética. Kant fala <strong>de</strong>ssa espacialização do<br />

pensamento através das operações geométricas do espaço cartesiano, ainda submetido às injunções da<br />

geometria <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s. Se quisermos estabelecer uma diferença com o que hoje, por meio do ciberespaço,<br />

chamamos <strong>de</strong> topologização do pensamento, teremos talvez que apelar para as geometrias <strong>de</strong> Riemann ou<br />

<strong>de</strong> Lobatchevski. E, se essa tal topologização po<strong>de</strong> ter algum interesse para nós, ele resi<strong>de</strong> justamente na<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nos fazer olhar e perceber o pensamento não como formas geometrificáveis provenientes<br />

<strong>de</strong> alguma or<strong>de</strong>nação gestáltica, mas em termos <strong>de</strong> espaços e <strong>de</strong> vizinhanças n-dimensionais, traduzindo<br />

justamente essa precarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> domínios <strong>de</strong> valida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> imagens, chegando até as dimensões<br />

fracionárias dos fractais. Assim, esse pensamento que se exercita no ciberespaço po<strong>de</strong> aparecer não como<br />

uma ativida<strong>de</strong> preestabelecida em caminhos sobejamente conhecidos, em rotas traçadas na direção<br />

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