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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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Essa busca pela própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, em meio a fragmentos e ruínas e multiplicida<strong>de</strong>s, não precisa ser<br />

necessariamente melancólica. Assim como a exploração do ciberespaço não tem necessariamente que cair<br />

nas duas formas <strong>de</strong> melancolia acima <strong>de</strong>scritas: a da multiplicação indiscriminada e incontrolada <strong>de</strong><br />

informações e a do solipsismo e do fechamento individualista em si mesmo. De fato, há vários processos <strong>de</strong><br />

construção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong>s no ciberespaço e nem todos <strong>de</strong>vem levar necessariamente a<br />

essa lacuna <strong>de</strong> si e a essa ausência <strong>de</strong> sentidos (seja pelo acúmulo in<strong>de</strong>finido e indiscriminado <strong>de</strong><br />

significantes, seja pela imposição <strong>de</strong> uma fisionomia única e redutora a todo e qualquer elemento<br />

significante). Mas mesmo essas duas <strong>de</strong>vem fazer parte <strong>de</strong> uma tipologia mais geral e mais abrangente que<br />

tente dar conta das diferentes maneiras <strong>de</strong> o sujeito colocar-se diante <strong>de</strong> si e <strong>de</strong>ssa teia <strong>de</strong> elementos<br />

significantes que estamos chamando <strong>de</strong> ciberespaço. Em resumo, po<strong>de</strong>m-se propor três tipos básicos <strong>de</strong><br />

processo <strong>de</strong> subjetivação: 1) uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> absoluta e além do sujeito; 2) uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> relativizada e<br />

aquém do sujeito; 3) uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> provisória e não programática. E é claro que estaremos, <strong>de</strong> ora em<br />

diante, fazendo pen<strong>de</strong>r discussões e pontos <strong>de</strong> vista para esta última, pois ela parece ser, diante das duas<br />

outras, a única possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escapar à melancolia que vem da proliferação <strong>de</strong>scontrolada do múltiplo<br />

ou que resulta da repetição <strong>de</strong> si mesmo.<br />

Tomemos então, primeiramente, essa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> absoluta e além do sujeito. Ela parece se manifestar,<br />

por exemplo, pelas próteses tecnológicas e/ou cibernéticas com que se dotam os corpos (e, em <strong>de</strong>corrência,<br />

as próprias ativida<strong>de</strong>s humanas implicadas). Vale dizer que, quando nos referimos a humano, estamos<br />

pensando naquilo que se encontra ainda aquém dos gestos e das intenções significantes e lhes serve <strong>de</strong><br />

ponto <strong>de</strong> partida: por trás da atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> indicar um objeto ou uma direção, está o <strong>de</strong>do que aponta, a mão<br />

que o contém, o braço que o sustenta, o ombro que o ampara, o tronco <strong>de</strong> on<strong>de</strong> ele nasce, em suma, está<br />

o corpo inteiro flexionado e fletido para dar a si e entregar ao mundo certa significação. Quando<br />

escon<strong>de</strong>mos nosso corpo com aparatos com que ele não nasceu, quando outorgamos a nossos gestos uma<br />

origem externa ao espaço e ao alcance <strong>de</strong> nossos corpos, estamos naquela situação, criticada por Virilio, <strong>de</strong><br />

nos dotarmos <strong>de</strong> uma virtualida<strong>de</strong> realizada às expensas <strong>de</strong> nossa própria circunstância corpórea. Estamos,<br />

também, na posição <strong>de</strong>scrita (e exaltada) por Pierre Lévy, quando se refere ao duo pensante homemmáquina.<br />

No caso do ciberespaço, trata-se da impressão <strong>de</strong> que nossa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> não passaria mais pelo<br />

reencontro <strong>de</strong> nós em nossos próprios gestos, no reconhecimento <strong>de</strong> nossa fisionomia no que fazemos e nas<br />

significações que propomos às coisas e aos fatos, na maneira como visamos a um mundo <strong>de</strong> significações<br />

que se instala a nossa volta. Nossa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> estaria, <strong>de</strong>ssa forma, não na extensão <strong>de</strong> nossos gestos e <strong>de</strong><br />

nossos corpos em direção a algum elemento significante que eventualmente construiríamos ou<br />

perceberíamos ou para o qual apontaríamos, mas apenas e tão-somente no além <strong>de</strong> uma extensão<br />

maquínica, <strong>de</strong> um processo cujo sentido e cujo alcance nunca tivessem feito parte <strong>de</strong> nossas intenções e<br />

percepções diretas, <strong>de</strong> um processo, em suma, que viria até nós sem ser por nós produzido ou percebido.<br />

Trata-se <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que po<strong>de</strong>ríamos classificar como místico-tecnológica, pois consiste no<br />

esvaziamento <strong>de</strong> nossa própria singularida<strong>de</strong> em proveito da exteriorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma tela, <strong>de</strong> um dado<br />

en<strong>de</strong>reço eletrônico, <strong>de</strong> ligações a en<strong>de</strong>reços eletrônicos outros, <strong>de</strong> interações impostas por uma lógica <strong>de</strong><br />

leitura e <strong>de</strong> navegação estranhas a nossas expectativas e experiências, em resumo, <strong>de</strong> elementos<br />

significantes que parecem surgir <strong>de</strong> uma exteriorida<strong>de</strong> absoluta e além do sujeito. E por que místico?<br />

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